AMÉLIA DOS SANTOS SILVA Ensino Médio em Rede: uma proposta de formação continuada para os professores do Ensino Médio da rede pública estadual de São Paulo Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação junto à Universidade Cidade de São Paulo – UNICID, sob orientação do Prof. Dr. Júlio Gomes de Almeida. UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO UNICID SÃO PAULO 2010 Autorizo, para fins acadêmicos ou científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação, por processos fotocopiadores ou eletrônicos, desde que citada a fonte. COMISSÃO JULGADORA “Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas que já têm a forma de nosso corpo e esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado para sempre, à margem de nós mesmos.” Fernando Pessoa Dedico este trabalho À minha família que, de forma incondicional me apoiou durante toda a minha vida; Ao meu marido Eduardo e as minhas filhas Caroline e Giovanna que, com paciência e amor, sempre me apoiaram e acreditaram em mim; Ao meu pai (in memórian) que sempre me incentivou a estudar; Á minha mãe pela presença constante em minha vida AGRADECIMENTOS Ao Governo do Estado de São Paulo que me concedeu a Bolsa Mestrado permitindo o meu aprimoramento na educação e em minha vida. Ao Professor Doutor Júlio Gomes de Almeida, orientador desse estudo, pela competência, paciência, compreensão e amizade com que me acompanhou durante toda a trajetória do trabalho. À Doutora Sílvia Regina R. C. Brandão e a Doutora Margarete May Berkenbrock Rosito, professoras membros da banca examinadora pela atenção devotada a este trabalho. A todos os professores da Pós‐Graduação em Educação da Universidade Cidade de São Paulo, pela amizade, pelo conhecimento transmitido ao longo do curso, que colaboraram para a elaboração desse trabalho. Aos professores, sujeitos de pesquisa, que participaram deste trabalho, de forma voluntária, sem a presença destes não seria possível desenvolver tal trabalho. À Escola Estadual Professor Gabriel Ortiz, pela imensa contribuição para a realização da pesquisa. A todos os meus amigos que me incentivaram, direta ou indiretamente, colaborando para a realização deste trabalho acadêmico. Ao meu anjo da guarda Joaquim Pereira dos Santos que tanto me apoiou espiritualmente nas etapas difíceis desta caminhada. A Deus que, a todo momento esteve comigo acompanhando‐me, iluminando‐me, abençoando‐me e amparando‐me nos momentos difíceis. Obrigada Senhor, pelas Glórias e Graças concedidas. RESUMO Esta pesquisa teve como objetivo investigar o Programa Ensino Médio em Rede ‐ um programa de formação continuada para professores do Ensino Médio da Rede Pública Estadual de São Paulo – buscando compreender em que medida ele auxiliou o professor na realização de mudanças na sua prática pedagógica cotidiana. Optou‐se pela abordagem qualitativa de pesquisa. Os procedimentos de pesquisa foram análise documental e entrevistas estruturadas com os professores participantes do Programa. Foi possível compreender que as mudanças projetadas pelo Programa se tornaram em parte experiências concretas no cotidiano da escola por meio das reflexões e ações protagonizadas pelos professores durante esse curso. Para isso, foram considerados positivos o relacionamento que se estabeleceu entre os docentes, a qualidade do material didático e o fato de o curso ocorrer no próprio ambiente escolar em que os participantes atuavam. Quanto aos aspectos negativos, foram destacados o tempo insuficiente para o desenvolvimento das atividades, bem como a falta de estrutura e de equipamentos necessários para algumas das propostas de estudo. Palavras‐chave: Programa de formação docente, prática docente, Ensino Médio em Rede. ABSTRACT This research had as objective to investigate the Program Average Education in Net - a program of formation continued for professors of Average Ensino of the State Public Net of São Paulo - searching to understand where measured it assisted the professor in the accomplishment of changes in daily pedagogical practical its. It was opted to the qualitative boarding of research. The research procedures had been documentary analysis and interviews structuralized with the participant professors of the Program. It was possible to understand that the projected changes for the Program if had become in part concrete experiences in daily of the school by means of the reflections and the action carried out for the professors during this course. For this, the relationship that if established between the professors, the quality of the didactic material and the fact of the course had been considered positive to occur in the proper pertaining to school environment where the participants acted. How much to the negative aspects, they had been detached the insufficient time for the development of the activities, as well as the lack of structure and necessary equipment for some of the study proposals. Keywords: Teacher Formation Program, teaching practices, Ensino Médio em Rede. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.........................................................................................................................................12 CAPÍTULO 1............................................................................................................................................Erro! Indicador não definido.8 Formação docente .............................................................................................................................18 1.1 A Lei de Diretrizes e Bases de Educação e a formação docente ..............................................17 1.2 Formação contínua e os programas de formação ...................................................................18 1.3 Projeto de Educação Continuada (PEC)....................................................................................20 1.4 A Educação a Distância (EAD) na capacitação de professores na utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs)..................................................................................................22 1.5 Reflexões sobre os processos de formação docente ...............................................................25 1.5.1 – Histórias de vida como um processo de formação ........................................................30 1.5.2 O saber docente como um saber plural............................................................................32 1.5.3 – As dimensões simbólicas no processo de formação ......................................................33 1.6 A formação em serviço.............................................................................................................35 CAPÍTULO 2 ............................................................................................................................................38 O Ensino Médio ..................................................................................................................................38 2.1 Ensino Médio no Brasil: uma breve retrospectiva ...................................................................38 2.2 Ensino Médio: um pouco de legislação....................................................................................40 2.2.1 Reformas Educacionais Francisco Campos e Gustavo Capanema ....................................42 2.2.2 – Reforma Francisco de Campos .......................................................................................43 2.2.3 Reforma Gustavo Capanema ............................................................................................44 2.2.4 – Lei de Diretrizes e Bases DA Educação Nacional/1961 ..................................................45 2.2.5 – Lei n.º 5.692/1971 e Lei n.º 7.044/82 ..........................................................................489 2.2.6 – Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/96.............................................................................48 2.3 Ensino Médio em Rede – Programa de Formação Continuada para Professores do Ensino Médio: uma síntese........................................................................................................................52 2.3.1 Objetivos do Programa......................................................................................................53 2.3.2 Participantes, material pedagógico e metodologia do Programa ....................................54 2.3.3 Da matrícula, frequência, avaliação e certificação ...........................................................58 CAPÍTULO 3 ............................................................................................................................................61 Análise e discussão dos dados ...........................................................................................................61 3.1 O contexto da pesquisa e o perfil dos participantes................................................................61 3.2 Abordagem metodológica ......................................................................................................64 3.3 O Ensino Médio em Rede e a aplicação de novas metdologias ...............................................67 3.4 O Ensino Médio em Rede e os problemas pedagógicos reais .................................................74 3.5 As responsabilidades pela formação do professor .................................................................77 3.6 O Programa Ensino Médio em Rede e as mudanças............................................................... 79 3.7 Os professores e o Programa .................................................................................................80 3.8 O Professor Coordenador e o trabalho docente .....................................................................81 Considerações Finais ..............................................................................................................................85 Referências bibliográficas ......................................................................................................................90 ANEXOS ..................................................................................................................................................95 11 INTRODUÇÃO “[...] o professor ideal é alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e à pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os alunos.” (Tardif, 2002) Atuo na rede pública estadual1 como professora do Ensino Médio desde 1998. Há seis anos desempenho a função de Professora Coordenadora Pedagógica na escola pesquisada. Sempre constatei, junto aos meus colegas, o desafio que os professores do Ensino Médio enfrenta pela falta de clareza quanto à especificidade dessa modalidade, especialmente com relação à prática docente e seus reflexos qualitativos na formação do aluno. Com um foco de curso pré-universitário, o Ensino Médio tem-se caracterizado por ênfase na estreita divisão disciplinar do aprendizado. A fragmentação das disciplinas é uma característica que predomina no currículo do Ensino Médio, tornando-o descontextualizado da realidade do aluno, dificultando a interação entre ele e as disciplinas, gerando a desmotivação dos discentes por falta de objetivos. Diversos autores vêm desenvolvendo trabalhos sobre os vários saberes necessários à prática docente, tanto em relação ao saber fazer e ao ser pedagógico, quanto a construir uma prática docente que atenda às reais demandas da escola contemporânea. Conforme Tardif (2002, p.36), o saber docente é um “saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares, e experiências”. 1 Iniciei minha trajetória profissional na rede particular em 1986, no ensino regular e técnico, mas neste trabalho, voltado para a formação continuada de professores da rede pública, não irei me reportar a ela. 12 De acordo com Silva (1999, p. 67), uma [...] demanda a atingir a escola de ensino básico e aos docentes que nela atuam foi o movimento pela reunificação do conhecimento: a crítica da disciplinarização do conhecimento questiona os docentes sobre a necessidade de encontrarem abordagens de ensino que ofereçam aos educandos uma visão mais ampla e global dos fenômenos estudados. Não compete mais ao aluno efetuar a unidade do conhecimento mediante unicamente seu próprio esforço: a escola através de seus docentes deve oferecer aos alunos um conhecimento interdisciplinar, com a contribuição das diferentes disciplinas para uma perspectiva globalizante. Desse modo, de um lado temos professores preocupados em cumprir o planejamento, lutando para manter a disciplina na sala e, do outro, um aluno desmotivado, sem entender para que e por que aprender todo aquele conteúdo que o professor insiste em passar, sem nenhum significado para ele; como se manter longe de toda uma tecnologia que chama mais a sua atenção para ater-se e prestar atenção à aula. Que tipo de aula e conteúdo o jovem espera no Ensino Médio? Eu mesma, muitas vezes, em sala de aula, questionei-me em silêncio sobre o porquê daqueles conteúdos e o que estava errado naquela aula para que os alunos não se interessassem. Houve momentos, porém, em que percebi algum interesse, o que me levou a prestar mais atenção a eles, identificando as aulas das quais os alunos mais gostavam e pelas quais se interessavam. Travei diálogos diretos com os alunos, levantando pontos importantes para tornar as minhas aulas menos tediosas. Sempre busquei por respostas, mesmo que não completas, para trabalhar de forma diferenciada. Quero ir ao encontro de soluções para esses problemas reais, como nas situações vivenciadas em sala de aula e elaborar respostas que atendam e minimizam tanto as minhas dúvidas e conflitos quanto as dos meus alunos. E é desta forma que eu espero superar estas lacunas nos cursos de formação continuada. Constatei, entretanto, que os alunos não têm bem definidos os objetivos do Ensino Médio: ele representa, para eles, somente mais uma etapa da educação que têm de cumprir ou porque os pais obrigam, ou por uma questão automática na sequência dos estudos. Essa indefinição vale também para muitos professores, pois não têm clareza sobre o que esperam que seus alunos tenham aprendido ao término do Ensino Médio. 13 Pesquisando sobre esse tema, identifiquei que o aluno do Ensino Médio deve ser orientado a ter o entendimento desta modalidade de ensino bem como interrelacionar os conhecimentos obtidos no Ensino Fundamental para ampliá-los na medida de suas necessidades pessoais e sociais. Os discursos pedagógicos proclamam que não há mais uma visão tradicional de disciplinas distribuídas em rol de conteúdos, embora ainda se vê a presença constante desta fragmentação, elas podem ser mantidas, desde que objetivem o desenvolvimento das competências da Base Nacional Comum2. Mas como fazer um diálogo com os conhecimentos disciplinares e as abordagens interdisciplinares? Como desenvolver competências e habilidades gerais nas diversas disciplinas de modo que o educando tenha acesso a um processo pedagógico que lhe permita aprender a aprender, aprender a ser e aprender a fazer? São perguntas feitas por diversos profissionais da Educação diante de tantas propostas discutidas e elaboradas por acadêmicos de diversas áreas. Via nos cursos de formação continuada a salvação para muitos problemas encontrados no meu cotidiano escolar e, assim, participava de todos. Os encontros de capacitações, tais como palestras, seminários, cursos semi-presenciais oferecidos pela Oficina Pedagógica nem sempre traziam os efeitos esperados para o meu cotidiano escolar. Alguns eram totalmente inviáveis na sua aplicação prática, pois não se compatibilizavam com os problemas pedagógicos reais, mas a teoria já me levava a repensar vários fatores da disciplina que ministrava: língua portuguesa. Nesses cursos de capacitação foi possível perceber que os professores não participam como protagonistas ativos nas suas elaborações. Esquece-se que é no fazer do professor, em sala de aula, que todo o conhecimento se transforma em atividades práticas. O professor não pode limitar-se somente a cumprir o currículo de forma única, ele deve reinterpretá-lo para que se tenha êxito e o ensino ocorra de fato. Outros aspectos dessas capacitações, porém, eram possíveis e contavam com bons resultados práticos e boa aceitação por parte dos alunos. Diante de tantos desafios e exigências que a escola contemporânea vem enfrentando, a Secretaria do Estado da Educação de São Paulo desenvolveu o 2 Essas competências serão explicitadas mais à frente no trabalho. 14 Programa Ensino Médio em Rede (EMR)3, que se constituía por um curso de capacitação para os professores do Ensino Médio, uma formação in locus dos agentes educacionais envolvidos com a escola da rede pública estadual. O Ensino Médio em Rede, de certa forma, representou para mim uma forma diferenciada no processo de formação continuada. No Programa o Professor Coordenador desempenhava o papel de formador junto aos professores da Unidade Escolar, uma pessoa de presença constante em seus afazeres pedagógicos, pois até então a formação continuada sempre partiu de pessoas ou instituições distantes do cotidiano do professor. Buscava-se também um trabalho coletivo articulado entre as áreas de conhecimentos. O Programa priorizava as dimensões pedagógicas de todo trabalho desenvolvido no Ensino Médio, propondo uma análise realista da proposta pedagógica da escola bem, como com intervenções pedagógicas necessárias para a sua incorporação no cotidiano escolar. No entanto, esse Programa foi apresentado aos professores e coordenadores das escolas de Ensino Médio em meio a muitas dúvidas que foram sendo sanadas, na medida do possível, ao longo de seu desenvolvimento. Os professores coordenadores eram convocados para assistirem às videoconferências e discutirem em grupos, juntamente com os Auxiliares Técnicos Pedagógicos (ATPs)4, assuntos que seriam passados aos professores nas unidades escolares em horários de trabalho pedagógico coletivo (HTPC). Considerando-se que o horário de HTPC era um horário fragmentado, em horas e dias constatamos que nem todos os professores participavam das discussões, mesmos estando inscritos no Programa. Não houve um aumento da jornada de trabalho do professor para que ele pudesse preparar as atividades a serem desenvolvidas, bem como pesquisar aspectos relacionados aos temas propostos no Programa. Lembrando-se que esses professores tinham, somente, o HTPC para a formação, mas o momento para a elaboração das atividades conforme solicitado na capacitação, não existia. Esses O site oficial desse Programa é: http://www.rededosaber.sp.gov.br/portais/emrede/Home/tabid/590/language/ptBR/Default.aspx. Acesso em: 28 ago. 2009. 4 Atualmente, esses profissionais atendem pelo nome de professores coordenadores da Oficina Pedagógica (PCOPs). 3 15 professores tinham em média duas horas de formação semanal, tempo insuficiente diante de tantas atividades tais como capacitação, reflexão, pesquisa e discussão coletiva, além dos problemas diários que habitam qualquer Unidade Escolar. Os espaços formativos não são uma constante nas escolas, é algo ainda muito novo para os docentes e a equipe gestora. A formação em serviço traz um enriquecimento no trabalho pedagógico no momento em que ela é pautada nas reais necessidades dos envolvidos e em sua autonomia para desenvolver as atividades de uma forma reflexiva crítica e não somente como uma acumulação de conhecimentos e técnicas inviáveis em sua aplicação prática. O professor necessita de autonomia para opinar, sugerir, definir, redefinir e ser um participante ativo tanto nos processos de formação quanto em sua atuação profissional. Ele deve ser um orientador nos cursos de formação continuada e se sentir sujeito de sua própria formação e desta forma ajudar e orientar as políticas de formação, através de sua prática cotidiana. A presente pesquisa procura refletir sobre a proposta de formação continuada oferecida aos professores do Ensino Médio, que participaram do Programa Ensino Médio em Rede em uma das escolas da rede pública estadual, e verificar em que medida as ações desenvolvidas por meio deste programa contou com a adesão dos professores e contribuíram para a mudança na prática dos professores que dele participaram bem como sua aceitação pelos professores e os desafios que eles tiveram de enfrentar diante da proposta do Programa. Nesse sentido, esta dissertação está dividida em três capítulos. No Capítulo 1, traça-se um panorama de formação docente nas últimas décadas, buscando destacar algumas tendências presentes nesse cenário. São descritas algumas evoluções no processo de formação de professores de acordo com as políticas públicas, por meio de ações de investimentos pelo governo federal, principalmente em relação às tecnologias de informação e comunicação na busca de uma melhoria na qualidade do ensino público. Diálogos são travados com alguns autores no sentido de fundamentar a evolução da noção de formação do professor ao longo das duas últimas décadas. 16 No Capítulo 2, retoma-se um pouco da história do Ensino Médio no Brasil, apoiada em legislações, buscando identificar as finalidades e perspectivas desse nível de ensino para uma maior contextualização do professor na atual sociedade. Logo após descrevo o Programa Ensino Médio em Rede, desenvolvido pelo Governo do Estado de São Paulo por meio de um convênio firmado com o Ministério da Educação e Cultura (MEC). Essa descrição nos traz dados sobre o Projeto idealizado pela equipe técnica da Coordenadoria de Ensino e Normas Pedagógicas (CENP) e elaborado pela Fundação Vanzolini, bem como elucida como foi a execução, quais foram os objetivos, qual foi o contexto, como se deu o desenvolvimento do curso, como era o material pedagógico, bem como foram os critérios para matrícula, frequência e avaliação. No Capítulo 3, de acordo com a abordagem metodológica, definindo-se os procedimentos metodológicos , incluindo os instrumentos de pesquisa utilizados, e o perfil dos participantes analisam-se e discutem-se os dados obtidos. Este trabalho, de caráter bibliográfico e documental, foi completado por meio de entrevistas estruturadas com professores participantes do Programa. Finalmente, nas Considerações finais, traça-se uma síntese da proposta de formação do Programa Ensino Médio em Rede em relação à análise feita, no sentido de discutir em que medida as ações desenvolvidas por meio desse Programa contribuíram para a mudança na prática pedagógica dos professores que dele participaram. 17 CAPÍTULO 1 FORMAÇÃO DOCENTE “É no espaço concreto de cada escola, em torno de problemas pedagógicos ou educativos reais, que se a verdadeira formação. Universidades e especialistas externos são importantes no plano teórico e metodológico. Mas todo esse conhecimento só terá eficácia se o professor conseguir inseri-lo em sua dinâmica pessoal e articulá-lo com seu processo de desenvolvimento [...]” (NÓVOA, 2004) 1.1 A Lei de Diretrizes e Bases de Educação e a formação docente Neste capítulo, traço um panorama de formação docente nas últimas décadas, buscando destacar algumas tendências presentes nesse cenário. Descrevo algumas evoluções no processo de formação de professores de acordo com as políticas públicas de formação, por meio de ações de investimentos pelo governo federal, principalmente em relação às tecnologias de informação e comunicação na busca de uma melhoria na qualidade do ensino público. A Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional5 refere-se à formação de professores, especialmente no seu Capítulo VI – Dos profissionais da Educação –, trazendo novas condições para o exercício e a carreira do magistério. Em seu artigo 87, institui “a Década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da publicação da Lei” e, no seu parágrafo 4º, estabelece que “até o fim da Década da Educação somente 5 Texto integral disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf. Acesso em: 28 ago. 2009. 18 serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço”. Em seu artigo 62, rege que a formação docente para atuar na Educação Básica “far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação [...]”. Essa formação, de acordo com o artigo 61, tem como fundamentos “a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço; aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras atividades”. Isso, de acordo com Gatti (s.d.), privilegia, coerentemente, a prática de ensino como eixo de formação. Essa prática, de fato, reúne, considerados campo de conhecimento e arte, as condições de ser o palco da superação da fragmentação na formação docente, fragmentação essa que se mostra evidente nas estruturas dos cursos atuais. Diante dos novos desafios postos pelas políticas educacionais formuladas a partir da LBD no que diz respeito à formação dos profissionais da Educação, e por outras leis que instituíram o direito de os professores realizarem cursos de formação, atualização e especialização, sejam eles federais, estaduais ou municipais, as políticas públicas vão passo a passo atendendo às expectativas e adequando-se às necessidades de cada realidade em seus sistemas de ensino para uma melhoria da qualidade da Educação Brasileira. 