POR QUE AINDA É PRECISO ENSINAR A LER TEXTOS IMPRESSOS NA ESCOLA Ana Sílvia Moço Aparício [email protected] Arquimedes Pessoni [email protected] Mônica Pegurer Caprino [email protected] Universidade Municipal de São Caetano do Sul Introdução Neste trabalho, apresentamos e discutimos os resultados de seis testes de compreensão de leitura, realizados em 2008 (Teste 1 e Teste 2), 2009 (Teste 3 e Teste 4) e 2010 (teste 5 e 6) no âmbito da pesquisa “O uso do jornal em sala de aula e compreensão de leitura no lócus de São Caetano do Sul”. Com essa pesquisa, pretendemos acompanhar e analisar, ao longo de quatro anos (2008-2011), o nível de compreensão de leitura do gênero “notícia” por alunos das séries finais do Ensino Fundamental (6º. ao 8º. ano) de seis escolas da rede municipal de ensino de São Caetano do Sul, cidade que tem um dos maiores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil. Vale destacar que essa pesquisa - realizada por uma equipe multidisciplinar de docentes da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) com formação nas áreas de Comunicação, Letras, Linguística e Educação – não se restringe à coleta e estudos dos dados, mas também a intervenções, possíveis por meio de parceria firmada entre a USCS e a Prefeitura Municipal de São Caetano do Sul. A proposta da parceria inclui, além do acompanhamento dos resultados dos testes, oficinas de capacitação e orientações oferecidas pela equipe de docentes da USCS aos professores de língua portuguesa da rede municipal, com ênfase no trabalho com o jornal em sala de aula relacionado ao desenvolvimento de habilidades de leitura de textos impressos. No presente artigo, estamos considerando especificamente os dados gerados de 2008 a 2010, referentes a seis testes de leitura realizados pelos alunos. Nosso objetivo aqui é o de buscar compreender os resultados desses testes, considerando os índices de acertos e erros por questão/habilidade de leitura, no âmbito geral do município, tendo em vista pontuar questões que possam orientar a sequência de ações e intervenções do Projeto em andamento, bem como contribuir para as discussões, desenvolvidas no campo da Educomunicação e do ensino da língua materna, sobretudo as que envolvem a leitura de textos jornalísticos impressos. Para o processo de geração e análise dos dados aqui apresentados, articulamos as abordagens quantitativa e qualitativa de pesquisa. A metodologia quantitativa foi utilizada para levantamento e tabulação dos resultados dos testes de leitura realizados até o momento; e a metodologia qualitativa, de cunho interpretativista, foi utilizada para a compreensão desses resultados. Na seção a seguir, apresentamos os pressupostos teóricos e metodológicos que embasam nossa pesquisa. Nas seções subsequentes, caracterizamos o contexto em que a pesquisa está sendo realizada, descrevemos o processo de geração dos dados da pesquisa e realizamos uma análise desses dados. Na última seção, tecemos algumas considerações sobre a reflexão que nos propusemos realizar neste trabalho. A leitura como objeto de ensino Os resultados da compreensão de leitura de alunos do ensino básico em diversos exames, como o ENEM, SARESP, SAEB, PISA, não têm sido satisfatórios tendo em vista o que se espera da formação do cidadão numa sociedade urbana e globalizada, altamente letrada, como a atual. Em 2006, por exemplo, a média de proficiência em Leitura do PISA foi 459,56 e o Brasil ficou abaixo da média com 392,89 pontos, ou seja, ficou entre os países cuja maioria dos estudantes não é capaz de reconhecer a idéia principal de um texto, inferir informações ou construir sentido e conexões entre o texto e outros conhecimentos da experiência pessoal. Esses resultados apontam as várias dificuldades que os alunos apresentam nas habilidades de leitura contempladas nos referidos exames. Uma dessas dificuldades refere-se, inclusive, à simples identificação de informações explícitas no texto. Uma explicação para tal fato seria a inadequação das estratégias de leitura utilizadas pelos alunos para a compreensão do texto. Diante disso, a pergunta que tem sido