O tempo e a tutela do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado Valter Otaviano da Costa Ferreira Junior1 RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo lançar uma reflexão sobre o papel do tempo na efetividade da tutela do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. PALAVRAS–CHAVES: Tempo. Direito Ambiental. Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado. Efetividade. 1 INTRODUÇÃO A ecologia e o meio ambiente são temas de interesse comum a todos os povos e países. No Brasil, em razão de sua imensa diversidade cultural, social, econômica e biológica, a temática ambiental é pauta diária. Com o advento da Carta Política de 1988, houve um avanço significativo no trato da questão ambiental, em nosso país. O meio ambiente ecologicamente equilibrado foi elevado à categoria de direito fundamental, de terceira dimensão, devendo ser tutelado para as gerações presentes e futuras. O nosso Legislador Constituinte, atento às novas tendências e preocupações mundiais, inseriu em nosso texto constitucional os postulados ambientais mais modernos e inovadores discutidos em âmbito internacional. Passados 20 anos da Constituição Federal, será que este tempo foi suficiente para, realmente, darmos efetividade às normas constitucionais sobre o meio ambiente? Será o decurso do tempo, por si só, elemento suficiente para conseguirmos tal mister? Pretende-se com o presente trabalho lançar uma reflexão sobre o papel do tempo na efetividade da tutela do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 1 Especialista em Direito Ambiental e Recursos Hídricos (UCAM). Membro da Advocacia Geral da União no Estado do Paraná. (Advogado da União). 2 BREVE HISTÓRICO DAS CONFERÊNCIAS INTERNACIONAIS DA ONU E A QUESTÃO AMBIENTAL Milaré (2007, p.1126) assevera que no final da década de 60 houve o indicador de que o crescimento econômico e o processo de industrialização predatória estavam trazendo resultados desastrosos para o Planeta. O grande número de catástrofes ambientais acabou demonstrando a importância do meio ambiente para a humanidade. Se a vida corre perigo, não se justifica o máximo desenvolvimento econômico. (MASCARENHAS, 2008, p.23) Os países da Europa foram os primeiros a sentirem as conseqüências ambientais dos danos praticados pelo ser humano, motivo pelo qual se fazia necessária a busca de uma solução que repercutisse no plano internacional. A iniciativa veio do governo da Suécia, em 1969, quando levou à Organização das Nações Unidas (ONU) uma proposta de conferência para tratar do tema. (BARBIERI, 2003, p.17) Milaré (2007, p.1126) assinala que a proposta foi aceita pela ONU, que, em junho de 1972, na cidade de Estocolmo, realizou a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, com a participação de 113 países, 250 organizações não-governamentais e organismos da ONU. Os mais importantes resultados dessa primeira Conferência foram a instituição do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA e a aprovação da Declaração sobre o Meio Ambiente Humano. Essa Conferência elaborou 26 princípios e foi marcada pelas posições contrárias ocupadas pelos países desenvolvidos e não-desenvolvidos. Cada qual defendia o seu interesse. Os países desenvolvidos sentiam de forma direta os efeitos da degradação ambiental, em razão da poluição dos seus rios, escassez dos recursos energéticos. Por outro lado, os países não-desenvolvidos, incluído aqui o Brasil, estavam preocupados com a necessidade de atingir o nível dos países desenvolvidos, como forma de mitigação da pobreza. (BARBIERI, 2003, p.19) Em 1983, foi criada a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Assembléia Geral da ONU. Essa Comissão era coordenada pela Dra. Gro Harlem Brundtlant, Primeira-Ministra da Noruega e tinha como um de seus principais objetivos a reformulação do conceito de desenvolvimento. (CMMAD, 1991, p.X) Após quatro anos, em 1987, a Comissão concluiu os seus esforços e apresentou ao mundo o relatório intitulado Nosso Futuro Comum, o