1.2 Formação contínua e os programas de formação Devido à grande expansão das redes de ensino no Brasil e, consequentemente, do aumento de demanda por profissionais para a Educação Básica, a questão da formação dos professores tem se tornado um grande desafio para as políticas governamentais. Disso resultaram vários programas de formação à distância com mídias interativas - TV Escola, formação in locus, entre outros. Vale lembrar também que, com a democratização do acesso ao ensino, a entrada de alunos com vários tipos de dificuldades no ambiente escolar exige dos professores novas posturas para lidar com realidades tão diferentes. 19 Com as ações de formação em serviço e formação permanente, conforme rege a legislação, espera-se qualificar de forma adequada os profissionais da Educação, principalmente os que já estão em exercício. Diante da multiplicação constante do conhecimento, e também do crescente desenvolvimento tecnológico, os professores precisam se atualizar e aperfeiçoar seus conhecimentos e técnicas de forma contínua, ao longo de toda a vida, conforme já indicava Delors (1999, p.89) no final da década passada: Nessa visão prospectiva, uma resposta puramente quantitativa à necessidade insaciável a educação - uma bagagem escolar cada vez mais pesada - já não é possível nem mesmo adequada. Não basta, de fato, que cada um acumule no começo da vida uma determinada quantidade de conhecimentos de que possa abastecer-se indefinidamente. É, antes, necessário estar à altura de aproveitar e explorar, do começo ao fim da vida, todas as ocasiões de atualizar, aprofundar e enriquecer estes primeiros conhecimentos, e de se adaptar a um mundo de mudanças. Entre as várias ações desenvolvidas com intuito de solucionar problemas relacionados à melhoria da qualidade do ensino, a Secretaria de Educação Básica (SEB), responsável pela elaboração das políticas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio, estabeleceu quatro eixos de ação: [...] discussão e implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb); ampliação do Ensino Fundamental para nove anos; formação continuada de professores e melhoria da Educação Infantil.6 A SEB também intensificou ações para valorizar os profissionais da educação. De acordo com o Ministério da Educação e Cultura (MEC) foram investidos R$ 11 milhões, em 2004, na Rede Nacional de Formação Continuada de Professores de Educação Básica (Rede). Constituída por 20 universidades de todo o País, a Rede chegou ao sistema de ensino em todos os estados brasileiros. Ela formou centros de apoio à produção e oferta de materiais didáticos e ofereceu cursos presenciais e à distância.7 Informação disponível em: http://www.inep.gov.br/imprensa/noticias/censo/escolar/news04_13.htm. Acesso em: 28 ago. 2009. 7 Idem. 6 20 Além disso, o Programa de Melhoria e Expansão do Ensino Médio (Promed)8, financiado com recursos da União, dos estados e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), tinha, desde sua origem, o objetivo de expandir as matrículas do Ensino Médio pela formação continuada de professores, construção e reforma de escolas, aquisição de equipamentos, de acervo bibliográfico e de material didático-pedagógico. Percebemos que os programas apresentados pelo MEC estão em consonância com a LDB no que diz a respeito à qualidade do ensino atrelado à qualificação dos professores. Urgem, porém, avaliações desses programas para aprimoramento e acesso de todos os envolvidos, inclusive de toda a equipe escolar, no sentido de que isso tudo possa ter ecos na formação dos alunos, conforme explica Delors (1999, p. 162): Uma das finalidades essenciais da formação de professores, quer inicial, quer contínua, é desenvolver neles as qualidades de ordem ética e intelectual e afetiva que a sociedade espera deles de modo a poderem em seguida cultivar nos seus alunos o mesmo leque de qualidades. 1.3 Projeto de Educação Continuada (PEC) No período de 1996 e 1997, diante da ineficácia das várias formas tradicionais de capacitações e dos gastos despendidos sem melhoria significativa da qualidade do ensino oferecido, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo desenvolveu um Projeto de Educação Continuada (PEC) para todos que atuavam junto aos alunos: Delegados de Ensino9; Supervisores de Ensino; Assistentes TécnicoPedagógicos das Oficinas10 e professores das escolas. O Projeto, de acordo com seus objetivos, buscava investir no desenvolvimento desses profissionais para que pudessem implementar as Informações detalhadas sobre esse Programa encontram-se em: http://www.fnde.gov.br/home/index.jsp?arquivo=promed.html. Acesso em: 28 ago. 2009. 9 Atualmente chamados Dirigentes de Ensino em São Paulo (SP). 10 Que hoje são os denominados Professores Coordenadores da Oficina Pedagógica (PCOP) em São Paulo (SP). 8 21 mudanças necessárias que garantissem aos alunos uma aprendizagem bemsucedida. Suas ações pretendiam a reversão da situação de “fracasso escolar” pela de “cultura de sucesso”, construindo assim a “Escola de Cara Nova”. Para possibilitar respostas às questões emergentes de sua prática, o Projeto considerava os espaços de trabalho dos educadores como locais de aperfeiçoamento, rompendo, assim, com as formas tradicionais dos cursos de aperfeiçoamento de formação, geralmente desvinculadas das reais necessidades dos participantes. Dessa forma, o PEC buscava realizar uma profunda reflexão acerca da realidade para produzir novas melhores práticas escolares. De acordo com seu regimento, esse Programa visava investir no desenvolvimento de profissionais que pudessem de forma crítica e criativa: • diagnosticar com precisão os problemas vivenciados em seus locais de trabalho; • priorizar as questões a serem enfrentadas • propor coletivamente as ações de intervenção; • acompanhar e avaliar sistematicamente o trabalho realizado, tendo como ponto de chegada a melhoria de qualidade de ensino, um novo modelo de escola. (SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, 1997, p.7). O Programa visava, também, mudanças de atuação dos profissionais da Educação tais como: • envolvimento de todos os segmentos da escola na construção coletiva de seu Projeto Pedagógico; • busca conjunta de soluções para os problemas da escola; • envolvimento de todos na transformação da sala de aula em local onde o currículo crie vida – o saber (domínio dos conteúdos a serem ensinados) e as metodologias de ensino – o saber-fazer – bem como as formas de utilização de bibliotecas, laboratórios, salas-ambientes e material didático; • implementação de um processo de avaliação que acompanhasse continuamente a aprendizagem dos alunos. (SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, 1997, p.7). O PEC previa ações de Educação Continuada que deviam contemplar o modelo ação/reflexão/ação. Dessa forma, a capacitação não se resumia em algumas aulas, reuniões, sessões de debates, devido a necessidade de incluir um acompanhamento do processo na própria escola em que atuavam os educadores. 22 Exigia o desenvolvimento de atividades interdependentes alternadas de forma contínua e sistemática da seguinte forma: • atividades realizadas com a presença do conjunto dos participantes objetivando a reflexão e a discussão sobre a realidade educacional; • ações desenvolvidas nos respectivas locais de trabalho dos participantes com seus pares, visando integrar a prática profissional e o conhecimento sistematizado, levando novos dados extraídos da sua própria vivência, e que serão objetos de análise e reflexão nos discursos coletivos. (SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, 1997, p.9). Tal dinâmica buscava garantir a extensão do processo de formação para o local de atuação dos profissionais e, sobretudo, a concomitante transformação do cotidiano escolar. Todos os profissionais envolvidos no processo tinham a responsabilidade de garantir que as ações de capacitação atingissem a implementação do novo modelo de escola e a implantação de um programa de formação permanente dentro da Unidade Escolar e da Diretoria de Ensino. 1.4 A Educação a Distância (EAD) na capacitação de professores na utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) Em face ao grande número de profissionais da rede escolar pública da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, urgia a necessidade de uma capacitação profissional a distância para poder atender às demandas. A educação a distância é o processo de ensino aprendizagem, mediado por tecnologias, no qual professores e alunos não se encontram num mesmo espaço físico ou em um mesmo horário, mas estão conectados por mídias interativas, principalmente a Internet. Para tanto, o que estava faltando era o domínio, por partes desses profissionais, das ferramentas necessárias para a participação nesses cursos, ferramentas estas que, associadas aos recursos da multimídia, podem ser definir como instrumentos inovadores para a prática do ensino e da aprendizagem. Mesmo a educação presencial já está incorporando essas tecnologias que eram típicas da educação a distância. 23 Para promover o uso pedagógico das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) na rede pública de Ensino Fundamental e Médio, o MEC criou, por meio da Portaria de nº 522/MEC, de 9 de abril de 1997, o Programa Nacional de Tecnologia Educacional (PROINFO)11. Esse programa dedica desde então quase metade de seus recursos à formação de professores para a inserção das TICs na prática pedagógica em uma ótica de interação e construção de conhecimento. O Ministério da Educação, por meio da Secretaria da Educação a Distância (SEED), vem atuando como um agente de inovação tecnológica nos processos de ensino e aprendizagem, fomentando a incorporação das TICs e das técnicas de educação a distância aos métodos didático-pedagógicos. Além disso, está promovendo a pesquisa e o desenvolvimento voltados para a introdução de novos conceitos e práticas nas escolas públicas brasileiras. De acordo com Passarelli (2002, p. 29), a educação a distância é [...] usualmente definida como aquela em que o professor e o aluno estão distantes geograficamente. A esse conceito básico deve ser acrescida a dimensão de midiatização do processo entre os ambos os atores, uma vez que a distancia física entre eles necessita ser vencida por alguns meio de comunicação como: mídia impressa (os primeiros cursos de educação a distância utilizavam apostilas e livros e a interação se fazia através de troca de cartas), rádio, televisão, vídeos, computadores, CD-Rom, Internet, videoconferência, entre outros. Desta forma pode-se afirmar que a educação a distância carrega em seu cerne o conceito de mediação e midiatização dos saberes. A partir dos anos de 1990, a Internet passou a ser explorada como uma ferramenta educacional. As TICs já representam um fato real na área educacional, mas ainda têm que ser muito vivenciadas pelos envolvidos em Educação. Nesse contexto, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo vem adotando as TICs como processo de capacitação de seus professores em serviço, incorporando como estratégia a capacitação dos agentes multiplicadores que, após serem formados, são responsáveis pela capacitação dos professores diretamente ligados a eles. Com a introdução da informática na Educação, novas formas de ação pedagógicas, muitas vezes mediadas pelas TICs, são sinalizadas, conforme explica Passarelli (2002): O site oficial desse Programa encontra-se em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=244&Itemid=823. Acesso em: 28 ago. 2009. 11 24 • aprender para toda a vida, visto que esse é um processo constante como respirar; • alfabetizar digitalmente, para que todos saibam operar as novas tecnologias de comunicação; • contextualizar todo objeto de ensino-aprendizagem considerando fatores históricos, culturais, biológicos e pessoais; • flexibilizar o currículo, de modo que possa ser aberto e sua interpretação retroaja pela capacidade de auto-organização e combinação; • assumir a transdisciplinaridade, na qual prevalece o paradigma de uma visão integrada, articulada e atualizada, em processo contínuo de reconstrução; • definir novos papéis para estudantes (os arquitetos do conhecimento) e professores (facilitadores e administradores de curiosidades). As TICs trouxeram novas perspectivas para a educação a distância, devido às facilidades de distribuição de conteúdos, interação e informações por meio dos recursos telemáticos. Permitem uma aproximação entre os receptores e os emissores, criando condições de aprendizagem e colaboração, além de seu processo de reflexão de seu próprio fazer, conforme discorre Almeida (2002, p. 57): [...] Os recursos da informática agora disponíveis são um instrumento para que se possa refletir sobre o que é conhecimento e como os jovens aprendem. Os computadores são verdadeiros laboratórios, sempre disponíveis para se pensar sobre o ato de pensar e, por conseguinte, entender o que é formação docente (p. 57) O autor ressalta que, nesse processo de educação em ambientes virtuais, em uma perspectiva de interação e construção colaborativa de conhecimentos, desenvolvem-se competências e habilidades relacionadas com a escrita, que expressa o próprio pensamento, com a leitura e interpretação de textos, hipertextos e idéias do outro, o que causa grande impacto não só no sistema educacional, mas também no desenvolvimento humano e na cultura brasileira, de tradição essencialmente oral. Para atender à formação do grande número de profissionais da Educação, que se encontram espalhados por todo o Estado, a Secretaria de Educação do 25 Estado de São Paulo inaugurou, em maio de 2003, a Rede do Saber12, oferecendo uma formação de qualidade e garantindo homogeneidade nas ações desenvolvidas por meio de recursos de videoconferências, teleconferências, ferramentas de gestão e ambiente colaborativos na Internet, fitas de vídeo, CD-ROMs, softwares específicos e outras soluções tecnológicas, dando aos participantes a oportunidade de se aproximarem dos especialistas. Essa Rede compõe-se de uma infraestrutura tecnológica voltada ao aprendizado, com ferramentas específicas para atender às ações pedagógicas planejadas. Atualmente as transmissões de videoconferência são transmitidas em tempo real de som e imagem – tecnologia streaming –, com integração entre a TV e a WEB ao vivo, pelas quais o professor acompanha o resumo, faz perguntas ou comentários, interagindo on-line com os videoconferencistas. 1.5 Reflexões sobre os processos de formação docente Compreender o trabalho docente é refletir sobre o seu processo de formação, a construção do “ser” professor, seu desenvolvimento profissional, suas matrizes, seus saberes, a construção de sua profissão. A formação dos professores tem sido foco de vários estudos e pesquisas devido à sua importância para a melhoria da qualidade do processo educativo. O campo da Educação atualmente pede um profissional capaz de criar ambientes de aprendizagem por meio de processos crítico, reflexivo e autônomo, buscando novas possibilidades e compreensões dos diferentes objetos de estudo. Desta forma, desenvolvo algumas reflexões sobre os diversos processos de formação citados por alguns autores que seguem esta linha de pesquisa em relação à formação continuada dos professores. Alguns desses autores deram suporte pedagógico na elaboração do material do Programa de formação continuada Ensino Médio em Rede. Percebi a importância e a sintonia com as quais esses autores se 12 O site oficial da Rede do Saber é: http://www.rededosaber.sp.gov.br/portais/. Acesso em: 28 ago. 2009. 26 relacionam e concluem os processos de formação continuada pautados no “sujeito”. A construção que o professor faz em sua profissão no decorrer do seu próprio caminho deve articular seu aprender fazer com seus diversos saberes na aquisição das suas competências profissionais. O professor se formando em sua própria trajetória de vida. O professor deve ser visto como um protagonista ativo no seu processo de formação. Na abordagem do filósofo norte-americano Donald Schön (1997), é dada ênfase a duas categorias de reflexões: a reflexão-na-ação e a reflexão-sobre-ação. A primeira possibilita a reformulação de ação do professor enquanto ela está acontecendo. A segunda se refere à análise que o professor faz de sua própria ação depois de realizá-la. De acordo com esse autor, os dois tipos de reflexão são imprescindíveis para o professor analisar efetivamente sua prática e reformulá-la, caso seja necessário. Em trabalho anterior, Schön (1995, p. 91) já apontava para a necessidade de essa prática reflexiva ser implementada de fato: [...] Na formação de professores, as duas grandes dificuldades para a introdução de um practium reflexivo são, por um lado, a epistemologia dominante na Universidade e, por outro, o currículo profissional normativo [...] é [necessário] incrementar os practium reflexivos que já começaram a emergir e estimular a sua criação na formação inicial, nos espaços de supervisão e na formação continua. Nesse sentido, Freire (1996, p. 43-4) ressalta a importância dos cursos de formação ao prepararem os professores como profissionais e como seres situados histórico-culturalmente, orientados a construir uma prática docente crítica, cada vez mais rica e significativa, a partir dos saberes que dizem respeito a ações pedagógicas coerentes com uma opção político-pedagógica emancipadora: [...] na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda com a prática. O seu “distanciamento” epistemológico da prática enquanto objeto de sua análise deve dela “aproximá-lo” ao máximo. Esse autor considera a prática docente como um processo de ação-reflexão, de indagação e de experimentação, no qual o professor aprende ao ensinar, ensina porque aprende, intervém para facilitar e não para impor nem substituir a 27 compreensão dos alunos, e, ao refletir sobre a sua intervenção, exerce e desenvolve a sua própria compreensão de ser professor. Estudos desenvolvidos por Tardif (2001) e Nóvoa (1992) sobre a formação de professores vêm apontando a prática docente como lugar relevante de formação e produção dos saberes, evidenciando a relação entre formação e exercício da profissão, em que os professores mobilizam os saberes profissionais, construídos e reconstruídos conforme a necessidade de utilização dos mesmos, precisando ser conhecidos, sistematizados e valorizados. Como cita Nóvoa (1992, p. 25), a formação é um ciclo que abrange a experiência como aluno e prossegue por todo o exercício profissional. Conclui-se, então, que a formação é um processo vivenciado antes e durante a formação inicial e continuada, e, portanto, a formação docente se dá não só pelos processos acadêmicos, mas também pela trajetória de vida: A formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de autoformação participada. Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional. O educador Philippe Perrenoud (1998) aponta as competências básicas que cabem ao professor desenvolver, ligadas à organização e à estimulação de situação de aprendizagem. Ele ressalta a importância de o professor desenvolver uma prática reflexiva com ênfase no que está mudando nas competências profissionais, que constroem uma representação coerente do ofício de professor nos tempos atuais. Ao tratar das competências que o professor precisa construir em sua formação, traça o seguinte quadro: 28 Competências de referência 1 – Organizar e animar situações de aprendizagem Competências mais específicas a serem trabalhadas em formação contínua (exemplos) Conhecer, em uma determinada disciplina, os conteúdos a ensinar e sua tradução em objetivos de aprendizagem. Trabalhar a partir das representações dos alunos. Trabalhar a partir dos erros e obstáculos à aprendizagem. Construir e planejar dispositivos e sequências didáticas. Comprometer os alunos em atividades de pesquisas, em projetos de conhecimento. 2 – Gerir a progressão das aprendizagens Conceber e gerir situações-problemas ajustadas aos níveis e possibilidades dos alunos. Adquirir uma visão longitudinal dos objetivos de ensino [fundamental]. Estabelecer laços com teorias subjacentes às atividades de aprendizagem. Observar e avaliar os alunos em situações de aprendizagem, segundo uma abordagem formativa. Estabelecer balanços periódicos de competências e tomar decisões de progressão. 3 – Conceber e fazer evoluir dispositivos de diferenciação Gerir a heterogeneidade dentro de uma classe Ampliar a gestão da classe para um espaço mais vasto. Praticar o apoio integrado, trabalhar com alunos em grande dificuldade. Desenvolver a cooperação entre alunos e certas formas simples de ensino mútuo. 4 – Implicar os alunos em sua aprendizagem e em seu trabalho O desejo de aprender, explicar a relação com os conhecimentos, o sentido do trabalho escolar, e desenvolver a capacidade de auto-avaliação na criança. Instituir e fazer funcionar um conselho de alunos (conselho de classe ou da escola) e negociar com os alunos diversos tipos de regras e contratos. Oferecer atividades de formação opcionais, à la carte. Favorecer a definição de um projeto pessoal do aluno. 29 5 – Trabalhar em equipe Elaborar um projeto de equipe, representações comuns. Animar um grupo de trabalho, conduzir reuniões. Formar e renovar uma equipe pedagógica. Confrontar e analisar juntos situações complexas, práticas e problemas profissionais Administrar crises ou conflitos entre pessoas. 6 – Participar da gestão da escola Elaborar, negociar um projeto da escola. Gerir os recursos da escola. Coordenar, animar uma escola com todos os parceiros [...]. Organizar e fazer evoluir, dentro da escola, a participação dos alunos. 7 – Informar e implicar os pais Animar reuniões de informação e de debate. Conduzir entrevistas. Implicar os pais na valorização da construção dos conhecimentos. 8 – Utilizar tecnologias novas Utilizar softwares de edição de documentos. Explorar as potencialidades didáticas do software em relação aos objetivos das áreas de ensino. Promover a comunicação a distância [...] Utilizar instrumentos multimídia do ensino 9 – Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão Prevenir a violência na escola e na cidade. Lutar contra os preconceitos e as discriminações [...] [de gênero] éticas e sociais. Participar da implantação de regras da vida comum envolvendo a disciplina na escola, as sanções e a apreciação de condutas. Analisar a relação pedagógica, a autoridade e a comunicação em classe. Desenvolver o sentido de responsabilidade, a solidariedade e o sentimento de justiça. 30 10 – Gerir sua própria formação contínua Saber explicitar as próprias práticas. Estabelecer seu próprio balanço de competências e seu programa pessoal de formação contínua. Negociar um projeto de formação comum com colegas (equipe, escola, rede). [...] Acolher e participar da formação dos colegas. Quadro 1.1 – Competências de referência e competências específicas a serem trabalhadas em formação contínua do professor (Perreneaud, 1998, p. 249). Perreneaud (1998, p. 205) afirma que [...] caminhar para a identificação das competências e sua regulação faz parte de um movimento em direção a escolas eficazes, ao aparecimento de profissionais reflexivos e de escolas autônomas, em suma, em direção de uma maior profissionalização na educação. O autor faz referências às competências como algo que é especifico de cada profissional, e que cada um deve ter dentro do seu espaço em sua ação. As competências precisam ser construídas e trabalhadas de forma contínua para enfrentar situações complexas através do conhecimento, das capacidades cognitivas e relacionais. Pois, para ele, as competências utilizam, integram, mobilizam conhecimentos implicados numa capacidade da atualização dos saberes. Para tanto a formação continuada deve ser efetiva, e partir da solicitação dos próprios professores, de acordo com suas necessidades, ela não deve ser imposta por outros que não estejam envolvidos diretamente com o processo ensinoaprendizagem. Desta forma o professor permite e estimula novas capacidades de aprendizagem dentro de seu espaço escolar e se torna sujeito de sua própria ação formadora. 