Doenças Inflamatórias intestinais inespecíficas
Colite Microscópica
A colite microscópica (CM) é definida como inflamação crônica do cólon, que se
apresenta com quadro de diarréia profusa, sem sangue ou muco e se caracteriza por
modificações histológicas em uma mucosa radiológica e endoscopicamente normal. O
1
termo CM foi utilizado pela primeira vez em 1980 . Há dois tipos histológicos de CM;
a colite colágena (CC) e a colite linfocitária (CL). Para alguns autores, ainda não está
claro se essas entidades são distintas ou se fazem parte do espectro de uma mesma
2
doença . Há relatos de pacientes diagnosticados com um tipo de colite e com mudança
de diagnóstico para outro tipo com o passar do tempo ou pacientes com histologia
mista. A nomenclatura atual abriga os dois tipos sob o termo CM. É uma das causas
importantes de diarréia crônica com incidência estimada de 1,8 a 3,4/100.000
pessoas/ano e prevalência de 10 a 16 casos por 100.000 pessoas. Na mulher idosa a
incidência pode alcançar 20 casos/100.000 pessoas. A CC é sete vezes mais comum nas
mulheres, incidindo em geral na 6 década da vida, em média aos 59 anos. No entanto,
há casos diagnosticados na infância. A CL é igualmente distribuída entre homens e
3
mulheres, surgindo um pouco mais cedo, em média aos 54 anos . Há relato de
ocorrência de casos da CM em uma família, mas não está claro se uma verdadeira
2
predisposição familiar existe .
A etiologia da CM é desconhecida e motivo de discussão. Há alguns relatos sobre
o potencial mecanismo fisiopatológico da CM. Sugeriu-se que os dois tipos histológicos
seriam etapas evolutivas de um mesmo processo. A associação com doenças autoimunes (tireoidite, doença celíaca, artrite) lembrou a possibilidade da auto-imunidade.
Pensou-se também em etiologia infecciosa e descreveu-se a associação com
antiinflamatórios não hormonais e com a ticlopidina. A possibilidade de uma reação a
um antígeno alimentar foi evocada considerando dados anatomo-patológicos
4
semelhantes aos da doença celíaca . Dessa forma, as hipóteses variam de problemas
relacionados à imunidade ou à auto-imunidade até infecção por uso de medicamentos.
No entanto, esses dados são de pequenos estudos, com resultados conflitantes e que não
permitem uma conclusão definitiva. Talvez o termo clínico-patológico CM englobe
diferentes doenças ou mecanismos fisiopatológicos com similar expressão histológica.
A CM deve ser discutida dentro do escopo da abordagem dos pacientes com
diarréia. A duração do quadro é considerada para definir diarréia aguda (até 4 semanas)
da diarréia crônica. As causas da diarréia aguda e crônica são diferentes assim como a
abordagem clínica e endoscópica. O sintoma característico da CM é a diarréia aquosa
crônica ou intermitente, podendo ocorrer episódios noturnos. Não há repercussão sobre
o estado geral e o exame físico não mostra dado positivo. No entanto, alguns pacientes
podem ter dor abdominal e perda de peso, enquanto náusea e incontinência fecal
4
ocorrem em uma minoria . Febre alta, vômitos ou perda de sangue nas fezes sugerem
outro diagnóstico. Artralgias e várias condições auto-imunes podem ocorrer em
4
pacientes com CM . O conteúdo de eletrólitos nas fezes sugere diarréia secretória e
podem aparecer leucócitos nas fezes. A presença de sangue, muco ou gordura nas fezes
2
sugere outro diagnóstico . Alguns pacientes podem apresentar elevação da velocidade
de hemo-sedimentação e marcadores auto-imunes positivos, como anticorpo antinuclear. Na maioria das vezes, os exames laboratoriais servem para excluir outras
doenças.
Em centros de referência, a CM é responsável por 10% dos casos de diarréia
5
crônica . Nesses pacientes, a colonoscopia com biopsias é de grande valor no
diagnóstico. A histologia é essencial considerando que em algumas doenças a mucosa
esta macroscopicamente normal, como por exemplo, na doença inflamatória intestinal
quiescente, colite eosinofílica, amiloidose e CM6. A acurária da colonoscopia em
pacientes com diarréia crônica varia de 7 a 32%, com a doença inflamatória intestinal e
7
a CM sendo as doenças mais diagnosticadas . Em estudo retrospectivo de 809 pacientes
com diarréia crônica submetidos a colonoscopia com biopsias, mais de 99% das 122
8
espécimes com histologia alterada foram identificadas em biopsias do cólon esquerdo .
A maioria (80 de 122) mostrou CM. Dessa forma, os autores consideraram que a
sigmoidoscopia seria um método com melhor custo-benefício que a colonoscopia. A
realização de biopsias somente do cólon esquerdo levaria a perda de diagnóstico em
2
menos de 4% dos pacientes . Outro artigo mostrou dados semelhantes: em pacientes
com diarréia e idade inferior a 50 anos o índice de predição negativa da retosigmoidoscopia para CM foi de 99%, desde que sejam feitas múltiplas biopsias do cólon
9
esquerdo . No entanto, outros autores mostraram que a distribuição da CM pode ser
focal e o diagnóstico poderá não ser feito se as biopsias forem realizadas somente no
5,10
cólon esquerdo
. Dessa forma, em pacientes com diarréia crônica e suspeita de CM
alguns autores sugerem realizar reto-sigmoidoscopia com biopsias do cólon
2,8,9
esquerdo
enquanto outros recomendam fazer múltiplas biopsias do cólon esquerdo e
5,10
direito
. As biopsias do íleo terminal também podem ser úteis no paciente com
diarréia e mucosa ileal endoscopicamente normal. A acurácia destas biopsias varia de 0
a 4,2%, especialmente em pacientes com ou suspeita de doença de Crohn, diarréia
inflamatória e naqueles infectados com o vírus HIV. Nos pacientes com CM as biopsias
5
do íleo terminal endoscopicamente normal não contribuem com o diagnóstico . No
entanto, devemos lembrar a associação entre CM e doença celíaca. Mais de 1/3 dos
pacientes com doença celíaca tem achados sugestivos de CM nas biopsias do cólon,
enquanto 2 a 10% dos pacientes com CM tem alterações consistentes com doença
4
celíaca nas biopsias do intestino delgado . Além disso, testes sorológicos para doença
celíaca podem ser positivos em mais de 17% dos pacientes com CM. Dessa forma a
doença celíaca deve ser considerada em pacientes com CM, especialmente naqueles
refratários à terapia padrão. Nesses pacientes as biopsias do intestino delgado devem ser
2
realizadas .