feita por especialistas da área é se as atividades de leitura desenvolvidas nas escolas ensinam, de fato, o aluno a entender e compreender textos. Não se pretende aqui responder a essa questão com análises de dados empíricos de práticas de sala de aula, e sim provocar uma reflexão que possa orientar discussões para uma melhor interpretação dos dados alarmantes sobre o resultado da formação leitora dos nossos alunos. Para tal, faremos um rápido exame das concepções e atividades de leitura tradicionalmente adotadas pela escola e, em seguida, teceremos algumas considerações sobre as novas orientações para o ensino da leitura. Uma concepção tradicionalmente assumida pela escola é a de que ler significa apenas um processo de decodificação de letras (escrita) em fonemas (fala), para se acessar o significado do texto. Nesta perspectiva, aprender a ler envolve percepção visual e memória dos grafemas (letras, símbolos, sinais), que deve ser associada, também na memória, a outras percepções (auditivas) dos sons da fala (fonemas). Fazendo essas associações, o indivíduo, partindo da letra, chegará à sílaba e à palavra, e delas, à frase, ao período, ao parágrafo e ao texto, acessando assim, linear e sucessivamente, seus significados. Desse modo, as capacidades exigidas para a chamada “leitura fluente” são as de decodificação do texto. (cf. Rojo, 2004) Tendo isso em vista, o papel da escola no tocante à leitura restringe-se a desenvolver atividades orientadas, por exemplo: - a decifrar em voz alta as correspondências entre letras e sons, tarefa avaliada pelo professor em função da velocidade da leitura, isto é, se o aluno sabe traduzir adequadamente o texto escrito a uma forma oral, entenderá o texto porque sabe falar e entender a linguagem oral; - a ler para responder as atividades de “compreensão de texto”, isto é, quando a compreensão do texto consiste na leitura oral ou silenciosa de um texto, seguida da resposta a um questionário cujas perguntas se limitam a cobrar a lembrança imediata de pequenos detalhes secundários do texto e se referem a informações obtidas segundo o desenvolvimento linear do escrito. Na verdade, essas atividades de leitura referem-se exclusivamente à avaliação da compreensão leitora e, portanto, não ensinam a compreender o texto, pois não mostram ao aluno os caminhos que ele pode seguir para construir o sentido do texto. Enfim, são atividades centradas no resultado da leitura e não em seu processo e, assim, não se ensina a compreender. Por isso, embora hoje já se admita facilmente que um dos objetivos da aula de língua portuguesa é ensinar a ler, as atividades de leitura desenvolvidas na escola não têm contribuído para que o aluno seja capaz de interpretar e compreender autonomamente os textos escritos. Ensinar e aprender a ler são, realmente, tarefas complexas. Nos últimos 50 anos, como aponta Rojo (2004), o desenvolvimento das pesquisas e estudos sobre o ato de ler vem demonstrando que a leitura envolve muitas outras estratégias e capacidades (cognitivas, afetivas, sociais, discursivas, linguísticas) todas dependentes da situação e das finalidades de leitura. Em outras palavras, a leitura passa a ser enfocada não apenas como um ato de decodificação, de transposição de um código (escrito) a outro (oral), mas como um ato de cognição, de compreensão, que envolve conhecimento de mundo, conhecimento de práticas sociais e conhecimentos linguísticos que vão muito além dos fonemas e letras. Desse ponto de vista, a leitura eficiente é uma tarefa que exige diferentes combinações de capacidades de várias ordens. Cabe, portanto, à escola, promover o ensino de estratégias de leitura (decodificação, seleção, antecipação, inferência, verificação, confirmação de hipóteses, etc) e o desenvolvimento de habilidades mobilizadas por um leitor proficiente. A característica mais saliente de um leitor proficiente, segundo Kleiman (1992:51), “é sua flexibilidade na leitura. Ele não tem apenas um procedimento para chegar aonde quer, ele tem vários possíveis, e se um não der certo, outros serão ensaiados.” Por isso, o ensino de estratégias de