1.5.1 – Histórias de vida como um processo de formação 31 Com intuito de refletir como ocorre a formação docente e a importância de entender que essa formação não ocorre só pelos meios acadêmicos, mas também pela própria trajetória de vida e da prática pedagógica, Josso (2004, p. 15) nos relata o uso das histórias de vida como formação na sua relação com os outros, como “metodologia de pesquisa-formação, isto é, como metodologia onde a pessoa é, simultaneamente, objeto e sujeito da formação.” Essas novas perspectivas de reflexão no campo da formação ajudam-nos a repensar as práticas e os dispositivos de formação de formadores, fazendo-nos pensar sobre o lugar que nela ocupam as experiências ao longo das quais se formam e se transformam novas identidades e a nossa subjetividade. São as aprendizagens experienciais, narrativas de formação, que compreendem os processos de formação, de conhecimento e aprendizagem. A autora também discute a pluralidade de registros: “formar-se é integrar-se numa prática o saber-fazer e os conhecimentos, na pluralidade de registros [...]” (JOSSO, 2004, p. 39). São esses registros que constroem uma narrativa em vários níveis, sob a visão da sua formação por meio do recurso das recordaçõesreferenciais, que balizam a duração de uma vida. No plano de interioridade, implica deixar-se levar pelas recordações-referenciais e organizá-las numa coerência narrativa, em torno do tema de formação. Se a aprendizagem experiencial é um meio poderoso de elaboração e de integração do saber-fazer e dos conhecimentos, o seu domínio pode tornar-se um suporte eficaz de transformações. O material “história de vida” permite colocar em evidência os referenciais, as estratégias e os recursos utilizados na procura de um “saber-viver” a própria existencialidade. Com o processo do caminho para si, Josso (2004) apresenta um projeto a ser construído no decorrer de uma vida, cuja atualização consciente passa, em primeiro lugar, pelo projeto de conhecimento daquilo que somos, pensamos, fazemos, valorizamos e desejamos na nossa relação conosco, com os outros e com o ambiente humano e natural. Trata-se, portanto, de uma metodologia de pesquisa e 32 de formação orientada por um projeto de conhecimento coletivo e individual, associado a um projeto de formação existencialmente individualizado. Por meio de análises e interpretações dessas narrativas, os docentes evidenciam quatro buscas ao longo da vida: “a busca da felicidade, a busca de si, a busca de nós, a busca de conhecimento ou busca do “real” e a busca de sentido” (JOSSO, 2004, p. 88). As articulações, entre essas buscas expressam o melhor possível, o nosso ser-no-mundo e o nosso ser em relação com o mundo. Ainda, conforme autora, a busca de uma sabedoria de vida consiste em tentar a integração das quatro buscas, pois o esforço de integração dessas buscas leva-nos inevitavelmente a desenvolver conhecimentos e a encontrar critérios de interações conosco e com o nosso ambiente humano e natural. 1.5.2 O saber docente como um saber plural De acordo com Tardif (2002), sabemos que todo saber implica um processo de aprendizagem e de formação, levando-se em consideração que a prática docente integra diferentes saberes com os quais mantém diferentes relações. São eles: • os saberes profissionais, transmitidos por instituições de formação de professores (lembrando-se que o professor e o ensino são objetos de saber para as Ciências humanas e para as ciências da Educação); • os saberes disciplinares, socialmente definidos e selecionados pela instituição universitária, integrados à prática docente pela formação inicial e contínua dos professores nas diversas disciplinas oferecidas pela universidade; • os saberes curriculares, correspondentes aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos apresentados sob a forma de programas escolares que os professores devem aprender a aplicar; • os saberes experienciais, decorrentes do trabalho cotidiano e do conhecimento de seu meio, desenvolvem saberes específicos que brotam da experiência e são por ela validados, incorporando-se à experiência individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades 33 de saber-fazer e saber-ser. Os saberes são elementos constitutivos da prática docente Nesse sentido, Tardif (2002, p.39) esclarece que “o professor ideal é alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às Ciências da Educação e à Pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os alunos.” Os professores, desta forma, tornam-se um grupo social e profissional dependente em grande parte, de sua capacidade de dominar, integrar e mobilizar tais saberes em sua prática: Os saberes experienciais passarão a ser conhecidos a partir do momento em que os professores manifestarem suas próprias idéias a respeito dos saberes curriculares e disciplinares e, sobretudo, a respeito de sua própria formação profissional. (TARDIF, 2002, p.55). A atividade docente é realizada concretamente numa rede de interação com outras pessoas, num contexto onde o elemento humano é determinante e dominante. Portanto, os saberes experienciais possuem três objetos: as relações e interações, as diversas obrigações e normas e as instituições enquanto meio organizado e composto de funções diversificadas. São objetos que constituem a própria prática docente e que só se revelam por meio dela. 1.5.3 – As dimensões simbólicas no processo de formação Furnaletto (2007) considera as dimensões simbólicas como um espaço pouco explorado na formação dos professores. Comenta que a maioria das práticas formativas baseia-se no fornecimento de recursos teóricos e técnicos aos professores. A crença de que o professor constitui-se como docente somente a partir de cursos de formação inicial e contínua vai sendo substituída por uma percepção mais ampla dos processos formativos. 34 Para pensar em formação de professores, neste momento é necessário ir além de modelos que privilegiam a racionalidade técnica: devemos levar em conta os avanços culturais e o surgimento dessa nova subjetividade. Furnaletto cita que, ao dialogar com Jung, um grande conhecedor dos processos existenciais vividos pelos adultos, percebe que alguns de seus pressupostos - como a importância da formação contínua, do autoconhecimento, da autonomia, da análise da prática - estão em sintonia com as discussões atuais a respeito da formação. A autora trata da descoberta dos movimentos vivenciados pelos professores ao aprender, olha a formação dos professores de um outro lugar e investiga as dimensões simbólicas, pois acredita que nelas encontrará acesso a portais que podem dar acesso a regiões pouco exploradas, possibilitando maior compreensão de como os professores vivenciam seu processo de formação. Ao estudar os docentes, Furlanetto (2007, p. 25-26) observou que estes [...] pareciam possuir um professor interno, uma base da qual emanavam suas ações pedagógicas que não representava somente a tese de seus aprendizados teóricos, mas também de suas experiências culturais vividas a partir do lugar de quem aprende. A autora conceitua, então, matriz pedagógica, por meio da descoberta de um “professor interno” multifacetado, ambíguo e complexo. As matrizes pedagógicas podem ser simbolicamente consideradas como espaços nos quais a prática docente é gestada. Os conteúdos do mundo interno se encontram com os do mundo externo e são por eles fecundados, criando o novo. Percebemos que não é através dos cursos de formação que se constitui as matrizes pedagógicas de cada professor, pois essas matrizes já estão enraizadas em estâncias mais profundas da psique e ganham formas pessoais, de acordo com suas experiências e aprendizagens deste o início de sua vida nas quais foi constelado do Arquétipo do Mestre-Aprendiz, o que ocorre desde o início de sua vida. Para a autora, portanto, favorecer o encontro dos professores com suas trajetórias de vida nos espaços de formação é contribuir para o desencadeamento dos processos de crescimento. 35 Percebemos nesses autores a preocupação em buscar os fundamentos que norteiam a formação dos professores, a busca dos saberes docentes que o sujeito professor desenvolve no seu dia-a-dia e a pluralidade que esse docente apresenta no seu saber-fazer, as experiências de vida como formação e a sua busca permanente pelo conhecimento. Tardif (2002) explora os saberes sociais, saberes docentes e plurais na formação e, por fim, acaba valorizando os saberes experienciais do professor. Josso (2004) nos fala do saber-fazer por meio da integração do conhecimento na pluralidade de registros, usando a história de vida como metodologia de pesquisa. Em ambos, o homem é visto como um ser plural, para o qual as experiências tornam-se fonte de formação. Furnaletto (2007), ao olhar a formação de professores por meio das dimensões simbólicas do ato de aprender, reflete sobre o processo de individualização e formação desse professor, fazendo um diálogo com outros autores, inclusive Jung, e remetendo-nos às dimensões inconscientes do aprender: território pouco explorado pelas teorias de aprendizagem. Ao tratar das matrizes pedagógicas, compara-as com arquivos existenciais que contém imagens. Ao retomar a história de vida, entra em contato com ações interiores. Contudo, o professor precisa ter conhecimento de todo o processo de sua formação a partir de sua história de vida, para que ele possua autonomia em sua função e na sua prática docente, pois o conhecimento torna o ser humano mais forte e apto para escolher o melhor caminho. 1.6 A formação em serviço A formação em serviço permite uma elaboração de atividades em parceria como o corpo docente para uma melhora no processo de aprendizagem. O professor se constrói na relação com o campo semântico das formas de expressão das identidades e das construções nas trocas sociais e simbólicas estabelecidas entre os sujeitos. 36 Podemos dizer, nesse sentido, que uma das especificidades da prática educacional dos docentes é que eles são ao mesmo tempo formadores e formandos, e que sua experiência é a base de sua prática como formadores. Os cursos de formação que não levam em consideração a realidade local e cultural de onde a escola esta inserida, que não se vinculam com o projeto interno do estabelecimento escolar não podem mais ser pensados dentro de uma perspectiva de profissionalização das práticas docentes diante das atuais necessidades da sociedade contemporânea. Há de se pensar em mecanismo de escuta para essas unidades escolares, ou processos de reflexão para atenderem as reais necessidades. A formação continuada deve ser articulada com a formação inicial levando em conta o processo formativo integral do ser humano e uma contínua ressignificação de saberes, valores e atitudes. É nas atividades de formação continuada que se constrói um espaço de produção de novos conhecimentos, de troca de diferentes saberes, de reflexão crítica sobre a prática do professor. O espaço escolar vem sendo questionado quanto a sua função, ele não pode ser mais visto como um lugar de transmissão de saberes disciplinares sem vínculo com o projeto pedagógico da unidade escolar, o professor não pode agir de forma individualista fechando a porta de sua sala e pensar apenas na sua disciplina como algo desconectado dos demais segmentos da escola. A formação inicial já não se torna suficiente para o desempenho profissional do professor durante toda a sua trajetória pedagógica, e isto se deve a diversos fatores tais como a complexidade social atual, diversidade cultural e novas demandas. O professor precisa sentir-se responsável pelo seu próprio desenvolvimento profissional e a escola necessita se organizar para oferecer uma formação continuada aos professores de forma bastante eficaz. Isso só será possível se houver uma avaliação contínua dos processos de formação, bem como um trabalho coletivo bem articulado com autonomia que atenta às suas prioridades. Foi nessa perspectiva de serem formadores de si próprios que as atividades de formação “em serviço”, ou seja, elaboradas para encontrar, não sem conflitos, seu espaço de pertencimento no cotidiano de cada equipe escolar, foram 37 consideradas neste trabalho, como se confirmará mais à frente. O ideal é que elas se tornem permanentes e se incorporem como uma das dimensões do fazer educativo. Ao reafirmamos o espaço escolar como lugar de formação, estamos enfatizando a importância de que a equipe assuma o trabalho coletivo como intenção; isso significa um trabalho de reflexão contínua e sistemática sobre quais são as escolhas da equipe escolar em relação a seus fazeres e pensares, e como elas são feitas. Há de se pensar numa articulação viável junto às políticas do sistema educacional, pois sabemos que muitas dessas escolhas das equipes escolares são atropeladas por projetos de visibilidades das administrações públicas. 38 CAPÍTULO 2 O Ensino Médio “O sistema de ensino no Brasil tem três grandes desafios: o primeiro, histórico é eliminar o analfabetismo. O segundo é colocar gente dentro da universidade, pois o acesso é precário. E o terceiro é o Ensino Médio, que sempre foi o primo pobre encostado no superior e no fundamental.” (GADOTTI, 2005) Neste capítulo, retomo a história do Ensino Médio no Brasil, apoiada em legislações, no intuito de identificar as finalidades e perspectivas desse nível de ensino para uma maior contextualização do professor na atual sociedade. Em seguida descrevo o Programa Ensino Médio em Rede, desenvolvido pelo Governo do Estado de São Paulo por meio de um convênio firmado com o Ministério da Educação e Cultura (MEC). Essa descrição traz dados sobre o Projeto idealizado pela equipe técnica da Coordenadoria de Ensino e Normas Pedagógicas (CENP) e elaborado pela Fundação Vanzolini, bem como elucida como foi a execução, quais foram os objetivos, qual foi o contexto, como se deu o desenvolvimento do curso, como era o material pedagógico, bem como foram os critérios para matrícula, frequência e avaliação 2.1 Ensino Médio no Brasil: uma breve retrospectiva Retomando um pouco da história da escola, para melhor contextualizá-la e também definir sua função na sociedade, verificamos que, após séculos, ela ainda procura por uma identidade que satisfaça aqueles que nela depositam suas expectativas. Sabemos que a escola é uma criação burguesa do século XVI e que, a partir desse século, foram fundados os colégios de ordem religiosa com finalidade de disciplinar as crianças e inculcar-lhes regras de condutas e valorização dos 39 estudos humanísticos. Percebemos então as intenções que esses colégios já desempenhavam para com a sociedade. A instalação dessa concepção de escola contou com a contribuição dos jesuítas, cujos internatos se espalharam por toda a Europa ao longo de 200 anos (XVI ao XVIII). No Brasil, eles estão presentes desde o início da colonização, marcando consideravelmente a nossa educação. Esses colégios se expandiram e os jesuítas foram reconhecidos como os primeiros mestres, intelectuais e pesquisadores de nossa terra e de nossa gente. A escola média apresenta-se devidamente configurada no século XIII – a meio termo entre as escolas elementares, como as paroquiais, e as outras três escolas de nível superior: Teologia, Direito e Matemática. Durante os séculos XV e XVI, verificou-se o triunfo das idéias humanísticas e a fixação do currículo clássico para as escolas médias, enquanto no século XVII agitaram-se questões relativas ao uso de novos métodos tanto para o estudo das línguas quanto para um conhecimento cada vez mais concreto da realidade. Nesse sentido, afirma Aranha (1998, p. 73): Além da rígida formação moral, o regime de trabalho é rigoroso e extenso. São valorizados os estudos humanísticos, privilegia-se a cultura greco-latina e o ensino dessas duas línguas supera, inclusive, o da língua vernácula. A ênfase na gramática e na retórica visa formar o homem culto, capaz de brilhar nas cortes aristocráticas. As ciências só se instalaram de fato nos programas das escolas médias a partir do século XIX, devendo-se tal progresso às exigências tecnológicas da era industrial, surgidas no decurso do século XVIII. É somente com a revolução industrial que se consegue romper com toda uma estrutura rígida em termos pedagógicos pelo humanismo renascentista. A escola média começou a ser discutida pelos cofres públicos e a ser mantida pelo estado nos países protestantes. Um sistema de educação pública só começou a existir, de fato, nos Estados Unidos do século XIX. A educação brasileira é marcada pela divisão entre as escolas “para os pobres” – com a finalidade de educar para uma atividade profissional específica – e as escolas “para os ricos” – com a finalidade preparatória para o ensino superior. 40 Com a República, surgem novas idéias no campo educacional, com o objetivo de universalizar o ensino, colocando o maior número de crianças na escola. De acordo com Azanha (2004, p. 71), um problema nacional só existe a partir de uma percepção coletiva: [...] por causa do quadro social, político e econômico dessa década, com a continuidade das correntes imigratórias, a urbanização, as insatisfações políticas represadas desde a Proclamação da República e a intensificação das tensões entre a industrialização nascente e as crises do comércio cafeeiro foram altamente propícias para que a questão educacional se impusesse como de interesse coletivo e de salvação nacional. Para que a escola se tornasse democrática, era necessário que fosse universal e gratuita, e que sua dualidade fosse superada, abandonando-se a ideia de que a instrução geral e propedêutica era destinada à elite, enquanto aos proletários restava a formação técnica, transformada em simples profissionalização. A Educação em toda a história atendeu aos interesses dos grupos sociais emergentes ou dominantes. Percebe-se um desprezo pelas atividades manuais e uma valorização das atividades mentais ou intelectuais, tornando-se isso um meio de diferenciação entre as classes dominantes e dominadas. No século XIX é intenso o debate em torno da escola pública, cuja regulamentação se fará por meio de leis que tornam a educação elementar obrigatória e gratuita, já que o Estado passa a assumir esse encargo. 2.2 Ensino Médio: um pouco de legislação Entre as modalidades de ensino, o Ensino Médio é o que mais tem oscilado quanto à sua definição e aos seus objetivos, conforme registra Silva (2004, p. 179): O antigo 2º Grau, hoje denominado Ensino Médio, na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, é sem dúvida um dos graus de ensino que mais padece de clara definição, entre os estudiosos da educação, no que se refere à sua finalidade específica. O 2.º Grau sempre foi de ordem acadêmica, no sentido de proporcionar uma formação geral com caráter propedêutico, destinado aos filhos das classes 41 dirigentes, visto que sua função era preparar os jovens para o acesso ao ensino superior. São necessárias algumas reflexões a respeito do ensino secundário e de sua importância nas várias reformas educacionais ocorridas a partir da década de 30, período esse compreendido da ditadura até a presente situação política atual. Essas reflexões contribuirão para que possamos melhor discorrer sobre os reais avanços ocorridos nessa modalidade de ensino diante da política de democratização de acesso. As reformas educacionais, no que tange ao Ensino Médio, surgem após a Segunda Guerra Mundial, necessitando de arranjos sociais mais democráticos para adaptar-se às novas demandas que lhe são apresentadas. Com o desenvolvimento industrial, novos profissionais são requeridos para a indústria nacional, o que ocasionou o aumento da oferta de cursos profissionalizantes de nível médio. Com a adoção pelo governo brasileiro de uma política de desenvolvimento industrial, novos rumos são pensados no campo da Educação, devido à necessidade de se pensar num ensino mais adequado à modernização do país, com ênfase na preparação para o trabalho. Foram criados o Ministério da Educação e Saúde, o Conselho Nacional de Educação, as Leis orgânicas e as escolas de aprendizagem SENAI/SENAC, voltadas para a população mais carente. As indústrias eram obrigadas a criar essas escolas de aprendizagem, de acordo com a Constituição de 193713, que introduz o ensino profissionalizante, de acordo com o seu artigo 129: A infância e a juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais. O ensino pré-vocacional profissional destinado às classes menos favorecidas é em matéria de educação o primeiro dever de Estado. Cumpre-lhe execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais. É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera da sua especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus operários ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse dever e os poderes que caberão ao Estado, sobre essas escolas, bem como os auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem concebidos pelo Poder Público. 13 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao37.htm. Acesso em: 28 ago. 2009. 42 A escola torna-se, assim, uma reprodutora de mão de obra para a indústria, que necessitava cada vez mais de trabalhadores com qualificação e diversificação da força de trabalho. Mais uma vez a escola reproduzia a desigualdade social entre seus alunos: a elite recebia instrução geral e os demais, a formação técnica, conforme comenta Aranha (1998, p. 80): Para os filhos da elite é reservada a educação, humanística do tipo “clássico”, desinteressada, aparatosa e brilhante. Trata-se da educação para aqueles que podem desfrutar do “ócio digno”. Para as massas reservou-se a educação primária, elementar restrita à instrução com os rudimentos do ler, escrever e contar, indispensáveis para o manejo das máquinas. 2.2.1 Reformas Educacionais Francisco Campos e Gustavo Capanema Consideramos, conforme orientação de Gomes (1994), que as políticas educacionais implementadas no período de 1930-45, o chamado primeiro governo Vargas, devem ser pensadas e situadas em um circuito maior de políticas sociais, ou seja, indo além da rede escolar, apresentando significados mais profundos e medidas efetivas entre três grandes áreas da política social do período: o trabalho, a família e a educação. Ainda de acordo com a autora, após o golpe de 1937, que suprimiu os direitos políticos no país, o Estado realizou uma política de amparo ao homem brasileiro pelo reconhecimento de que a civilização e o progresso do país eram um produto do trabalho e da educação. Somente pela educação se poderia construir um povo integral, adaptado à realidade social de seu país e preparado para servi-lo. A intervenção do Estado Novo, fixando os postulados pedagógicos fundamentais à educação dos brasileiros, tinha em vista uma série de valores dentre os quais o culto à nacionalidade, à disciplina, à moral, à família e também ao trabalho. Devido à precariedade existente nos níveis de ensino secundário e superior, as mudanças foram inevitáveis, pois buscava-se uma maior uniformização com o mecanismo de controle centralizado. Voltou-se a valorar a educação formal oferecidas pelas escolas seriadas de 2.º Grau. 43 As reformas educacionais Francisco Campos – Decreto nº 19.890 de 18 de abril de 193114 – e Gustavo Capanema – Decreto nº 4244 de 09 de abril de 194215 –, ocorridas no período do primeiro governo Vargas, dão atenção especial à estruturação do ensino secundário no país, fixando um novo perfil para a educação em nível nacional e articulando os vários níveis de ensino. Criou-se um sistema nacional e centralizado de inspeção do ensino secundário para fiscalizar os aspectos burocráticos e pedagógicos. 2.2.2 – Reforma Francisco de Campos A Reforma Francisco Campos instituiu, pela primeira vez no Brasil, uma alteração que atingiu os vários níveis de ensino – primário, secundário e superior –, articulando-os, estruturando-os e impondo-os a todo território nacional. Essa reforma reafirmou a função educativa do ensino secundário, elevou a sua duração para sete anos e o dividiu em dois ciclos: o ginasial, de cinco anos, com objetivo de uma formação geral com ênfase na cultura humanística, com intuito de preparar o homem para a vida em sociedade e para os grandes setores da atividade nacional, independente do ingresso no ensino superior; e o complementar, de dois anos, voltado para as opções de carreira universitária, com propostas curriculares diferenciadas e obrigatórias para os candidatos à matricula em determinadas instituições superiores. O curso complementar foi subdividido em três especialidades, que correspondiam a um dos três grupos de cursos superiores: Engenharia e Agronomia; Medicina, Odontologia, Farmácia e Veterinária; Direito. O ensino religioso era facultativo e ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno, manifestada pelos pais ou responsáveis. O ensino secundário passou a ser organizado em séries, o que alterou sua característica de preparatório para o ensino superior, tornando-o um espaço de formação obrigatória com objetivos próprios, fundados em um longo currículo que Texto na íntegra disponível em: http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/fontes_escritas/5_Gov_Vargas/decreto%2019.890%201931%20reforma%20francisco%20campos.htm. Acesso em: 28 ago. 2009. 15 Texto na íntegra disponível em: http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/fontes_escritas/5_Gov_Vargas/decretolei%204.244-1942%20reforma%20capanema-ensino%20secund%e1rio.htm. Acesso em: 28 ago. 2009. 