O exame anátomo-patológico é fundamental para o diagnóstico da CM e para
diferenciar a CC da CL. Algumas características histológicas são comunas às duas
formas de colite, tais como o aumento de linfócitos intra-epiteliais, lesões no epitélio de
2
superfície e infiltrado mononuclear no córion . Na CC, deposita-se colágeno sob a
mucosa, levando a um espessamento significativo e não contínuo da camada basal subepitelial. A CL, por sua vez, caracteriza-se por um aumento das células inflamatórias
mononucleadas, monócitos e linfócitos, que se distribuem pelo cólon e, sobretudo, pelo
4
epitélio superficial . O aumento de linfócitos deve ser superior a 20/100 células
epiteliais, contra um máximo de 6/100 no cólon normal. No entanto, devemos lembrar
que as alterações da CM são inespecíficas e que achados histológicos semelhantes são
ocasionalmente encontrados em outras condições e até mesmo em pacientes sem
4
diarréia .
Embora o conceito consagrado seja de uma colonoscopia normal na CM, existem
11
relatos de alterações endoscópicas que estariam associadas à CC . A presença de
erosões lineares ou finas lacerações no cólon transverso e cólon direito foram relatadas
em pacientes com diarréia e histologia de CC. Há casos de perfuração logo após a
colonoscopia e essas alterações endoscópicas seriam um sinal de alarme indicando que
12
o exame deve ser interrompido . Especula-se que estas erosões ou lacerações seriam
causadas por barotrauma em um cólon com diminuição da elasticidade e certa rigidez
causada pelo espessamento do colágeno. A predominância destas alterações em cólon
direito seria explicada pela suposta tensão mais elevada nesta região do cólon que
apresenta diâmetro maior. No entanto essas erosões ou lacerações também podem
ocorrer no cólon esquerdo. Também podem ser vistas pequenas cicatrizes lineares ou
em ponte, certamente processo cicatricial das lacerações. Embora estas alterações sejam
fortemente associadas a CC, elas também podem ocorrer no barotrauma em pacientes
12
sem doença do cólon ou em outros tipos de colite .
O tratamento para a CM é baseado em relatos de casos e pequenas séries de
pacientes e somente o sub-salicilato de bismuto e a budesonida foram testados em
4
estudos controlados . Como os anti-inflamatórios não hormonais podem exacerbar o
quadro clínico, eles devem ser descontinuados, assim como o uso de cafeína, álcool e
qualquer produto dietético. A terapia inicial, especialmente para casos com
sintomatologia leve a moderada, deve ser com agentes anti-diarréia como a loperamida
2
e atropina . Se não houver sucesso com esses agentes o salicilato de bismuto deve ser
utilizado. Recomenda-se um período de tratamento de 6 a 8 semanas, embora a duração
adequada do tratamento ainda não esteja definida. Para aqueles que apresentam
2
recorrência precoce a terapia pode ser mantida por períodos maiores . A maioria dos
pacientes cursa com períodos de exacerbação e melhora espontânea ou induzida pelos
medicamentos. Se o quadro de diarréia não melhora a próxima intervenção terapêutica
inclui a sulfasalazina ou mesalamina, embora duas séries retrospectivas tenham
13
mostrado benefício em menos da metade dos pacientes . A colestiramina também tem
bons resultados, embora com baixa tolerância. Pacientes com CM refratária aos
medicamentos descritos respondem a corticoterapia. No entanto, antes dessa alternativa,
o diagnóstico deve ser revisto e a existência de doença celíaca ou de infecção deve ser
afastada.
A budesonida, um corticóide sintético, mostrou-se eficaz e superior ao
placebo em pacientes com CC. Dessa forma, pelo menos na CC, é razoável considerar a
budesonida quando o paciente não responde a terapia antidiarréica ou ao bismuto, antes
2
de usar a sulfasalazina ou colestiramina . Outros corticoteróides são eficazes na CM. No
entanto, as taxas de recaída são altas após a interrupção do corticóide e alguns pacientes
podem ficar dependentes. Para esses pacientes a alternativa é o uso de azatioprina ou
2,13
mercaptopurina, embora a experiência clínica com esses agentes seja limitada
.
Doenças inflamatórias intestinais
Introdução:
As doenças inflamatórias intestinais (DII) são enfermidades inflamatórias
crônicas, de causa e cura ainda desconhecidas e curso imprevisível, o que gera elevado
grau de insegurança aos portadores e também a equipe de profissionais que os trata.
É diagnosticada por um grupo de características clínicas, endoscópicas,
radiológicas e histológicas, mas não existe nenhum achado que isoladamente, possibilite
o diagnóstico definitivo de uma ou outra doença.
A resposta inflamatória na retocolite ulcerativa (RCUI) fica, em grande parte
confinada à mucosa e submucosa, mas na doença de Crohn (DC) a inflamação tem
padrão transmural, ou seja, acomete desde a mucosa até a serosa.
A RCUI é confinada ao cólon e a colectomia total é um procedimento curativo. A
DC, diferentemente, pode afetar qualquer parte do trato gastrointestinal, embora as
partes mais comumente envolvidas sejam o intestino delgado distal e o cólon. Na DC a
ressecção do segmento inflamado não é curativa, existindo risco de recidiva do processo
inflamatório.
Podem ocorrer manifestações extra-digestivas associadas ou isoladas, podendo
ocorrer mais frequentemente na pele, articulações, olhos, fígado e trato urinário.
Epidemiologia:
A incidência e prevalência variam com a localização geográfica. Os índices mais
altos estão na população branca da Europa setentrional e da América do norte onde a
incidência para cada uma destas doenças é de aproximadamente 5 por 100.000
habitantes, e a prevalência é de 50 por 100.000 habitantes. Os índices na Europa central
e meridional são mais baixos. Na América do Sul, Ásia e África são encontrados índices
ainda menores14.
São doenças mais comuns em judeus do que em indivíduos de outros grupos
étnicos.
Para ambas as doenças a incidência é igual em homens e mulheres. A idade de
pico para o surgimento destas doenças situa-se entre 15 e 25 anos, com um pico menor
entre 55 e 65 anos. Ambas as doenças podem ocorrer na infância embora seja rara a
incidência abaixo dos 15 anos14.