qual ficou conhecido como “Relatório Brundtland”. (MILARÉ, 2007, p.1144) Segundo consta do Relatório da CMMAD (1991), até recentemente, o planeta era um grande mundo no qual as atividades humanas e seus efeitos estavam nitidamente confinados em nações, setores (energia, agricultura, comércio) e amplas áreas de interesse (ambiental, econômico e social). Esses compartilhamentos começaram a se diluir. Isto se aplica em particular às várias “crises” globais que preocupam a todos, sobretudo nos últimos 10 anos. Não são crises isoladas: uma crise ambiental, uma crise do desenvolvimento, uma crise energética. São uma só crise. (p.4) O Relatório Brundtland trouxe grande contribuição para as discussões ambientais iniciadas, em 1972, na Suécia, ao fixar o amplo conceito político de desenvolvimento sustentável: “a humanidade é capaz de tornar o desenvolvimento sustentável – de garantir que ele atenda as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem também às suas (CMMAD, 1991, p.9).” No ano de 1989, a Assembléia Geral das Nações Unidas convocou uma nova Conferência Internacional que teria como tema central o meio ambiente e o desenvolvimento. Foi realizada na Cidade do Rio de Janeiro, em 1992, e ficou conhecida como “Cúpula da Terra”. (MILARÉ, 2007, p.1144) O objetivo perseguido pela Conferência ECO/92 foi “estabelecer uma nova e justa parceria global por meio do estabelecimento de novos níveis de cooperação entre os Estados, os setores-chave da sociedade e os indivíduos, e concluir acordos internacionais que respeitem os interesses de todos e protejam a integridade do sistema global de meio ambiente e desenvolvimento”. (Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento) Nesta Conferência foram assinados alguns documentos internacionais muito importantes, dos quais se destacam a Agenda 21 e a Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas. A Agenda 21 tem como objetivo principal realizar um plano de ação para atingir, no século XXI, o desenvolvimento sustentável. A Convenção-Quadro, por sua vez, busca a estabilização das emissões de gases causadores do efeito estufa, em níveis que evitem a interferência antrópica perigosa no clima mundial. (MILARÉ, 2007, p.1151) Após dez anos da ECO/92, realizou-se a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, Cúpula de Joanesburgo ou Rio+10, a qual teve como finalidade examinar os progressos alcançados e reafirmar os compromissos assumidos em 1992. (OLIVEIRA, 2009, p.257) Oliveira (2009, p.259) assinala que Joanesburgo não apresentou grandes avanços no arranjo de propostas para a solução da problemática ambiental, tendo recebido, por esse motivo, severas críticas de diversas partes. 3 MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO E A CARTA DE 1988 Diferentemente das Constituições brasileiras anteriores, a nossa atual Carta Magna inova no trato da questão ambiental, demonstrando a grande preocupação com o meio ambiente, sendo reconhecida, por muitos, como uma das mais modernas Constituições do mundo na temática ambiental. Sua matriz constitucional encontra-se delimitada no art.225, que está assim redigida: Art.225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (sem destaques no original) Verifica-se do referido dispositivo constitucional que o essencial à sadia qualidade de vida é o meio ambiente ecologicamente equilibrado, e não qualquer meio ambiente. Reforce-se que a característica finalística da regra constitucional é o equilíbrio e não o desequilíbrio ambiental. Esse equilíbrio deve ser dinâmico, disposto a solucionar ou resolver os aparentes conflitos ou contradições que possam existir entre os vários objetivos ou valores contidos na Carta da República. Rodrigues (2008, p.33) assevera que o objeto tutelado pela nossa Carta Republicana é, sem dúvida, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem jurídico imaterial, indivisível pela sua própria natureza, inalienável, correspondendo a um bem anterior a própria existência do homem. Veja-se, ainda, que há um