O Aspecto Espacial do IPTU
O Superior Tribunal de Justiça decidiu sobre a não-incidência do IPTU em
relação aos imóveis localizados na área urbana do Município, desde que
comprovadamente utilizados em exploração extrativa, vegetal, agrícola,
pecuária ou agroindustrial (REsp 1112646/SP). O Tribunal fez, então, ressurgir
o aspecto da destinação do imóvel, desconsiderando a sua localização.
Este é o tema que se segue.
A Constituição Federal estabelece o seguinte:
“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
(...)
VI - propriedade territorial rural”.
“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
I - propriedade predial e territorial urbana”.
Nada mais claro, pelo menos a nosso ver, que os dois impostos acima são
confrontantes pela localização geográfica: o ITR incidiria sobre propriedades
localizadas na zona rural; o IPTU, na zona urbana. A expressão rural (do latim
ruralis) significa próprio do campo, referente ao campo. A expressão urbana
(do latim urbanus) significa próprio da cidade, referente à cidade.
Diz Eduardo Pugliese Pincelli: “Movendo-se pelo nível sintático ou, como
sublinha Paulo de Barros Carvalho, pelo ‘plano da expressão’, vemos que a
palavra urbana referida no texto acima transcrito é utilizada como adjetivo,
limitando a denotação da palavra propriedade. Quer isto dizer que não é
qualquer propriedade predial ou territorial que poderá ser eleita pelo legislador
infraconstitucional para compor o antecedente da regra-matriz de incidência:
somente as propriedades urbanas”.
Ao mesmo teor, então, podemos dizer sobre o Imposto sobre a propriedade
territorial rural. Sujeitam-se ao imposto somente as propriedades que
apresentem duas características: que sejam territoriais (e, portanto, não
prediais) e que sejam rurais (e, portanto, não urbanas).
No entanto, dividir o território em duas partes distintas, rural e urbana, não é
trabalho fácil de fazer. Em muitos lugares deste vasto Brasil as áreas se
confundem, acoplam-se, as regiões se misturam, dificultando suas
delimitações. Como, então, elaborar tal distinção? Seria pela criação de uma
linha imaginária, uma ‘Tordesilhas’, a dividir o território, sem uma lógica
predefinida? E que lógica seria essa, diante de assunto tão intrincado?
De início, vale questionar qual seria o ente político ao qual caberia a função de
dividir o território em zonas rurais e urbanas, pois estamos tratando de tributos
de pessoas públicas diferentes. Se a importância de tal divisão fosse,
www.consultormunicipal.adv.br
Rua Comendador Manuel Azevedo Falcão, 112, Niterói, RJ
CEP 24.358-390
Tel: (21) 2709-8694 Telefax: 21 2709-8329
exclusivamente, para fins fiscais, poderíamos supor que a sanha arrecadatória
sobrepujasse qualquer critério mais técnico e justo, com o alargamento de uma
das zonas (e consequentemente reduzir a outra) apenas com a finalidade de
aumentar a receita tributária.
Neste sentido, a Constituição Federal delegou aos Municípios a missão de
desenvolver uma política de ordenamento das funções sociais da cidade (art.
182), através de um plano diretor, matéria já regulamentada pela Lei nº.
10.257, denominada de Estatuto da Cidade. Além disso, é notório o fato de que
a Carta Magna concede aos Municípios competência para legislar sobre
assuntos de interesse local.
Mas, evidente que os Municípios não podem cumprir tais preceitos baseados
no interesse mesquinho de ampliar o universo tributável pelo IPTU. A definição
de zonas urbanas e rurais vai muito além do simples desejo de aumentar a
receita tributária. Seria, no mínimo, abominável estabelecer regras de
desenvolvimento urbano com este único propósito. Tal definição é muito mais
grandiosa e vital para o futuro dos Municípios e dos seus habitantes, do que a
estreita visão de mensurar o território de acordo com a sua fome de arrecadar.
Tal fato é comentado por Joaquim Castro Aguiar: “O conceito de zona urbana,
para os fins de uso, ocupação ou parcelamento do solo, não há de ser,
necessariamente, o de zona urbana para fins tributários. (...) Em verdade, a
definição de zona urbana, para fins urbanísticos, como a hipótese de uso e
ocupação do solo e de seu parcelamento, não afina bem com essa definição
(...) de zona urbana ou urbanizável, para efeitos fiscais. A lei municipal não terá
de adotar, para fins urbanísticos, os critérios da lei tributária, podendo até
aproveitá-los ou aperfeiçoá-los, mas não necessariamente segui-los”.