Fisiopatologia
Genética
O fator de risco mais importante para a DII é a história familiar positiva.
Aproximadamente 15 % dos pacientes com DII tem parentes de primeiro grau
acometidos pela doença, e a incidência é entre 30 e 100 vezes a da população geral. As
percentagens de concordância nas duas doenças são iguais para gêmeos dizigóticos e
mais altas para gêmeos monozigóticos. Acredita-se que a DC seja geneticamente
complexa e parece necessitar de múltiplos fatores genéticos além de fatores ambientais.
As primeiras mutações bem caracterizadas associadas a DC foram no NOD2, um gene
que codifica uma proteína que atua como receptor intra-celular para um antígeno da
parede bacteriana, muramil dipeptídeo. Mutações no NOD2 são encontradas em cerca
de 15 % dos pacientes com DC15.
Patogênese
Em pacientes com DII a lâmina própria está infiltrada com linfócitos, macrófagos
e outras células do sistema imune. Ainda não foi possível identificar um patógeno
microbiano específico que desencadeie a resposta imune. Qualquer que seja o gatilho
antigênico, linfócitos T ativados da lâmina própria estão envolvidos na patogênese da
DII.
Patologia
A RCUI e a DC tem aspecto patológico característico. Entretanto esse quadro
patológico pode não ser específico o suficiente para diferenciação entre estas duas
entidades e mesmo o diagnóstico diferencial como colites infecciosas ou colopatia
isquêmica.
Na RCUI, a inflamação tem origem no reto, estende-se proximalmente até certa
distância, e em seguida para abruptamente, com nítida demarcação entre a mucosa
envolvida e a mucosa intacta. Nos casos leves existem erosões superficiais e na doença
grave úlceras superficiais comprometendo a camada muscular da mucosa apenas em
casos graves. O acometimento da muscular própria existe apenas em casos fulminantes
da doença. A RCUI ativa se caracteriza por neutrófilos na mucosa e submucosa e por
aglomerados de neutrófilos no lúmen das criptas (abscessos crípticos). Ocorre depleção
de muco, edema da mucosa e congestão vascular acompanhada de hemorragia focal16.
Na DC a parede intestinal encontra-se espessada e rígida. O mesentério está
espessado, inflamado e rígido. Ocorre espessamento de todas as camadas do intestino, e
o lúmen pode estar estenosado. A presença de lesões descontínuas com duas áreas
envolvidas separadas por intestino normal sugere DC. A inflamação do cólon com
preservação do reto também sugere DC. A lesão mais precoce da DC é a úlcera aftóide
que tipicamente ocorre sobre placas de Peyer no intestino delgado e sobre agregados
linfóides no cólon. Com o avanço da doença as úlceras aumentam de tamanho e tornamse estreladas ou serpiginosas. Por fim estas úlceras coalescem formando úlceras
longitudinais ou transversais. As ilhas remanescentes de mucosa não ulcerada dão ao
intestino um aspecto de paralelepípedo (cobblestone). Formam-se fissuras desde a base
das úlceras que se extendem pela muscular até a serosa. Existem agregados linfóides na
submucosa e externamente a camada muscular própria. São comuns os granulomas na
DC16.
Manifestações Clínicas:
Retocolite Ulcerativa
A RCUI ocorre apenas no intestino grosso com lesões superficiais que acometem
a camada mucosa. As lesões são contínuas e podem atingir o órgão em parte ou como
um todo (pancolite), havendo, inclusive, a possibilidade remota de haver inflamação no
íleo terminal por refluxo (ileíte por refluxo).
O sintoma dominante é a diarréia, com inúmeras evacuações por dia, geralmente
com fezes líquidas associadas a sangue, muco e pus nas fezes. As evacuações são
freqüentes, mas de pequeno volume, como resultado da irritabilidade do reto inflamado.
Urgência e incontinência fecal podem limitar a capacidade do paciente em desempenhar
as suas funções sociais.
Outros sintomas são febre e dor, que podem ocorrer em andar inferior do abdome
ou no reto.
Sintomas sistêmicos como febre, mal estar e perda de peso, são mais comuns
quando existe envolvimento de todo o cólon ou de sua maior parte. Estes sintomas
podem ter mais efeito do que a diarréia na capacidade funcional do paciente.
Alguns pacientes, sobretudo os idosos podem se queixar de constipação, em vez
de diarréia, porque o espasmo retal pode impedir a eliminação de fezes.
Habitualmente a RCUI se inicia de forma indolente, como uma diarréia sem
sangue e que progride para a diarréia com sangue. Em 75% dos pacientes, após o
primeiro ataque, a doença segue um curso intermitente e crônico, com longos períodos
de quiescência entremeados por ataques agudos que se prolongam por semanas a meses.
Entre 5 a 15% dos pacientes apresentam uma evolução contínua e crônica, sem
remissão. De 5 a 10% dos pacientes apresentam um surto sem sintomas subseqüentes
por mais de 15 anos.
A gravidade do surto inicial irá ditar a conduta terapêutica. Por isto é essencial
uma avaliação meticulosa para dimensionar adequadamente a doença.
Na RCUI de gravidade leve a moderada, pode ocorrer dor à palpação sobre a área
afetada do cólon, e o exame retal pode revelar dor ou sangue na luva. Em casos graves o
paciente pode estar febril e taquicárdico.
Anemia, leucocitose e aumento da velocidade de sedimentação dos eritrócitos
(VHS) são achados úteis na confirmação de doença grave e no acompanhamento do
curso clínico de uma exarcebação grave. Em pacientes com diarréia intensa, são
observados distúrbios hidro-eletrolíticos, particularmente a hipopotassemia16.
Doença de Crohn
A DC tem um quadro muito mais diversificado, com sintomas que a confundem
com outras doenças, retardando o estabelecimento do diagnóstico. Assim como a RCUI
a DC acomete com maior constância a população jovem. O quadro clínico é muito
variado, pois depende da duração, localização, extensão, atividade da doença e presença
ou não de complicações.
A DC apresenta um entre três padrões principais: (1) Doença do íleo e ceco (40%
dos pacientes), (2) doença restrita ao intestino delgado (30%) e (3) doença restrita ao
cólon (25%). É muito menos comum o acometimento de porções mais proximais do
trato gastrointestinal (boca, língua, esôfago, estômago e duodeno) pela DC.
A DC apresenta fases e, nestas, o quadro clínico pode ser totalmente diferente.
