8 Carta do IBRE Não será mais possível crescer sem melhorar a produtividade A produtividade do trabalho terá que ganhar prioridade na agenda nacional se o Brasil quiser crescer pelo menos ao ritmo modesto das últimas décadas. Essa é uma constatação inescapável quando se analisam os componentes do crescimento do país, e está ligada a questões demográficas e do mercado de trabalho. Na demografia, os entraves são a redução do ritmo de aumento da população e a proximidade do fim do bônus demográfico, iniciado nos anos de 1970.1 No caso brasileiro, o crescimento da população já vem caindo há algumas décadas, e hoje é próximo do registrado nas nações ricas. O bônus demográfico, porém, ainda se faz sentir, mas de forma rapidamente decrescente, e pode acabar em uma ou duas décadas, dependendo do critério de medição. O crescimento menor da população e o bônus demográfico declinante contribuem de forma mais modesta para a expansão do PIB, quando se compara o período atual às últimas décadas, a partir dos anos de 1970. O mercado de trabalho, por sua vez, tampouco traz notícias animadoras para o crescimento brasileiro, uma vez que a taxa de desemprego já está em nível baixo. Por conta disso, o país terá que tornar seus trabalhadores mais produtivos daqui para frente, sob pena de não conseguir crescer nem ao ritmo moderado do passado recente. A g o s t o d e 2 013 • Conjuntura Econômica De forma bastante simplificada, pode-se dizer que fatores demográficos e do mercado de trabalho criaram um patamar mínimo de crescimento anual de aproximadamente 2% nos 20 anos entre 1992 e 2012. Em outras palavras, mesmo que o crescimento da produtividade do trabalho tivesse sido nulo naquele período, o país teria um crescimento médio do PIB em torno de 2%.2 A notícia preocupante é que os 2% se transformarão em 1% nos dez anos a partir de 2012. Dessa forma, o nível mínimo de crescimento dado apenas pela demografia e pelo mercado de trabalho — não levando em conta, portanto, os ganhos de produtividade — sofreu um tombo, e provavelmente ficará em torno de 1% entre 2012 e 2022.3 A conclusão imediata é a de que, para que o PIB brasileiro cresça ao ritmo das décadas mais recentes — cujos números não foram motivo de grandes comemorações —, a produtividade do trabalho terá que se elevar a uma taxa anual um ponto percentual superior à dos períodos anteriores. Produtividade Entre 1992 e 2002, a produtividade cresceu em média 0,9%. Assim, a expansão do PIB subiu para além do patamar mínimo em torno de 2%, anteriormente mencionado, e atingiu a média anual de 2,9%. O aumento da produtividade, Carta do IBRE 9 porém, acelerou-se para 1,4% ao ano no período de 2002 a 2012, o que levou à expansão média do PIB para 3,5% neste segundo período. A aceleração da produtividade do trabalho, de 0,9% entre 1992 e 2002 para 1,4% entre 2002 e 2012, sugere que talvez se possa contar com uma forte taxa de crescimento do indicador no futuro próximo. Essa leitura, entretanto, parece equivocada.4 A começar pelo fato de que, desde 2011, o aumento da produtividade vem sendo inexpressivo. Numa análise retrospectiva sobre possíveis condicionantes da produtividade do trabalho, é possível notar a ocorrência, nos últimos dez anos, de um aumento expressivo na formalização do mercado de trabalho. Estudos apontam uma correlação positiva entre o aumento da produtividade e a migração de pessoas do setor informal para o formal, pelo chamado efeito composição. Assim, a parcela no trabalho formal, onde a produtividade é mais alta, aumentou em relação à parte informal. Há menos evidência sobre crescimento da produtividade no interior dos setores formal e informal. Também chama a atenção o fato de que uma parte considerável do aumento de produtividade do trabalho entre 2000 e 2009 veio do setor agropecuário, onde ela subiu à forte taxa de 4,3% ao ano. A contribuição da agropecuária se deu de duas formas. A primeira é pelo efeito composição entre os grandes setores da economia. Há o processo contínuo de redução do contingente empregado na agropecuária, onde a produtividade é mais baixa, e da consequente ampliação relativa da mão de obra nos outros setores. No caso brasileiro, a transição típica é do segmento não capitalista da agropecuária para o setor de serviços. Mesmo que muitos ex-camponeses ingressem em empregos pouco produtivos dos serviços, há geralmente ganho de produtividade em relação à agricultura tradicional. A agropecuária também contribui para o aumento da produtividade pelo avanço tecnológico e de eficiência da sua parte capitalista, que detém o menor contingente de trabalhado- res rurais, mas produz a maior parte do valor agregado do setor. Quando se pensa em fatores que possam impulsionar a produtividade do trabalho no Brasil daqui para frente, a continuidade dos processos de formalização do mercado de trabalho e de transferência de camponeses da agricultura tradicional para outros setores mais produtivos aparecem como pontos positivos. No primeiro caso, porém, há dúvidas se o aumento do emprego formal acontecerá nos próximos anos no mesmo ritmo da década anterior, quando foi facilitado por partir de uma base muito baixa e por anos de crescimento econômico mais robusto. Já a absorção de trabalhadores agrícolas, embora desejável do ponto de vista do aumento da produtividade, não tem escala para mudar fundamentalmente o curso dessa variável no Brasil. A demografia e o mercado de trabalho criaram um patamar mínimo de crescimento anual de aproximadamente 2% nos 20 anos entre 1992 e 2012. A notícia preocupante é que os 2% se transformarão em 1% nos