Trabalho Docente e Formação
Políticas, Práticas e Investigação: pontes para a mudança
Amélia Lopes, Maria Auxiliadora da Silva Cavalcante
Dalila Andrade Oliveira e Álvaro Moreira Hypólito
(Orgs.)
Ficha técnica
ISBN: 978-989-8471-13-0
Depósito Legal: 369224/14
Titulo: Trabalho Docente e Formação: Políticas,
Práticas e Investigação: Pontes para a mudança
Amélia Lopes, Maria Auxiliadora da Silva Cavalcante, Dalila Andrade Oliveira
& Álvaro Moreira Hypólito (Orgs.)
Edição: CIIE - Centro de Investigação e Intervenção Educativas
janeiro 2014
Os professores de educação especial na educação do campo. Análise do trabalho docente em escolas municipais . 4390
Katia Regina Moreno Caiado, Taísa Grasiela Gomes Liduenha Gonçalves, Adriana Cunha Padilha ......................................... 4390
O Trabalho Docente e os alunos com deficiência nas comunidades ribeirinhas da Amazônia Paraense .................... 4405
Ana Paula Fernandes ................................................................................................................................................................ 4405
A atividade docente com alunos da Educação Especial em classe multisseriada ........................................................ 4419
Ana Paula Fernandes ................................................................................................................................................................ 4419
Gênero e Educação no espaço escolar campesino: Contributos para a formação a partir do olhar dos (as) professores
(as) ................................................................................................................................................................................ 4431
Elaine Suane Florêncio dos Santos, Ana Maria Tavares Duarte ................................................................................................ 4431
A diversidade de escritas e o trabalho docente ............................................................................................................. 4442
Maria Letícia Cautela de Almeida Machado, Paula da Silva Vidal Cid Lopes, Luiz Antonio Gomes Senna ................................ 4442
Desvelando e dando vozes às professoras das salas de recursos multifuncionais: a formação continuada no debate 4453
Elisangela Leal de Oliveira Mercado, Marily Oliveira Barbosa, Neiza de Lourdes Frederico Fumes........................................... 4453
Formação docente e as políticas para inclusão: Como a inclusão de alunos com necessidades educativas especiais são
conduzidas pelas políticas públicas .............................................................................................................................. 4463
Raianny Kelly Nascimento Araújo, Elaine Suane Florêncio dos Santos, Ana Maria Tavares Duarte .......................................... 4463
Formação continuada de professores do atendimento educacional especializado no Estado de Alagoas/Brasil ......... 4472
Francy Kelle Rodrigues Silva, Soraya Dayanna Guimarães Santos, Neiza de Lourdes Frederico Fumes .................................. 4472
Diversidade, narrativas e trabalho docente na roça ...................................................................................................... 4481
Jane Adriana Vasconcelos Pacheco Rios .................................................................................................................................. 4481
Adequação curricular no dia-a-dia escolar de alunos considerados em situação de inclusão ...................................... 4492
Mario Augusto Costa Valle, Elton de Andrade Viana ................................................................................................................. 4492
Autismo e inclusão: desafios da prática docente .......................................................................................................... 4508
Elizete Santos Balbino, Cristina Maria Bezerra de Oliveira, Amanda Magalhães Barbosa, Jaqueline da Cruz Zacaria, Raulene
Gomes da Silva, Lisiane da Silva Oliveira .................................................................................................................................. 4508
Direito à diferença no ofício de professor e de aluno .................................................................................................... 4521
Ana Maria Costa e Silva ............................................................................................................................................................ 4521
Representações de professores sobre o trabalho com alunos do programa Oportunidade I ....................................... 4533
Ana Beatriz Botelho, Susana Mira Leal ...................................................................................................................................... 4533
“Você tem medo de que?”: investigando o medo e o preconceito no cotidiano escolar ................................................ 4547
Nicoleta Mendes de Mattos ....................................................................................................................................................... 4547
Alfabetizadoras, formação docente e prática pedagógica: cenas de sala de aula com alunas idosas ......................... 4559
Áurea da Silva Pereira, Kátia M. S. Mota ................................................................................................................................... 4559
Educação das Relações Étnico-Raciais: elementos teóricos e metodológicos de uma prática de formação ............... 4572
Alexandre do Nascimento .......................................................................................................................................................... 4572
Profissão Docente: políticas públicas que envolvem a atuação do pedagogo em ambiente hospitalar no Brasil ......... 4579
Cleiza Cornélio Nutels, Líllian Franciele Silva Ferreira .............................................................................................................. 4579
O impacto da formação académica nos “novos públicos do ensino superior” – o caso do ensino politécnico .............. 4584
José António Oliveira, Sérgio Daniel Gomes ............................................................................................................................. 4584
Os efeitos do “significado deslocado” da educação bilíngue para surdos no trabalho docente: uma arena de lutas .... 4606
Angela Nediane dos Santos, Madalena Klein, Violeta Porto Moraes.......................................................................................... 4606
Estereótipos x Media x Educação: Estabelecendo Relações nos Discursos de Jovens Brasileiros e Portugueses ..... 4615
Gisele Cristina Cohen Fonseca & Rosa Cabecinhas ................................................................................................................. 4615
Os cursos de formação de professores da educação básica e o acolhimento de pessoas com deficiência ................. 4626
Elizete Santos Balbino, Ana Paula Monteiro Rego, Cristina Maria Bezerra de Oliveira, Franciele Pontes Soares, Ruth Késia Silva
Nogueira, Weslane Alves dos Santos ........................................................................................................................................ 4626
A formação do professor da sala de recursos multifuncionais e o Atendimento Educacional Especializado para o aluno
com Transtorno do Espectro Autista ............................................................................................................................. 4636
Marily Oliveira Barbosa, Neiza de Lourdes Frederico Fumes ..................................................................................................... 4636
Representações de professores sobre o trabalho com alunos do programa
Oportunidade I
Ana Beatriz Botelho
1469
, Susana Mira Leal
1470
Resumo
As elevadas taxas de abandono e insucesso escolar constituem um desafio para as escolas e demais
responsáveis educativos. Em resposta, os governos têm reforçado políticas de diferenciação curricular e
pedagógica. A implementação de programas educativos orientados para a recuperação de escolaridade é
uma das medidas que tem vindo a ser adotada na Região Autónoma dos Açores.