Os sintomas predominantes são diarréia, dor abdominal e perda de peso. Qualquer
um destes três sintomas pode ficar mais evidente em determinado paciente. As queixas
de diarréia intermitente e dor abdominal vaga podem durar vários anos antes que este
diagnóstico seja considerado.
A diarréia ocorre em praticamente todos os indivíduos com DC, mas o padrão
varia com a localização anatômica da doença. Em pacientes com envolvimento do
cólon, especialmente o reto, a diarréia é de pequeno volume e esta associada à urgência
e tenesmo. Inflamação no reto causa perda da distensibilidade causando necessidade
imediata e urgente de defecar. A inflamação prolongada e a formação de cicatrizes no
reto podem deixar este órgão tão rígido e não distensível que o paciente pode se tornar
incontinente. Na doença restrita ao intestino delgado as fezes tem maior volume e não
estão associadas à urgência e nem ao tenesmo. Pacientes com envolvimento grave do
íleo terminal e pacientes que já foram submetidos a ressecções cirúrgicas do íleo
terminal podem ter diarréia induzida por sais biliares (colerética) ou esteatorréia. O
sangramento retal da DC, de modo geral é menos freqüente do que na RCUI.
A dor abdominal é o principal sintoma da DC. Geralmente em cólica e mais
intensa que na RCUI. A localização e o padrão da dor correlacionam-se com a
localização da doença. Em pacientes com doença ileal ocorre dor em cólica no
quadrante inferior direito do abdome após as refeições, relacionada com a obstrução
parcial e intermitente da luz intestinal estenosada. Distensão abdominal, náuseas e
vômitos podem acompanhar a dor.
A perda de peso em diferentes graus de intensidade, que ocorre na maioria dos
pacientes com DC, independente da localização anatômica, é resultante de má absorção
ou da redução da ingestão de alimentos por causa da dor.
A febre pode ocorrer em 20 a 50% dos casos, seja pelo processo inflamatório em
si, seja pelas complicações do tipo supurativo (abscessos, fístulas), podendo ser
manifestação única ou predominante, levando muitas vezes, à investigação exaustiva de
febre de etiologia indeterminada.
Défict de crescimento e o retardo de maturação sexual ocorrem em cerca de 6 a
50% dos casos de crianças com DC e podem preceder a doença por vários anos.
Os achados físicos da DC também variam de acordo com sua distribuição e
gravidade. O abdome pode estar doloroso à palpação, principalmente sobre a área
afetada pela doença. Alças intestinais espessadas, mesentério espessado ou abscessos
podem provocar o surgimento de massas, freqüentemente no quadrante inferior direito
do abdome.
As manifestações perianais são observadas em até 50% dos pacientes e podem
variar de abscessos, fístulas, fissuras, úlceras até estenose do canal anal.
Os achados laboratoriais são amplamente inespecíficos. Pode haver anemia,
leucocitose discreta a acentuada, dependendo da presença de abscessos. A velocidade de
sedimentação dos eritrócitos é utilizada no acompanhamento da atividade da doença e
tende a ser mais elevada na doença de cólon do que na doença ileal. Hipoalbuminemia é
indicação de desnutrição16.
Manifestações extraintestinais
Aproximadamente 20% dos pacientes com DII podem apresentar manifestações
extra-intestinais. A artrite ou artralgia é a mais freqüente, acometendo 10 a 20% dos
casos. Geralmente o envolvimento articular não produz deformações, é migratório,
assimétrico, ocorrendo preferencialmente nas articulações dos joelhos, quadris,
tornozelos e cotovelos. Em todo paciente com artropatia soronegativa para doença
reumática deve-se pesquisar DII. O tratamento bem sucedido da inflamação intestinal
resulta em melhora da artrite.
Em alguns casos podem ocorrer sacroileíte e espondilite anquilosante, muitas
vezes como a primeira manifestação da doença. Em pacientes com RCUI existe um
aumento de 30 vezes a incidência de espondilite anquilosante em comparação com a
população geral. Os anti-inflamatórios não esteróides reduzem a inflamação e a dor,
mas não impedem a progressão da doença. O tratamento conservador e o cirúrgico
(colectomia) da DII não conseguem controlar a evolução da espondilite anquilosante.
O envolvimento da pele e da mucosa oral ocorre em 4 a 20% dos pacientes. Na
boca as lesões são aftas e acompanham a atividade da doença intestinal. O eritema
nodoso ocorre em 2 a 4% dos casos. Caracteriza-se por lesões nodulares, avermelhadas,
dolorosas, não ulceradas, com diâmetro de 1 a 5 cm, mais comumente localizados nas
regiões anteriores das pernas.
O pioderma gangrenoso quase sempre ocorre durante um episódio de colite aguda,
sendo comum o seu desaparecimento com o controle da colite por corticoides orais. Em
alguns casos pode ser necessária a colectomia. Ele pode surgir em qualquer parte do
corpo, sendo, entretanto mais freqüente nas áreas de maior trauma e de punção de
agulhas. São úlceras grandes, profundas, com centro necrótico e geralmente infectadas.
Várias outras lesões de pele como vitiligo, vasculites, rosácea e alopecia podem
ocorrer.
As manifestações oculares acometem de 1 a 10 % dos pacientes, sendo as mais
comuns a episclerite, a uveíte e irite. As duas últimas são mais graves e podem levar a
cegueira. Os sintomas mais comuns são a dor ocular, fotofobia, borramento da visão e
cefaléia. Essas lesões podem preceder o início dos sintomas intestinais e não guardam
relação com a atividade da doença.
O envolvimento hepático é relativamente freqüente. De 15 a 50% dos pacientes
apresentam alterações das provas de função hepática. A manifestação mais importante
pela sua gravidade é a colangite esclerosante. Ela pode ocorrer em 1 a 5 % dos pacientes
com DII. O diagnóstico definitivo é dado pela colangiografia endoscópica retrógrada. A
colectomia e o tratamento clínico da DII não melhoram o curso da colangite
esclerosante.
Os prováveis mecanismos responsáveis pelas manifestações extraintestinais na DII
são os imunocomplexos circulantes, antígenos bacterianos, crioproteínas circulantes e
reações imunes que envolvem anticorpos contra antígenos de células epiteliais
intestinais16.
Diagnóstico endoscópico
A endoscopia é uma modalidade diagnóstica e terapêutica importante na DII. Ela é
importante no diagnóstico inicial da DII, na diferenciação entre DC e RCUI, no
estadiamento da extensão e atividade da doença, na monitorização da resposta
terapêutica, na vigilância para o aparecimento de displasia e neoplasia e para promover
tratamentos endoscópicos como a dilatação de estenoses17.