dez anos a partir de 2012 Agendas É possível dividir a produtividade do trabalho nos componentes produtividade total dos fatores (PTF) e aprofundamento do capital, isto é, o aumento do uso de máquinas e equipamentos por trabalhador. Este segundo elemento depende da ampliação do investimento, que no Brasil parece limitado pela baixa poupança doméstica. Não se antevê a possibilidade de que a taxa de investimentos suba substancialmente acima do nível atual, um pouco abaixo de 20%. No período de 2001 a 2012, 70% do aumento da produtividade derivou da alta da PTF, e apenas 30% do aprofundamento do capital. Não há razões para crer que será muito diferente daqui em diante. A g o s t o d e 2 013 • Conjuntura Econômica 10 Carta do IBRE Se o Brasil decidir enfrentar o desafio da produtividade do trabalho, que parece essencial para que o país volte a crescer a um ritmo razoável, duas agendas despontam claramente. A primeira é do aprimoramento da educação, um processo de longo prazo que leva à melhoria do capital humano. A segunda parte do desafio, também de resultados não tão imediatos, são as mudanças institucionais que tornem viável uma alta da PTF. Elas têm a ver com a absorção de tecnologia e a racionalização do processo produtivo. O que não falta, nesse caso, são tarefas a realizar, como um sistema tributário que reduza o custo de observância da legislação; a melhora do ambiente de negócios em geral; e a diminuição do custo de investimento em infraestrutura. Neste último pessoas em idade de trabalhar (dez anos ou mais) em relação à população. Aqueles números mostram que o impulso demográfico ao crescimento econômico entre 1992 e 2002 foi de 2% ao ano. No mercado de trabalho, a taxa de atividade, que é a proporção entre a população economicamente ativa (PEA, empregados e desempregados) e a PIA, manteve-se praticamente estável entre 1992 e 2002, com um recuo muito pequeno de 0,1% ao ano. Já a taxa de emprego (empregados sobre PEA) ficou estável no período. No seu conjunto, portanto, o mercado de trabalho tirou 0,1 ponto percentual do impulso de 2% que a demografia deu ao crescimento. Pode-se dizer, portanto, que a expansão média anual do PIB seria de 1,9% naquele período, caso houvesse crescimento zero da produtividade. O mesmo tipo de análise pode ser feito para o período de 2002 a 2012. A população cresceu a um ritmo anual de 1,1%, e a taxa de participação a 0,4%, produzindo uma contribuição demográfica ao crescimento do PIB de 1,5 ponto percentual por ano. A taxa de atividade manteve o minúsculo recuo de 0,1% ao ano, mas a taxa de emprego cresceu em média 0,7%, na esteira do boom de contratações iniciado na década passada. Dessa forma, o mercado de trabalho deu um impulso anual de 0,6 ponto percentual ao crescimento da economia entre 2002 e 2012. Somando-se essa contribuição à parcela de 1,5 ponto percentual da demografia, chega-se a um patamar de 2,1% de alta anual média do PIB, independente da produtividade. Para melhorar a produtividade duas agendas despontam: o aprimoramento da educação, um processo de longo prazo que leva à melhoria do capital humano; e as mudanças institucionais que tornem viável uma alta da PTF, também de resultados não tão imediatos item, uma agenda que se desenha é a de diagnosticar as causas da dificuldade do Estado brasileiro de realizar empreendimentos complexos, como estradas, portos, usinas hidrelétricas etc. 1 O bônus é a fase em que a força de trabalho expande-se mais velozmente do que a população. Quando a população cresce rapidamente, há um impacto positivo no crescimento, já que a força de trabalho tende a aumentar de forma igualmente veloz. Com o bônus demográfico, o contingente de trabalhadores se amplia num ritmo ainda maior, reforçando a possibilidade de elevação do PIB. 2 No período de 1992 a 2002, a população brasileira cresceu a uma média de 1,5% ao ano, e a taxa de participação aumentou em um ritmo anual de 0,5%. A taxa de participação é o percentual de A g o s t o d e 2 013 • Conjuntura Econômica 3 O que se desenha entre 2012 e 2022 é bem diferente do ocorrido entre 1992 e 2012. Pelo lado demográfico, a população deve crescer a uma média de apenas 0,6% ao ano, e o aumento da taxa de participação deve recuar para 0,3%, refletindo o processo de esgotamento do bônus demográfico. A contribuição da demografia ao crescimento será, portanto, de 0,9 ponto percentual. A taxa de atividade, por sua vez, provavelmente não terá grandes mudanças, já que se caracterizou por um comportamento bem estável nas duas décadas anteriores. A suposição do IBRE/FGV é de que a participação até melhore um pouco, crescendo em média 0,1% ao ano entre 2012 e 2022. Já a hipótese para a taxa de emprego é de que fique estável no período, o que é até otimista, já que o mercado de trabalho viveu um período muito aquecido entre 2002 e 2012, e pode haver agora um aumento da taxa de desemprego (o que significa, aritmeticamente, um recuo da taxa de emprego). Pelo lado do mercado de trabalho, a contribuição ao crescimento no atual período (2012-2022) é ligeiramente acima de zero. É preciso ressalvar que esses números serão revistos após a divulgação pelo IBGE das projeções demográficas que incorporarão os resultados do Censo Demográfico de 2010, prevista para o fim de agosto de 2013. 4 As dificuldades de um crescimento vigoroso nos próximos anos constam de texto preliminar, em fase de revisão, de autoria de R. Bonelli e J. Fontes. Uma versão do trabalho já foi publicada como texto de discussão, intitulada “Desafios brasileiros no longo prazo”, e está disponível no site do IBRE.