De entre esses programas, destacamos o Oportunidade, atualmente em vigor na Região. Criado em 2001,
este programa foi substituído temporariamente (entre 2006/2007 e 2008/2009) pelo Percurso PERE
(Programas Específicos de Recuperação da Escolaridade), tendo sido retomado em 2009 e, entretanto,
reformulado em 2010 e 2011, contando com quatro subprogramas: Oportunidade I, Oportunidade II,
Oportunidade III e Oportunidade Profissionalizante.
Em 2009/2010, desenvolvemos um estudo descritivo e interpretativo, que teve como propósitos, entre
outros aspetos, apreender as representações de professores do 1.º e do 2.º ciclo relativamente ao
subprograma Oportunidade I e aos alunos que o frequentam e compreender as especificidades do trabalho
pedagógico desenvolvido por aqueles no âmbito do referido subprograma.
Foram realizadas entrevistas semiestruturadas a 15 professores do 1.º e do 2.º ciclo das 8 escolas básicas
integradas da ilha de S. Miguel que trabalhavam à data com alunos do subprograma Oportunidade I.
Ao desvelar o pensamento dos professores acerca da relevância e adequação desses programas, dos
alunos que os frequentam e do trabalho pedagógico realizado no contexto, este estudo apoia a avaliação
dos programas de recuperação da escolaridade implementados na Região Autónoma dos Açores, em
particular, ao mesmo tempo que levanta questões relativamente às políticas e práticas educativas que
buscam o combate ao abandono e ao insucesso escolar, em geral.
Palavras-chave: política curricular; recuperação da escolaridade; representações de professores.
Introdução
O objetivo de promover a literacia, a igualdade e o sucesso escolar trouxe para a escola uma
heterogeneidade de alunos com percursos, experiências, contextos socioeconómicos e culturais, interesses,
motivações e capacidades diversos, aos quais o sistema educativo português tem tido dificuldade em dar
uma resposta eficaz. Os níveis de abandono e insucesso escolar em Portugal permanecem demasiado
elevados, com particular incidência na Região Autónoma dos Açores (RAA), região que apresenta as mais
elevadas taxas a nível nacional1471.
1469
Escola Básica de Ponta Garça, Açores
Universidade dos Açores/Centro de Investigação em Educação da Universidade do Minho
1471
Segundo indicadores do Instituto Nacional de Estatística de Portugal, embora a taxa de abandono escolar precoce em Portugal
tenha regredido nas últimas duas décadas (de 40,6%, em 1997, para 28,7%, em 2001, e 23,2%, em 2011), permanece ainda uma das
1470
4415
O facto tem levado a tutela na RAA a adotar diversas medidas de combate ao insucesso e abandono
escolar, sucessivamente adaptadas para fazer face a necessidades e especificidades regionais, algumas
das quais apresentamos sucintamente no ponto seguinte. Sendo a diversificação dos percursos formativos
um dos mecanismos assumidos como fundamentais para a democratização do ensino e para o incremento
da eficácia e qualidade educativas, a RAA tem vindo a implementar programas específicos de recuperação
de escolaridade dirigidos a alunos com historial de reprovação que registem visíveis dificuldades em adquirir
os conhecimentos e em desenvolver as competências definidas para cada ciclo de ensino da educação
básica.
Programas de recuperação da escolaridade na Região Autónoma dos Açores
A implementação de currículos alternativos (Despacho Normativo n.º 156/98, de 18 de junho) foi uma das
primeiras medidas adotadas na RAA em resposta às altas taxas de insucesso e abandono escolar. Ao
abrigo do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 338/79, de 25 de agosto, e da alínea o do artigo 56.º do
Estatuto Político-Administrativo da RAA, determinou-se então a criação de turmas com currículos
alternativos para os alunos do ensino básico regular que se encontrassem numa das seguintes situações:
insucesso escolar repetido, problemas de integração na comunidade escolar, risco de abandono do ensino
básico e dificuldades condicionantes da aprendizagem.
Porém, na maior parte das escolas do 1.º ciclo 1472 não existiam infraestruturas e equipamentos adequados à
permanência de alunos com idade superior a 12 anos, verificando-se que a sua presença numa escola do
1.º ciclo constituía uma fonte de perturbação do processo pedagógico, resultando, em muitos casos, num
prejuízo para o próprio aluno e para a turma onde se inseria. Para além disso, a repetição de um
determinado ano de escolaridade por três ou mais vezes não resultava em benefício do aluno, antes era
causa de desinteresse pela escola e motivo de abandono escolar precoce.
Neste sentido, foi realizado, a título experimental, o encaminhamento de alunos que já tinham completado
os 12 anos de idade mas não tinham concluído o 1.º ciclo para escolas do 2.º ciclo, para nestas concluírem
o 1.º ciclo com desenho curricular ajustado, em conformidade com o disposto na Circular DRE n.º 9/99, de
29 de abril. Esta experiência foi positiva e veio confirmar a conveniência de encaminhar estes alunos para
as escolas do 2.º ciclo para aí tentarem atingir os objetivos estabelecidos para o 1.º ciclo, usufruindo de um
ambiente e de metodologias pedagógicas mais adequadas às suas necessidades e especificidades.