Colonoscopia com ileoscopia
A colonoscopia com ileoscopia permite a visualização direta e biópsias do reto
cólon e íleo terminal. A colonoscopia com ileoscopia deve ser realizada na avaliação
inicial dos pacientes com apresentação clínica sugestiva de DII. A contra-indicação a
realização da colonoscopia é a colite grave e a possibilidade de megacólon tóxico.
O preparo de cólon com soluções a base de fosfato de sódio e os anti-inflamatórios
não esteróides devem ser evitados antes da colonoscopia inicial porque podem causar
alterações da mucosa que mimetizam a DII18.
É de valor limitado a colonoscopia no diagnóstico diferencial com outras formas
de colite como a colite infecciosa, a colite induzida por drogas, a colite isquêmica e a
colite actínica. Contudo, as informações obtidas na colonoscopia inicial, são
importantes no diagnóstico diferencial entre DC e RCUI. Após o início da terapia,
alguns aspectos característicos como o padrão segmentar e o acometimento do reto
podem ser obscurecidos19.
Durante o exame de colonoscopia deve-se ter atenção especial para a região anal e
perianal, pois anormalidades são comuns em DC.
Os fatores diagnósticos mais úteis utilizados para diferenciar a DC da RCUI são a
colite segmentar, o envolvimento do reto, o envolvimento do íleo terminal e a presença
de doença anal ou perianal associada. Outros fatores sugestivos de DC são as úlceras
aftóides, as úlceras discretas, as úlceras serpiginosas e o aspecto de calçamento da
mucosa
(cobblestone).
Entretanto,
nenhum
dos
aspectos
endoscópicos
são
20
patognomônicos para DC ou RCUI . As imagens endoscópicas de 1 a 7 mostram
aspectos da RCUI no cólon e as imagens 8 e 9 mostram aspectos da RCUI recidiva
em bolsa feita do intestino delgado distal após colectomia por colite ulcerativa
(bolsite). As imagens 10 a 14 alterações no íleo terminal na DC, as fotos 15 a 17
alterações na válvula íleo-cecal na DC e as fotos 18 a 22 alterações no cólon na DC.
A ileoscopia é importante para distinguir a íleite por DC da ileíte por refluxo cólon
ileal que pode estar presente em até 10% dos casos de RCUI. Os aspectos a favor da
ileíte na DC incluem úlceras discretas ou estenoses do íleo terminal ou da válvula-íleocecal21.
A RCUI pode progredir proximalmente com o tempo, com alterações
inflamatórias em torno do orifício apendicular e no fundo cecal.
A endoscopia juntamente com outras modalidades diagnósticas pode diferenciar a
DC da RCUI em mais de 85% das vezes22. A biópsia mucosa é um fator crítico do
exame endoscópico de pacientes com suspeita de DII na tentativa de diferenciar a DII
de outras formas de colite.
Quando as anormalidades da inflamação colônica não são específicas para DC
nem para RCUI, o que pode ocorrer em até 10% dos casos, deve-se fazer o diagnóstico
de colite não classificada23.
A tabela 1 contém as principais características endoscópicas da DC e da RCUI
Tabela 1. Características da Doença de Crohn e da Retocolite Ulcerativa24.
Doença de Crohn
Retocolite Ulcerativa
Reto frequentemente poupado
Reto sempre envolvido
Lesões saltitadas
Envolvimento uniforme contínuo
Úlceras aftóides
Perda do padrão vascular
Aspecto em pedra de calcamento
Enantema difuso
Úlceras longitudinais e serpiginosas
Aspecto granular da mucosa
Fístulas
Não há fístulas
Ulceração no íleo terminal
Presença de estenose
Aparência normal do íleo terminal
Ausência de estenose
Apesar de não haver um único critério patológico que possa estabelecer o
diagnóstico da DII, as biópsias podem ajudar a diferenciar a DC da RCUI e podem
ajudar a diferenciar a DC e a RCUI de outras formas de colite. As biópsias devem ser
colhidas de áreas acometidas e de áreas com aspecto normal e devem ser separadas e
identificadas.
Vários fatores sugerem cronicidade, indicando DII no lugar de colites infecciosas,
como distorção de arquitetura, plasmocitose basal, aumento de celularidade da lâmina
própria, metaplasia de glândulas pilóricas e metaplasia de célula de Paneth. A RCUI
ativa se caracteriza por neutrófilos na mucosa e submucosa e por aglomerados de
neutrófilos no lúmen das criptas (abscessos crípticos). Ocorre depleção de muco, edema
da mucosa e congestão vascular acompanhada de hemorragia focal. Embora a presença
de granulomas sugiram DC, a freqüência de sua detecção varia de 15 a 36% nos
espécimes de biópsias25. Taxas maiores de detecção dos granulomas podem ser obtidas
quando os fragmentos de biópsias são colhidos das bordas das úlceras e das erosões
aftóides. Os granulomas não são patognomônicos de DC e podem ser encontrados em
outras doenças como a tuberculose, infecções bacterianas e fúngicas, Diversion colites,
sarcoidose e em reações de corpo estranho (particularmente de linhas de sutura em
pacientes com cirurgias prévias de ressecção intestinal). As fotos 1 e 2 da histologia na
RCUI mostram colite crônica com distorção de glândulas e microabscessos
crípticos. As fotos 3, 4 e 5 da histologia da RCUI mostram colite ulcerativa intensa
com distorção arquitetural, exocitose neutrofílica e intra-glandular além de erosão
e lâmina própria com linfoplasmócitos e neutrófilos. As fotos 6 e 7 da histologia na
DC mostram ileíte acentuada e colite erosiva subaguda leve, ambas com esparsos
granulomas na lâmina própria (imagens histológicas foram cedidas pelo Serviço de
Anatomia-Patologia Diagnóstica do Hospital Mater Dei de Belo Horizonte).
As biópsias também ajudam a delimitar a extensão do cólon que está inflamado, o
que pode ser útil na determinação do prognóstico, no direcionamento do tratamento
clínico ou cirúrgico e para estratificar o risco de displasia. A extensão da inflamação
pode ser classificada como proctite, colite esquerda (inflamação até o ângulo esplênico),
colite extensa (inflamação proximal ao ângulo esplênico) ou pancolite. A extensão da
inflamação endoscópica não se correlaciona necessariamente com a inflamação
histológica. A colonoscopia subestima a extensão da doença quando comparada com a
histologia. A extensão da doença deve ser determinada pelo exame histológico no lugar
dos achados endoscópicos.