leitura consiste em tentar reproduzir as condições que dão ao leitor proficiente essa flexibilidade e independência. Essa perspectiva exige, antes de tudo, que a leitura seja considerada como uma prática central de todas as disciplinas do currículo, e o professor, qualquer que seja sua área, como mediador ou facilitador da leitura para os alunos. Ao professor de Português cabe propiciar condições para que o aluno descubra como se constrói a leitura, articulando-a aos diferentes gêneros de texto; não se lê, por exemplo, uma notícia da mesma forma que um poema ou que se consulta um dicionário. De acordo com os PCNs de Língua Portuguesa para o ensino fundamental (séries finais), a leitura fluente só se dá quando o leitor utiliza estratégias como: selecionar, antecipar, inferir e verificar, sendo, pois, o uso, desses procedimentos que permite tomar decisões diante das dificuldades de compreensão, arriscar-se diante do desconhecido, buscar no texto a comprovação das suposições feitas, etc. (Brasil 1998: 53-54). Em suma, o professor de Português deve se preocupar em trabalhar uma diversidade de práticas de leitura criando oportunidades para que o aluno encare a leitura como uma atividade prazerosa, a qual exige um engajamento cognitivo. Nos termos de Kleiman e Moraes (2008: 129), “o sujeito cognitivamente engajado mobiliza seus conhecimentos para fazer sentido de uma situação”. Como também afirma Kintsch (apud Salles & Parente, 2004:73), o processo de leitura combina “duas fontes de informação: conhecimento sobre linguagem, bem como conhecimento sobre o mundo”. É, pois, justamente esse o ponto fundamental de nossa pesquisa, que procura acompanhar e analisar o desempenho do aluno na leitura de notícias de um jornal e se o trabalho contínuo com este veículo de comunicação na sala de aula pode contribuir para o melhor desempenho desse aluno na compreensão leitora. Vale lembrar também que a “notícia” de jornal é um gênero que atrai muitos leitores e pode ser um bom ponto de partida para um trabalho de leitura. Além de possibilitar ao aluno se engajar em vários objetivos de leitura (ler para se informar, ler para realizar trabalhos, ler para comunicar um texto a um auditório, entre outros) e segundo perspectivas de diferentes disciplinas (história, geografia, matemática, etc), as notícias geralmente apresentam fotos, diagramas, tabelas e outros recursos de apoio à compreensão. Contextualização e descrição do processo de geração dos dados considerados para análise Como já dissemos, os dados aqui apresentados e discutidos foram gerados de 2008 a 2010, junto às escolas de ensino fundamental (séries finais) da rede municipal de São Caetano do Sul, cidade da região do ABC, que faz parte dos municípios da Grande São Paulo. São Caetano do Sul destaca-se por apresentar um dos melhores Índices de Desenvolvimento Humano (cerca de 0,919) de acordo com a ONU, possui o menor Índice de Exclusão Social do país (0,864) e está entre os 60 municípios com o maior Índice de Desenvolvimento Infantil (0,895), de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). A Educação em São Caetano do Sul também tem sido apontada como uma referência no ensino público de qualidade, tendo em vista os investimentos em diversas ações e projetos que visam, sobretudo, o aperfeiçoamento contínuo dos professores e funcionários, com a valorização do profissional da área. Atualmente, a cidade possui 17 Escolas Municipais, sendo 6 de Ensino Fundamental de 6º. ao 9º. ano, as quais foram municipalizadas em 2007. Quanto ao jornal utilizado na pesquisa, foi escolhido o Diário do Grande ABC, por ser regional e apresentar notícias que possam ser mais próximas ao cotidiano dos alunos. Ao mesmo tempo, o jornal trata, também, de assuntos nacionais e internacionais nas áreas de esporte, política, policial, enfim, de todas as editorias presentes nos jornais de grande circulação. Os testes realizados pelos alunos são orientados pelos descritores e matrizes utilizados pelos principais exames de avaliação realizados no ensino básico, como o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP), o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). Elaborados