14 44 era alvo de avaliações sucessivas. O acesso à escola secundária era controlado por exames de admissão e feito com pagamento de taxa e prova, limitando-se assim a procura por esse tipo de curso. Por isso, não houve muita demanda, o que resultou no fracasso dessa Reforma. Os programas do ensino secundário, bem como as instruções sobre os métodos de ensino, eram expedidos pelo Ministério da Educação e Saúde Pública, e revistos de três em três anos por uma comissão designada pelo Ministro e à qual eram submetidas as propostas elaboradas pela Congregação do Colégio Pedro II. 2.2.3 Reforma Gustavo Capanema Em 1942, por iniciativa do Ministro Gustavo Capanema, foram reformados alguns ramos do ensino. Essas reformas receberam o nome de Leis Orgânicas do Ensino, e foram compostas pelos seguintes Decretos-lei, durante o Estado Novo: • o Decreto-lei 4.048, de 22 de janeiro, que criou o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial- SENAI; • o Decreto-lei 4.073, de 30 de janeiro, que regulamentou o ensino industrial; • o Decreto-lei 4.244, de 9 de abril, que regulamentou o ensino secundário; • o Decreto-lei 4.481, de 16 de julho, que dispôs sobre a obrigatoriedade de os estabelecimentos industriais empregarem um total de 8% correspondente ao número de operários e matriculá-los nas escolas do SENAI; • o Decreto-lei 4.436, de 7 de novembro, que ampliou o âmbito do SENAI, atingindo também o setor de transportes, das comunicações e da pesca; • o Decreto-lei 4.984, de 21 de novembro, que compeliu as empresas oficiais com mais de cem empregados a manterem, por conta própria, uma escola destinada à formação profissional de seus aprendizes. Em 1943, baixou-se o Decreto-lei 6.141, de 28 de dezembro, que regulamentou o ensino comercial, mas o Serviço Nacional de Aprendizagem 45 Comercial (SENAC) só foi criado em 1946, depois, portanto, do período do Estado Novo. Com a Reforma Gustavo Capanema, deu-se ênfase à obrigatoriedade da frequência às escolas secundárias, entre outras alterações. O curso ginasial passou a ser de quatro anos, e o complementar, de três anos, havendo uma estrita definição de currículos e uma nova ênfase no ensino humanístico em relação ao técnico. Juntamente com o ensino complementar, o clássico e o científico, foi criada uma série de cursos profissionalizantes, voltados para aqueles que não fossem seguir carreiras universitárias. O Decreto-Lei 4.244/42, em sua redação inicial, no que se referia às finalidades do ensino secundário, decretou formar, em prosseguimento da obra educativa do ensino primário, a personalidade integral do adolescente, acentuar e elevar, na formação espiritual dos adolescentes, a consciência patriótica e a consciência humanística, e dar preparação intelectual geral que pudesse servir de base a estudos mais elevados de formação especial. Esse decreto definiu que o ensino secundário seria ministrado em dois ciclos. O primeiro, como um só curso: o ginasial, com duração de quatro anos e com finalidade de dar aos adolescentes os elementos fundamentais do ensino secundário. O segundo, composto de dois cursos paralelos: o curso clássico – formação intelectual com maior conhecimento da filosofia e estudo das letras antigas - e o curso científico – com maior estudo de ciências - cada qual com duração de três anos, com objetivos de consolidar a educação ministrada no curso ginasial, bem como de desenvolvê-la e aprofundá-la. Para os alunos concluintes, quer do curso clássico ou do curso científico, era assegurado o direito de ingresso em qualquer curso do ensino superior. Em síntese, de acordo com essa Lei, o ensino secundário continuava sendo um curso de cultura geral e de cultura humanística, com o mesmo sistema de provas e exames previstos na legislação anterior, mantendo o agravante da seletividade. 2.2.4 – Lei de Diretrizes e Bases DA Educação Nacional/1961 46 Em 1948, o anteprojeto de Lei de Diretrizes e Bases (LDB) foi apresentado pelo poder executivo ao legislativo. Depois de ser debatido durante treze anos, deu origem à primeira LDB (n.o 4.024), publicada em 20 de dezembro de 1961 pelo então presidente João Goulart. Ela constituiu-se na maior de todas as leis de equivalência surgidas desde meados dos anos cinquenta, descentralizando o Ministério de Educação e Cultura, dando maior autonomia aos Estados e Municípios, segundo os princípios de flexibilidade curriculares e da variedade de métodos. Comentam Haidar e Tanuri (2004, p. 66): [...] A União passava a assumir a função que lhe cabia de coordenar a ação educativa em todo o País, e os Estados, a tarefa de organizar os seus respectivos sistemas, incluindo todos os níveis e modalidades de ensino. Regulava, também, a concessão de bolsas, aplicação de recursos no desenvolvimento do sistema público bem como a iniciativa privada (pela subvenção financeira), prevendo a cooperação entre União, Estados e Municípios. Entre as suas principais características estava mais autonomia aos órgãos estaduais: Os Conselhos Estaduais de Educação organizados pelas leis estaduais, que se constituírem com membros nomeados pela autoridade competente, incluindo representantes dos diversos graus de ensino e do magistério oficial e particular, de notório saber e experiência, em matéria de educação, exercerão as atribuições que esta lei lhes consigna. (LDB n.o 4.024, art. 10). O ensino de grau médio destinado à formação do adolescente era ministrado em dois ciclos - o ginasial e o colegial -, o que abrangia os cursos secundários, técnicos e de formação de professores para o ensino pré-primário e o primário. O ensino secundário teve a sua rígida organização quebrada. Instituíram-se a flexibilidade curricular e a liberdade de métodos e de procedimentos de avaliação. As escolas de grau médio se organizaram de forma autônoma para o desenvolvimento de um padrão de ensino renovado e flexível. Articularam-se os cursos de grau médio nos dois ciclos, o que valia para a transferência entre os cursos e para todos os concluintes do segundo ciclo, de forma que poderiam prestar vestibular para qualquer curso superior, sem a necessidade de complementação. 47 Para o ingresso na primeira série do 1.º ciclo dos cursos de ensino secundário era necessário prestar exame de admissão, o qual media a educação primária, tornando-se uma linha divisória decisiva entre esta e a escola secundária. Dessa forma, o ensino secundário tornou-se seletivo. De acordo com o art. 30, a matrícula nos quatro anos do ensino primário, tornou-se obrigatória: Não poderá exercer função pública nem ocupar emprego em sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço pública o pai de família ou responsável por criança em idade escolar sem fazer prova de matrícula desta, em estabelecimento de ensino, ou de que lhe está sendo ministrada educação no lar. (LDB n.o 4.024, art. 30). No que se refere à formação do docente para o ensino médio, a Lei definia que deveria ser feita em cursos superiores nas faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, e a formação de professores de disciplinas específicas dos cursos técnicos, em cursos especiais de educação técnica. O ensino religioso nas escolas públicas tornou-se facultativo, de acordo com o art. 97, e foi um dos pontos de maior disputa, visto tratar-se da separação entre o Estado e a Igreja e respeitar os princípios de cada família. O ensino experimental tinha como objetivo testar alternativas pedagógicas concebidas nos limites de um programa de pesquisa, com uma temporalidade limitada, sendo que após esse tempo, deixava de portar a condição experimental. Tais escolas foram autorizadas com fundamento no art. 104, que estabelecia: Será permitida a organização de cursos ou escolas experimentais, com currículos, métodos e períodos escolares próprios, dependendo o seu funcionamento para fins de validade legal da autorização do Conselho Estadual de Educação, quando se tratar de cursos primários e médios, e do Conselho Federal de Educação, quando de cursos superior ou de estabelecimentos de ensino primário e médio sob a jurisdição do governo Federal. (LDB n.o 4.024, art. 104). A LDB n.o 4.024 trouxe mais preocupação com o aprimoramento técnico e o incremento da eficiência. Priorizava a maximização dos resultados e tinha como decorrência a adoção de um ideário que se configurava na ênfase do aspecto 48 quantitativo, dos meios e técnicas educacionais, da formação profissional e da adaptação do ensino as demandas da produção industrial. 2.2.5 – Lei n.º 5.692/1971 e Lei n.º 7.044/82 Com a Lei n.º 5.692, de 11 de agosto de 197116, a Educação inovou-se radicalmente, em termos de formação para o trabalho, com a introdução da profissionalização como algo obrigatório para todos os estudantes. Essa lei também instituiu um 1.º Grau de oito anos e um 2.º Grau de três a quatro anos. Essa lei vinculou, portanto, o Ensino Médio ao mundo do trabalho profissional, obrigando a aquisição de uma profissão pelos estudantes, mesmo para aqueles que se preparavam para o ensino superior. Devido à insatisfação da profissionalização obrigatória, surgiu o movimento “Reforma da Reforma”, constituído por especialistas da educação em geral e mantenedores de escolas de 2.º Grau, o que acabou por derrubar essa obrigatoriedade. Surgiu, então, a Lei n.º 7.044/82, que introduziu o conceito de preparação para o trabalho. Ela diferenciava qualificação para o trabalho – formação do educando para o exercício de uma ocupação específica – de preparação para o trabalho – formação do aluno para uma vida produtiva e responsável, para o exercício do trabalho, sem direcionar para uma ocupação específica. A Lei n.º 7.044/82 não eliminou do currículo o trabalho, mas tratou-o de forma mais adequada à realidade dos alunos que procuravam o ensino de 2º Grau, liberando assim as escolas que desejavam oferecer qualificação profissional aos seus alunos. 2.2.6 – Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/96 Texto na íntegra disponível em: http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/fontes_escritas/7_Gov_Militar/lei%205.692%20-%201971%20%20diretrizes%20e%20bases%20para%20o%20ensino%20de%201%ba%20e%202%ba%20graus.htm. Acesso em: 28 ago. 2009. 16 49 A Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/96 (LDB), de 1996, surge em um contexto de processo de democratização, que tem como um de seus marcos institucionais a Constituição de 1998, expressão jurídica de um longo processo político de discussão e confronto entre diversos segmentos ligados à Educação e à formulação das políticas públicas, refletindo um conjunto de interesses. Silva (2004, p. 179) considera: Novas demandas sociais, entretanto, virão exigir dos educadores e administradores dos sistemas de ensino respostas mais adequadas à realidade social, cultural e econômica e política do país. O Ensino Médio, nova denominação dada pela Lei n.º 9394/96 ao antigo 2.º Grau, é configurado como última etapa da educação básica, o que está em consonância com o novo contexto educacional. Tem, desde então, como objetivo, consolidar e aprofundar os conhecimentos adquiridos na Educação Fundamental, desenvolver a compreensão e o domínio dos fundamentos científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna, e não apenas preparar para o vestibular. E a reafirmação de que “o dever do Estado com a educação pública será efetivado mediante a garantia da progressiva extensão da obrigatoriedade e da gratuidade desse ensino” (artigo 4, §2). O Estado assume como seu o compromisso da expansão do acesso e da permanência dos jovens na escola média, contemplando uma luta histórica de diversos segmentos sociais e movimentos educacionais. Em seus primeiros artigos, a LDB valoriza a experiência escolar, a experiência extraescolar e o vínculo entre a educação escolar, o mundo do trabalho e a prática social, voltando-se para o pleno desenvolvimento do educando no seu preparo para o exercício da cidadania, e sua qualificação para o trabalho. O Ensino Médio destinado aos jovens deve responder muito além do que ao simples acesso à escola, garantindo o acesso ao trabalho e à continuidade dos estudos. De acordo com as finalidades assumidas pela LDB, o Ensino Médio deixa de ser marcado apenas pela expectativa de profissionalização ou de preparação para o ensino superior, e passa a ser concebido como uma etapa com finalidades próprias, 50 indispensáveis para o efetivo exercício da cidadania. Em seu artigo 35, define com clareza as finalidades do Ensino Médio: I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos e no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionado a teoria com a prática no ensino de cada disciplina (BRASIL, 1996, p.14 e 15). O artigo 22, ao definir as finalidades da Educação Básica, da qual faz parte o Ensino Médio, rege: [...] a educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. (BRASIL, 1996, p.09). Nesse contexto, percebemos a complexidade existente entre Educação e Educação para a Formação Profissional. Como é esse formar para o trabalho? Quem é esse jovem que pretendemos formar? Quais os seus anseios? O que realmente a sociedade atual exige desses jovens? Essas questões induzem e legitimam uma mudança nas finalidades do Ensino Médio e, consequentemente, na forma de selecionar os conteúdos, organizar as situações de aprendizagem, pensar o trabalho do professor, reorganizar os procedimentos de avaliação, gerir os espaços e tempos de formação. Preparar esse jovem para a vida ou para o mundo do trabalho requer um aprendizado pautado em princípios sólidos, um Ensino Médio que realmente seja capaz de desenvolver competências e habilidades para que ele desempenhe seu papel de cidadão numa sociedade complexa e com múltiplas facetas, tendo uma aprendizagem contínua para atender às constantes mudanças sociais. O movimento de transformação da escola média e de seu currículo por meio da redefinição de seu papel social, que ficou conhecido como Reforma do Ensino 51 Médio, tem seus princípios definidos no artigo 3.º das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio: I. a Estética da Sensibilidade, que deverá substituir a da repetição e padronização, estimulando a criatividade, o espírito inventivo, a curiosidade pelo inusitado e a afetividade, bem como facilitar s constituição de identidades capazes de suportar a inquietação, conviver com o incerto e o imprevisível, acolher e conviver com a diversidade, valorizar a qualidade, a delicadeza, a sutileza, as formas lúdicas e alegóricas de conhecer o mundo e fazer do lazer da sexualidade e da imaginação um exercício de liberdade responsável. II. a Política da Igualdade, tendo como ponto de partida o reconhecimento dos direitos humanos e dos deveres e direitos da cidadania, visando à constituição de identidade que busquem e pratiquem a igualdade no acesso aos bens sociais e culturais, o respeito ao bem comum, o protagonismo e a responsabilidade no âmbito público e privado, o combate a todas as formas discriminatórias e o respeito aos princípios do Estado de Direito na forma do sistema federativo e do regime democrático e republicano. III. a Ética da Identidade, buscando superar dicotomias entre o mundo da moral e o mundo da matéria, o público e o privado, para constituir identidades sensíveis e igualitárias no testemunho de valores de seu tempo, praticando um humanismo contemporâneo, pelo reconhecimento, respeito e acolhimento da identidade do outro e pela incorporação da solidariedade, da responsabilidade e da reciprocidade como orientadoras de seus atos na vida profissional, social, civil e pessoal. (BRASIL, 1999, p. 101). A enorme mudança na vida profissional exige da escola não a especialização, mas uma ampla formação geral e o desenvolvimento de aspectos psicológicos que “permitam não só pensar conceptualmente uma massa crescente de informações de todo o tipo, mas também a expressão clara em múltiplas linguagens” (PAIVA, 1999, apud NUNES, 2000, p.39). As grandes divergências e a falta de clareza quanto aos conceitos da escola média, discutidas ao longo de décadas, refletem diretamente nos profissionais envolvidos com essa modalidade de ensino. Discutiu-se muito quanto as suas finalidades: ensino flexível, escola profissionalizante, escola preparatória para o mercado de trabalho, escola técnica etc, mas não se discutiu sobre o perfil dos profissionais que trabalham diretamente com ela. Se durante tanto tempo não se chegou a uma conclusão quanto a sua definição como podemos caminhar ao encontro de respostas satisfatórias que consigam esclarecer os dilemas enfrentados em nossa formação profissional. 52 Na procura de respostas que satisfaçam aos questionamentos diários de tantos profissionais da educação o Programa Ensino Médio em Rede, um curso voltado inteiramente para essa modalidade de ensino, foi para mim inovador, senão pioneiro. Há muitos acertos ainda a fazer para o sucesso desse tipo de formação continuada, para tanto se deve investir mais em pesquisas que visem detectar os problemas que a profissão docente enfrenta bem como inserir ações de continuidade dos projetos nesta modalidade para que se possa, o mais breve possível, avançar de forma favorável e positiva que atenta aos anseios dos profissionais da educação. 2.3 Ensino Médio em Rede – Programa de Formação Continuada para Professores do Ensino Médio: uma síntese De acordo com seu regimento, o Ensino Médio em Rede foi um Programa de Formação Continuada para Professores do Ensino Médio desenvolvido no âmbito do Programa de Melhoria e Expansão do Ensino Médio (PROMED), que mesclou formação em serviço e formação pessoal dos agentes educacionais envolvidos com a escola média da rede pública estadual. O Programa realizou-se na forma de um curso que teve, dentre suas metas, promover a implementação da reforma curricular, com destaque para o trabalho com a leitura e a escrita, o aperfeiçoamento do processo de gestão escolar, a ampliação e/ou adequação dos espaços pedagógicos das escolas. Todas essas metas visavam melhorar a qualidade de ensino e consolidar uma escola para jovens. O Programa foi concebido e coordenado pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, por meio da Coordenadoria de Ensino e Normas Pedagógicas (CENP) e contou com o financiamento do PROMED por meio de convênio firmado entre a Secretaria de Estado da Educação (SEE), o Ministério da Educação (MEC) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com gestão da Fundação Carlos Alberto Vanzolini (FCAV). 53 O Ensino Médio em Rede contou com o uso dos ambientes de aprendizagem e os recursos virtuais da Rede do Saber – teleconferências, videoconferências e ferramentas web, além de materiais de apoio especialmente desenvolvidos para ele. O Programa foi desenvolvido em duas fases. A primeira, entre 2004 e 2005, teve o seu conteúdo voltado para a contextualização da proposta de formação e para a discussão das múltiplas representações dos atores envolvidos na prática educativa. A segunda, desenvolvida em 2006, deu ênfase para o desenvolvimento curricular no Ensino Médio das áreas de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (LCT); Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias (CNMT); e Ciências Humanas e suas Tecnologias (CHT). 2.3.1 Objetivos do Programa O Programa teve como objetivos, ainda de acordo com seu regimento17: • aprofundar a discussão sobre as especialidades curriculares do Ensino Médio e propiciar subsídios para o diagnóstico da realidade local, bem como para a avaliação do projeto político pedagógico das escolas envolvidas e dos programas curriculares das diferentes áreas para consequentes reformulações; • fortalecer a integração entre os professores das áreas, a partir de projetos temáticos e de uma perspectiva interdisciplinar; • desenvolver metodologias de ensino das disciplinas das diferentes áreas curriculares a partir de referências teóricas, visando a mudanças nas práticas pedagógicas; • fortalecer as equipes escolares de maneira a dar suporte a mudanças na prática pedagógica, promovendo a articulação e a integração, no cotidiano, dos aspectos ligados à gestão educacional e à gestão didáticopedagógica; 17 O regimento integral do Programa Ensino Médio em Rede encontra‐se disponível em: http://www.rededosaber.sp.gov.br/emrede. Acesso em: 15 ago. 2009. 54 • fornecer subsídios teórico-práticos para o trabalho pedagógico dos professores das diferentes disciplinas e áreas do conhecimento; • orientar o trabalho pedagógico dos professores representantes das áreas; • ampliar o desenvolvimento de competências leitoras e escritoras dos professores das diferentes disciplinas de forma que pudessem também desenvolver essas competências em seus alunos; • possibilitar aos educadores o aprofundamento do conhecimento e da utilização de novas tecnologias de informação e comunicação (TICs), por meio do uso de diversas mídias interativas, discutindo seus usos na continuidade da sua própria formação e na sua prática educativa. 2.3.2 Participantes, material pedagógico e metodologia do Programa Na primeira fase do Programa, que ocorreu em 2004 e 2005, houve três tipos de participantes: os assistentes técnicos pedagógicos (ATPs), os supervisores (mediadores); os professores coordenadores e professores de Educação Básica nível II (PEB-II) de todas as escolas estaduais de Ensino Médio regular. Para formar esses participantes, foram previstas três grandes ações articuladas: a da formação dos professores (sob responsabilidade dos coordenadores e mediadores); a da formação dos professores coordenadores (sob a responsabilidade dos mediadores, da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP)/Coordenação do Ensino Médio e de uma equipe de especialistas formadores); e a da formação dos mediadores (sob responsabilidade da CENP/Coordenação do Ensino Médio e da equipe de especialistas formadores). Na segunda fase, que ocorreu em 2006, o Programa atingiu, também, os professores representantes de áreas, que tinham como mediadores professores coordenadores, assistentes técnico-pedagógicos e supervisores. Para participar dessa segunda fase do Programa, não era necessário ter cursado o Ensino Médio em Rede 2004/2005. No entanto, essa nova fase pressupunha o domínio dos conteúdos da fase anterior, cujo acesso ficou sob a responsabilidade dos participantes com apoio dos seus formadores locais, sem, 55 entretanto, uma retomada sistematizada desses conteúdos para os novos integrantes Os temas focalizados na primeira fase do Programa foram quatro, referentes aos fundamentos do currículo da escola média. Aos temas estão associados conjuntos de atividades denominadas Vivências Formativas (VF) e Vivências Educadoras (VE). Em articulação com essas atividades, propunha-se uma discussão sobre as capacidades leitora e escritora do aluno do Ensino Médio e sobre as formas pelas quais é possível desenvolvê-las na prática docente, em todas as áreas curriculares. Os temas focalizados foram: Tema 1 – A formação do professor no Programa Ensino Médio em Rede; Tema 2 – Professores e alunos: um encontro possível e necessário; Tema 3 – O currículo da escola média; Tema 4 – O projeto político-pedagógico da escola. As Vivências Formativas tiveram como objetivos, de acordo com o material proposto, a contextualização da proposta de formação e a introdução da discussão sobre as especificidades do Ensino Médio. Contemplaram a identidade desse nível de ensino, os pressupostos teóricos que o embasam, seus atores e suas representações, subsidiando o diagnóstico da realidade escolar, a análise do projeto político-pedagógico das escolas envolvidas e seus respectivos programas curriculares e/ou plano de ensino das áreas. Com isso, tinha-se em vista o planejamento de 2005, com especial ênfase para o trabalho com compreensão e produção de textos. Nas atividades das Vivências Formativas, foram discutidos aspectos relativos ao currículo da escola média e fornecido suporte para o diagnóstico e a análise da ação educativa escolar. As atividades das Vivências Formativas ofereceram embasamento para a organização e o planejamento de um projeto de trabalhos que foi desenvolvido com os alunos em sala de aula, durante as atividades das Vivências Educadoras. 