E se mesmo assim, a miopia do legislador municipal o levasse a considerar
todo o território como zona urbana, embora existisse manifesta presença de
região rural, certamente estaria o legislador a afrontar o sentido que a
Constituição lhe ofereceu. Não foi com o intuito de tributar que a Constituição
concedeu aos Municípios o direito de planejar e organizar os seus territórios,
podendo até ser uma consequência para futuro, mas não como objetivo.
De fato, porém, são imensas as dificuldades de determinar limites espaciais
num determinado território, para identificar, de forma simplista, o que vem a ser
zona urbana e rural. Manuel Castells, em sua obra prima, “A Sociedade em
Rede”, diz que, em teoria social, “espaço não pode ser definido sem referência
às práticas sociais”.
Em outras palavras, o espaço não pode ser entendido
independentemente da ação social que ali se articula e se desenvolve, pois é
exatamente a atividade social aquela que oferece, ou proporciona, um sentido
ao espaço. Uma determinada região, desprovida de qualquer ação social, não
será zona rural ou urbana, pois não contém o ingrediente humano que a
identifica. Seria dizer: o leito de um grande rio é espaço rural ou urbano? A
www.consultormunicipal.adv.br
Rua Comendador Manuel Azevedo Falcão, 112, Niterói, RJ
CEP 24.358-390
Tel: (21) 2709-8694 Telefax: 21 2709-8329
floresta amazônica, em sua parcela impenetrável, se ainda existe, é área rural
ou urbana? Certamente, não é uma coisa nem outra, porque são áreas de
atividades sociais inexistentes. Por isso, disse Celso Antonio Bandeira de Mello
que “não há conceito ecumênico de área urbana ou rural”.
Estamos a dizer, com isso, que o caminho não deveria ser o de dividir o
território do Município, por meio de uma linha demarcatória, em zonas rurais e
urbanas, mas, sim, de identificar a atividade socioeconômica exercida em cada
propriedade e levando em conta as características do lugar onde a propriedade
se assenta.
Todavia, o assunto deste artigo não é o planejamento da cidade, mas a
questão espacial que atinge o IPTU e o ITR. Vamos, então, voltar ao tema.
A Lei Federal nº. 9.393/96 diz que o fato gerador do Imposto Territorial Rural é
a propriedade, o domínio útil ou a posse (inclusive por usufruto) de imóvel por
natureza, localizado fora da zona urbana do município, em 1º de janeiro de
cada ano.
Observa-se, no enunciado acima, a fixação do aspecto espacial: não importa a
atividade exercida pela propriedade, o que vale é a sua localização. Da
mesma forma, a explicação oferecida pela Receita Federal do Brasil:
“Para efeito do ITR, é considerada imóvel rural a área contínua, formada de
uma ou mais parcelas de terras do mesmo titular, localizada na zona rural do
município, ainda que, em relação a alguma parte da área, o contribuinte
detenha apenas a posse” (extraído da Internet).
Mas, logo depois, a Receita Federal apresenta uma novidade:
“Considera-se área contínua a área total do prédio rústico, mesmo que
fisicamente dividida por rua, estrada, rodovia, ferrovia ou por canal ou curso de
água”.
Temos, então, um novo adjetivo para identificar o imóvel sujeito ao ITR: “prédio
rústico”. A palavra ‘prédio’ (do latim praedium) pode, realmente, significar
propriedade imóvel, embora mais utilizada para representar construção. E a
expressão ‘rústico’ (do latim rusticus) significa campestre, relativo ao campo.
Há, portanto, uma estreita relação entre a localização e a característica da
propriedade. Esta tem de ser rústica, ou seja, de natureza campestre. Permitese, assim, concluir que nem todas as propriedades localizadas no campo são,
forçosamente, contribuintes do ITR. Uma “casa de campo”, destinada ao lazer
e descanso dos citadinos mais privilegiados, não seria tributável pelo imposto
federal por não se tratar de uma propriedade rústica na acepção aplicada à
palavra. Localiza-se no campo, mas não tem as características próprias de
uma propriedade rural.
www.consultormunicipal.adv.br
Rua Comendador Manuel Azevedo Falcão, 112, Niterói, RJ
CEP 24.358-390
Tel: (21) 2709-8694 Telefax: 21 2709-8329
Neste teor, o art. 29 do Código Tributário Nacional peca por sua síntese:
“Art. 29 – O imposto, de competência da União, sobre a propriedade territorial
rural, tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel
por natureza, como definido na lei civil, localizado fora da zona urbana do
Município”.