a partir de notícias escolhidas no jornal “Diário do Grande ABC”, que tem sido distribuído às escolas (10 assinaturas para cada uma das escolas) desde 2008, para uso dos professores de Língua Portuguesa, os testes trabalharam em 2008 e 2009 com dez habilidades de leitura e, em 2010, com doze habilidades de leitura, compatíveis com os aprendizados solicitados aos alunos de 6º.s, 7º.s. e 8º.s anos, cuja abrangência vai da recuperação de informações específicas do texto, demonstração de compreensão geral de texto e reflexão sobre seu conteúdo e suas características até a comparação entre textos que tratam do mesmo tema, em função das condições em que ele foi produzido. São elas: 1-Localizar informações explícitas no texto. 2-Inferir o sentido de uma palavra ou expressão. 3-Estabelecer relações lógico-discursivas presentes no texto, marcadas por conjunções, advérbios, etc. 4-Inferir uma informação implícita no texto. 5-Estabelecer relações entre texto escrito e recursos gráfico-visuais presentes no texto e identificar o tema principal do texto; 6-Estabelecer relação causa/conseqüência entre partes e elementos do texto. 7-Distinguir um fato de opinião relativa a esse fato. 8-Identificar a finalidade de textos de um determinado gênero. 9-Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições ou substituições que contribuem para a continuidade de um texto. 10-Indicar o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação e de outras notações. 11- Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação de textos que tratam do mesmo tema, em função das condições em que ele foi produzido. 12- Reconhecer posições distintas entre duas ou mais opiniões relativas ao mesmo fato ou ao mesmo tema. Tais habilidades foram, então, enfocadas até o momento em seis testes de leitura, sendo quatro testes iniciais que incluíram 10 questões e dois testes que incluíram 12 questões (uma para cada habilidade) com 4 alternativas, sendo apenas uma a correta. A sequência das habilidades avaliadas não foi a mesma nos seis testes e cada teste abordou três notícias, reproduzindo-as o mais próximo possível do seu aspecto visual original, publicadas no jornal mencionado. Os testes procuraram propositadamente abordar notícias de assuntos distintos, a fim de verificar a variação dos níveis de compreensão de leitura a partir das temáticas propostas. O número de respondentes que aparecem na tabulação variou por razões diversas, desde atividades conflitantes no calendário até extravio do material. Responderam à pesquisa: Teste 1 – 770 alunos do 6º. ano – 2008 Teste 2 – 548 alunos da 6º. ano – 2008 Teste 3 – 640 alunos do 7º. ano – 2009 Teste 4 – 514 alunos do 7º. ano – 2009 Teste 5 – 609 alunos do 8º. Ano - 2010 Teste 6 – 607 alunos do 8º. Ano - 2010 Análise dos resultados Os dados foram tabulados por escola e no âmbito geral do município, cuja análise foi feita a partir da média de acertos e de erros por questão/habilidade entre os seis testes tabulados. Desse modo, apresentamos a seguir uma análise do desempenho dos alunos nas 12 habilidades consideradas no conjunto dos testes realizados até 2010. Desempenho acima de 60% A habilidade em que os alunos tiveram melhor desempenho (72,5%) relaciona-se ao reconhecimento da função dos elementos de coesão referencial, isto é, à identificação de quais palavras estão sendo substituídas e/ou repetidas para facilitar a continuidade do texto e a compreensão do sentido (Habilidade 9). Uma possível explicação para tal desempenho é a ênfase dada, em sala de aula, à utilização dos recursos de coesão referencial, nas orientações aos alunos para a produção textual e reescrita/revisão dos textos. Exemplo disso são os recursos de substituição de palavras literalmente repetidas por palavras sinônimas, hiperônimos ou pronomes. Quanto ao bom desempenho (65,5%) também observado na habilidade de inferir o sentido de uma palavra ou expressão (Habilidade 2), pode ser atribuído ao fato desta ser uma estratégia muito presente nas atividades de compreensão textual dos livros didáticos, sobretudo