A colonoscopia é uma ferramenta objetiva para acessar a atividade da doença na
DC e na RCUI. Os sintomas subjetivos do paciente não são indicadores confiáveis da
gravidade da doença. Além do mais, existe uma correlação fraca entre os scores de
sintomas, o grau de inflamação endoscópica e entre a remissão clínica e a cura da
mucosa. A colonoscopia pode ser útil em prever a necessidade de intensificar o
tratamento clínico ou de uma intervenção cirúrgica. Com o uso de imuno-moduladores
e da terapia biológica para o tratamento da DII, os achados endoscópicos são
necessários para se verificar a resposta a terapia. Nos estudos farmacológicos mais
recentes a documentação endoscópica da cura da mucosa é considerada um ponto crítico
de medida evolutiva20.
Reto-sigmoidoscopia flexível
A reto-sigmoidoscopia pode ser útil em certas circunstâncias para a avaliação de
pacientes com DII. Ela pode obter o diagnóstico e deve ser realizada preferencialmente
quando a colonoscopia é considerada de alto risco (colite fulminante). Em pacientes
com o diagnóstico estabelecido de RCUI a reto-sigmoidoscopia pode definir a atividade
da doença e pode ser útil na avaliação de colites oportunistas incluído infecções pelo
citomegalovírus, Clostridium difficile e na colite isquêmica quando ocorrerem
exarcebações20.
Endoscopia digestiva alta.
A endoscopia digestiva alta pode ser útil na avaliação de pacientes com DII. O
envolvimento do trato digestivo alto, proximal ao ângulo de Treitz, pode ocorrer em até
13% dos pacientes com DC26. Em pacientes com colite indeterminada, o achado de
envolvimento do trato digestivo alto pode ajudar a estabelecer o diagnóstico de DC.
Entretanto, quando o trato digestivo alto está acometido na DC, a doença usualmente
está presente em outras áreas como o íleo terminal, o cólon ou a região perianal. Ou
seja, a endoscopia digestiva alta não é indicada rotineiramente em todos os pacientes
com suspeita de DC. Além disso, pacientes com RCUI podem também apresentar
alterações inflamatórias do trato digestivo alto como uma duodenite difusa. Os achados
endoscópicos nestes pacientes incluem edema, enantema, erosões e espessamento das
pregas mucosas. O exame histológico pode mostrar inflamação crônica com distorção
da arquitetura mucosa, atrofia vilosa e linfocitose intra-epitelial.
Outras aplicações da endoscopia com biópsias do intestino delgado em pacientes
com DII incluem a avaliação de doença celíaca concomitante, enterite eosinofílica e
neoplasias. Pacientes com DC e com estenose duodenal podem responder ao tratamento
endoscópico com dilatações por balão20.
Enteroscopia
A enteroscopia tem um papel limitado na abordagem de pacientes com DII
especialmente com o advento da cápsula endoscópica. Ela pode ser útil em pacientes
com anormalidades vistas em outras modalidades de exames e que estão ao alcance do
aparelho. É possível realizar uma avaliação endoscópica e histológica além de
intervenções terapêuticas como as dilatações de estenoses.
Cápsula endoscópica
A cápsula endoscópica permite uma visualização direta e minimamente invasiva
da mucosa do intestino delgado. Ela pode diagnosticar lesões que não foram detectadas
em exames de endoscopia tradicional e em exames radiológicos. Ela pode ser útil no
diagnóstico inicial da DC, na detecção de recorrências, para estabelecimento da
extensão da doença, para verificação da resposta terapêutica e para diferenciar a DC da
RCUI ou da colite indeterminada.
A cápsula endoscópica tem demonstrado maior sensibilidade na detecção da DC
do que a enterografia por tomografia computadorizada, trânsito intestinal.
As maiores limitações da cápsula endoscópica no diagnóstico da DC são a
ausência de critérios diagnósticos uniformes, impossibilidade de realização de biópsias
e manobras terapêuticas e o risco de retenção da cápsula.
É importante notar que o achado de rupturas de mucosa no intestino delgado, não
são necessariamente indicativas de DC. Existe uma variedade de entidades patológicas
que podem causar ulcerações mucosas como infecções, isquemia, lesões actínicas e
lesões induzidas por drogas, particularmente os anti-inflamatórios não esteróides.
Também é importante notar que até 14% dos indivíduos saudáveis podem apresentar
erosões mucosas em exames de cápsula endoscópica27.
A retenção da cápsula em pacientes com DC devido a estenoses no intestino
delgado é uma preocupação importante e pode ocorrer em 1 a 13% dos pacientes com
DC28. Estas cápsulas retidas podem requerer tratamento cirúrgico. Um estudo préingestão da cápsula é recomendado, como a tomografia computadorizada ou o trânsito
intestinal, porque estenoses assintomáticas em pacientes com DC podem ocorrer em até
22% dos casos28.
Ecoendoscopia
A ecoendoscopia tem sido utilizada para verificar atividade da doença nas colites,
a presença de doença transmural, fístulas, abscessos e linfonodopatia regional. Nos
pacientes com doença perianal, a ecoendoscopia pode com acurácia caracterizar a
atividade da doença, reduzindo o risco de cura incompleta, fístulas recorrentes ou lesão
inadvertida do esfíncter se a anatomia da fístula não é corretamente delineada ou um
abscesso oculto não é detectado na cirurgia.
A ecoendoscopia tem uma excelente acurácia na avaliação da fístula e do abscesso
perianal na DC. Ela pode ser utilizada para monitorizar o tratamento clínico ou cirúrgico
da fístula perianal na DC.
O achado de doença transmural pode permitir o diagnóstico diferencial entre DC e
RCUI20.
Vigilância do Câncer colorretal
Todos os pacientes com RCUI de longa data e DC extensa, apresentam risco
elevado para o desenvolvimento do câncer colorretal (CCR), e devem ser submetidos a
vigilância colonoscópica. O risco do CCR aumenta com o tempo de evolução, a
extensão e severidade da colite, história familiar de CCR, idade de início da doença
(quanto mais jovem maior o risco), presença de ileíte de refluxo e o antecedente pessoal
de colangite esclerosante. A presença de proctite apenas não aumenta o risco para o
CCR. Os pacientes com RCUI esquerda ou mais proximal apresentam risco aumentado.