56 As Vivências Educadoras, relacionadas às Vivências Formativas, foram o espaço de formação dos professores, como investigadores e produtores de conhecimento sobre o currículo e sua prática pedagógica. Com elas, articuladas às demais atividades, esperava-se que os professores desenvolvessem métodos, estratégias e técnicas próprios de investigação que permitissem a reflexão e a intervenção, planejadas e avaliadas, no seu contexto de trabalho. O desenvolvimento das atividades aconteceu em várias situações. Uma delas era chamada de Trabalho Coletivo (TRC) e se realizou durante as Horas de Trabalhos Pedagógicos Coletivos (HTPC) sob a coordenação de um formador local (professor coordenador); visava desdobrar os temas trabalhados nas teleconferências e no material impresso, devendo estar orientado para a sala de aula e abrangia momentos de proposições e análises metodológicas, planejamento de projetos, elaboração e/ou análise/escolha de atividades, questionamentos para reflexão docente, aprofundamento, sistematizações etc. A outra, nomeada como Trabalho Pessoal (TRP), acontecia em função de uma decisão de cada professor, que deveria se voltar para leitura de textos, coletas de dados para o diagnóstico, preparação de apresentações e de atividades que deveriam ser realizadas em sala de aula. Outras situações ainda eram recorrentes: Trabalho na Rede do Saber (TRS), atividades em computadores, desenvolvidas presencialmente nos ambientes dessa Rede antes, durante ou depois de uma videoconferência; Trabalho na Sala de Aula (TSA), aplicação, pelos participantes, de atividades previstas pelo Programa com os alunos em sala de aula presencial; Videoconferência (VC), realizada nos ambientes da Rede do Saber e coordenada por especialistas; Teleconferência (TC), proferida por especialistas convidados e destinada a todos os participantes envolvidos no Programa. Todos os participantes do Programa receberam material impresso e um CD contendo textos, documentos oficiais, tabelas e gráficos com finalidade de fornecer mais apoio a todo o processo. Tanto os coordenadores quanto os mediadores tinham acesso a uma ferramenta web – o Prometeus – por meio da qual recebiam orientações, arquivos e recados, participavam de fóruns de discussão, publicavam atividades realizadas etc. 57 Na segunda fase do Programa, o conteúdo abordado reuniu uma visão histórica e perspectivas atuais do Ensino Médio, focalizando as mudanças exigidas pela sociedade para ampliar as finalidades desse nível de ensino em direção à formação cidadã, à preparação para o mundo do trabalho e ao prosseguimento dos estudos (Lei de Diretrizes e Bases – LDB –18 e Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio - DCNEM19). A organização curricular prevista pelos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM)20 e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais Plus (PCN+)21 consistia de: • articulação entre as disciplinas de uma mesma área de conhecimento; • articulação entre as diferentes áreas de conhecimento; • interdisciplinaridade e contextualização como princípios; • competências e habilidades para o exercício da cidadania. Além disso, o Programa, nessa etapa, trazia alternativas metodológicas que visavam contemplar a iniciativa do aluno, sua reflexão sobre o objeto de conhecimento e a resolução de problemas, bem como aprofundamento do estudo dos princípios e pressupostos teórico-metodológicos da formação de professores. 18 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB 9.394/96), promulgada em 20 de dezembro de 1996, define os princípios, os objetivos e a organização da Educação no país. Estabelece os conteúdos, os ciclos de escolaridade, as modalidades de ensino e as condições necessárias para o funcionamento das instituições educativas. 19 As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, cujo Parecer CEB/CNE n. 15/98 foi aprovado em 1/6/1998, apresenta propostas de regulamentação da base curricular nacional e de organização do Ensino Médio. A Resolução CEB/CNE n. 3, de 26 de junho de 1998, instituiu essas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. 20 Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Ministério da Educação/Secretaria de Educação Média e Tecnológica, Brasília, 1999) difundem os princípios da reforma curricular e orienta o professor na busca de novas abordagens e metodologias. 21 Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio Plus (Ministério da Educação/Secretaria de Educação Média e Tecnológica, Brasília, 2002), vieram complementar os PCNEM (1999), focando, de modo mais específico e elaborado, o aprendizado em diferentes contextos e condições de trabalho nas escolas com vistas à sua adequação às transformações sociais e culturais contemporâneas. 58 2.3.3 Da matrícula, frequência, avaliação e certificação Quanto aos critérios para as matrículas, os professores tinham que preencher alguns requisitos tais como: ser docentes de Ensino Médio regular de uma das escolas participantes do Programa em 2004; estar em efetivo exercício durante o período de desenvolvimento do Programa e ter pelo menos uma hora de HTPC contratual na escola ou comprometer-se a participar de todas as atividades do Programa, além de comprometer-se a realizar as atividades fora do horário de Trabalho Pessoal (TRP) que estava previsto para compor a carga horária do Programa pelo qual seriam certificados. As vagas para os professores representantes, que só ocorreram na segunda fase, foram preenchidas por um ou dois representantes de área (de acordo com o número de professor coordenador), com carga horária significativa nas escola onde atuavam, indicados pelo coordenador de cada escola, sendo eles das áreas de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias (CNMT), Ciências Humanas e suas Tecnologias (CHT) e Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (LCT). A frequência era computada nas modalidades de atividades coletivas (TRC, TRS, WEB, TSA, VC e TC). Na modalidade de atividade individual (TRP), a frequência era atribuída a partir da entrega de produto para avaliação da aprendizagem. O professor coordenador era responsável pelo lançamento da frequência do professor. A avaliação da aprendizagem era, também, realizada pela entrega de produtos tais como sínteses individuais ou coletivas, roteiros e planejamento de trabalho, preenchimento de instrumento de autoavaliação e avaliação, relatórios e, no caso de professores coordenadores e mediadores, participação em fóruns de discussão web e publicação de atividades no Prometeus (com áreas para download e upload de arquivo, fórum, chat, quadro de avisos, agenda etc.). Os produtos eram avaliados pelo responsável pela formação do participante e classificados como satisfatórios e insatisfatórios. Todo o participante, observados o mínimo de frequência – cumprindo pelo menos 80% da carga horária total prevista no Programa - e os critérios de avaliação 59 estabelecidos regimentalmente – grau satisfatório na avaliação da aprendizagem fez jus a um certificado de conclusão equivalente a um curso de extensão cultural que pôde constituir-se em documento para a evolução funcional pela via nãoacadêmica. No certificado de conclusão, foi especificada também a natureza da função do participante no Programa (professor, professor coordenador ou mediador), e o tempo nela exercido. Foi colocado à disposição de todos os participantes do Programa um aplicativo Fale Conosco para qualquer comunicação com a Rede do Saber, como solicitações, dúvidas, requerimentos e recursos. No momento da comunicação inicial era fornecido um número de protocolo pelo qual o requerente consultava e acompanhava o andamento da solicitação até a resposta final. O Fale Conosco era acessado no site do programa por meio de um login informando usuário e senha, compostos pelo número do RG do participante cadastrado na matrícula. Esse Programa de formação ao longo das duas fases capacitou mais de 60.000 professores de Educação Básica Nível II, 4.500 professores coordenadores, 340 assistentes técnicos pedagógicos e 90 supervisores. Sendo um Programa de grande estrutura que atingiu a um grande número de participantes, percebe-se através das entrevistas dos professores, em anexo, que as escolas não possuíam estrutura suficiente para abarcar, eficientemente, esse tipo de capacitação, que exigia espaço físico, computadores e aparelhos de multimídias Foi um dos projetos premiados pela Promoção – Casa Civil do Governo do Estado de São Paulo em 2006 na categoria de Gestão de Recursos Humanos do Prêmio Mário Covas – Inovações na Gestão Pública no Estado de São Paulo. O programa correspondeu ao objetivo do prêmio, que é o de reconhecer as propostas que caminham no sentido da modernização da administração pública do Estado de São Paulo, evidenciando a competência e o compromisso dos servidores públicos e a relevância dos trabalhos que os mesmos desenvolvem no setor público. 60 CAPÍTULO 3 Análise e discussão dos dados [...] Não existe possibilidade de interrogar, por exemplo, o ensino ou a aprendizagem, mas sim o sujeito que está ensinando e o sujeito que está aprendendo. Na pesquisa fenomenológica educacional sempre haverá um sujeito, numa situação, vivenciando o fenômeno educacional. (FINI, 1997) 3.1 O contexto da pesquisa e o perfil dos participantes Neste capítulo, apresento a pesquisa realizada junto a uma escola da rede pública estadual de Ensino Médio da Zona Leste de São Paulo na qual exerço a cargo de Professora Coordenadora. O objetivo da pesquisa, conforme já foi anunciado, foi verificar em que medida o programa de formação continuada Ensino Médio em Rede contribuiu para mudanças nas práticas dos professores. Inicialmente apresento o cenário onde a pesquisa foi realizada, os aspectos metodológicos e, em seguida, os dados coletados por meio de entrevista realizada junto a cinco professores da unidade e que participaram do programa estudado. Para coletar os dados junto aos professores utilizei a entrevista estruturada, composta por 20 questões iguais que foram respondidas por todos os entrevistados. A pesquisa foi realizada com professores dos três turnos e todos aqueles que solicitei aceitaram participar da entrevista. Na época de realização da pesquisa, havia dezenove turmas no período matutino, dezenove turmas no período vespertino e dezoito turmas no período noturno. A maioria dos docentes na Unidade Escolar já eram efetivos quando da realização do Programa Ensino Médio em Rede. A equipe gestora era composta por uma diretora, dois vice-diretores e dois coordenadores pedagógicos. Foram entrevistados cinco professores, envolvendo as três áreas do conhecimento que 61 organizam o Ensino Médio na rede Estadual: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; de Ciências Humanas e suas Tecnologias; de Ciências Naturais, Matemática e suas Tecnologias. Assim considerei a amostra adequada aos objetivos da pesquisa. Todos os sujeitos da pesquisa participaram do Programa em suas diferentes fases. Desta forma foi possível realizar uma sondagem sobre as percepções que eles tinham em relação à formação continuada, bem como de obter um retorno em relação ao referido Programa. Para caracterizar o perfil desses professores, buscou-se conhecer: • o gênero; • a formação acadêmica; • os anos de serviço docente; • a(s) disciplina(s) que ministravam no momento da entrevista; • a situação funcional. Esses dados encontram-se sistematizados no quadro abaixo: Participantes Sexo Formação/Licenciatura Anos de atuação no Magistério Disciplinas que ministra Situação funcional Eliana F História 10 anos História Efetiva Tina F Ed. Artística 10 anos Arte Efetiva Muriel F Artes Plásticas 09 anos Arte Efetiva Carol F Letras 09 anos Port./Inglês ACT22 Marcos M Biologia 15 anos Biologia Efetivo Quadro 2.1 – Perfil dos participantes desta pesquisa. De acordo com o quadro exposto, pode-se observar que todos os professores possuem nível superior, quatro deles são efetivos, e, diante do tempo que cada um já dedicou ao magistério, pode-se afirmar que são professores experientes. Relaciono algumas características de cada professor, no sentido de delinear o perfil de cada um: 22 Admitido em caráter temporário. 62 • ELIANA23: a professora é formada em História e atualmente faz Filosofia, com bolsa de Iniciação Científica; trabalha atualmente na escola pesquisada com as segundas e terceiras séries do Ensino Médio. Participou do Programa nas duas fases e na escola pesquisada. • TINA: a professora é licenciada em Educação Artística; na época em que fez o Ensino Médio em Rede, era Professora Coordenadora Pedagógica em uma escola no interior de São Paulo; logo, participou como formadora no referido Programa. Atualmente ministra aulas de Arte nas primeiras e segundas séries do Ensino Médio. • MURIEL: a professora é formada em Artes Plásticas, leciona numa escola de Ensino Fundamental – Ciclo I e acumula outro cargo como Professora Coordenadora Pedagógica na escola pesquisada. Participou do programa de formação continuada em outra unidade escolar. • CAROL: a professora é formada em Letras com licenciatura em Português e Inglês, tem Pós-graduação Lato sensu, leciona em duas escolas: Português em uma escola Ensino Fundamental – Ciclo II; Inglês para as terceiras séries do Ensino Médio na escola pesquisada. Na segunda fase do Programa participou como Professora Representante da área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. • MARCOS: o professor é formado em Biologia com licenciatura plena e bacharelado, atualmente leciona Química e Física na escola particular em nível médio e na escola pesquisada ministra aulas de Biologia nas segundas e terceiras séries do Ensino Médio. Possui especialização Lato sensu em Biologia Molecular e Análises Clínicas. Participou do Programa na mesma escola. Vale destacar que os principais critérios de escolha dos professores foram: terem atuado no Programa objeto da pesquisa, pertencerem aos diferentes turnos, e envolver as três áreas do conhecimento que organizam o Ensino Médio na rede publica estadual. 23 Os nomes dos professores foram substituídos para garantir seu anonimato. 63 3.2 - Abordagem metodológica Para desenvolvimento da pesquisa foi adotada a pesquisa qualitativa como abordagem metodológica, definida por Lüdke e André (1986, p.11-3) a partir das cinco características básicas propostas por Bogdan e Biklen (1982): 1. A pesquisa qualitativa tem seu ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento. [...] 2. Os dados coletados são predominantemente descritivos. [...] 3. A preocupação com o processo é muito maior do que com o produto. [...] 4. O “significado” que as pessoas dão às coisas e à sua vida são foco de atenção especial pelo pesquisador. [...] 5. A análise dos dados tende a seguir um processo indutivo. Dencker e Da Viá (2001, p. 186) consideram, a respeito dos dados coletados, que [...] o material obtido nessas investigações [na abordagem de pesquisa qualitativa] é rico em relatos de pessoas, em situações e acontecimentos, incluindo transcrições, entrevistas e depoimentos [...] Sobre a questão da maior preocupação com o processo, essas autoras comentam que o “interesse do pesquisador é verificar como o problema manifestase no cotidiano” (p. 186). Nesta investigação, considero principalmente o ambiente escolar onde se deu o desenvolvimento do programa. Os dados levantados trazem informações sobre o processo de reflexão e mudança de práticas pedagógicas dos professores a partir dessa formação continuada, segundo suas próprias percepções, tomadas individualmente, porém sem um objetivo de generalização. É nesse sentido que posso afirmar que esta pesquisa encontra-se em consonância com o que Bogdan e Biklen (1982, apud Lüdke e André, 1986, p. 13) caracterizam como pesquisa qualitativa: A pesquisa qualitativa ou naturalística [...] envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes. 64 Outro aspecto importante no desenvolvimento da pesquisa, apresentado, sobretudo, nos capítulos anteriores foi a pesquisa bibliográfica e documental. Podese definir a pesquisa bibliográfica e documental como primeiro passo para qualquer trabalho investigativo. Entretanto, quando menciono aqui a pesquisa com base documental, estrapolo essa etapa da pesquisa, esperando que registros de fontes diversas possam contribuir para a análise dos dados levantados pelo trabalho, conforme explicam Laville e Dionne (1999, p. 166). No caso desta investigação, tomei como base documentos institucionais escritos (GIL, 1999, p. 162), fornecidos por instituições governamentais (o Programa Ensino Médio em Rede, bem como as legislações que definiram ao longo do tempo a Educação Básica no país). Isso delineou o contexto que estava por trás da noção de formação continuada in loco, do qual emergiram as percepções dos professores a respeito de seu próprio processo de formação continuada e de sua prática pedagógica. Esse levantamento documental permitiu a elaboração dos capítulos um e dois. Os depoimentos dos sujeitos entrevistados foram coletados por meio de entrevistas estruturadas nas quais se pretendia garantir as diversas opiniões a respeito das percepções que esses sujeitos tiveram do programa de formação continuada in locus e os desafios que os mesmos tiveram de enfrentar em sua rotina pedagógica para a realização das diversas tarefas. Nas entrevistas, portanto, procurou-se ouvir, compreender e analisar as falas desses sujeitos envolvidos com o Programa sobre esse processo de formação em serviço oferecido pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo. A entrevista é, de acordo com Gil (1999, p. 117), [...] a técnica em que o investigador se apresenta frente ao investigado e lhe formula perguntas, com o objetivo de obtenção dos dados que interessam à investigação. [...] uma forma de diálogo assimétrico, em que uma das partes busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informação. Para esse autor, a entrevista é “bastante adequada para a obtenção de informações acerca do que as pessoas sabem, creem, esperam, sentem ou desejam, pretendem fazer, fazem ou fizeram” (p. 117), motivo pelo qual optei por esse instrumento de investigação. 65 Há quatro tipos de entrevistas: estruturadas, não-estruturadas, parcialmente estruturadas e semi-estruturadas (LAVILLE e DIONNE, 2001, p. 333). As do último grupo constituem-se como uma “série de perguntas abertas feitas oralmente em uma ordem prevista, mas na qual o entrevistador tem a possibilidade de acrescentar questões de esclarecimento”. Neste trabalho, como foi dito, optou-se pela entrevista estruturada, isto é uma série de perguntas iguais que foram feitas oralmente a todos os entrevistados, na ordem prevista. Assim, o roteiro da entrevista24 foi composto por perguntas abertas e buscou obter o nível de aproveitamento efetivo dos professores nesse curso de educação continuada e determinar as suas expectativas em relação à sua formação. É importante ressaltar que Szymanski (2008) considera que a entrevista propicia uma reestruturação de ideias, ressaltando o “caráter dinâmico das informações” que obtemos em nossas investigações e apontando para o cuidado de não apresentá-las como algo definitivo: [...] a entrevista face a face é fundamentalmente uma situação de interação humana, em que estão em jogo as percepções do outro e de si, expectativas, sentimentos, preconceitos e interpretações para os protagonistas: entrevistador e entrevistado. [...] A intencionalidade do pesquisador vai além da mera busca de informações; pretende criar uma situação de confiabilidade, para que o entrevistado se abra. Deseja instaurar credibilidade e quer que o interlocutor colabore, trazendo dados relevantes para seu trabalho. A concordância do entrevistado em colaborar na pesquisa já denota sua intencionalidade – pelo menos a de ser ouvido e considerado verdadeiro no que diz-, o que caracteriza o caráter ativo de sua participação, levando-se em conta que também ele desenvolve atitudes de modo a influenciar o entrevistador. (SZYMANSKI, 2008, p. 12). Nesse sentido, considerei que a entrevista estruturada realmente me propiciaria verificar em que medida as ações desenvolvidas por meio do Programa Ensino Médio em Rede contribuíram para a mudança na prática dos professores que dele participaram e refletir sobre a proposta de formação continuada oferecida aos professores do Ensino Médio. 24 Ver Anexo 1. 66 As entrevistas, gravadas e transcritas posteriormente, foram realizadas no ambiente escolar, de acordo com a disponibilidade de cada professor, que se mostraram à vontade e receptivos para responder às questões apresentadas. 3.3 – O Programa Ensino Médio em Rede e a Aplicação de novas metodologias Um dos objetivos proclamados no regimento do Programa Ensino Médio em Rede era possibilitar o desenvolvimento de “metodologias de ensino das disciplinas das diferentes áreas curriculares a partir de referencias teóricas, visando mudanças nas práticas pedagógicas”. A fala da professora Carol, expressa o consenso entre os educadores quando afirma: “Sim, houve novas metodologias para serem colocadas em práticas” na medida em que as falas seguintes, também, indicam que o programa trouxe contribuições neste sentido de forma que possibilitou discutir a integração entre o currículo e as disciplinas, conforme é possível perceber na fala da professora: Eliana: Acredito que a maior contribuição foi discutir a integração do currículo e das disciplinas, que era a proposta do programa, possibilitando uma visão mais ampla do processo de ensino/aprendizagem. Destaca‐se também, eu acredito, a orientação sobre artigos de opinião que visam aprimorar o senso crítico dos alunos. Além da integração entre o currículo e as disciplinas a professora Eliana também destaca a orientação do programa para leitura que visava aprimorar o senso crítico dos educadores. A leitura é um aspecto também destacado na fala da professora Muriel que, também, destaca o fato do programa ter trazido para a prática dos professores o trabalho com leitura. Sua fala permite perceber uma certa mudança na prática dos professores na medida em que a partir desta formação passou-se a acreditar na possibilidade de trabalhar leitura nas diferentes disciplinas. Muriel: Eu acho que teve uma grande contribuição. A leitura, né, que muitas achavam que não dava para trabalhar a leitura em suas disciplinas e ele veio assim trazer essa prática, né, em diferentes aspectos. Outro aspecto que aparece nas falas dos professores como contribuição do programa no sentido de aplicação de novas metodologias foi o de trabalho interdisciplinar, indicado pela professora Tina: 67 Tina: Bom, pra mim teve uma grande contribuição porque eu sempre gostei de trabalhar a interdisciplinaridade e antigamente não, era aquela coisa compartimentada. Então, pra mim foi assim muito bom. Embora todos considerem que com o programa “houve novas metodologias para serem colocadas em prática” vale destacar a fala do professor Marcos uma vez que a partir dela podemos inferir a falta de estrutura da escola e o número excessivo de alunos por classe como uma das deficiências relacionadas à implantação do programa. Marcos: Eu não mudei nada. Continuei do jeito que eu sou. Tinha coisa que era, por exemplo... Era difícil de aplicar com o número de alunos. Desta forma, embora os professores destaquem a contribuição do programa no que diz respeito à introdução de novas metodologias ou mesmo a leitura e escrita nas diversas áreas do conhecimento, o trabalho interdisciplinar e a relação entre o currículo e as diversas disciplinas há que se considerar que alguns limites foram encontrados pelos educadores para desenvolver as atividades propostas, dentre estes limites o professor Marcos destaca o número excessivo de alunos por sala. Outras dificuldades foram apontadas pelos educadores entrevistados como, por exemplo, a falta de estrutura, como existência de uma sala própria para desenvolver a capacitação e também falta de equipamentos, como aponta a professora Eliana em uma de suas falas: Eliana: A dificuldade é a falta de estrutura para poder desenvolver a atividades, uma sala própria para desenvolver a capacitação, os horários de HTPC. Ou seja, falta essa estrutura. Uma sala com datashow, computador. Essa fala permite questionar a coerência entre aquilo que é proclamado por meio do regimento do programa e aquilo que realmente os professores tem condições concretas de vivenciar. Embora o regimento do programa proclame como objetivo; [...] possibilitar aos educadores o aprofundamento do conhecimento e da utilização de novas tecnologias de informação e comunicação (TICs), por meio do uso de diversas mídias interativas, discutindo seus usos na continuidade da sua própria formação e na sua prática educativa. 