em seções destinadas à exploração do vocabulário dos textos de diferentes gêneros trabalhados pelos manuais. Além disso, a prática frequente de leitura em sala de aula pode contribuir para o desenvolvimento dessa habilidade, na medida em que amplia o vocabulário do aluno e exige a realização de inferências para chegar ao sentido de uma palavra de acordo com o contexto em que ela está. No Teste 2, o desempenho ruim pode ser atribuído ao fato da alternativa correta somente ser identificada mediante o retorno ao texto lido, pois fora do contexto as palavras das alternativas tinham significado muito próximo. Um bom desempenho que merece destaque (62,5%), sobretudo pelo índice de acertos nos dois últimos testes, é com relação à localização de informações explícitas no texto (Habilidade 1). Interessante observar que, nos testes de 1 a 4, chamava atenção a variação do desempenho dos alunos nessa habilidade (42,9%, 57,5%, 73,3% e 30%), justamente por requerer a utilização de uma estratégia básica de leitura que é retomar o texto e localizar, dentre outras informações expressas literalmente no texto, aquela que foi solicitada. Um fator que pode ter contribuído para o baixo desempenho nessa habilidade no Teste 1 é o fato de a resposta correta da questão estar quase no final do texto, o que nos levou a levantar a hipótese de que a maioria dos alunos não lê um texto até o final para responder a questão, acreditando que a resposta à primeira pergunta sempre está logo no início. Isso porque, por influência das práticas de compreensão de texto privilegiadas pelos livros didáticos, o aluno já está habituado a seguir sempre uma mesma sequência para responder as questões, isto é, o roteiro de questões segue a ordem do texto, de tal modo que a resposta de uma primeira questão estaria no início do texto e nunca no final. Já no Teste 4, também já havíamos observado que, embora a informação esteja no início do texto, muitos alunos assinalaram alternativas incorretas que contém partes de informações que estão na notícia mas não correspondem ao que está sendo pedido no enunciado. Neste caso, levantamos a hipótese de que os alunos realizam uma estratégia de leitura “escaneadora”, ou seja, batem o olho na frase e assinalam aquela que viram no texto, sem mesmo verificar se está correta. Após esses resultados negativos, certamente, essa habilidade deve ter sido bastante discutida e trabalhada pelos professores em sala de aula, uma vez que o desempenho nos testes 5 e 6 foi excelente (85.9%). Uma outra habilidade em que os alunos tiveram, no geral, um desempenho um pouco superior a 60% refere-se ao reconhecimento do objetivo principal do gênero “notícia” (Habilidade 8). Na verdade, a própria função primária do veículo “jornal” – informar – não é difícil de ser reconhecida na nossa sociedade atual; sem contar que o fato do trabalho com o jornal na sala de aula de modo mais sistemático desde 2008 deve ter contribuído para o bom desempenho nessa habilidade. No entanto, no teste 6, o índice de acertos foi baixo. Certamente, devido ao assunto da notícia (o recolhimento de armas de brinquedo pela Guarda Municipal de Diadema), em que se falava da conscientização dos pais para não presentear as crianças com armas, a função do texto foi mais identificada pelos alunos como uma advertência às pessoas do que como a informação do fato, ou seja, o recolhimento das armas de brinquedo. Desempenho entre 50% e 55% Houve desempenho médio em seis dentre as 12 habilidades consideradas no conjunto dos testes. Na Habilidade 5, o fato de um pouco mais da metade dos alunos (51,58%) conseguirem estabelecer relações entre texto escrito e recursos gráfico-visuais presentes na notícia e identificar o tema principal do texto pode ser indicador de que aspectos relativos à organização e estrutura de textos jornalísticos, tais como legendas, fotos, gráficos, tenham sido trabalhados em sala de aula. Aliado a isso, também conta a influência do uso intensivo do computador pelos jovens de hoje pois, no ciberespaço, informação imagens, palavras, gráficos se completam no hipertexto, levando o