Para tal, tornou-se necessário criar mecanismos de diversificação curricular que permitissem criar uma
oportunidade de reingresso destes alunos no currículo educativo regular ou, quando tal se mostrasse de
todo inviável, criar condições para o seu encaminhamento para programas de pré-profissionalização e
profissionalização que pudessem constituir uma mais-valia para o seu ingresso no mundo do trabalho a
curto ou médio prazo.
mais elevadas da União Europeia. Essa taxa assume a sua pior expressão na RAA, onde, em 2011, atingia uns expressivos e
preocupantes 44,3% (52,5% no sexo masculino e 35,6% no feminino), registando uma evolução muito lenta (menos de um ponto
percentual relativamente a 2001, onde se situava nos 45,2%). O panorama é menos expressivo no que toca às taxas de retenção e
desistência no ensino básico, que vêm registando uma evolução favorável a nível nacional de 13,8% em 2001 para 7,9% em 2010,
mas permanecem mais elevados na RAA (11,5% em 2010).
1472
Em Portugal, o ensino básico compreende 3 ciclos de escolaridade: o 1.º ciclo corresponde aos 4 primeiros anos, sendo
frequentado, em média, por alunos entre os 6 e os 10 anos de idade; o 2.º ciclo compreende os dois anos seguintes, sendo
frequentado em média por alunos entre os 10 e os 12 anos; e o 3.º ciclo corresponde aos últimos três anos do ensino básico, sendo
frequentado por alunos entre os 12 e os 15 anos de idade. Estes três ciclos constituíam, até 2009, a escolaridade obrigatória,
entretanto alargada ao 12.º ano de escolaridade (Lei n.º 85/2009, de 27 de agosto).
4416
De modo a satisfazer essa necessidade, foi criado em 2001 o Programa Oportunidade, constituindo uma
modalidade específica de encaminhamento e escolarização destinada a alunos entre os 11 e os 18 anos de
idade com elevado insucesso escolar que frequentavam o ensino básico. Organizando-se como um
programa específico de recuperação da escolaridade, o Programa Oportunidade era constituído pelo
subprograma Integrar, destinado a alunos do 1.º ciclo do ensino básico, e o subprograma Profissionalizante,
destinado a alunos do 2.º e 3.º ciclo do ensino básico (Despacho Normativo n.º 61/2001, de 27 de
dezembro).
Em simultâneo, entre os anos letivos 2006/2007 e 2008/2009, a Direcção Regional da Educação
implementou na RAA o Percurso PERE (Programas Específicos de Recuperação da Escolaridade), que
integrava as modalidades PERE - Tipo I, PERE - Tipo II A, PERE - Tipo II B e PERE - Tipo III. A
dinamização deste percurso e respetivos subprogramas terminou em 2009, estando enquadrados nesse
programa um total de 1.528 alunos, dos quais 81,3% estavam matriculados em escolas da ilha de São
Miguel.
A documentação disponível não explica a cessação desses subprogramas, presumindo-se que, na
mudança do ciclo político, o novo elenco governativo terá entendido dar continuidade ao Programa
Oportunidade, que já existia na Região desde 2001, em detrimento da proliferação de programas de
recuperação de escolaridade.
Neste sentido, e considerando a experiência adquirida na implementação do Programa Oportunidade,
Subprogramas Integrar e Profissionalizante, o Governo Regional, através da então Secretaria Regional da
Educação e Formação, reformulou o Programa Oportunidade nos termos da Portaria n.º 53/2010, de 4 de
junho (revogou o Despacho Normativo n.º 61/2001, de 27 de Dezembro), que passou a ser constituído por
quatro subprogramas, designados por Oportunidade I, Oportunidade I, Oportunidade III e Oportunidade
Profissionalizante.
O programa Oportunidade
O subprograma Oportunidade I desenvolve-se em escolas do 2.º ciclo e é dinamizado por professores do
1.º e 2.º ciclo do ensino básico, ou apenas do 2.º ciclo, em regime de par pedagógico, existindo sempre um
docente a tempo inteiro que acompanha a turma e desempenha funções de diretor de turma.
Destina-se a alunos que não desenvolveram as competências essenciais para aprovação no 1.º ciclo e
perfazem 10 anos até ao início do ano escolar em que ingressam no subprograma. A aprovação dos alunos
é feita em qualquer ano, desde que o Conselho de Turma considere que desenvolveram as competências
do 2.º ciclo e estão em condições de ingressar no 7.º ano ou num Programa de Formação Profissional de
nível II. Se o aluno não desenvolveu as competências e no início do ano escolar seguinte já tiver 14 anos,
será reencaminhado para um Programa de Formação Profissional nível I ou para o subprograma
Oportunidade II.
O subprograma Oportunidade II dirige-se aos alunos do ensino básico que tenham frequentado o
subprograma Oportunidade I ou que não tenham desenvolvido o conjunto de competências legalmente
consideradas essenciais e estruturantes para aprovação no 2.º ciclo do ensino básico regular e tenham 14
anos de idade. A frequência deste subprograma cessa, obrigatoriamente, quando o aluno adquire o
4417
conjunto de competências definido para o 2.º ciclo do ensino básico ou ao fim de dois anos letivos de
frequência do subprograma.
O subprograma Oportunidade III destina-se aos alunos que, tendo frequentado o 2.º ciclo do ensino básico
regular, não tenham desenvolvido o conjunto de competências para aprovação no 2.º ciclo do ensino básico
regular e tenham 14 anos de idade. A frequência do subprograma Oportunidade III cessa também ao fim de
dois anos letivos de frequência ou quando o aluno adquirir o conjunto de competências legalmente
consideradas essenciais e estruturantes para aprovação no 3.º ciclo do ensino básico.