Na DC os pacientes com envolvimento de mais do que 1/3 do cólon também
apresentam risco elevado para o CCR, de maneira similar à RCUI29. A extensão do
envolvimento colônico deve se basear em critérios endoscópicos e histo-patológicos.
Existe redução da mortalidade para os pacientes com RCUI que se submetem a
programas de vigilância em um estudo caso-controle30.
Os pacientes com RCUI e colite extensa por DC devem realizar colonoscopias de
rastreamento a cada 1 ou 2 anos, começando com 8 a 10 anos da doença29.
As biópsias do cólon dos pacientes com pancolite documentada devem ser obtidas
nos quatro quadrantes a cada 10 cm do ceco ao reto29. Nos pacientes com colite menos
extensa as biópsias podem ser limitadas aos segmentos com envolvimento
microscópico29. O diagnóstico de displasia deve ser confirmado por um segundo
patologista29. A presença de displasia de alto grau ou de displasia de baixo grau multifocal em mucosa plana são indicações de colectomia. Nos casos de displasia de baixo
grau unifocal é controverso se a colectomia deve ou não ser realizada. Devem ser
colhidas biópsias das estenoses, massas e alterações macroscópicas não polipóides.
Os pólipos com aparência de adenoma devem ser removidos completamente por
polipectomia e biópsias devem ser colhidas de áreas adjacentes para determinar a
presença de displasia. Se um pólipo com displasia for encontrado fora de uma área de
inflamação e não houver displasia na mucosa adjacente ele pode ser considerado como
um pólipo esporádico de maneira similar aos pacientes que não apresentem DII. Se um
pólipo com displasia está em uma área de inflamação ativa (DALM), é séssil,
tecnicamente não ressecável por via endoscópica e existe displasia em mucosa adjacente
a colectomia deve ser indicada29. Se um pequeno pólipo ressecável por polipectomia é
encontrado em uma área de inflamação, ele deve ser removido e devem ser realizadas
biópsias da mucosa adjacente. Os materiais devem ser encaminhados ao patologista em
frascos separados. Deve ser considerada a possibilidade de marcação da área com
Nanquin estéril. Se a remoção completa não for possível ou se existir evidência de
displasia plana em outros locais a colectomia deve ser recomendada. O achado de
dúvida quanto a displasia deve requerer colonoscopias a cada 3 ou 6 meses e um
seguimento rigoroso do paciente29.
Não existem evidências claras que a colonoscopia de vigilância aumenta a
sobrevida dos pacientes com colite extensa31. Entretanto, os pacientes incluídos em
programas de vigilância, tendem a ter o câncer detectado em estágios iniciais e tem um
prognóstico melhor 36. Existe evidência indireta que a vigilância é efetiva em reduzir o
risco de morrer por CCR associado à DII e apresenta um custo-benefício aceitável31.
A cromoendoscopia oferece o potencial de aumento da sensibilidade durante a
colonoscopia de vigilância através das biópsias dirigidas de áreas com alterações mais
evidentes. Estudos prospectivos com azul de metileno e índigo carmim demonstraram
aumento da detecção de displasia em pacientes com RCUI32,33. Com a cromoscopia com
azul de metileno a 0,1% foi possível aumentar em seis vezes a detecção de displasia de
alto e baixo grau em mucosa com aspecto macroscópico normal32. Em um estudo
colonoscopia back-to-back, utilizando índigo carmim a 0,1% as taxas de deteção de
displasia, quando comparadas com a colonoscopia convencional não foram
estatisticamente diferentes33. Apesar de promissor, o uso da cromoendoscopia ainda não
foi adotado na prática rotineira.
A cromoscopia digital por Narow-band imaging (NBI) é uma tecnologia ótica
recente que além de aumentar a definição visual da mucosa, pode aumentar o contraste
dos seus microvasos. Devido à densidade e espessura dos microvasos nas neoplasias,
esta técnica poderia ser mais acurada para detecção de displasia em pacientes com DII
de longa data e em vigilância para CCR. Esta técnica poderia oferecer algumas
vantagens em relação à cromoscopia ótica como maior facilidade e agilidade no seu uso.
Entretanto, recente estudo prospectivo e randomizado comparando o NBI com a
cromoscopia ótica em pacientes com DII de longa duração, encontrou maior falha de
detecção de neoplasia intra-epitelial no grupo examinado com NBI em relação ao grupo
examinado com cromoscopia ótica e concluiu que a cromoscopia ótica deve ser
considerada como técnica de escolha para a detecção de displasia nestes casos34.
Avaliação das estenoses e dilatação.
As estenoses do cólon podem complicar a DC e em menor proporção a RCUI. Nos
pacientes com DC as estenoses podem ocorrer na válvula íleo-cecal, íleo terminal e nas
anastomoses íleo-colônicas. Podem ser assintomáticas ou levar a sintomas de dor em
cólica, distensão e até mesmo obstrução.
Nos pacientes sintomáticos, devem ser realizadas biópsias para exclusão de
malignidade especialmente nos pacientes com RCUI, os quais qualquer estenose deve
ser considerada maligna até que se prove o contrário35. Se a estenose não puder ser
examinada e biopsiada a ressecção cirúrgica deve ser considerada.
O achado de estenose em pacientes com DC é menos propenso a ser maligno
embora uma avaliação completa com biópsias deva ser realizada. Dilatações com balão
podem ser necessárias para avaliação completa da estenose.
A dilatação com balão tem sido investigada em pacientes com DC que apresentam
estenoses no intestino delgado, no cólon e em anastomoses. A maioria dos estudos são
retrospectivos e a principal medida de sucesso é o alívio dos sintomas e a possibilidade
de se evitar ou postergar a cirurgia. O alívio dos sintomas pode ser obtido em 50 a 66%
dos pacientes em acompanhamento de 7 a 38 meses35. A injeção de corticóides na
estenose no momento da dilatação pode melhorar os resultados.
Referências:
1- Read NW, Krejs GL, Read MG, Santa Ana CA, et al. Chronic diarrhea of
unknown origin. Gastroenterology. 1980;78:264-271.
2- Pardi DS. Microscopic colitis. Mayo Clin Proc 2003;78:614-7.
3- Pardi DS, Loftus EV Jr, Smyrk TC, et al. The epidemiology of microscopic
colitis: a population based study in Olmsted County, Minnesota. Gut
2007;56:504-8.