leitor a estabelecer cada vez mais relações entre texto escrito (verbal) e recursos gráfico-visuais. Porém, vale ressaltar que no teste 5 o número de acertos foi muito baixo (22,8%). Isso pode ter ocorrido em função do aluno ter dado maior ênfase à foto que acompanha a notícia, sem considerar a conjunção de todos os elementos solicitados no enunciado: o título da notícia, o subtítulo, a foto e a legenda. Em relação à habilidade de inferir informações implícitas no texto (Habilidade 4), o desempenho é praticamente o mesmo (51,5%), embora tenha havido uma variação muito grande nos índices dos testes 4 (23%) e 5 (82%), devido ao nível de dificuldade/facilidade da questão. De qualquer forma, cabe ressaltar que há uma dificuldade do alunado do Ensino Básico, inclusive universitário, em buscar informações que estão além do que está no texto, mas a partir das pistas que o texto oferece. Para isso, o aluno deve ser levado a não só assimilar o que o texto diz, mas também as relações entre o texto e seu contexto: como e para que/quem diz. Uma outra habilidade que envolve um procedimento de leitura mais complexo, e em que também houve desempenho médio (50,45%), é a que se refere à distinção de um fato da opinião relativa a esse fato (Habilidade 7). Como os textos selecionados para os testes se tratam de notícia, ou seja, um gênero informativo, não há a presença de opinião de forma explícita. Há, porém, marcas sutis (como um condicional) que mostram a diferença entre o que é retratado como fato e o que é mostrado como opinião ou suposição de algum personagem do texto. Nos testes iniciais os alunos apresentaram bastante dificuldade em reconhecer essas marcas. Com exceção do Teste 3, em que houve inversão total do desempenho (12,6% do teste 2 para 84,4% do teste 3), certamente atribuída ao fato de a pergunta ter sido elaborada de maneira invertida: indagou-se o que era um fato e não uma opinião. Mas é importante salientar o bom desempenho apresentado nos dois últimos testes, sinalizando que tal habilidade deve ter sido discutida e trabalhada nas aulas, sobretudo com a leitura de notícias de jornal, gênero em que é mais difícil identificar marcas de subjetividade. Na habilidade 6, relativa ao reconhecimento da relação causa/conseqüência entre partes e elementos de um texto também houve elevação do desempenho nos dois últimos testes (49%, nos quatro primeiros testes para 62,5%, nos dois últimos). Acreditamos que, além do trabalho mais sistemático em sala de aula com as habilidades de leitura focalizadas por este Projeto, faz parte do conteúdo de 8º. ano o estudo do período composto em que são focalizadas as relações semânticas estabelecidas entre as orações, dentre elas as de causa/conseqüência. Observamos o desempenho médio também quanto à habilidade de indicar o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação e de outras notações (Habilidade 10). Nesse caso, porém, houve uma grande variação nos índices de um teste para outro, o que pode indicar a falta de conhecimento do uso de um recurso específico de pontuação, uma vez que, em cada teste, foi focalizado um recurso diferente: aspas, itálico, dois pontos, entre outros. Como, por exemplo, no Teste 3, em que se pedia o sentido do uso dos dois pontos, o índice de acertos foi de 72,3%. Já no teste 4, em que foi solicitado reconhecimento do uso do itálico na indicação de palavras estrangeiras, o índice de acertos foi muito baixo (38,3%). O desempenho também foi satisfatório (55,2%) na habilidade 12, referente ao reconhecimento de posições distintas entre duas ou mais opiniões sobre um mesmo fato ou mesmo tema, habilidade essa que passou a ser solicitada a partir do teste 5. Como já apontamos, na análise do desempenho na habilidade 7, a notícia não apresenta opinião de forma explícita e sim marcas sutis que sinalizam opinião sobre o que é retratado. No caso da comparação de duas notícias sobre um mesmo fato essas marcas podem tornarse mais evidentes, na medida em que é possível analisar o modo de tratamento da informação dado pelo autor e as condições de produção, como leitor alvo, contexto de