Finalmente, o subprograma Oportunidade Profissionalizante acolhe os alunos do ensino básico que tenham
frequentado, sem aproveitamento, o 3.º ciclo do ensino básico regular, com múltiplas retenções neste ciclo e
menos de 18 anos de idade. Podem ainda frequentar este subprograma os alunos que obtiverem aprovação
no subprograma Oportunidade II e não tenham ingressado num programa de formação profissional. A
frequência do subprograma Oportunidade Profissionalizante cessa também decorridos dois anos letivos de
frequência.
O estudo
No estudo em presença procurámos, por um lado, apreender algumas características dos professores que
na RAA, mais especificamente na ilha de S. Miguel, a maior da Região, que vinham trabalhando no âmbito
do subprograma Oportunidade I, bem como analisar as representações daqueles acerca i) do programa
Oportunidade I, ii) do perfil dos professores dinamizadores desse programa, iii) do perfil dos alunos que o
frequentam, iii) das preocupações e estratégias pedagógicas que privilegiam, iv) das dificuldades e
constrangimentos que experimentam, v) e ainda do impacto da dinamização destes programas no seu
desenvolvimento e satisfação profissionais.
Atendendo aos objetivos da investigação, a metodologia seguida foi de cariz qualitativo, assumindo-se o
estudo essencialmente descritivo e interpretativo, com recurso a um inquérito por entrevista e à análise de
conteúdo do tipo categorial (Bardin, 1977).
A amostra foi constituída por 15 professores do 1.º Ciclo e 2.º Ciclo que lecionavam no Programa
Oportunidade I no ano letivo de 2009/2010 numa das oito escolas básicas integradas 1473 da ilha de São
Miguel (EBI de Arrifes, EBI Canto da Maia, EBI de Lagoa, EBI da Maia, EBI da Ribeira Grande, EBI/S de
Nordeste, EBI/S de Povoação, EBI/S de Vila Franca do Campo), sendo 13 (87%) do sexo feminino e 2
(13%) do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 28 e 48 anos de idade. Todos os
professores possuíam licenciatura (9 professores eram licenciados no 1.º ciclo, 5 no 2.º ciclo e 1 no 1.º ciclo
com variante no 2.º ciclo).
O tempo de serviço dos entrevistados no ensino variava entre os 3 e os 24 anos, verificando-se que a
maioria possuía uma experiência profissional entre os 7 e os 25 anos (ver Quadro 1). A maior parte dos
entrevistados já se encontravam numa situação profissional estável: 12 pertenciam ao Quadro de Escola
(QE) e apenas 3 eram contratados.
1473
As Escolas Básicas Integradas (EBI), constituídas ao abrigo do Despacho Conjunto 19/SERE/SEAM/90, de 15 de maio, e
regulamentação subsequente, integram os jardins-de-infância e estabelecimentos de ensino da rede pública do 1.º ciclo e 2.º ciclo do
ensino básico.
4418
Os dados recolhidos foram sujeitos a análise de conteúdo mediante o sistema categorial apresentado no
Quadro 2.
Quadro 1 – Caracterização da amostra
Entrevistados Sexo Idade
EA1
1474
Habilitações
Tempo
de
Situação
Profissional serviço
(anos)
Experiência de trabalho
em programas de
recuperação da
escolaridade (anos)
F
28
Lic./2.º ciclo
QE
8
2
EA2
F
39
Lic./2.º ciclo
QE
17
- de 1
EB3
F
44
Lic./1.º ciclo
QE
22
6
EB4
M
37
Lic./1.º e 2.º ciclo
QE
17
12 a 13
EC5
F
30
Lic./1.º ciclo
Contratado
3
- de 1
ED6
F
32
Lic./1.º ciclo
QE
12
- de 1
ED7
F
41
Lic./1.º ciclo
QE
10
6
EE8
F
30
Lic./2.º ciclo
Contratado
6
2
EE9
F
41
Lic./2.º ciclo
QE
11
6
EF10
F
35
Lic./1.º ciclo
QE
4
3
EF11
F
41
Lic./1.º ciclo
QE
17
- de 1
EG12
F
34
Lic./1.º ciclo
Contratado
8
3
EG13
F
31
Lic./2.º ciclo
QE
8
2
EH14
M
45
Lic./1.º ciclo
QE
23
- de 1
EH15
F
48
Lic./1.º ciclo
QE
24
- de 1
Quadro 2 – Dimensão, categorias e subcategorias de análise
Dimensões
Categorias
1. experiência profissional
A
Características dos
professores
dinamizadores do
subprograma
Oportunidade I
B
Representações de
professores
dinamizadores do
2. razões para a dinamização de programas
de recuperação da escolaridade
3. formação para a dinamização de
programas de recuperação da
escolaridade
1. acerca do perfil dos professores
dinamizadores de programas de
recuperação da escolaridade
Subcategorias
1.1. geral
1.2. na dinamização de programas
de recuperação da escolaridade
2.1. internas
2.2. externas
3.1. formação frequentada
3.2. necessidades de formação
1.1.
ao nível afetivo
1.2.
ao nível atitudinal
1.3. ao nível das competências
profissionais
2. acerca dos programas de recuperação
2.1. relevância
1474
Para efeitos de tratamento e referenciação dos dados e de modo a salvaguardar o anonimato dos entrevistados e das respetivas
escolas de origem, foi atribuída a letra E maiúscula a cada entrevistado, seguida da letra identificativa da respetiva escola e do número
àquele atribuído.