compromisso transgeracional, ou seja, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito fundamental também das gerações futuras, e todos nós (Poder Público e coletividade) devemos contribuir para que isso ocorra. O meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo, sendo reconhecido pela doutrina e pelo próprio Supremo Tribunal Federal como direito fundamental de terceira geração, em razão de estar relacionado com a fraternidade e a solidariedade entre os povos. Sua natureza jurídica é bem de interesse difuso (bem de uso comum do povo), sendo a sua titularidade transindividual ou metaindividual. Leme Machado (2007, p.118) ensina que “o direito ao meio ambiente é de cada pessoa, mas não só dela, sendo ao mesmo tempo transindividual. Por isso, o direito ao meio ambiente entra na categoria de interesse difuso, não se esgotando numa só pessoa, mas se espraiando para uma coletividade indeterminada.” O professor Édis Milaré (2007, p.196) ressalta que: (...) A dominialidade do meio ambiente, em sua totalidade ecossistêmica e específica, com seu caráter de patrimônio público, não pode ser atribuída aos indivíduos, nem mesmo às pessoas de direito público interno, mas pertence à sociedade como um categoria difusa. Saliente-se que há vários aspectos do meio ambiente ecologicamente equilibrado (“macrobem” ambiental). Esses aspectos, que são as partes que compõem o todo, são conhecidos pela doutrina como bens ambientais (“microbem” ambiental). Sobre os bens ambientais, o professor Milaré arremata (2007, p.199-200): (...) eles são bens menores e devem, da mesma forma, ser mantidos saudáveis, o que acontece quando se lhes permite manterem suas características naturais no contexto das relações ecossistêmicas, a salvo dos efeitos da poluição e das várias formas de degradação ambiental, vale dizer, da ação antrópica nociva. (...) Os elementos constitutivos do meio ambiente precisam ser sãos como partes de um todo sadio, e a recíproca é verdadeira. Se eles adoeceram ou perderam a sua sanidade, passam a ser alvo e objeto de saneamento, um processo que vai torná-lo novamente sãos e propícios à vida, seja a vida própria, seja a vida de outros elementos aos quais se ligam pela estrutura ecológica – por isso, ademais, há um cuidado relativo à sua destinação a outros usos selecionados pela sociedade, ou seja, para uso humano. Esses bens ambientais podem ser naturais, artificiais e culturais. O meio ambiente natural consiste na fauna, na flora, no solo, na água (superficial e subterrânea) etc. O meio ambiente artificial compreende o espaço urbano construído, abrangendo as edificações (espaço urbano fechado) e equipamentos públicos, tais como ruas, avenidas, praças e espaços livres em geral. (FIORILLO, 2009, p.21) O meio ambiente cultural são as intervenções humanas, materiais ou imateriais, que possuem um especial valor cultural, referente à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da nacionalidade ou sociedade brasileiras. Engloba, portanto, o patrimônio histórico, artístico, arqueológico, etc. (FIORILLO, 2009, p.22) Não se pode conceber, portanto, que o meio ambiente ecologicamente equilibrado (macrobem) e os bens ambientais (microbens) sejam desconsiderados da equação econômica, ou sejam colocados de lado na tomada de decisão na seara pública ou privada. Neste sentido colaciona-se a importante lição da autora Madian Luana Bortolozzi (2007): A opção pelo sistema econômico dual justifica-se na necessidade de concepção “macrológica” das normas, vez que o meio ambiente é um “macrobem”. O princípio do poluidor-pagador em sua dimensão integrativa, ou seja, como princípio ponte, revela que os princípios da precaução e atuação preventiva (com predominância nas medidas precaucionais), cooperação, participação e responsabilização (civil, administrativa e penal). O Estado democrático de direito socioambiental, além de conceber suas normas “macrologicamente”, de considerar o meio ambiente como “macrobem” e de utilizar o princípio do poluidor-pagador