68 A fala citada indica que a unidade não contava com a estrutura adequada para que a escola colocasse em prática a proposta do programa. Na mesma direção caminha a fala da professora Tina que acrescenta outros problemas além dos já apresentados: Tina: Bom, no começo a ferramenta não funcionava direito. ... Da web. Não funcionava. Então, essa foi a dificuldade de todos os professores na época, que já era também uma coisa inovadora para os professores: trabalhar com fóruns, postar opiniões.... Bom, como não funcionava direito a gente começou a encontrar dificuldade naquela época, depois a gente foi tendo cursos e com os cursos melhorou... A professora Murial apresenta outra dificuldade que também tem sido comum nos cursos de formação: a dificuldade de conciliar os horários. Muriel: Agora, uma dificuldade é que às vezes nem todos os professores frequentavam o mesmo horário. Então acabava comprometendo algumas atividades. A dificuldade de conciliação dos horários aparece como um problema também na fala do professor Marcos, este, porém, acrescenta a carga excessiva de trabalho do professor: Marcos: Vou começar pelo difícil. Horário... Porque o horário nem sempre dava. Porque tinha que acessar coisa pela internet, aí eu ia acessar que hora? Eu dou aula das sete e meia até as onze da noite. Tanto que na internet eu acho que eu entrei uma vez só. O horário, o acesso. Se fosse na escola seria bem melhor... [...] A professora Carol acrescenta mais dois tipos de dificuldades: aquelas decorrentes dos problemas “sociais” e aquelas decorrentes da ação dos “técnicos” que segundo ela “adentram a sala de aula e dificultam alguns procedimentos”: Carol: [...] já as dificuldades são os problemas sociais além dos técnicos que adentram a sala de aula e dificultam alguns procedimentos. Embora seja uma fala curta merece reflexão cuidadosa a fala da professora Carol, porque toca em duas questões importantes. Primeiro relaciona o desenvolvimento do Programa a questões sociais e o segundo fala de um problema muito sério no processo educativo que é o técnico como um empecilho ao trabalho pedagógico. A estruturação, de que falam os professores, vai desde a configuração física do ambiente propriamente (sala própria para a capacitação, por exemplo), até 69 falta de material, dificuldades com a ferramenta e impossibilidade de acesso aos materiais do curso via web na escola. Os educadores falaram também sobre as facilidades encontradas no desenvolvimento do programa. O material distribuído aos educadores em formação foi considerado um grande facilitador quer pela sua qualidade, quantidade e pelas discussões que proporcionou. Todos os professores participantes do Programa receberam material impresso, dividido por formação (Vivências Formativas e Vivência Educadoras), CD com textos, documentos oficiais, gráficos e pastas. O material, como atesta as falas seguintes, foi considerado muito bom pelos professores. Eliana: Olha, o material era bom, um material bastante interessante, porém, cabe ressaltar que a falta de estrutura da escola na época, como por exemplo, não ter datashow, uma sala de informática que funcionasse permanentemente dificultou a exploração do material. Então, a falta de estrutura fez com a gente perdesse na qualidade do material. A professora Muriel destaca o fato de o material ter possibilitado o desenvolvimento do trabalho em uma perspectiva interdisciplinar: Muriel: Achei um material bom, como eu disse, que veio trabalhar a interdisciplinaridade, a leitura em todas as áreas do currículo. O professor Marcos, embora reconheça a qualidade do material destaca a falta de estrutura da escola à época, que de certo modo prejudicou o uso do material. Além disso, o professor volta a mencionar a dificuldade em aplicar as propostas com sua turma. Desta vez, porém, atribui a dificuldade ao pouco conhecimento que os alunos têm: a falta de pré-requisitos para que possam aproveitar. Marcos: O material era bom, mas não dava pra gente usar. Era uma coisa pra usar na [inaudível]. O material era bom, porém, como é que ia utilizar aquele material se o pessoal não tem nem o básico? Igual essas apostilas de agora, enquanto não tiver o mínimo... Vê-se que os professores foram unânimes em suas opiniões quanto à qualidade do material utilizado no programa. Outro ponto considerado como um facilitador foi o fato da formação acontecer no ambiente escolar e ao horário de HTPC, à possibilidade de reflexão conjunta, ao acesso ao curso e à metodologia. Neste sentido a fala da professora Eliana parece esclarecedora: 70 Eliana: Bom, facilidades: eu acho que a localização da gente estar no ambiente escolar com os nossos pares, possibilidade de discutir a realidade que nós vivenciamos, discutir com os nossos colegas. [...] A fala do professor Marcos também indica o fato da formação acontecer na unidade como um facilitador. Marcos: [...] O fácil eram as discussões em grupo, lia as apostilas, discutia aquilo, verificava as facilidades e as dificuldades de modo comum com o grupo. Aí ficou fácil fazer isso desse jeito. O ambiente escolar, nas falas dos professores, torna-se um espaço privilegiado para a sua formação. O coletivo da escola facilita a integração dos conteúdos e possibilita uma discussão mais proveitosa no momento em que os pares se ajudam na busca de soluções para as dificuldades diárias no espaço escolar. Pode-se dizer que uma das inovações apresentadas pelo programa foi a consideração da escola como lugar privilegiado de formação dos professores. Vários autores têm discutido esse tema e cada vez mais de que a formação dos educadores encontra no espaço escolar um local privilegiado. Embora esses estudiosos considerem importante a contribuição dos especialistas externos, a formação que se desenvolve a partir dos problemas concretos permite ao educador construir conhecimento a partir da reflexão sobre a própria prática e inserir esse conhecimento em sua dinâmica pessoal, articulando-o com o seu desenvolvimento, como podemos inferir da afirmação de Nóvoa (2001, s.p.)25: É no espaço concreto de cada escola, em torno de problemas pedagógicos ou educativos reais, que se desenvolve a verdadeira formação. Universidades e especialistas externos são importantes no plano teórico e metodológico. Mas todo esse conhecimento só terá eficácia se o professor conseguir inseri-lo em sua dinâmica pessoal e articulá-lo com seu processo de desenvolvimento. Não quero tirar a responsabilidade do governo, mas sua intervenção deve se resumir a garantir meios e condições. [...] Nas entrevistas os professores manifestam concordância com o pensamento do Nóvoa e consideram o espaço escolar como adequado para a formação continuada. Os professores, porém, além de destacarem “os problemas pedagógicos e educativos reais” apontam também questões de facilidade: não 25 Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao‐continuada/professor‐se‐forma‐ escola‐423256.shtml>. Acesso em: 12 out. 2009. 71 necessitar do deslocamento, facilidade de acesso e economia de tempo. Neste sentido a fala da professora Eliana é representativa. Eliana: A escola mesmo, eu acho que é um local ideal, principalmente nos horários de HTPC. Porque a nossa carga horária é muito grande, é difícil o nosso deslocamento para outros polos de atuação. E a escola, ela possibilita a gente também usar a realidade e o ambiente que nós vivenciamos. Então você pode ter o conteúdo, o aprendizado, só que você pode relacionar com a sua realidade. E a escola é o lugar ideal pra isso. (Eliana, professora) É interessante comentar que embora o espaço escolar seja visto, por esses professores, como um espaço privilegiado de formação, pois é por meio das reflexões da sua prática pedagógica que eles compartilham e planejam um novo fazer, identificam o que está faltando etc. Parece, então, que o Programa Ensino Médio em Rede resgatou o espaço escolar como arena de construção conjunta, de reflexão sobre a prática pedagógica, de planejamento e troca, mas não foi construída na escola uma estrutura compatível com a proposta do programa. Concordamos com Nóvoa (2002, p.23): quando ele afirma que a formação continuada se dá de forma coletiva. Para ele “o aprender contínuo é essencial e se concentra em dois pilares: a própria pessoa, como agente, e a escola como lugar de crescimento profissional e permanente”. Neste sentido ele defende a ideia segundo a qual a formação continuada depende da experiência aliada à reflexão, propiciando a análise contínua do processo. Porém há que considerar-se que esse processo só se realiza com uma estrutura adequada o que não aconteceu no caso da implementação do Programa Ensino Médio em Rede, como revela as falas dos professores entrevistados: Tina: Bom, o espaço ele é necessário, ele tem que ser atrativo. Bom, o espaço ele deve ser atrativo, só que na escola não tem esse espaço que contribua para a formação do professor; não tem. A questão da falta de espaço adequado para desenvolvimento do programa aparece, também, na fala da professora Eliana que aponta entre outros aspectos a falta de uma sala específica para isso, de uma biblioteca e mesmo de equipamentos necessários ao desenvolvimento da proposta. Eliana: A escola tem que ter uma sala pra isso, tem que ter uma sala equipada, com tecnologia pra que se desenvolva aí a possibilidade de ter acesso a computadores, datashow, DVD. Uma biblioteca, uma coleção de 72 livros pra professores, com livre acesso, que ele possa pegar e ler, jornais, revistas atualizadas. É necessário tudo isso. Segundo Silva (2000) para que se promovam mudanças e elas perdurem é necessário que a proposta seja institucionalizada. Isso decorre da existência de um embate por significados entre as diversas pessoas e grupos muitas vezes dentro de um mesmo empreendimento. Para ele à vista dessa situação, o dirigente deve procurar criar condições de implantação e persistência das práticas que contribuam para o êxito das propostas que buscam concretizar. Neste sentido se faz necessário que sejam consolidadas ações que, institucionalizadas, sirvam de apoio à manutenção do significado e nele encontre estímulo: Nesse esforço, são importantes alguns fatores, entre os quais devem ser mencionados o tempo, o espaço, a alocação de recursos. De fato, as ações ocorrerão em um espaço concreto e em um tempo concreto. De pouco vale desejar que o mecanismo de decisão seja colegiado, se não há tempo comum aos participantes do trabalho ou não se encontram salas adequadas para as reuniões. A implantação de trabalhos coletivos supõe a existência de uma organização do tempo e do espaço que favoreça os agentes envolvidos, (Silva, 2000 p. 43) No caso do Programa Ensino Médio em Rede, na escola estudada, as falas revelam que algumas das condições apontadas por Silva não foram observadas. A primeira delas foi a existência de um espaço concreto para as atividades do programa. A biblioteca, espaço onde as atividades aconteciam, era constantemente requisitada pela escola para outros afazeres pedagógicos ou não, ficando as atividades do Programa em plano secundário. Assim, podemos inferir que se tratou de uma proposta que iniciou sem as condições de ser duradoura. Recorrendo a minha experiência enquanto participante do programa é possível afirmar que o problema não se resumiu apenas à falta de um espaço reservado especialmente para a formação continuada. O mesmo acontecia com os horários disponibilizados para essa formação, que eram poucos, frequentemente interrompidos em função de emergências razões pelas quais não atendiam às necessidades reais de discussões em torno dos problemas diários da escola. 73 3.4 – O Ensino Médio em Rede e os problemas pedagógicos reais Uma das propostas apresentadas pelo regimento do Ensino Médio em Rede era: [...] aprofundar a discussão sobre as especialidades curriculares do Ensino Médio e propiciar subsídios para o diagnóstico da realidade local, bem como para a avaliação do projeto político pedagógico das escolas envolvidas e dos programas curriculares das diferentes áreas para conseqüentes reformulações. Para atingir este objetivo o desafio colocado era organizar a formação na escola a partir dos “problemas pedagógicos reais”. Os professores, ao serem perguntados sobre o realismo das questões trabalhadas pelo Programa Ensino Médio em Rede foram unânimes em afirmar que as questões estudadas apresentavam muito de situações ideais que se procurava aplicar ao real, como revela a fala da professora Eliana apresentada a seguir: Eliana: Em parte. O problema é que sempre se parte do ideal, tentando aplicar o ideal no real, e não se parte do real para o ideal, não se leva em conta, por exemplo, a nossa experiência em sala de aula. Então, vem de cima para baixo, enfiado goela abaixo o material, sem levar em conta, por exemplo, a realidade da gente. [...]. Como é possível perceber, além de apontar o fato dos “problemas pedagógicos” estudados partirem de um ideal, a professora destaca o fato do programa não levar em conta a experiência dos professores, razão pela qual ela o considera uma proposta de cima que foi enfiada “goela a baixo”. Em direção semelhante caminha a fala da professora Tina que destaca o fato da proposta não contemplar a diferença entre as escolas. Tina: Cada escola tem uma realidade, não adianta eu querer trabalhar que não seja condizente com a realidade daquela escola. A professora Muriel embora considere que o programa não considerou plenamente os “problemas pedagógicos reais” vê nele aspectos positivos: Muriel: Não muito. Mas eu acho que veio trazer uma mudança, né, porque a questão da adequação dentro da sua sala de aula, a questão da interdisciplinaridade no campo da leitura, escrita e trazendo o aluno a ser 74 protagonista porque tratava de temas atuais, de temas que eles conheciam. Então isso facilitava bastante. O professor Marcos, ao contrário, considera a proposta totalmente fora da realidade, pois, segundo ele há grande defasagem dos alunos com relação às aprendizagens indicadas para cada ano. Marcos: A proposta era fora da nossa realidade... Da nossa realidade. Nossa realidade como colégio do Estado, né.... Que não é a nossa realidade. Pelo menos por enquanto. Já foi, mas muito tempo atrás, quando papai estudava. Porque papai com a quarta série sabe mais do que as crianças do colégio. Percebe-se na fala do professor Marcos um certo sentimento saudosista, a ideia de alunos que sabiam. Mas será que os alunos de antes aprendiam ou os professores ensinavam melhor? Talvez seja esta uma das perguntas cuja resposta não possa ser dada sem se correr o risco de fazer uma simplificação tipicamente irresponsável. É preciso considerar que o acesso à educação escolar é hoje direito subjetivo que permanece na escola aqueles que os professores conseguiram ensinar e aqueles que não lograram tal sorte. Na escola de antes ficava apenas quem aprendia porque os outros eram engolidos pela máquina sinistra da exclusão. A fala seguinte foge da explicação simplificada e descreve aspectos importantes da escola hoje: Eliana: Os educadores não conseguem ensinar e os jovens se sentem desamparados pela escola, que, no seu ponto de vistam, não funciona como mediadora entre seu dia a dia e o mundo de informações e conhecimentos que a sociedade vem acumulando. Em situação como a apresentada nesta fala parece importante discutir que tipo de formação se faz necessária para os professores. Neste sentido a pesquisa revela que os professores sabem que tipo de formação pode ajudar no seu trabalho cotidiano. A professora Eliana aponta a necessidade de trabalhar novas metodologias e indica o HTPC como espaço adequado para esse aprendizado. Eliana: Apresentação de novas metodologias, que podem acontecer no HTPC, espaço pra gente poder participar de eventos, congressos, seminários, cursos. Porque nós temos que poder nos deslocar, às vezes o curso é longe, numa instituição, a gente tem que ter essa possibilidade de ir. Tem que ser estimulado a participar, a buscar esse tipo de formação. 75 Já a professora Muriel, acha importante um tipo de formação que ajude a trabalhar com os problemas do dia a dia: Muriel: Eu acho que são aquelas que vão te ajudar a enfrentar as dificuldades, né? A formação continuada do dia a dia que vai levar você a trabalhar com os problemas na sala de aula. E o uso das novas tecnologias, eu acho que é um grande problema para os professores. Como vemos a professora destaca também a necessidade de aprender a lidar com as novas tecnologias. Já o professor Marcos considera importante uma formação que melhore a didática do professor. Marcos: Didática... Didática... não que ele tivesse formação pedagógica, mas a didática mesmo. Que nem professor que chega na sala e fala, fala, fala. Que nem aquela minha aluna que veio aqui, ela falou assim da faculdade: “Professor fala. Nenhum aluno entende nada do que o professor fala. Ele não tem didática. Ele sabe, mas não sabe transmitir. Ele não tem didática. Ele tem pedagogia, mas ele não tem a didática”. Ou seja, ele não nasceu para aquilo. O professor tem que ter didática, tem que ter amor pelo que faz, se não tiver amor também, um pouquinho que seja. Pode-se ver, então, que os professores buscam recursos que incentivem seus alunos a participarem mais do processo de aprendizagem. Isso é perceptível no momento em que assumem que querem metodologias novas e constantes atualizações. Para eles, é importante que a formação inicial já venha ao encontro dessas necessidades reais, ou seja, eles sentem que precisam estar preparados para uma nova geração de aprendizes. O professor deve ser estimulado e, ao mesmo tempo, cobrado para que haja uma articulação mais efetiva nesse processo de condições de trabalho e formação contínua. Deve-se levar em consideração que muitos dos aspectos apontados como desejáveis foram explorados pelo Programa: novas metodologias, novas tecnologias, mudanças curricular, protagonismo do adolescente etc. Todos esses temas foram explorados juntamente com as novas demandas colocadas para a escola média diante do novo contexto socioeconômico. Na verdade os temas pedidos são temas que compõem as atuais diretrizes das políticas públicas voltadas para esse nível de ensino, tanto no que diz a respeito às relações entre educação e trabalho quanto aos princípios para a organização do currículo. 76 3.5 As responsabilidades pela formação do professor A formação continuada dos professores tem sido objeto de diversos estudos e pesquisas, diante da sua grande importância para a qualidade do processo educativo. Necessitamos de professores capazes de atuar e de recriar ambientes de aprendizagens, de docentes reflexivos que buscam novas compreensões e novas possibilidades para o processo de melhoria do ensino. Um dos temas frequentes quando se discute formação de professores é saber de quem é a responsabilidade por essa formação se das organizações ou sistemas de ensino ou do próprio professor. Discutindo sobre a necessidade cada vez mais premente dos educadores ampliarem seus conhecimentos sobre o próprio campo de atuação (Silva 1999) assinala a importância de que “o docente perceba a necessidade dessa formação e tenha a oportunidade de realizá-la”. Desta fala pode-se entender que a responsabilidade pela formação do professor é uma responsabilidade compartilhada entre os dirigentes das organizações e dos sistemas de ensino e os professores. O Programa Ensino Médio em Rede pode ser considerado um esforço dos dirigentes do sistema no sentido de oportunizar essa formação para os agentes educacionais que atuam no Ensino Médio. Da mesma maneira a adesão dos profissionais ao programa pode ser entendida como uma percepção desta necessidade. Outras leituras, entretanto, podem ser feitas tanto de uma situação como da outra. Contudo, não as farei neste momento para manter-me focada no objeto inicial. O Programa Ensino Médio Rede acontece dentro de um cenário no qual a formação continuada para os professores do Estado vinha sendo valorizada, nesta perspectiva trata-se de um curso de capacitação entre outros promovidos pela secretaria anteriormente. As falas dos professores também caminham no sentido de considerar a responsabilidade pela formação uma responsabilidade compartilhada. A professora Eliana ao referir à responsabilidade da unidade escolar sobre a formação se manifesta da seguinte forma: Eliana: A atualização tem que ser contínua, você não pode ficar preso à [...]. E a escola, a secretária da educação e tudo mais devem mostrar novas tecnologias, novos temas, apresentar e discutir esses temas; é um espaço 77 privilegiado para formação. A escola tem essa responsabilidade, não dá pra ficar preso no tempo e no espaço. Contudo a mesma professora não deixa de reconhecer a responsabilidade do professor pela própria formação como é possível observar na fala seguinte: Eliana: Ele não tá isento disso. Ele não tá isento. Ele não pode terminar a faculdade e falar: “terminei”. Ele não pode ficar lá, pegar o caderno amarelo dele, que já está amarelo de tanto folhear, e não correr atrás. Com certeza ele tem que buscar atualização sempre, seja na sua área ou na educação como um todo. E um dos meios mais fáceis de fazer isso é ler; tem que ter uma leitura constante, tem que ter uma leitura atualizada, uma leitura de mundo pra poder... Também cabe ressaltar que os nossos salários às vezes privam a formação. Eu posso citar o meu caso, a minha nova graduação só foi possível com a bolsa integral da faculdade, se tivesse que sair do meu salário eu não teria condições. É um fator que tem que ser destacado. Realmente a escola tem a sua responsabilidade com a formação do professor, mas não podemos esquecer que, para que a formação aconteça, há uma outra parte envolvida - no caso, os professores. Essa formação, portanto, deve ser integrada ao trabalho pedagógico que o professor desenvolve. É por meio do trabalho coletivo, do encontro com os vários profissionais envolvidos na ação educativa, cada qual com a sua contribuição, que as atividades de sala de aula serão devidamente planejadas e avaliadas, melhorando assim o processo de ensino-aprendizagem. É no espaço escolar, portanto, que o trabalho coletivo deve ser fortalecido com trocas de experiências, informações e reflexões constantes. O professor Marcos, em sua manifestação, considera que a formação não é apenas uma responsabilidade do sistema, mas também aponta o fato de ser ele o principal interessado por essa formação, pois, ela poderá garantir a melhoria da qualidade do ensino. Marcos: O sistema, ele é responsável. Se ele quer uma melhora, ele tem que fazer por onde. Como ele vai melhorar o corpo docente se ele não dá as condições que ele teria que dar: tempo, material, o custo? Não que esses cursos sejam gratuitos... Assim, que ele oferecesse alguns que fossem gratuitos e alguns que você pudesse escolher e que você pagasse metade; ele arcasse com metade e você com a outra metade... É. E aí quem tivesse interesse, ia. E dentro das áreas específicas de cada professor. O mesmo professor ao referir-se à responsabilidade dos professores afirma que ele tem que buscar a formação, sobretudo em função das mudanças frequentes pelas quais o conhecimento vem passando. 78 Marcos: Ele tem que buscar, ele não pode ficar parado, principalmente na minha área que é Biologia, todo dia muda. O que era ontem, já não é mais hoje. O que é hoje, daqui meia hora já mudou de novo. Então a pessoa tem que estar se atualizando, principalmente na área de biológicas. Não que nas outras áreas, não tem. Tem, só que a mudança, vamos supor, no português, uma mudança demora muito. Como a mudança ortográfica, quanto tempo demorou? Não vai ocorrer outra mudança tão cedo. Agora, na Biologia, muda hoje, amanhã já tem outra coisa. Se descobre uma outra espécie hoje, já vem uma nova coisa. Os professores foram unânimes em considerar que o mundo atual exige um professor simultaneamente articulado às transformações ao redor do mundo e à sua disciplina. E é sobre esse processo de formação que o Programa26 tinha como objetivo alcançar para assim dar mais sustentação à formação dos professores de Ensino Médio e viabilizar mudanças nas práticas educacionais. Neste sentido o Programa previa ações que envolvem gestores das equipes escolares, sobretudo os professores coordenadores (PC), e também os assistentes técnico-pedagógicos (ATP) das oficinas pedagógicas. 3.6 O Programa Ensino Médio em Rede e as mudanças Um dos objetivos proclamados pelo programa era a promoção de mudanças curriculares e na prática pedagógica dos professores, conforme pode ser lido em seu regimento: “fortalecer as equipes escolares de maneira a dar suporte a mudanças na prática pedagógica, promovendo a articulação e a integração, no cotidiano, dos aspectos ligados à gestão educacional e à gestão didáticopedagógica”. Com relação a essas mudanças os professores apresentam visões diferentes. A professora Muriel diz que o programa a auxiliou, pois, trouxe novas formas de trabalhar o currículo, mostrou formas diferenciadas de se trabalhar com os conteúdos, possibilitando inclusive a concretização de uma aprendizagem significativa na medida em que permitia acrescentar alguma coisa a vida dos alunos, como podemos ver no trecho seguinte: Programa de formação Continuada para Agentes Educacionais do Ensino Médio. São Paulo, 2004. Secretaria de Estado da Educação de São Paulo – Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Vivência Formativa, Tema 1, p. 17. 26 79 Muriel: Acho que na minha prática, é assim, não trabalhar o texto como somente um texto informativo, né? E sim, as suas abordagens, explorar tudo que ele pode oferecer, e estar acrescentando alguma coisa na vida desses alunos. O professor Marcos não concorda com essa ideia. Para ele a proposta se mostrou fora da realidade dos alunos, pois, as competências leitoras e escritora destes apresentam grande defasagem. Marcos: No currículo nada... No currículo não mudou nada... Porque ele mostrou uma proposta que não é a realidade dos nossos alunos, então não adiantava mudar. Porque os nossos alunos fazem o quê? Copiam. Eles querem matéria na lousa. Se você tentar dar alguma coisa diferente disso eles acham que é baderna, não só aqui, na particular também. O negócio deles é copiar, copiar. O enfoque dado à leitura e à produção de textos demonstra que os professores, de uma certa forma, alcançaram alguns dos objetivos do Programa, desenvolvendo uma metodologia de trabalho nessa frente nas diferentes áreas curriculares, a partir de referências teóricas, tendo em vista mudanças nas práticas pedagógica. Afinal, conforme as orientações do Programa27: No entanto, todas as disciplinas, de diferentes formas, requerem leitura e produção de textos, o que justifica a co-responsabilidade nesse trabalho. Além disso, as especificidades de cada disciplina implicam a utilização de gêneros de textos diversos que supõem o desenvolvimento de competências distintas. Assim, como a forma desses gêneros textuais não está desvinculada dos conteúdos específicos, cada área curricular tem muito a contribuir para o desenvolvimento de seus alunos como leitores autônomos e críticos. 