4419
subprograma
Oportunidade I
da escolaridade
2.2. adequação
2.3. condições de funcionamento
2.4. impacto nas aprendizagens dos
alunos
3. acerca dos alunos do subprograma
Oportunidade I
3.1. ao nível socioeconómico
3.2. ao nível cognitivo
3.3. ao nível afetivo
3.4. ao nível atitudinal
4. acerca do trabalho pedagógico com os
alunos do subprograma Oportunidade I
4.1. domínios de intervenção
4.2. estratégias
4.3. dificuldades/constrangimentos
5.
acerca do impacto da dinamização do
subprograma Oportunidade I
no
desenvolvimento
e
na
satisfação
profissionais dos professores
5.1. ao nível cognitivo
5.2. ao nível atitudinal
5.3. ao nível das competências
profissionais
Os resultados a que nos reportamos neste trabalho dizem apenas respeito às categorias 2, 3 e 4 da
dimensão B
1475
.
Resultados
i)
Representações acerca dos programas de recuperação da escolaridade
Um dos objetivos da presente investigação era conhecer as representações dos entrevistados relativamente
aos programas de recuperação da escolaridade. Neste sentido foram-lhes colocadas questões acerca da
relevância e adequação desses programas, condições de funcionamento e impacto na aprendizagem dos
alunos.
Relativamente à existência de programas de recuperação da escolaridade, mais especificamente do
subprograma Oportunidade I, 11 dos 15 professores entrevistados (73,3%) emitiram uma opinião favorável.
Segundo aqueles, estes programas são “necessários”, “benéficos” e “devem existir” por falência do modelo
tradicional de um ensino igual para todos e em face da alongada duração da escolaridade obrigatória 1476,
representando oportunidades de recuperação/progressão para alunos que não o consigam da forma
convencional, sem que isso afete o funcionamento das escolas e das turmas regulares:
EH15 – Eles existem porque são necessários. Os moldes funcionam. Tem partes que discordo, mas também
não sei dar solução. Sei que é necessário e da maneira que as políticas e as ideias vão progredindo… O
modelo antigo em que fui criada já não é funcional. O que está implementado é uma via, mas com muita falha.
ED7 – Acho que realmente faz todo o sentido existirem porque se estes miúdos têm de estar na escola, porque
assim a lei o obriga (e vai ser cada vez até mais tarde), não podem ficar no 1.º ciclo porque começam a ficar
1475
Para o aprofundamento dos dados aqui apresentados bem como para aceder aos resultados relativos à dimensão A, leia-se
(Botelho, 2010).
1476
À data da recolha de dados, a escolaridade obrigatória em Portugal compreendia 9 anos de escolaridade (do 1.º ao 9.º ano do
ensino básico), estendendo-se no limite, aos 16 anos de idade. Atualmente foi estendida recentemente ao 12.º ano ou 18 anos de
idade (Lei n.º 85/2009, de 27 de agosto).
4420
com idades e tamanhos completamente diferentes dos miúdos até ao 4.º ano. Mas também não podem
continuar a trabalhar aquilo que estavam a trabalhar porque se não deu tem de haver uma alternativa.
EA1 – (…) eu penso que são benéficos e é sempre bom e acho que deve ser dada a oportunidade de se
recuperar o ensino. Agora, nos moldes que estão feitos, tanto com o programa, com as competências, é que
não acho que seja o mais adequado.
Não obstante, os testemunhos introduzem algumas dúvidas e discordâncias relativamente ao modo como
aqueles programas estão a ser implementados. Entre as “falhas” diagnosticadas, destacam aspetos i) de
ordem pedagógica, como a natureza excessivamente teórica do programa curricular em vigor, desajustado,
no seu entendimento, às características e necessidades do público-alvo; ii) de natureza financeira, que se
traduzem na falta de verbas para desenvolver um trabalho diferente do habitual e ajustado às
especificidades dos alunos; iii) de ordem legal, no que concerne à falta de legislação que oriente o trabalho
pedagógico dos professores na implementação deste tipo de programas.
Os entrevistados discordantes (26,7% – ED6, EG12, EB4, EC5), por seu lado, dizem que os programas de
recuperação da escolaridade, mais especificamente o programa Oportunidade, não fazem sentido nem se
traduzem numa solução para o insucesso escolar. Antes constituem uma “fuga” da escola às suas próprias
responsabilidades, funcionando como uma espécie de “limpeza de turmas”, com consequências ao nível da
marginalização dos alunos que frequentam estes programas dentro das próprias escolas:
EG12 – Para mim os alunos deviam continuar o primeiro ciclo. (…) Eu acho que isto é uma fuga, para ser
sincera.
EB4 – (…) este tipo de programa funciona mais para a limpeza das outras turmas do que realmente como uma
oportunidade para esse tipo de alunos.
EC5 – Muito sinceramente, acho que não, porque … eu noto um certo desprezo, aqui na escola perante os
meus meninos, porque é “a turma do Oportunidade”, são uns ignorantes, não sabem nada. E não é bem
assim…
Com vista à introdução de melhorias na implementação do programa Oportunidade, os entrevistados
sugerem fundamentalmente a redução da extensão das turmas, a definição de programas curriculares
específicos para cada subprograma Oportunidade, com um reforço visível da dimensão prática, dando-lhes
um cunho profissionalizante, bem como a existência de mais directrizes e apoio por parte da tutela
educativa na RAA.
ii)
Representações acerca dos alunos do programa Oportunidade I
No que respeita às características dos alunos que frequentam esses programas, os entrevistados destacam
sobretudo aspetos de natureza cognitiva e sócio-afectiva. Pontualmente, referenciam também alguns traços
de personalidade.