em sua dimensão integrada, deve ser concebido como um Estado de democracia socioambiental, fundado na justiça socioambiental e com o objetivo de garantir a equidade socioambiental. (p.138) Fiorillo (2009, p.112) ensina que a nossa Carta Política não permite fazer com o bem ambiental, de forma ampla, geral e irrestrita, aquilo que é permitido fazer com os bens privados. O equilíbrio ecológico não quer significar inalterabilidade das condições ambientais. Todavia, a ligação umbilical harmônica entre os vários elementos que compõem a ecologia devem ser metas intensamente almejadas pelo Poder Público, pela coletividade e por todos nós. (LEME MACHADO, 2007, p.121) 4 O TEMPO E A TUTELA AMBIENTAL Alguns poderão afirmar que a efetividade das normas ambientais, sejam elas constitucionais ou legais, passaria pelo amadurecimento de nosso ordenamento jurídico. Questão crucial e que merece a nossa reflexão, e essa é a nossa proposta, é sabermos se o tempo pode ser apreendido apenas como o passar das horas e dos minutos (cronológico), sem qualquer relação com valores éticos, qualidade de vida e compromisso. Registre-se, mais uma vez, por relevante, que a nossa primeira conferência internacional sobre a temática ambiental foi realizada em 1972, em Estocolmo, na Suécia. Em 2009, ela comemorará 37 anos de existência. Por sua vez, a nossa Carta Política, em 2009, fará 21 anos de vigência. É bom lembrarmos novamente que a nossa Constituição Federal é uma das mais avançadas do mundo no tema ambiental. Chegou-se ao ponto, em 2002, em Joanesburgo, na África do Sul, de haver sérios protestos de militantes ambientalistas pugnando por avanços mais concretos nos temas ambientais. Verificou-se, naquela ocasião, que não era a falta de normas ambientais internacionais que estava obstaculizando os avanços, mas sim a falta de vontade política de alguns países ricos. Preferimos traduzir a falta de vontade política por falta de conscientização ambiental em torno de um tema tão caro a todos nós. Quando olhamos para o lapso temporal existente entre a primeira conferência internacional do meio ambiente e os diminutos avanços que temos nos dias atuais, ficamos perplexos pela falta de efetividade das normas e dos princípios ambientais, em todo o planeta. Quando olhamos também para o lapso temporal existente entre a entrada em vigor de nossa Carta Magna e a qualidade de nosso meio ambiente atual, ficamos perplexos pelo descompasso entre o contido na Carta e o encontrado, faticamente, em nosso imenso país. François Ost (1995, p.8), neste passo, nos ensina que a crise ecológica resta configurada com a desflorestação e destruição sistemática das espécies animais, todavia, reforça o referido autor, que a maior prova da crise ambiental é a crise de relacionamento que temos com a natureza. Esta crise é ao mesmo tempo de vínculo e de limite. Interessante observar que de acordo com o disposto no artigo 225, §3º da CF, são três as responsabilidades advindas da prática de um dano ambiental: administrativa; penal e civil. Não há dúvidas que esses danos ambientais são causados por ausência de uma equilibrada relação com a natureza. Em nosso país, portanto, pode-se afirmar que a crise ambiental gera a chamada crise de responsabilidade, que na verdade, segundo Ost, é uma crise de relacionamento. E qual a relação que o tempo tem com essa responsabilidade ambiental? Com a crise ambiental? Será que o tempo tem valor apenas cronológico? Nosso propósito neste texto é buscar uma reflexão sobre a importância do tempo na tutela ambiental. Será que o tempo é apenas aquilo que marcam os relógios e ou os calendários? Será que o tempo é apenas a passagem dos dias e dos anos? O que o tempo pode nos ensinar quanto à tutela do meio ambiente? Para os gregos o mundo era imutável e eterno, sendo o planeta Terra considerado o centro do universo. Platão, por sua vez, em seus estudos, associou o tempo ao universo, ou seja, aos movimentos dos corpos celestes. Aristóteles alargou esse pensamento e aproximou o tempo