3.7 Os professores e o Programa Embora o programa tivesse entre os seus objetivos trabalhar com questões relacionadas à realidade concreta de cada escola é interessante perceber que a professora Eliana perguntada sobre o que mudariam no curso, afirmam que 27 Programa de formação Continuada para Agentes Educacionais do Ensino Médio. São Paulo, 2004. Secretaria de Estado da Educação de São Paulo – Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Vivência Educadora, Tema 1, p. 19. 80 trabalhariam a partir do real. Aqui é possível perceber uma divergência clara entre aquilo que era proclamado nos documentos e discursos e o que os professores de fato vivenciavam no chão da escola. Eliana: Trabalhar a partir do real. Por exemplo, eu acredito que falta muito, você trabalha, você cita a metodologia, mas você não dá exemplos de como pôr na prática isso, essa metodologia. Você pegar um conteúdo e mostrar: “Olha esse é um caminho possível, não é o único, mas é um caminho possível”. Vamos trabalhar a integração de conteúdo entre as áreas de humanas, de português, mas você dá o exemplo, pra poder o professor ter uma base. Seria interessante ter uma situação, uma vivência de como trabalhar. A professora Tina considera que deveria ser mudada a parte dos HTPC deixando mais tempo livre para os professores irem à busca das atualizações necessárias. Tina: Só a parte de HTPC que eu acho que impede muito a gente de fazer muita coisa... Não, diminuir. Diminuir. Deixar um tempo mais livre pra que a gente possa ir à busca dessas atualizações. Percebemos nas falas que os professores, em sua maioria, proclamam-se desejosos de atualização, com vistas a melhorarem sua atuação docente. São professores à espera de novas técnicas, na expectativa de encontrar recursos para enfrentarem as novas demandas da escola atual, em busca de espaço em uma sociedade mais competitiva. 3.8 O Professor Coordenador e o trabalho docente O Coordenador Pedagógico vem sendo considerado um profissional importante nos processos formativos que vem se desenvolvendo nas unidades e nos sistemas escolares. No programa estudado não foi diferente: o Professor Coordenador era visto como o principal responsável pela articulação dos processos formativos desencadeados na unidade, onde assumia o papel de mediador nas interações grupais. Neste sentido, tratou-se de um profissional cuja presença junto aos professores precisava ser constante para assim poder desenvolver ações de apoio e incentivo ao grupo. Assim, uma de suas atribuições importantes era cuidar 81 para que o grupo permanecesse em seu foco principal de trabalho. As falas dos professores entrevistados evidenciam a importância do professor coordenador para o desenvolvimento do trabalho escolar, na medida em que ele pode constituir-se em apoio importante a esse processo, como vemos na fala da professora Eliana: Eliana: Acredito que o papel dele é fundamental, porque ele integra as diversas áreas. Ele é o apoio tão necessário, fundamental para funcionar o nosso trabalho, pra poder fazer um trabalho em equipe. Como foi dito a fala acima destaca a importância do Professor Coordenador e indica o sentido desta importância, isto é, como apoio ao trabalho do professor. Vai também nesta direção a fala da professora Tina apresentada a seguir: Tina: Bom, é muito importante porque quando você recebe ajuda do Professor Coordenador você consegue caminhar com os projetos, com um suporte necessário. Além de destacar a importância do Professor coordenador enquanto ajuda nas ações cotidianas, a professora Tina também salienta a sua importância enquanto um profissional que pode incentivar o desenvolvimento de projetos. As falas seguintes também destacam a importância do Professor Coordenador. Na primeira, da professora Muriel, destaca-se o caráter diretivo que ela atribui a esta função já na segunda, da professora Carol, vale destacar a sua função enquanto profissional que orienta a aprendizagem. Muriel: Fundamental, pois é ele que orienta, direciona, forma, cobra e faz acontecer, norteia todo o trabalho do grupo. Carol: Com certeza a sua contribuição é fundamental e intensa, são eles que nos orientam parta um curso melhor, uma aprendizagem com valor progressivo. A fala do professor Marcos merece destaque especial na medida em que, embora, reconheça como os demais educadores, a importância do Professor Coordenador, possibilita fazer outras inferências sobre a atuação deste profissional no cotidiano da escola, mostrando que o trabalho do Professor Coordenador é muitas vezes sacrificado em função do atendimento de emergências. É o que se pode entender quando o professor fala que o Professor Coordenador auxilia “quando não tem que dar aula e atender os pais ao mesmo tempo...” . 82 Marcos: Auxilia. Fornece... Quando tem que dar aula e atender os pais ao mesmo tempo, quando não tem que atender 500 pais ao mesmo tempo. Passa informação com relação à formação, ao andamento, ao andamento da unidade e mesmo na parte pedagógica, que às vezes nós não aceitamos... Que não é culpa de vocês, aquilo que vem de cima. O peste reprovou em 4, 3 matérias, e ele passa mesmo a gente sendo contra... Tem essa parte de legislação... Informando que nem tudo é do jeito que a gente gostaria que fosse... Saber que a norma existe e se a gente não fizer daquele jeito, a coisa vai acontecer daquele jeito, mesmo que a gente seja contra. A fala nos permite fazer outras inferências como, por exemplo, que o professor coordenador gasta parte de seu tempo transmitindo recados. Neste sentido vale destacar a expressão “... e mesmo da parte pedagógica...” aqui fica a impressão de que mesmo com relação às questões pedagógicas este profissional transmite informações que vem de fora tanto que o professor completa a frase dizendo “que às vezes não aceitamos...” Em seguida, o professor parece se desculpar com a pesquisadora que exerceu a função de Professor Coordenador “Que não é culpa de vocês, aquilo que vem de cima”. A fala permite ainda a pergunta: em que medida a estrutura escolar cria dificuldades para o trabalho do Professor Coordenador? Ao Professor Coordenador é atribuída a responsabilidade pela interação do grupo que se dá com a sua mediação. Nesta perspectiva seria ele o condutor do trabalho coletivo, buscando um clima de confiança capaz de tornar a convivência produtiva. Assim sua presença seria indispensável, podendo trazer subsídios teóricos necessários para as discussões cotidianas e promovendo a avaliação e o re-planejamento do trabalho com o grupo. O trabalho do Coordenador requer habilidades para lidar com grupo, na medida em que tem a responsabilidade de orientar o trabalho coletivo. Assim será possível encontrar soluções para os problemas mesmo em situações adversas como as que frequentemente surgem na escola. Os processos formativos desenvolvidos a partir da reflexão sobre a própria prática dos professores no espaço coletivo traz grandes discussões sobre problemas encontrados na sala de aula no dia a dia. As trocas de experiências e de informação enriquecem cada participante na medida em que os acertos e erros se tornam instrumentos de formação. Pelos relatos os professores reconstroem-se o seu saber- 83 fazer com a ajuda dos colegas, tornando-se assim seus próprios formadores. O Professor Coordenador deve acompanhar esse processo diariamente para apoiar as ações pedagógicas necessárias para o processo ensino-aprendizagem e assegurar uma formação continuada aos professores. Para isso ele não pode ser retirado do trabalho pedagógico para atender às emergências cotidianas. 84 Considerações Finais Uma das finalidades essenciais da formação de professores, quer inicial, quer contínua, é desenvolver neles as qualidades de ordem ética, intelectual e afetiva que a sociedade espera deles de modo a poderem em seguida cultivar nos seus alunos o mesmo leque de qualidades. (DELORS,1999) O objetivo desta pesquisa foi compreender a proposta de formação continuada do Programa Ensino Médio em Rede, oferecida aos professores da rede pública estadual, nos espaços coletivos da unidade escolar, e verificar em que medida essa proposta de formação continuada contou com a adesão efetiva dos professores, quais as dificuldades e facilidades vivenciadas por estes sujeitos neste processo de formação. Procurei adotar no desenvolvimento da pesquisa uma abordagem qualitativa e escolhi como instrumento de coleta de dados a análise documental, realizada com uma revisão da literatura através de livros, teses, dissertações e artigos. Na coleta de dados recorri, também, a minha experiência como formadora de professores na unidade escolar e a entrevista estruturada, com alguns destes professores que estiveram envolvidos com o Programa Ensino Médio em Rede. Foi possível perceber que, durante todo o processo de formação, os entrevistados buscavam para as suas práticas pedagógicas soluções para os problemas que se instalaram em sala de aula entre o processo de ensino e a aprendizagem, difíceis de concretizarem de acordo com a realidade atual da escola do Ensino Médio. Contudo, o Programa possibilitou algumas reflexões sobre o desenvolvimento do trabalho interdisciplinar, a responsabilidade da equipe docente em agir coletivamente e o papel do jovem como protagonista em seu processo de aprendizagem. 85 Nesse sentido, houve uma contribuição do Programa para que mudanças começassem a ocorrer no interior da escola, conforme a fala de alguns professores entrevistados. O Programa fez com que o professor refletisse sobre sua própria prática, mas não ofereceu ajuda necessária para a organização e desenvolvimento do trabalho desses profissionais em sala de aula. A pesquisa revela que devido o Programa ter se pautado em questões ideais, trouxe pouca contribuição para a escola no sentido de desenvolver atividades relacionadas com o dia a dia do jovem da escola média, fazendo com que os professores não conseguissem elaborarem atividades necessárias para realização de intervenção na realidade por meio de projetos interdisciplinares. A pesquisa permitiu ainda perceber que o Programa Ensino Médio em Rede não respondeu aos problemas enfrentados pelos professores em seu cotidiano escolar: houve muitos acertos, porém muitos equívocos também no processo de formação proposto. É possível afirmar que o Programa foi um avanço na medida em que se constituiu em um espaço de troca de experiências no coletivo da escola. A pesquisa permite afirmar que houve equívocos e acertos no desenvolvimento do programa. Entre os equívocos do Programa destaco a centralização e a falta de espaço para discussão mais aprofundada das questões trazidas pelos professores, diante de tantos afazeres no cotidiano da escola e do tempo inadequado para as discussões nos HTPC. Porém, como se sabe, o fator “tempo” é um dos principais entraves para a maioria dos professores no que diz respeito ao acúmulo de cargos. Devido aos baixos salários, muitos professores lecionam em mais de uma escola, enfrentando dessa forma carga horária de trabalho excessiva. Para um melhor aproveitamento do Programa era necessário uma ampliação da jornada de trabalho do professor. Uma jornada voltada para a formação, para que ele pudesse preparar as atividades a serem desenvolvidas bem como elaborar pesquisas relacionadas aos temas propostos. O Programa em seu processo de aceitação pelos professores foi exitoso diante do número de professores inscritos. Fato este explicável por sua praticidade 86 no que se refere ao professor não precisar sair de seu espaço de trabalho e ser durante um horário, mesmo que insuficiente, mas disponível para a formação. Podemos levar, também, em consideração a certificação que o Programa oferecia para aqueles que participassem. No que se refere ao Programa, que objetivou contribuir para mudança na prática pedagógica da escola e reforçar a autonomia escolar, as metas estão muito longe de serem alcançadas. As ações educativas não atendem aos anseios dos profissionais da educação, esquece-se que o professor é o principal pivô para uma educação de qualidade. Não adianta traçar metas, investir em equipamentos, em material didático, se o principal mediador não estiver inserido ou preparado para toda essa mudança. Há que se pensar primeiro no “ser” professor, traçar seu perfil, o seu campo de trabalho, tanto nas condições ambientais como humanas para depois traçar mudanças. Espera-se muito desse profissional e investe-se tão pouco na sua profissionalização. O Programa não preparou, com antecedência, os atores envolvidos para participarem ativamente da formação, os professores não foram ouvidos para que suas necessidades fossem consideradas. O fazer do professor não se limita somente ao currículo de sua disciplina ou desenvolver técnicas elaboradas por outrem que desconheça a realidade de uma sala de aula, conforme cita Santos (2004, p.8): [...] a formação continuada não pode ser concebida como um meio de acumulação de conhecimento e técnicas, mas como um trabalho de reflexão crítica sobre as práticas pedagógicas e de reconstrução permanente de uma identidade pessoal e profissional dos professores em que eles devem ser reconhecidos em seus processos de construção de autonomia profissional. Apesar dos inúmeros obstáculos que esses professores enfrentam no cotidiano, pude perceber que o Programa os incentivou a estudarem, a irem em busca de novas realizações e a desenvolverem novos métodos para aplicarem os conteúdos em sala de aula. Percebi que houve um espaço para a reflexão destes profissionais por meio de sua própria ação em repensar o seu papel na atual escola. Assim, foi possível detectar que o Programa Ensino Médio em Rede contribuiu em parte para melhorar a formação dos professores tanto pelas discussões que proporcionou na rede no período abarcado por esta pesquisa, quanto pelo 87 movimento que desencadeou nos participantes que, mesmo estando fora do Programa, incentivou a reflexão sobre a própria prática à luz das teorias existentes como um instrumento importante para a própria formação. Foi nessa perspectiva de nos tornarmos formadores de nós mesmos que as atividades de formação foram consideradas como “em serviço”, ou seja, elaboradas para encontrar, não sem conflitos, seu espaço de pertencimento no cotidiano de cada equipe escolar. O ideal é que elas se tornem permanentes e se incorporem como uma das dimensões de nosso fazer educativo. Ao reafirmar o espaço escolar como lugar de formação, estou enfatizando a importância de que a equipe docente assuma o trabalho coletivo como intenção; isso significa um trabalho de reflexão contínua e sistemática sobre quais são as escolhas da equipe escolar em relação a seus fazeres e pensares e como elas são feitas. Neste sentido a pesquisa revela que os professores desejam e falam da importância de uma formação continuada. O professor se declara sempre disposto a novos processos de formação na expectativa de conseguir desempenhar sua função com eficiência e tranquilidade. É nesta esperança que ele afirma buscar o novo – aperfeiçoar seu desenvolvimento profissional. Mas, na realidade, o professor não encontra espaço e tempo para que ela se desenvolva de uma forma integral, fato este justificado pelos baixos salários que o leva a acúmulos de cargos não sobrando tempo para estudos, reflexões e buscas. As falas permitem entender que a formação continuada do professor não se restringe somente a um espaço de formação, ela precisa ser constante e desenrolar-se em toda em suas atividades diárias. É impossível pensar num professor que trabalha em média sessenta horas semanal com diversas turmas e modalidades e consiga realmente desempenhar com eficiência as diversas atividades que a sua profissão exige. Há que se refletir constantemente acerca da formação deste profissional e dos projetos e programas desenvolvidos nas escolas que os envolve diretamente. Fornecer e ampará-lo com proposta viáveis tais como: salário condizente, ambientes adequados de trabalho, consultas em suas necessidades para a elaboração de propostas definidas pelos profissionais desta escola, liberdade de expressão e continuidade dos projetos ali desenvolvidos, avaliações contínuas. Existe a necessidade, ainda, de se realizar análise das ações de formação continuada 88 implementadas para verificar se estas estão de acordo com as necessidades e produzindo os impactos esperados. Uma capacitação se fundamenta pela ampliação da competência pedagógica no transcurso do professor com suas experiências e vivências. É necessário articular o trabalho individual e o coletivo dentro da escola a partir de projetos desenvolvidos pela própria escola, com seus problemas reais, problemas esses identificados pelos professores em suas discussões coletivas. A escola deve refletir de forma constante sobre a ação educativa de seus profissionais para que de fato ela assegure um processo de formação continuada. Isso pode ocorrer por meio de reuniões coletivas constantes. Articulando teoria e prática, o professor amplia sua competência pedagógica e sua consciência social e política. Desta forma, como diz Novoa (2001) a escola não é somente um lugar onde o professor ensina, mas também um lugar em que ele aprende. É por meio das ações de reflexões partilhadas com os colegas que surgem atualização e novas práticas de ensino. 89 Referências bibliográficas ALMEIDA, F. J. O futuro do uso da tecnologia educacional no Brasil. Revista de Educação e Informática – Acesso, n. 16, out. 2002, p. 53-59. ARANHA, M.L.A. Filosofia da Educação. 2.ed. São Paulo: Moderna, 1998. AZANHA, J.M.P. Planos e políticas de Educação no Brasil: alguns pontos para reflexão. In: VÁRIOS. Educação Básica: políticas, legislação e gestão. Leituras. ed. rev. e ampl. do livro Estrutura e funcionamento da Educação Básica. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004. p. 68-86. CENP. Secretaria da Educação de São Paulo. O currículo na Escola Média: desafios e perspectivas. Brasília, 2004. DELORS, J. (Coord.) Educação: Um Tesouro a Descobrir. 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Secretaria de Estado da Educação de São Paulo – Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. 94 ANEXOS 95 Anexo 1 Roteiro de entrevista dos professores que participaram do Programa Ensino Médio em Rede 1) Nome (opcional). 2) Formação Acadêmica. 3) Disciplina que ministra. 4) Tempo no magistério. 5) Situação funcional. 6) Em qual etapa do Programa você participou? 7) Qual contribuição o Ensino Médio em Rede em termos de aplicação de novas metodologias em sala de aula? 8) Em relação ao material utilizado no curso Ensino Médio em Rede qual a sua avaliação? 9) Que aspectos lhe motivaram a participar do curso? 10) Qual a sua opinião em relação ao uso do espaço escolar para a formação continuada do professor? 96 11) Quais as facilidades e dificuldades encontradas no decorrer do curso? 12) Você acha que a proposta do Ensino Médio em Rede se desenvolveu em torno de “problemas pedagógicos reais? 13) Quais as responsabilidades da escola com a formação do professor? 14) Quais as responsabilidades do professor com sua própria formação? 15) Qual o tipo de formação que você acha necessária para o professor? 16) Que espaço a escola possui necessário para a formação do professor? 17) Em que medida o Programa Ensino Médio em Rede colaborou para uma mudança em sua prática pedagógica e no currículo? 18) Se houvesse um novo curso nos moldes do Ensino Médio em Rede em sua escola você participaria? 19) Se você pudesse alterar algum procedimento no curso o que você alteraria? 20) Qual a contribuição do Professor Coordenador no trabalho docente? 97 Anexo 2 Entrevista com Tina Pesquisadora: Qual seu nome? Tina: Tina. Pesquisadora: Tina, qual sua formação acadêmica? Tina: Educação Artística. Pesquisadora: Disciplina que você ministra? Tina: Artes. Pesquisadora: Quanto tempo você tem de magistério? Tina: Dez anos. Pesquisadora: Dez anos de magistério público? Tina: Isso. Pesquisadora: Qual sua situação funcional? Você é ACT, efetiva... Tina: Efetiva. Pesquisadora: Efetiva. Em qual etapa do Ensino Médio em Rede você participou? Tina: Participei logo no início, quando começou o programa em 2004. Pesquisadora: Certo. Então você fez as duas etapas? Tina: Não, uma só. Pesquisadora: Porque você ... Tina: Porque eu estava como coordenadora. E depois eu já estava na sala de aula, então eu não pude fazer mais. Pesquisadora: Porque não tinha feito o 2004, era isso? Tina: Fiz o 2004 quando eu era coordenadora. Pesquisadora: Então você fez como formadora. Aí 2005, 2006 você já era professora não deu pra fazer. Tina: Não. Pesquisadora: Quais as contribuições do Ensino Médio em Rede, em termos de aplicação de novas metodologias em sala de aula? No que contribuiu? Porque o Ensino Médio em Rede visava a modificar o seu processo de sala de aula. Teve alguma contribuição? Em que medida teve essa contribuição? Tina: Bom, pra mim teve uma grande contribuição porque eu sempre gostei de trabalhar a interdisciplinaridade e antigamente não, era aquela coisa compartimentada. Então, pra mim foi assim muito bom. Pesquisadora: Em relação ao material utilizado no curso Ensino Médio em Rede, qual sua avaliação? 