No que respeita às especificidades de natureza cognitiva, os entrevistados afirmam ora que aqueles alunos
“não são miúdos iguais aos outros, pelo menos a nível de adquisição de conhecimentos” (EB4),
evidenciando “problemas no seu desenvolvimento cognitivo” (EF11), “apresentam muitas dificuldades de
4421
aprendizagem” (EE9), “são muito limitados, quer a ler, quer a escrever; mesmo a nível de cálculo mental…
tem de se começar mesmo do zero com esses meninos…” (EC5), e têm “a memória curta” (EA1).
A nível afetivo, referem que são crianças “muito carentes”, que precisam muito de “atenção” e “carinho”,
pois “São crianças que não têm muito afecto em casa e cativam-se muito quando vêm um sorriso na boca
ou uma brincadeira” (EE8). Na opinião dos entrevistados, são também crianças com uma autoestima muito
baixa, derivada em certa medida de um historial de insucesso e reprovação, da insegurança e falta de
confiança nas próprias capacidades para a aprendizagem, fatores que estudos como o de Targa, Paim e
Paredes (2011) ilustram, e que conduzem também muitas vezes a comportamentos de marginalização por
parte de colegas de escola, de que os entrevistados dão nota:
EE8 – (…) não mostravam qualquer motivação, e aliás, eles próprios rotulavam-se de “burros”.
EC5 – (…) eu noto um certo desprezo, aqui na escola perante os meus meninos, porque é «a turma da
oportunidade», são uns ignorantes, não sabem nada.
A nível atitudinal, os alunos que frequentam o programa Oportunidade são caracterizados pelos
entrevistados como tendo pouco ou nenhum interesse pela aprendizagem, bem como baixas expetativas
relativamente ao futuro e ao papel que a escolarização pode desempenhar nesse futuro. Este dado não
será alheio à própria representação negativa das famílias relativamente à escola, às baixas expetativas
socioprofissionais daquelas crianças e bem ainda à falta de utilidade e adequação que aquelas vêm nas
aprendizagens que fazem na escola, fatores que alguns estudos têm evidenciando como tendo influência no
interesse pela aprendizagem e no sucesso escolar (Mira Leal & Massa, 2013; Parcel & Durfur, 2001;
Zagury, 2006):
EE8 – Não têm qualquer perspetiva de vida, qualquer motivação para estar aqui na escola. Muitos deles só
estão na escola porque os pais recebem o Rendimento Social de Inserção (RSI)
1477
.
EC5 – Mas o que eu noto é que, por mais que nos esforcemos, eles não apreciam e não dão o devido valor à
escola e é preciso falar muito com eles sobre isso. Não querem saber, faltam muito porque querem é trabalhar.
Adoram ir para as vacas ou ajudar o pai a cavar a terra.
Ainda a este nível, é de realçar que os alunos de programa Oportunidade são também assinalados como
tendo alguns problemas de indisciplina. Na opinião dos entrevistados, embora sejam crianças amorosas e
afetivas, necessitam de muito da atenção do professor, evidenciando uma necessidade de falar com ele e
partilhar as suas vivências, porém, por vezes, registam alguns problemas de indisciplina, porque vêm a
escola como um “refúgio” e não como um lugar de aprendizagem e respeito por regras:
EC5 – Se calhar a escola funciona como um refúgio. Ao mesmo tempo, também noto que eles não dão o
devido valor à escola. Para eles, a escola é um espaço onde podem brincar, onde se sentem livres.
Estudos como o de Bini e Pabis (2008) também estabelecem uma relação entre o desinteresse pela escola
e a propensão para o registo de problemas disciplinares entre os alunos, traduzidos na “falta de participação
O
Rendimento Social de Inserção é uma prestação pecuniária de natureza transitória, variável em função do rendimento e da
composição do agregado familiar. Trata-se de um mecanismo de combate à pobreza, possibilitando a indivíduos a obtenção de apoios
adaptados à sua situação, facilitando a satisfação das suas necessidades básicas e visando a inserção laboral, social e comunitária.
4422
e interesse dos alunos durante as aulas, ausência no cumprimento das tarefas, conversas entre colegas” (p.
3).
A compreensão de algumas das características e atitudes anteriormente referidas passa, no entendimento
dos entrevistados, pelo contexto socioeconómico em que estes alunos se inserem, um contexto
caracterizado, na maioria dos casos, por famílias pouco estruturadas com fracos rendimentos, que prestam
pouco ou nenhum acompanhamento académico e por vezes nem satisfazem as necessidades básicas,
situações que se anunciam pouco favoráveis a uma aprendizagem bem-sucedida por contraste com
atitudes opostas defendidas autores por autores como Coleman (1988),Hara e Burke (2001), Muller (1993)
ou Villas-Boas (2010):
EG13 – A nível social e familiar é uma precariedade muito grande … quer dizer, não estão nada motivados seja
lá para o que for. Não têm uma base familiar que nos ajude a encaminhar e a aproveitar realmente esse
programa Oportunidade.
EB4 – (…) a nível de casa, não têm qualquer tipo de acompanhamento, muitas vezes são miúdos que vêm,
muitas vezes, de um estrato social baixo, cujos problemas começam logo de manhã no pequeno-almoço e
coisas de género. Portanto, são vários os problemas desde o sítio onde possam estudar, desde os pais não
ligarem àquilo que eles fazem. Portanto, muitos desses alunos não têm acompanhamento por parte de casa e
claro que a vida familiar afecta muito a escola e nota-se isso.