circulação, etc. Acreditamos que a intensificação do trabalho na sala de aula com a habilidade 7, conforme já apontamos acima, contribuiu para um desempenho satisfatório dos alunos na habilidade 12. Desempenho abaixo de 50% Na média geral, apenas duas habilidades apresentaram desempenho abaixo de 50%. Uma delas é a habilidade 3, que solicita a compreensão de relações lógicodiscursivas no texto, marcadas, por exemplo, por conjunções. Nessa habilidade, o desempenho foi de 42,1%. A hipótese levantada aqui é que normalmente os alunos trabalham com a memorização das conjunções, sem refletir sobre as relações de sentido estabelecidas por essas expressões entre partes de um período ou texto. A outra habilidade em que houve baixo desempenho (44,5%) é a que requer o reconhecimento de diferentes formas de tratar uma informação na comparação de textos que tratam do mesmo tema, em função das condições em que ele foi produzido e daquelas em que será recebido (habilidade 11). De fato, trata-se de uma habilidade que exige maturidade do leitor na realização de inferências e capacidade crítica no reconhecimento de posições diferenciadas entre dois textos que abordam um mesmo assunto, determinadas pelas condições de produção desses textos. Certamente, com a intensificação de um trabalho em sala de aula, orientado pela perspectiva dos gêneros textuais, que parta da comparação de diferentes textos sobre um mesmo tema, contribuirá para um melhor desempenho dos alunos nessa habilidade. Algumas considerações Pelos dados produzidos até o momento, percebe-se que houve uma elevação do desempenho dos alunos nos dois últimos testes, certamente em função de ações tomadas/realizadas, em sala de aula, a partir dos resultados dos testes anteriores, bem como de conteúdos agregados e trabalhados ao longo desse período pelos professores. Além disso, não podemos deixar de considerar que o contato contínuo com o jornal, viabilizado pelo próprio Projeto, ao longo de aproximadamente três anos, teve implicações nessa melhoria do desempenho. Um outro aspecto importante a ser considerado que merece atenção é o perfil de leitores do século XXI: pelo levantamento do perfil dos alunos participantes da pesquisa verificou-se que mais de 90% têm acesso à Internet em suas casas. Tal fato, aliado ao baixo desempenho demonstrado pelos participantes da pesquisa em algumas habilidades básicas de leitura, nos leva a crer que, na ausência do domínio de estratégias de leitura adequadas, os jovens transportam para a leitura do texto do jornal as estratégias que utilizam para a leitura de textos digitais, com os quais convivem cada vez mais em seu cotidiano. Embora se acredite que o jornal seja uma leitura “fácil”, isso não se confirma pelos dados apresentados. Os jovens leitores estão, hoje, inseridos em um novo contexto de consumo de informação que interfere em suas atividades de leitura. Assim, se, de um lado, a imersão no mundo da cibercultura não pode ser esquecida pela escola; de outro, é (ainda) preciso ensinar a ler textos impressos na escola. Na verdade, o grande desafio dos formadores de leitores é reconhecer que o leitor do século XXI trabalha com outras lógicas e estratégias e mostrar a ele que nem sempre essas estratégias são eficazes em todo tipo de texto. Referências Bibliográficas BRASIL, SEF/MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais - 3o e 4o ciclos do Ensino Fundamental - Língua Portuguesa. Brasília, DF: SEF/MEC,1998. KLEIMAN, A.B. Oficina de leitura: teoria e prática. Campinas: Pontes, 1992. ________. & MORAES, S.E. Leitura e interdisciplinaridade: tecendo redes nos projetos da escola. Campinas: Mercado de Letras, 2008. ROJO, R. Letramento e capacidades de leitura para a cidadania. Texto de divulgação científica elaborado para o Programa Ensino Médio em Rede, Rede do Saber/Fundação Vanzolini/SEE-SP e para o Programa Ler e Escrever - Desafio de Todos, CENPEC/SME-SP. SP: SEE-SP e SME-SP, 2004. SALLES, J. F. & PARENTE, M. A. de M.Compreensão textual em alunos de segunda e terceira séries: uma abordagem cognitiva. Revista Estudos de Psicologia 2004, 9(1), p.71-80.