98 Tina: Pra mim de alto nível, foi muito bom o material. Pesquisadora: Que aspectos te motivavam a participar do curso? Tina: Bom, eu sou uma pessoa motivada a participar de várias coisas, então pra mim não precisa muita motivação, basta ser um curso, eu gosto de estar participando. Pesquisadora: Qual sua opinião sobre o uso do espaço escolar pra formação continuada do professor? Tina: Bom, o espaço ele é necessário, ele tem que ser atrativo. Bom, o espaço ele deve ser atrativo, só que na escola não tem esse espaço que contribua para a formação do professor; não tem. Pesquisadora: Mas deveria ter? Tina: Deveria. Porque a gente faz cursos com equipamentos tecnológicos muito bons, só que quando vai na prática na escola não tem esse material todo, e dificulta. Pesquisadora: São os ócios do ofício, né? Tina: A gente acaba trabalhando num ambiente insalubre que não tem nem o básico. Pesquisadora: Quais as dificuldades e facilidades encontradas no decorrer do curso? Tina: Bom, no começo a ferramenta não funcionava direito. Pesquisadora: A ferramenta da web? Tina: Da web. Não funcionava. Então, essa foi a dificuldade de todos os professores na época, que já era também uma coisa inovadora para os professores: trabalhar com fóruns, postar opiniões. Pesquisadora: E facilidades? Tina: Bom, como não funcionava direito a gente começou a encontrar dificuldade naquela época, depois a gente foi tendo cursos e com os cursos melhorou. Pesquisadora: Vai aprendendo a trabalhar, né? Tina: Vai aprendendo a trabalhar. Pesquisadora: Você acha que a proposta do Ensino Médio em Rede se desenvolveu em torno dos problemas pedagógicos reais? Tina: Cada escola tem uma realidade, não adianta eu querer trabalhar que não seja condizente com a realidade daquela escola. Pesquisadora: E o Ensino Médio em Rede tinha propostas que dava para adaptar para a realidade? Tina: Dava. Umas coisas até dava para adaptar. Pesquisadora: Quais as responsabilidades da escola com a formação do professor? Você acha que a escola é responsável por essa formação? Tina: Eu acho que é, porque ela tem que dar subsídios para que a gente possa ter uma formação melhor. Pesquisadora: Suporte, né? 99 Tina: Suporte. Pesquisadora: E quais as responsabilidades do professor com a sua própria formação? Tina: Bom, aí é uma questão de boa vontade mesmo, de querer melhorar o seu repertório, a sua formação. Pesquisadora: Qual o tipo de formação que você acha necessário para o professor? Tina: Bom, tem que ter curso de capacitação todo ano, tem que inovar, tem que... ele tem que buscar e o governo tem que oferecer essa facilidade. Pesquisadora: E o professor querer também, né? Tina: E o professor querer. Pesquisadora: Que espaço a escola possui necessário para a formação do professor? Tina: Eu não vejo muito espaço para formação do professor. Eu não encontro. Pesquisadora: Tipo os horários de HTPC... Em que medida o Programa Ensino Médio em Rede colaborou para a mudança de sua prática pedagógica e no currículo? No trabalhar os conteúdos, ele colaborou, ele te ajudou, ele te deu alguma luz nesse sentido? Tina: Colabora, sempre colabora. É como eu falei pra você, depende da boa vontade de você buscar essa resposta, mas colabora sim, bastante. Pesquisadora: Se houvesse um novo curso nos moldes do Ensino Médio em Rede na escola você participaria? Tina: Com certeza; eu participaria sim. Pesquisadora: Se você pudesse alterar algum procedimento do curso, o que você alteraria? Tina: Só a parte de HTPC que eu acho que impede muito a gente de fazer muita coisa. Pesquisadora: Você fala aumentar o horário, diminuir? Tina: Não, diminuir. Diminuir. Deixar um tempo mais livre pra que a gente possa ir à busca dessas atualizações. Pesquisadora: E qual a contribuição do Professor Coordenador no trabalho docente? O papel do Professor Coordenador? Tina: Bom, é muito importante porque quando você recebe ajuda do Professor Coordenador você consegue caminhar com os projetos, com um suporte necessário. Pesquisadora: Ok. 100 Anexo 3 Entrevista com Eliana Pesquisadora: O seu nome é Eliana. Qual sua formação acadêmica? Eliana: Licenciatura em História, cursando Filosofia. Pesquisadora: Quais disciplinas que você ministra? Eliana: História. Pesquisadora: Quanto tempo você tem de magistério? Eliana: Dez anos. Pesquisadora: Sua situação profissional: você é efetiva, ACT? Eliana: Efetiva. Pesquisadora: Há dez anos você é efetiva? Eliana: Sim. Pesquisadora: Em qual etapa do programa você participou: 2004, 2005? Eliana: De 2004 a 2006. Pesquisadora: As duas etapas? Eliana: Isso. Pesquisadora: Qual a contribuição em termos de aplicação de novas metodologias em sala de aula? No que esse programa contribuiu pra você? Se é que contribuiu também. Eliana: Acredito que a maior contribuição foi discutir a integração do currículo e das disciplinas, que era a proposta do programa, possibilitando uma visão mais ampla do processo de ensino/aprendizagem. Destaca-se também, eu acredito, a orientação sobre artigos de opinião que visam aprimorar o senso crítico dos alunos. Pesquisadora: Em relação ao material utilizado no curso Ensino Médio em Rede qual a sua avaliação? Que avaliação você faz desse curso? Eliana: Olha, o material era bom, um material bastante interessante, porém, cabe ressaltar que a falta de estrutura da escola na época, como por exemplo, não ter datashow, uma sala de informática que funcionasse permanentemente dificultou a exploração do material. Então, a falta de estrutura fez com a gente perdesse na qualidade do material. Pesquisadora: Que aspectos ti motivaram a participar do curso? Eliana: Atualização profissional. Pesquisadora: Qual a sua opinião em relação ao uso do espaço escolar para a formação continuada do professor? Eliana: A escola mesmo, eu acho que é um local ideal, principalmente nos horários de HTPC. Porque a nossa carga horária é muito grande, é difícil o nosso deslocamento para 101 outros polos de atuação. E a escola, ela possibilita a gente também usar a realidade e o ambiente que nós vivenciamos. Então você pode ter o conteúdo, o aprendizado, só que você pode relacionar com a sua realidade. E a escola é o lugar ideal pra isso. Pesquisadora: Quais as facilidades e dificuldades encontradas no curso? Eliana: Bom, facilidades: eu acho que a localização da gente estar no ambiente escolar com os nossos pares, possibilidade de discutir a realidade que nós vivenciamos, discutir com os nossos colegas. A dificuldade é a falta de estrutura para poder desenvolver a atividades, uma sala própria para desenvolver a capacitação, os horários de HTPC. Ou seja, falta essa estrutura. Uma sala com datashow, computador. Pesquisadora: Você acha que a proposta do Ensino Médio em Rede se desenvolveu em torno de questões pedagógicas reais? Eliana: Em parte. O problema é que sempre se parte do ideal, tentando aplicar o ideal no real, e não se parte do real para o ideal, não se leva em conta, por exemplo, a nossa experiência em sala de aula. Então, vem de cima para baixo, enfiado goela abaixo o material, sem levar em conta, por exemplo, a realidade da gente. Um dos exemplos que eu gosto de usar bastante é que existe tanto uma fala de ensino globalizado, que integre todas as matérias, só que se faz, por exemplo, uma grande ênfase em português e matemática. Não se dá, por exemplo, nenhuma atenção a área de humanas. Então, você tem lá, prega uma integração dos currículos, mas não tem uma integração maior em outras áreas. Então você pede formação global, mas prioriza apenas algumas habilidades. Pesquisadora: Quais as responsabilidades da escola com a formação do professor? Eliana: A atualização tem que ser contínua, você não pode ficar preso à (...). E a escola, a secretária da educação e tudo mais devem mostrar novas tecnologias, novos temas, apresentar e discutir esses temas; é um espaço privilegiado para formação. A escola tem essa responsabilidade, não dá pra ficar preso no tempo e no espaço. Pesquisadora: E quais as responsabilidades do próprio professor com a sua formação? Eliana: Ele não tá isento disso. Ele não tá isento. Ele não pode terminar a faculdade e falar: “terminei”. Ele não pode ficar lá, pegar o caderno amarelo dele, que já está amarelo de tanto folhear, e não correr atrás. Com certeza ele tem que buscar atualização sempre, seja na sua área ou na educação como um todo. E um dos meios mais fáceis de fazer isso é ler; tem que ter uma leitura constante, tem que ter uma leitura atualizada, uma leitura de mundo pra poder... Também cabe ressaltar que os nossos salários ás vezes privam a formação. Eu posso citar o meu caso, a minha nova graduação só foi possível com a bolsa integral da faculdade, se tivesse que sair do meu salário eu não teria condições. É um fator que tem que ser destacado. Pesquisadora: Qual o tipo de formação que você acha necessária para o professor? 102 Eliana: Apresentação de novas metodologias, que podem acontecer no HTPC, espaço pra gente poder participar de eventos, congressos, seminários, cursos. Porque nós temos que poder nos deslocar, às vezes o curso é longe, numa instituição, a gente tem que ter essa possibilidade de ir. Tem que ser estimulado a participar, a buscar esse tipo de formação. Pesquisadora: Que espaço a escola possui necessário à formação do professor? Eliana: A escola tem que ter uma sala pra isso, tem que ter uma sala equipada, com tecnologia pra que se desenvolva aí a possibilidade de ter acesso a computadores, datashow, DVD. Uma biblioteca, uma coleção de livros pra professores, com livre acesso, que ele possa pegar e ler, jornais, revistas atualizadas. É necessário tudo isso. Pesquisadora: Em que medida o programa Ensino Médio em Rede colaborou para uma mudança em sua prática pedagógica e no currículo? Eliana: Acredito que principalmente na produção de artigo de opinião, eu achei interessante. Pesquisadora: Por que antes você não trabalhava com artigo de opinião? Passou a trabalhar depois do Programa Ensino Médio em Rede? Eliana: Eu já trabalhava, eu sempre gostei de trabalhar com produção de texto. Eu acho que facilitou foram as abordagens para trabalhar com artigo de opinião. Pesquisadora: A estrutura? Eliana: É, a estrutura, um novo caminho para você tornar mais eficaz a produção dos artigos de opinião. Pesquisadora: Se houvesse um novo curso nos moldes do Ensino Médio em Rede, com formação local, uma formação on-line, você participaria? Eliana: Sim. Pesquisadora: Se você pudesse alterar algum procedimento no curso, o que você alteraria? Eliana: Trabalhar a partir do real. Por exemplo, eu acredito que falta muito, você trabalha, você cita a metodologia, mas você não dá exemplos de como pôr na prática isso, essa metodologia. Você pegar um conteúdo e mostrar: “Olha esse é um caminho possível, não é o único, mas é um caminho possível”. Vamos trabalhar a integração de conteúdo entre as áreas de humanas, de português, mas você dá o exemplo, pra poder o professor ter uma base. Seria interessante ter uma situação, uma vivência de como trabalhar. Pesquisadora: Qual a contribuição do Professor Coordenador para o trabalho docente? No que o Professor Coordenador pode auxiliar no momento de suas atribuições? Eliana: Acredito que o papel dele é fundamental, porque ele integra as diversas áreas. Ele é o apoio tão necessário, fundamental para funcionar o nosso trabalho, pra poder fazer um trabalho em equipe. 103 Anexo 4 Entrevista com Muriel Pesquisadora: Qual seu nome? Muriel: Muriel. Pesquisadora: Qual sua formação acadêmica? Muriel: Licenciatura plena em Artes Plásticas. Pesquisadora: Que disciplina que você ministra? Muriel: Educação Artística. Pesquisadora: Quanto tempo você tem de magistério? Muriel: Nove anos. Pesquisadora: Esses nove anos são de magistério público ou no geral? Muriel: No geral. Pesquisadora: Qual sua situação funcional? Muriel: Efetiva. Pesquisadora: Em qual etapa do ensino médio em rede você participou? Muriel: Na segunda etapa em 2006. Pesquisadora: 2006. Quais as contribuições do Ensino Médio em Rede, em termos de aplicação de novas metodologias em sala de aula? Muriel: Eu acho que teve uma grande contribuição. A leitura, né, que muitas achavam que não dava para trabalhar a leitura em suas disciplinas e ele veio assim trazer essa prática, né, em diferentes aspectos. Pesquisadora: Em relação ao material utilizado no curso Ensino Médio em Rede, qual sua avaliação? Muriel: Achei um material bom, como eu disse, que veio trabalhar a interdisciplinaridade, a leitura em todas as áreas do currículo. Pesquisadora: Que aspectos te motivaram a participar do curso? Muriel: Ah, por ser uma atividade coletiva, num horário propício, por trazer um tema que eu acho que a gente precisava estar se qualificando que é a leitura na sala de aula. Pesquisadora: Qual sua opinião sobre o uso do espaço escolar pra formação continuada do professor? Muriel: Eu acho importante porque o professor tem que se reciclar todo momento, e usar esse espaço junto com seus pares é muito proveitoso. Pesquisadora: Quais as dificuldades e facilidades encontradas no decorrer do curso? 104 Muriel: Ah, acho porque ele acontece no horário de HTPC, então é uma facilidade. Agora, uma dificuldade é que às vezes nem todos os professores frequentavam o mesmo horário. Então acabava comprometendo algumas atividades Pesquisadora: Você acha que a proposta do Ensino Médio em Rede se desenvolveu em torno dos problemas pedagógicos reais? Tinha a ver com a realidade da escola, do aluno? Muriel: Não muito. Mas eu acho que veio trazer uma mudança, né, porque a questão da adequação dentro da sua sala de aula, a questão da interdisciplinaridade no campo da leitura, escrita e trazendo o aluno a ser protagonista porque tratava de temas atuais, de temas que eles conheciam. Então isso facilitava bastante. Pesquisadora: Quais as responsabilidades da escola com a formação do professor? Muriel: Eu acho que a escola tem um papel fundamental na formação do professor. Porque dentro da escola é que a gente levanta questões que talvez a gente precise se reciclar e a escola tem que propiciar esses subsídios pra vencer as dificuldades do dia a dia do professor. Pesquisadora: E quais as responsabilidades do professor com a sua própria formação? Qual o tipo de formação que você acha necessário para o professor? Muriel: Ele tem uma grande responsabilidade. Ele tem que buscar o mundo é tecnológico, ele tem que buscar as novas tecnologias que faz parte do mundo contemporâneo. Pesquisadora: Qual o tipo de formação você acha necessário para o professor? Muriel: Eu acho que são aquelas que vão te ajudar a enfrentar as dificuldades, né? A formação continuada do dia a dia que vai levar você a trabalhar com os problemas na sala de aula. E o uso das novas tecnologias, eu acho que é um grande problema para os professores. Pesquisadora: Que espaço a escola possui necessário para a formação do professor? Muriel: Somente os horários de HTPC. Pesquisadora: Você acha esse horário suficiente ou não? Muriel: Eu acho que não. Pesquisadora: Em que medida o Programa Ensino Médio em Rede colaborou para uma mudança em sua prática e no seu currículo? Muriel: Acho que na minha prática, é assim, não trabalhar o texto como somente um texto informativo, né? E sim, as suas abordagens, explorar tudo que ele pode oferecer, e estar acrescentando alguma coisa na vida desses alunos. Pesquisadora: Se houvesse um novo curso nos moldes do Ensino Médio em Rede na escola, você participaria? Muriel: Sim. Participaria. Pesquisadora: Se você pudesse alterar algum procedimento do curso o que você alteraria? Muriel: As atividades via internet. 105 Pesquisadora: Qual a contribuição do Professor Coordenador no trabalho docente? Muriel: Fundamental, pois é ele que orienta, direciona, forma, cobra e faz acontecer, norteia todo o trabalho do grupo. 106 Anexo 5 Entrevista com Marcos Pesquisadora: Qual o seu nome? Marcos: Marcos. Pesquisadora: Qual a sua formação acadêmica? Marcos: Biologia com licenciatura plena e bacharelado. Pesquisadora: Quantos anos de magistério você tem? Marcos: Olha, eu achei um trabalho dos meus alunos de 98 no meu armário. Pesquisadora: 98 é pouco. Nove anos? Marcos: São nove anos. Pesquisadora: De magistério? É pouco, Marcos. Marcos: Não, é mais. Pesquisadora: Você não lembra quando você começou? Marcos: Eu devo ter quinze porque eu já tenho 3 quinquênios. Pesquisadora: Ah, então são quinze anos. Você completou só no Estado? Marcos: Só no Estado. Pesquisadora: Bom, você é efetivo. Em qual etapa do Ensino Médio Em Rede você participou? Porque teve o de 2004... você pegou certificado, não pegou? Marcos: Peguei. Pesquisadora: 2004, a gente conseguiu uma prorrogação em 2006. Foi quando começou a discutir as áreas. Marcos: Eu acho que foi em 2006. Eu não me lembro. Pesquisadora: Eu acho que você... A gente participou em todas. Pode ter certeza que nas duas. Pesquisadora: Quais as contribuições do Ensino Médio em Rede, em termos de aplicação de novas metodologias em sala de aula? Trouxe alguma contribuição, ou você mudou alguma coisa ou não? Porque o programa visava mudar algo em você. Marcos: Eu não mudei nada. Continuei do jeito que eu sou. Tinha coisa que era, por exemplo... Era difícil de aplicar com o número de alunos. Pesquisadora: Em relação ao material utilizado no curso Ensino Médio em Rede, qual sua avaliação em relação ao material, lembra? Marcos: O material era bom, mas não dava pra gente usar. Era uma coisa pra usar na [inaudível]. O material era bom, porém, como é que ia utilizar aquele material se o pessoal não tem nem o básico? Igual essas apostilas de agora, enquanto não tiver o mínimo... 107 Pesquisadora: Que aspectos te motivaram a participar do curso? Marcos: Que aspectos? Bem, bem, não foi... eu estava matriculado no curso, aí foi indo. Aí falaram que tinha métodos novos, inovadores para cativar os pestes. Pesquisadora: Geralmente o pessoal fala que é por causa da evolução: “Ah, vai contar ponto”. Mas também fala que apresenta novos métodos, tem gente que está à procura de uma fórmula mágica. Marcos: É. Porque pra dar aula, imagina pra mim, prender a atenção dos pestes 50 minutos. Eu morro, nem na escola particular a gente consegue prender por 50 minutos. Pesquisadora: Qual sua opinião sobre o uso do espaço escolar pra formação continuada do professor? O curso de capacitação acontecer aqui dentro da escola? Marcos: No espaço da escola? Pesquisadora: É. O que você acha das capacitações acontecerem aqui no espaço da própria escola. Marcos: Melhor, porque aí não precisa se deslocar. Pesquisadora: Quais as dificuldades e facilidades encontradas no decorrer do curso? O que foi fácil e o que foi difícil? Marcos: Vou começar pelo difícil. Horário. Pesquisadora: Por que o horário? Marcos: Porque o horário nem sempre dava. Porque tinha que acessar coisa pela internet, aí eu ia acessar que hora? Eu dou aula das sete e meia até as onze da noite. Tanto que na internet eu acho que eu entrei uma vez só. O horário, o acesso. Se fosse na escola seria bem melhor. Pesquisadora: Seria mais o horário por causa do material da internet. E o fácil? Marcos: O fácil eram as discussões em grupo, lia as apostilas, discutia aquilo, verificava as facilidades e as dificuldades de modo comum com o grupo. Aí ficou fácil fazer isso desse jeito. Pesquisadora: Uma ajuda mútua, né? Pesquisadora: Você acha que a proposta do Ensino Médio em Rede se desenvolveu em torno dos problemas pedagógicos reais? Tinha a ver com a realidade da escola, do aluno? Tinha aquela coisa do aluno ajudando a pesquisar, lembra? Você acha que isso tudo são situações reais? Marcos: A proposta era fora da nossa realidade. Pesquisadora: Da nossa. Marcos: Da nossa realidade. Nossa realidade como colégio do Estado, né? Pesquisadora: Do Estado? Marcos: É. 108 Pesquisadora: Então você acha que o Programa ele dá uma realidade que não é o nosso caso. Marcos: Que não é a nossa realidade. Pelo menos por enquanto. Já foi, mas muito tempo atrás, quando papai estudava. Porque papai com a quarta série sabe mais do que as crianças do colégio. Pesquisadora: Quais as responsabilidades da escola com a formação do professor? Você acha que a escola é responsável pela sua formação? A formação continuada, depois da faculdade? Marcos: A escola em si ou você fala em relação ao governo? Pesquisadora: A escola e o governo. Os dois. Quando se fala em governo está se falando no sistema. Marcos: O sistema, ele é responsável. Se ele quer uma melhora, ele tem que fazer por onde. Como ele vai melhorar o corpo docente se ele não dá as condições que ele teria que dar: tempo, material, o custo? Não que esses cursos sejam gratuitos. Pesquisadora: Você acha que não? Marcos: Assim, que ele oferecesse alguns que fossem gratuitos e alguns que você pudesse escolher e que você pagasse metade; ele arcasse com metade e você com a outra metade. Pesquisadora: Então seria gratuito ou parcialmente, né? Cada qual arcasse com a metade. Marcos: É. E aí quem tivesse interesse, ia. E dentro das áreas específicas de cada professor. Pesquisadora: E quais as responsabilidades do professor com a sua própria formação? Marcos: Ele tem que buscar, ele não pode ficar parado, principalmente na minha área que é Biologia, todo dia muda. O que era ontem, já não é mais hoje. O que é hoje, daqui meia hora já mudou de novo. Então a pessoa tem que estar se atualizando, principalmente na área de biológicas. Não que nas outras áreas, não tem. Tem, só que a mudança, vamos supor, no português, uma mudança demora muito. Como a mudança ortográfica, quanto tempo demorou? Não vai ocorrer outra mudança tão cedo. Agora, na Biologia, muda hoje, amanhã já tem outra coisa. Se descobre uma outra espécie hoje, já vem uma nova coisa. Pesquisadora: Qual o tipo de formação que você acha necessário para o professor? Marcos: Formação? Pesquisadora: É. Qual tipo de formação que você acha necessária? Marcos: Didática. Pesquisadora: Didática. Você acha que todos deveriam ter Pedagogia? Marcos: Não que ele tivesse formação pedagógica, mas a didática mesmo. Que nem professor que chega na sala e fala, fala, fala. Que nem aquela minha aluna que veio aqui, ela falou assim da faculdade: “Professor fala. Nenhum aluno entende nada do que o professor fala. Ele não tem didática. Ele sabe, mas não sabe transmitir. Ele não tem 109 didática. Ele tem pedagogia, mas ele não tem a didática”. Ou seja, ele não nasceu para aquilo. O professor tem que ter didática, tem que ter amor pelo que faz, se não tiver amor também, um pouquinho que seja. Pesquisadora: Que espaço a escola possui necessário para a formação do professor? Marcos: Agora é sobre a escola? Pesquisadora: É. Ela deve ter um espaço específico pra formação do professor para você ter capacitação. Marcos: Deve ter uma biblioteca que atenda os professores da casa, talvez dividida por período. Pesquisadora: Em que medida o Programa Ensino Médio em Rede colaborou para uma mudança em sua prática e no seu currículo? Marcos: No currículo nada. Pesquisadora: No currículo nada. Marcos: No currículo não mudou nada. Pesquisadora: Quer dizer, você continuou com o mesmo conteúdo. Talvez porque seja semelhante? Marcos: Porque ele mostrou uma proposta que não é a realidade dos nossos alunos, então não adiantava mudar. Porque os nossos alunos fazem o quê? Copiam. Eles querem matéria na lousa. Se você tentar dar alguma coisa diferente disso eles acham que é baderna, não só aqui, na particular também. O negócio deles é copiar, copiar. Pesquisadora: E na sua prática pedagógica? Ah, na prática você já tinha até respondido que não, que nada, que continua sendo o mesmo, não é isso? Marcos: Sim. Pesquisadora: Se houvesse um novo curso nos moldes do Ensino Médio em Rede na escola, você participaria? Marcos: Desde que estivesse dentro da nossa realidade. Os nossos alunos estão extremamente defasados, que eles se dispusessem a começar do zero, até participaria. Agora, um curso que dá formação para alunos que estão acompanhando sem ter dificuldade nenhuma não tem por quê. Se eu fizesse, seria mais para o meu aperfeiçoamento, mas não para minha aplicação em sala de aula. Pesquisadora: Se você pudesse alterar algum procedimento do curso o que você alteraria? Marcos: Que o curso fosse mais atrativo, que o curso fosse uma coisa mais prática e menos teórica. Pesquisadora: Qual a contribuição do professor coordenador no trabalho docente. No que você acha que a coordenação contribui para o trabalho do professor em sala de aula? Marcos: Auxilia. Fornece... Quando tem que dar aula e atender os pais ao mesmo tempo, quando não tem que atender 500 pais ao mesmo tempo. Passa informação com relação à 110 formação, ao andamento, ao andamento da unidade e mesmo na parte pedagógica, que às vezes nós não aceitamos. Pesquisadora: Como assim? Marcos: Que não é culpa de vocês, aquilo que vem de cima. O peste reprovou em 4, 3 matérias, e ele passa, mesmo a gente sendo contra. Pesquisadora: Mas a gente passou porque.... Ah, entendi. Marcos: Tem essa parte de legislação. Pesquisadora: Ah, tá Marcos: Informando que nem tudo é do jeito que a gente gostaria que fosse. Pesquisadora: Deixa eu ver se eu entendi. Nessa parte você quis dizer que a gente passa a legislação, a gente vai falando o que deve ser feito, e vocês, mesmo que não concordem, você tem que saber que... Marcos: Saber que a norma existe e se a gente não fizer daquele jeito, a coisa vai acontecer daquele jeito, mesmo que a gente seja contra. 111 Anexo 6 Entrevista com Carol Pesquisadora: Qual o seu nome? Carol: Carol. Pesquisadora: Qual a sua formação acadêmica? Carol: Licenciatura plena em Letras. Pesquisadora: Disciplinas que você ministra? Carol: Português e Inglês. Pesquisadora: Quanto tempo de magistério você tem? Carol: Nove anos. Pesquisadora: Qual a sua situação funcional? Carol: Sou ACT. Pesquisadora: Em qual etapa do Ensino Médio em Rede você participou? Carol: Na segunda etapa, em 2006. Pesquisadora: Qual a contribuição do Ensino Médio em Rede em termos de aplicação de novas metodologias em sala de aula? Para você teve alguma contribuição? Carol: Sim, houve novas metodologias para serem colocadas em práticas. Pesquisadora: Em relação ao material utilizado no curso do Ensino Médio em Rede qual a sua avaliação? Carol: Boa. Pesquisadora: Que aspectos lhe motivaram a participar do curso? Carol: Inovação no conhecimento, reciclagem. Pesquisadora: Qual a sua opinião em relação do uso do espaço escolar para a formação continuada do professor? Carol: Na minha opinião, a escola tem que desenvolver um cronograma para a capacitação de professores em seus espaços. Pesquisadora: Quais as facilidades e dificuldades no decorrer do curso? Carol: Facilidades são as ofertas de cursos que são propostos pela própria escola, não temos que ir atrás, já as dificuldades são os problemas sociais além dos técnicos que adentram a sala de aula e dificultam alguns procedimentos. Pesquisadora: Você acha que a proposta do Ensino Médio em Rede se desenvolveu em torno de problemas pedagógicos reais? Carol: Não muito. Pesquisadora: Quais as responsabilidades da escola com a formação docente? 112 Carol: Grande, pois a escola deve estabelecer procedimentos, orientações para que todo o pedagógico funcione adequadamente. Pesquisadora: Quais as responsabilidades do professor com a sua própria formação? Carol: Grande, pois na sociedade em que vivemos, percebemos cobranças constantes. Pesquisadora: Qual o tipo de formação que você acha necessária para o professor? Carol: Uma formação mais humana, focada no ser. Pesquisadora: Que espaço a escola possui necessário para a formação do professor? Carol: Para mim, a escola inteira já é um espaço de formação. Pesquisadora: Em que medida o Programa Ensino Médio em Rede colaborou para uma mudança em sua prática pedagógica e no currículo? Carol: Ajudou-me a sair de um modo antigo, passei a ter uma nova prática pedagógica, um novo processo de avaliação, principalmente a contínua. Pesquisadora: Se houvesse um novo curso nos moldes do Ensino Médio em Rede em sua escola você participaria? Carol: Sim. Pesquisadora: Se você pudesse alterar algum procedimento no curso o que você alteraria? Carol: Eu obrigaria todos os professores a participarem do curso. Pesquisadora: Qual a contribuição do Professor Coordenador no trabalho docente? Carol: Com certeza a sua contribuição é fundamental e intensa, são eles que nos orientam parta um curso melhor, uma aprendizagem com valor progressivo.