EH14 – São alunos, que socialmente, têm estruturas familiares muito más, pais que estão na cadeia, alunos
que nem sequer conhecem o pai ou não sabem quem é o pai ou não sabem quem é a mãe. São alunos que
vêm de estratos sociais economicamente desfavoráveis… desfavorecidos e portanto são crianças que lhes
faltam praticamente tudo. (…) Os pais estão também pouco interessados… (…) é muito difícil trazê-los à
escola, porque eles não veem nada na escola.
iii)
Representações acerca do trabalho com alunos do programa Oportunidade I
No que respeita ao trabalho pedagógico com alunos do subprograma Oportunidade I, os entrevistados
dizem intervir de imediato a nível das atitudes e socialização, apostando muito no cumprimento de regras na
sala de aula e no desenvolvimento de competências sociais, condições que consideram prioritárias porque
fundamentais ao funcionamento da aula e à criação de um ambiente favorável ao processo de ensino e
aprendizagem:
ED7 – No início do ano, apostamos muito nas regras na sala de aulas, na socialização e no incutir-lhes o
respeito pelo outro. Portanto, durante uns tempos, nem nos preocupamos muito com as planificações, nem
com a matéria propriamente dita para que eles se habituem a estar na sala.
EG13 – Primeiro temos de ter um trabalho base muito grande (…) incutir regras também, saber estar, saber
entrar, saber que tem de cumprir isso, tem de falar deste modo, tem de sentar deste modo.
EB4 – É um trabalho onde eu dou uma ênfase ainda muito maior à parte social, à parte da integração, à parte
da convivência (…).
Uma vez criadas essas condições, os entrevistados dizem então direcionar a sua intervenção para o
domínio cognitivo, considerando os problemas de aprendizagem dos alunos, atribuídos por vezes à falta de
4423
memória, atenção e concentração. Em alguns casos, a resposta pedagógica passa pela “repetição” e
“memorização” (EA2). Para outros, por seu lado, o processo de ensino passa por procurar estratégias que
motivem mais os alunos, destacando o recurso ao trabalho de projeto, o incremento da interdisciplinaridade,
o recurso às tecnologias de informação através da realização de trabalhos de pesquisa, bem como a
adoção de um trabalho diferenciado, capaz de atender às diferenças de desempenho dos alunos:
EG13 –É aproveitar aquilo que os motiva e a partir daí avançamos. Claro que temos uma linha, um programa,
uma planificação das aulas, mas sempre com base naquilo que os interessa.
EG12 – Agora andamos mais nos trabalhos de investigação, que é para eles poderem usar as novas
tecnologias…
EF11 – A minha preocupação é sempre diferenciar porque tenho crianças que já dominam a área da Língua,
não como seria ideal, mas dentro das capacidades deles, há alunos que não leem mesmo nada…
Este processo não é isento de constrangimentos e dificuldades. Ao serem questionados a propósito, 13
entrevistados (86,7% – EF11, EF10, EC5, EG12, EH15, EB3, EB4, ED6, EE9, ED, EA1, EA2 e EH14)
admitem vivenciar dificuldades e constrangimentos, que associam essencialmente à falta de ou
inadequação de recursos materiais às necessidades e características dos alunos, a questões didáticas ou
às relações interpessoais.
No que concerne aos recursos materiais, os principais constrangimentos que os professores referem são as
condições físicas das escolas e a falta de recursos e materiais pedagógicos que motivem os alunos para a
aprendizagem, estimulando a sua atenção e participação, fatores que autores como Soares (2004) ou
Santana e Santos (2010) associam à falta de interesse escolar dos alunos:
EA2 – No início tive mesmo que dedicar muito tempo na preparação das fichas e a diversificar materiais. É
arranjar material, para os cativar, para eles aprenderem alguma coisinha.
EH14 – Para trabalhar com esses alunos, era preciso equipamento de ponta, era preciso quadros interactivos
era preciso ter tudo nas salas, era preciso ter salas equipadas para lhes mostrar o que de melhor há, porque
eles precisam ver coisas diferentes, coisas novas. Aquilo que há lá fora e que eles não têm.
EB4 – Eu acho que esses miúdos precisam de algo diferente e precisam de condições diferentes. Nós aqui,
nesta escola, é evidente que não temos estas condições (…) Nós, nesta escola, há vários meses que estamos
à espera de verbas para a implementação de um programa para este tipo de miúdos com uma piscina, com
essas coisas todas.
Quanto às questões didáticas, os professores ED7 e EE8 referem como principal dificuldade a abordagem
dos conteúdos. Não podemos esquecer que muitas vezes para se desenvolver um trabalho com esses
alunos é necessário recuar a conteúdos do 1.º ciclo e alguns dos professores do 2.º ciclo não se sentem à
vontade para o fazer ou porque não interagiram com o professor do 1.º ciclo que trabalhou anteriormente
com os alunos, desconhecendo por isso o ponto de situação relativamente ao andamento programático e às
dificuldades evidenciadas e estratégias já usadas, ou porque não têm formação em 1.º ciclo e não têm
qualquer acompanhamento de professores daquele nível de ensino:
4424
ED7 – O maior problema com que nos deparamos até é … as dificuldades deles são tão… básicas, tão… e
nós, às vezes temos tanta dificuldade em recuar, recuar, recuar para lhes explicar e explicar da maneira mais
fácil, com linguagem mais própria para a idade deles e, às vezes, o maior problema é justamente esse.
EE8 – Como não era do 1.º ciclo, não sabia como trabalhar com eles, não sabia identificar determinadas
lacunas que só um professor do 1.º ciclo consegue.
Quanto às relações interpessoais, referidas por EF11 e ED6, as principais dificuldades apontadas são a
relação pedagógica com os alunos, derivada em parte do desrespeito por regras de funcionamento das
aulas e de convivência interpessoal, e a interação com os seus encarregados de educação:
EF11 – Conseguir que eles tenham calma quando chegam à sala porque são miúdos que… não têm respeito.
Para eles a escola é um local para vir tentar desrespeitar as regras…
ED6 – Sinto muitas dificuldades na relação com alguns alunos porque têm interesses divergentes
dos escolares, dificuldades em estabelecer ligações com a família porque muitas vezes nem sequer
têm telefone ou há pais que não os conheço e andar sempre a insistir e não aparecem, é
desmotivante.