ao movimento. Assim, Aristóteles reconheceu a realidade do tempo, sem afastar a relação com o Ser. (ARAÚJO PINTO, 2002) Para Bergé, Pomeau e Dubois-Gange (1996) o ser humano sempre esteve aflito com o tempo, tanto do ponto de vista da vida interior como exterior, numa busca de controlar a imprevisibilidade dos fatos, diante de sua grande insegurança em relação ao desconhecido. Mais do que a contagem do tempo (o tic-tac do relógio), é a sensação (pessoal e diferenciada) da duração do tempo. Os estudos sobre o movimento dos pêndulos trouxeram conhecimentos sobre harmonia, periodicidade, sincronização, em especial a sincronização de ritmos. Nós todos estamos sujeitos a um número imenso de ritmos que são internos e que também nos chegam do meio ambiente. (BERGÉ; POMEAU; DUBOIS-GANGE, 1996) Sobre o tempo, o autor Norbert Elias (1998, p.8) nos ensina que nos estágios primitivos da sociedade eram usados os ritmos das marés, os batimentos do pulso ou o nascer e o pôr-do-sol ou da lua para conciliar os afazeres dos homens e para adaptá-los a processos que lhes eram externos. Norbert (1998, p.12) preconiza que “os meios humanos de orientação, o desenvolvimento do saber, não têm recebido a atenção que merece. Até a época de Galileu, o que chamamos tempo, ou mesmo o que chamamos natureza, centrava-se acima de tudo nas comunidades humanas. O tempo era utilizado pelos homens, fundamentalmente, como meio de orientação no universo social e como modo de regulação de sua coexistência. Sobre a natureza do tempo, Norbert Elias (1998, p.11) nos aponta duas teorias: Primeira, tempo como dado objetivo do mundo criado, assim como os demais objetos da natureza. Segunda, tempo como uma forma inata de experiência e, portanto, um dado não modificável da natureza humana. Salienta o mencionado autor que prevaleceu a segunda teoria. Norbert Elias (1998) elenca ainda algumas hipóteses em comum das duas teorias: ambas o apresentam como um dado natural, porém, num dos casos, trata-se de um dado objetivo, independente da realidade humana, e no outro, de uma simples representação subjetiva, enraizada na natureza humana. O seu ensaio, alerta o referido autor (1998, p.12), “repousa sobre a hipótese de que nosso saber resulta de um longo processo de aprendizagem, que não teve um começo na história da humanidade. Todo indivíduo, por maior que seja a sua contribuição criadora, constrói a partir de um patrimônio do saber já adquirido, o qual ele contribui para aumentar.” Em determinado momento em sua obra, Norbert Elias (1998, p.13-16) indaga: com que finalidade os homens precisam saber o tempo? O que é, enfim, que realmente apontam os relógios, ao dizermos que dão a hora? Não se reduz o tempo, com efeito, a uma representação forjada pelo indivíduo? A experiência humana do que chamamos tempo alterou-se ao longo do passado, e continua a se modificar em nossos dias, não de um modo histórico ou contingente, mas de modo estruturado, orientado e, como tal, explicável. (ELIAS, 1998, p.34) E arremata o mencionado autor (1998, p.39): “enquanto não tivermos presente no espírito essa relação indissolúvel entre os planos físico e social do universo – enquanto não aprendermos a ver o surgimento e o desenvolvimento das sociedades humanas como um processo que se desenrola no interior do vasto universo alheio ao homem -, não conseguiremos apreender um dos aspectos essenciais do problema do tempo: o tempo, no contexto da física e, portanto, também no da tradição dominante na filosofia, é um conceito que representa um nível altíssimo de síntese, ao passo que, na prática das sociedades humanas, reduz-se a um mecanismo de regulação cuja força coercitiva percebemos quando chegamos atrasados a um encontro importante. O hábito que consiste em estudar a natureza e a sociedade – e, portanto, também os problemas físicos e sociológicos do tempo – como se fossem dois campos distintos levanta uma questão que parece paradoxal, e sobre a qual comumente silenciamos: a de saber como pode um conceito geralmente