4- Pardi DS, Smyrk TC, Tremaine WJ, et al. Microscopic colitis a review. Am J
Gastroenterol. 2002;97:794-802.
5- Shen B, Khan K, Ikenberry SO, et al. The role of endoscopy in the management
of patients with diarrhea. Gastrointest Endosc 2010;71:887-92.
6- Yusoff IF, Ormonde DG, Hoffman N. Routine colonic mucosal biopsy and
ileoscopy increases diagnostic yield in patients undergoing colonoscopy for
diarrhea. J Gastroenterol Hepatol 2002;17:276-80.
7- Da Silva JG, De Brito T, Cintra Damião AO, et al. Histologic study of colonic
mucosa in patients with chronic diarrhea and normal colonoscopic findings. J
Clin Gatroenterol 2006;40:44-8.
8- Fine KD, Seidel RH, Do K. The prevalence, anatomic distribution, and diagnosis
of colonic causes of chronic diarrhea. Gastrointest Endosc 2000;51:318-26.
9- Shale MJH, Walters JRF, Westaby D. Adequacy of flexible sigmoidoscopy with
biopsy for diarrhea in patients under age 50 without features of proximal
disease. Gastrointest Endos 2011;73:757-64.
10- Thijs WJ, van Baarlen J, Kleibeuker JH, et al. Microscopic colitis: prevalence
and distribution throughout the colon in patients with chronic diarrhea.
Netherlands J Med 2005;63:137-40.
11- Wickbom A, Lindqvist M, Bohr J, et al. Colonic mucosal tears in collagenous
colits. Scand J Gastrenterol 2006;41:726-9.
12- Couto G, Bispo M, Barreiro P, et al. Unique endoscopy findings in collagenous
colitis. Gastrointest endosc 2009;69:1186-88.
13- Bohr J, Tysk C, Erikson S, et al. Collagenous colitis: a retrospective study of
clinical presentation and treatment in 163 patients. Gut 1996;39:846-51.
14- Sandler RS, Loftus EV. Epidemiology of inflammatory bowel disease. In Sartor
RB, Sanbor WJ. Inflammatory Bowel Diseases. Saunders, 2004:245-262.
15- Podolsky DK. Inflammatory bowel disease. N Engl J Med. 2001;347:417-429.
16- World Gastroenterological Organization Practice Guidelines for the Diagnosis
and Management of IBD in 2010. Inflamm Bowel Dis, 2010;16:112-24.
17- Dejaco C, Osterreicher C, Algenberger S, et al. Diagnosing Colitis: A propective
study on essential parameters for reaching a diagnosis. Endoscopy
2003;35:1004-8.
18- Lengelling RW, Mitros FA, Brennan JA, et al. Ulcerative ileitis encountered at
ileo-colonoscopy: likely role of nonsteroidal agents. Clin Gastroenterol Hepatol
2003;1:160-9.
19- Bernstein CN, Shanahan F, Anton PA, et al. Patchiness of mucosal inflammation
in treated ulcerative colitis: a prospective study. Gastrointest Endosc
1995:42:232-7.
20- ASGE guideline: endoscopy in the diagnosis and treatment of inflammatory
bowel disease. Gastrointest Endosc 2006;63:558-65.
21- Chutkan RK, Wayne JD. Endoscopy in inflammatory bowel disease. In:
Kirshner JB, editor. Inflammatory Bowel Disease. 5th ed. Baltimore: Williams &
Wilkins; 2000. p. 453-77.
22- Chutkan RK, Scherl E, Waye JD. Colonoscopy in inflammatory bowel disease.
Gastrointet Endosc Clin North Am 2002;12:463-83.
23- Hommes DW, Van Devenvter SJM. Endoscopy in Inflammatory Bowel
Diseases. Gastroenterol 2004;126:1561-1573.
24- Lee SD, Cohen RD. Endoscopy in Inflammatory Bowel Disease. Gastroenterol
Clin N Am 2002;31:119-132.
25- Ramzan NN, Leigthon JA, Heigh RI, et al. Clinical significance of granuloma in
Crohn’s disease. Inflamm Bowel Dis 2002;8:168-63.
26- Witte AM, Veenendaal RA, Van Hogezand RA, et al. Crohn’s disease of the
upper gastrointestinal tract: the value of endoscopic examination. Scand J
Gastroenterol 1998;225(Suppl):100-5.
27- Goldstein JL, Eisen GM, Lewis B, et al. Video capsule endoscopy to
prospectively assess small bowel injury with celocoxib, naproxen plus
omeprazole, and placebo. Clin Gastroenterol Hepatol 2005;3:133-41.
28- Cheifetz AS, Kornbluth AA, Legnani PE, et al. Incidence and outcome of
retained video capsule endoscope (Ce) in Crohn’s disease (CD) is it a
“therapeutic complication”?. Am J Gastroenterol 2004;99:S262.
29- Itzkowitz SH, Present DH. Crohn’s and Colitis Foundation of America Colon
Cancer in IBD Study Group: consensus conference: colorectal cancer screening
and surveillance in inflammatory bowel disease. Inflamm Bowel Dis
2005;11:314-21.
30- Eaden J, Abrams K, Ekbom A, et al. Colorectal cancer prevention in ulcerative
colitis: a case-control study. Aliment Pharmacol Ther 2000;14:145-53.
31- Mpofu C, Watson AJ, Rhodes JM. Strategies for detecting colon cancer and/or
dysplasia in patients with inflammatory bowel disease. Cochrane Database Syst
Rev 2004;CD000279.
32- Kiesslich
R,
Fritsch
J,
Holtmann
M,
et
al.
Methylene
blue-aided
chromoendoscopy for the detection of intraepithelial neoplasia and colon cancer
in ulcerative colites. Gastroenterology 2003;124:880-8.
33- Rutter MD, Saunders BP, Schofield G, et al. Pancolonic indigo carmine dye
spraying for the detection of dysplasia in ulcerative colitis. Gut 2004;43:256-60.
34- Pellisé M, López-Cerón M, et al. Narrow-band imaging as an alternative to
chromoendoscopy for the detection of dysplasia in long-standing inflammatory
bowel disease:a prospective, randomized, crossover study. Gastrointest Endosc
2011;74:840-8.
35- Breynsen Y, Janssens JF, Coremans G, et al. Endoscopic balloon dilatation of
colonic and ileo-colonic Crohn’s strictures: long term results. Gastrointest
Endosc 1992;38:142-7.
Download

Doenças Inflamatórias intestinais inespecíficas