Embora diversos autores, entre os quais Gonçalves (2010), Hara e Burke (2001), Honore (1980) ou
Nascimento (2011), defendam a importância da relação entre a escola e a família para a promoção do
sucesso escolar dos alunos, essa relação é muitas vezes de difícil construção devido à parca participação
de alguns pais na vida escolar dos seus filhos. Essa situação parece particularmente notória no caso dos
alunos de programas de recuperação da escolaridade, cujas modestas origens socioeconómicas e um meio
familiar por vezes desestruturado, a juntar à ausência de grandes perspetivas de um futuro académico ou
profissional, se traduzem numa ausência dos pais e encarregados de educação da vida escolar dos filhos.
Ainda assim, como alerta Diogo (2010), não parece haver uma relação direta entre o envolvimento parental
no processo de escolarização e os resultados escolares das crianças e jovens. Podemos, pois, nesta
matéria incorrer no que Silva (2003) designa de profecias autorrealizadoras, que resultam de expetativas
negativas dos professores em relação aos pais que participam menos na escolaridade dos filhos,
eventualmente refletidas nas expetativas relativamente ao desempenho destes, fator que só por si pode
introduzir disrupção no processo pedagógico.
Conclusões
Em resposta aos objetivos de investigação enunciados, os dados analisados permitem concluir que a
maioria dos professores inquiridos considera necessária e até benéfica a existência de programas de
recuperação de escolaridade, mas não avalia de forma muito positiva as condições de desenvolvimento
desses programas. São apontadas falhas desde a falta de verbas e a falta de legislação que oriente o
trabalho dos professores, passando pela necessidade de reforçar a componente prática dos programas
curriculares e pela falta de instalações físicas e recursos pedagógicos adequados para corresponder às
necessidades e características dos alunos que frequentam este tipo de programas, fatores que acabam por
dificultar o trabalho pedagógico dos professores no âmbito desses programas e que constituem obstáculos
às possibilidades de recuperação da escolaridade que estes programas efetivamente oferecem aos alunos.
4425
Neste sentido, no discurso dos professores os programas de recuperação de escolaridade são vistos como
uma necessidade, mas não como uma solução, nos termos em que se desenvolvem.
Quanto à representação dos inquiridos acerca dos alunos que frequentam o programa Oportunidade I,
aqueles são caracterizados fundamentalmente como sendo crianças com muitas dificuldades a nível
cognitivo, com uma auto-estima muito baixa, muito carentes a nível afetivo e provenientes de meios
socioeconómicos desfavorecidos e famílias disfuncionais, que não valorizam a escola nem proporcionam
um acompanhamento adequado aos alunos tanto a nível do processo de aprendizagem, como na aquisição
de atitudes e valores facilitadores dos processos de socialização na escola.
Estas representações levam a que a principal preocupação dos professores que trabalham com aqueles
alunos seja a nível atitudinal e de socialização, apostando muito no cumprimento de regras na sala de aula
e no desenvolvimento de competências sociais. Quanto às estratégias adotadas no trabalho pedagógico
com alunos do subprograma Oportunidade I parecem derivar sobretudo dos interesses daqueles, como fator
de motivação para a aprendizagem, traduzindo-se ora em trabalhos de pesquisa e de projeto ora na aposta
na interdisciplinaridade.
As especificidades dos contextos e processos educativos que ocorrem no âmbito de programas de
recuperação de escolaridade como o Oportunidade I resultam na vivência de dificuldades e
constrangimentos por parte dos professores, decorrentes ora da falta de condições físicas e recursos
materiais que motivem os alunos para a aprendizagem, a que já aludimos, ora de alguma impreparação
pedagógico-didática dos professores para lidarem com as dificuldades concretas destes alunos e
trabalharem conteúdos específicos de outros níveis de escolaridade, agravada pela falta de interação e
cooperação entre docentes, ora ainda pela dificuldade em construir relações interpessoais positivas e
profícuas quer com os próprios alunos quer com os respetivos encarregados de educação.
Estas conclusões sugerem que os esforços de diversificação de percursos educativos que apoiem os
alunos na recuperação escolar só por si não garantem essa recuperação, sendo necessário criar as
condições adequadas ao desenvolvimento desses programas e à consecução dos respetivos objetivos
educativos, desde logo ao nível material, mas fundamentalmente na (in)formação e acompanhamento dos
professores nesses processos.
Mais importante ainda será, quanto a nós, intervir ao nível da prevenção do insucesso, fomentando nas
escolas um despiste precoce de dificuldades de aprendizagem, a diversificação de práticas educativas
capazes de responder a essas dificuldades e a criação de condições para um trabalho pedagógico mais
situado e individualizado, redimensionando as turmas e encontrando mecanismos de apoio escolar mais
eficazes e dentro da sala de aula, em parceria com os professores titulares das turmas.
Referências
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Legislação
Decreto-Lei n.º 338/79, de 25 de Agosto (define as atribuições que em matéria educativa pertençam à
esfera da autonomia regional e aquelas que se reservam ao Governo da República)
Lei n.º 85/2009, de 27 de Agosto (estabelece o regime da escolaridade obrigatória para as crianças e jovens
que se encontram em idade escolar e consagra a universalidade da educação pré-escolar para as
crianças a partir dos 5 anos de idade).
Lei n.º 85/2009, de 27 de agosto (estabelece o regime de escolaridade obrigatória para as crianças e jovens
que se encontram em idade escolar).
Portaria n.º 53/2010, de 4 de Junho (reformula o Programa Oportunidade).
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Representacoes de professores sobre o trabalho com alunos do