considerado decorrente de um altíssimo nível de síntese exercer uma coerção tão intensa nos homens.” A experiência do tempo que é própria de cada um só é compreensível para ele mesmo a luz de uma reconstituição do passado, de um confronto com estágios anteriores da determinação do tempo; e estes, por seu turno, só se tornam inteligíveis quando os concebemos como diferentes patamares na escala do desenvolvimento. (ELIAS, 1998, p.129) Na Física, por sua vez, Stephen Hawking (2000) afirma: “O que é tempo? Um rio ondulante que carrega todos os nossos sonhos? Ou os trilhos de um trem? Talvez ele tenha curvas e desvios, permitindo que você possa continuar seguindo em frente e, ainda assim, retornar a uma estação anterior da linha”. “O escritor do século XIX Charles Lamb escreveu: “Nada me intriga tanto como o tempo e o espaço. E nada me preocupa menos do que o tempo e o espaço, porque nunca penso neles”. A maioria de nós quase nunca se preocupa com o tempo e espaço, seja lá o que for, mas todos de vez em quando se perguntam o que é tempo, como começou e para onde está nos conduzindo”. “Uma teoria científica segura, seja do tempo ou de qualquer outro conceito, deve, na minha opinião, ser baseada na mais viável filosofia da ciência: a abordagem positivista formulada por Karl Popper e outros. Segundo essa maneira de pensar, uma teoria científica é um modelo matemático que descreve e codifica as observações que fazemos. Uma boa teoria descreverá uma vasta série de fenômenos com base em uns poucos postulados simples e fará previsões claras que podem ser testadas. Se as previsões concordam com as observações, a teoria sobrevive àquele teste, embora nunca se possa provar que esteja correta. Por outro lado, se as observações discordam das previsões, é preciso descartar ou modificar a teoria. (Pelo menos, é isso que deveria acontecer. Na prática, as pessoas muitas vezes questionam a exatidão das observações, a confiabilidade e o caráter moral de seus realizador). Quem adota a posição positivista, como eu, não consegue dizer o que o tempo realmente é. Tudo que se pode fazer é descrever o que se revelou um ótimo modelo matemático para o tempo e dizer quais as suas previsões”. Sobre o tempo, veja-se a conclusão que chegou Paul Davies (1998), ao asseverar que: “uma boa parte do livro dedica-se a abordar as conseqüências mais diretas da teoria: a grande conclusão que atinjo, porém, é que estamos longe de um bom domínio do conceito de tempo”. François Ost (1999, p.425), por sua vez, nos ensina que: “Apenas três palavras, três etapas, que balizam o caminho percorrido: compasso, presente, responsabilidade. Este livro dedicou-se a medir o compasso do direito: exprimiu o direito como medida, avaliando assim sua força. O tempo de que fala, enquanto trata de todas as suas outras dimensões, é o presente, pois é no presente que se toca o compasso em quatro tempo do direito. Mas esse presente é uma aposta que nada tem de seguro: ganhá-lo é uma questão de responsabilidade – uma questão ética e política, mais do que uma necessidade ontológica”. François Ost (1999) nos ensina ainda que direito é medida, e esta pode ser concretizada em quatro sentidos, podendo ser na norma (tomando decisões), na proporção (medindo e balanceando os interesses em conflito), no limite (que exprime equilíbrio, moderação e prudência) e, por fim, no ritmo (tempo concedido no andamento do social). Segundo Ost (1999, p.426) o ritmo do tempo é “demasiado lento, provoca frustrações e alimenta as violências do amanhã; demasiado rápido, gera a insegurança e desencoraja a acção”. A segunda etapa mencionada por Ost (1999, p.431) é o presente. Apesar de discorrer diversos exemplos sobre o presente, o autor opta por afirmar que é “o intervalo que permite ao tempo humano jogar, desdobrar-se simultaneamente o mesmo e outro”. Arremata Ost (1999, p.432) trazendo à tona o conceito ofertado por R. Sue, para quem o tempo: “É o presente que investe todo seu espaço social e se dá como representação global do tempo, substituindo a profundidade de duração. O presente fugidio, que se dizia não passar de uma maneira de pensar a relação entre o passado e o futuro, constitui-se como símbolo de uma sociedade que perdeu a crença na história”. Com isso, conclui Ost (1999) que a realização do presente é a justa medida dos tempos misturados, o que acaba por ingressar na terceira etapa da teoria, qual seja, a da responsabilidade, como sendo aquela que nos motiva incessantemente a reconstruir conceitos através da interpretação, com fulcro nos legados passados e com vistas ao futuro próximo. Sobre a relevância do futuro para o Direito, Ost (1985) cita a valorosa lição de Maurice Hauriou: “As sociedades humanas são ávidas pela serenidade. Elas a procuraram durante muito tempo no passado, apoiando-se, desesperadamente, no costume. (...) Em conseqüência de enorme reviravolta, elas procuram agora do lado do futuro, apoiandose nas virtualidades”. Cristiano Paixão Araújo Pinto (2002) assinala que “a assimetria das funções do passado, presente e futuro na diferenciação do sistema jurídico da sociedade moderna impede que se continue a interpretar a passagem do tempo como algo contínuo, como uma sequência predeterminada de acontecimentos (...)” Luhmann (1983), à sua vez, sustenta-se numa noção de tempo como interpretação social da realidade, sem qualquer vínculo com a experiência existencial e bem diversa do conceito de cronologia, afirmando ser o presente o único ponto de partida ou chegada, sendo o passado e o futuro linhas horizontes. Conforme a visão de Luhmann, a função do passado é também radicalmente transformada. De acordo com Luhmann (1983) o futuro está “aberto a um sem-fim de possibilidades, radicalmente diferente do passado. O presente é vivido como um ponto de inflexão instantâneo entre passado e futuro”. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A tutela do meio ambiente exige de todos nós um compromisso transgeracional. O que a atual geração fizer, em seu tempo, poderá comprometer a qualidade de vida das gerações futuras, no que se refere à qualidade do meio ambiente. A finitude dos recursos naturais tem relação direta com o tempo. Muitos pensam, erroneamente, por exemplo, que nossas águas não têm fim. Ledo engano. Nossas águas são finitas, assim como os demais recursos naturais. A utilização racional e a aplicação dos instrumentos de prevenção/precaução, típicos do direito ambiental, são indispensáveis para aumentarmos o tempo de relacionamento com a natureza e, por conseqüência, a qualidade de nossos recursos ambientais. Por quanto tempo teremos, em pé, uma mata nativa? Por quanto tempo teremos água de boa qualidade? As respostas a essas perguntas passam, necessariamente, por uma questão valorativa, ética, de compromisso. Estamos, realmente, comprometidos com o tempo das gerações futuras? Ou, ainda, à medida que destruímos o nosso meio ambiente não estaríamos tirando o tempo das gerações futuras? O tempo é muito mais do que uma simples contagem. O tempo está vivo. Ele é, na verdade, resultado da maior ou menor conscientização ética de um determinado povo ou sociedade. Senão houver uma mudança de paradigma no comportamento humano no que se refere ao tempo e a tutela ambiental, chegaremos a um ponto em que não teremos mais tempo nem meio ambiente. O pano de fundo do desenvolvimento sustentável é a qualidade do tempo, por conseqüência, a qualidade do relacionamento que teremos com o nosso meio. Se o meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito fundamental, o tempo também o é. Direito fundamental sem tempo não é direito, nem fundamental. REFERÊNCIAS ARAÚJO PINTO, C.P. Modernidade, tempo e direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. BERGÉ, P.; POMPEAU, Y; DUBOIS-GANGE, M. Dos ritmos ao caos. São Paulo: UNESP, 1996. BARBIERI, José Carlos. Desenvolvimento e meio ambiente: as estratégias de mudanças da agenda 21. 6.ed. Petrópolis: Vozes, 2003. BORTOLOZZI, Madian Luana. 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