Salva-se, porém, ao conceituar o fato gerador do IPTU no art. 32, e definindo
parâmetros na identificação geográfica das zonas rural e urbana:
“§ 1º. Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida
em lei municipal, observado o requisito mínimo da existência de
melhoramentos indicados em pelo menos dois dos incisos seguintes,
construídos ou mantidos pelo Poder Público:
I – meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;
II – abastecimento de água;
III – sistema de esgotos sanitários;
IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição
domiciliar;
V – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de três
quilômetros do imóvel considerado”.
Vê-se, assim, que o CTN estabelece a necessidade de uma lei municipal que
venha a definir a sua zona urbana, e, consequentemente, a zona rural, porém,
impõe restrições a essa definição, a exigir que haja pelo menos duas das
benfeitorias indicadas nos incisos acima relatados.
Há de convir que a listagem oferecida no CTN não pode ser entendida como
taxativa, nada impedindo que o legislador municipal acrescente outros itens de
equipamentos públicos, ou reformule o quadro de benfeitorias. Nada impediria,
por exemplo, que o Município combinasse, em um só item, o abastecimento de
água e o sistema de esgoto sanitário, ou separasse a existência de escola
primária do posto de saúde. Ou adicionasse a exigência de transporte coletivo
de passageiros na região. O que se exige é a comprovação, através de
equipamentos públicos, efetivamente implantados, de que naquela região
existe, de fato, um núcleo habitacional que se reconheça como uma zona
urbana, a exigir uma demanda de investimentos e serviços dos órgãos
públicos.
O ensinamento de Aires F. Barreto alicerça essa tese: “A enumeração do
Código Tributário Nacional não é numerus clausus. O que a lei complementar
exige é presença de pelo menos dois dos implementos de habitabilidade ali
registrados. Nada impede que os Municípios acrescentem outros”.
www.consultormunicipal.adv.br
Rua Comendador Manuel Azevedo Falcão, 112, Niterói, RJ
CEP 24.358-390
Tel: (21) 2709-8694 Telefax: 21 2709-8329
Ocorre que a maioria das leis municipais simplesmente copiou os implementos
detalhados no Código Tributário Nacional, não tomando o cuidado de observar
suas próprias peculiaridades e características.
E o CTN vai mais além, explicando, no § 2º do art. 32, que a lei municipal pode
considerar urbana as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes
de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados a qualquer
fim. Grifamos o verbo (‘pode’) para chamar a atenção de que a decisão parte
do legislador municipal.
A lei municipal deve, portanto, partir de duas premissas básicas para definir
sua zona urbana: a) identificar os contornos geográficos do perímetro urbano,
destacados por logradouros públicos, bairros ou distritos; e b) considerar,
também, como espaço urbano as áreas que usufruem de equipamentos
públicos enumerados na lei municipal.
O assunto parecia esclarecido, mas, antes mesmo de entrar em vigor a Lei n.
5.172, foi editado o Decreto-lei n. 57/66, de 18 de novembro de 1966, aprovado
em período de recesso parlamentar e cuja ementa era “Altera dispositivos
sobre lançamento e cobrança do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural,
institui normas sobre arrecadação da Dívida Ativa correspondente, e dá outras
providências”. O seu art. 15 alterava o art. 32 do CTN, nestes termos:
“Art. 15. O disposto no art. 32 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, não
abrange o imóvel que, comprovadamente, seja utilizado em exploração
extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial, incidindo, assim, sobre o
mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados”.
Surgiu, depois, a Lei nº. 5.868, de 12 de dezembro de 1972, uma lei ordinária
federal, a instituir o Sistema Nacional de Cadastro Rural, mas a alterar o critério
da situação do imóvel, previsto pelo CTN, e, também, o critério exclusivo da
destinação do imóvel, na forma adotada pelo Decreto-lei nº. 57/66. Leia-se:
“Art. 6º. Para fins de incidência do Imposto sobre a Propriedade Territorial
Rural, a que se refere o art. 29 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966,
considera-se imóvel rural aquele que se destinar à exploração agrícola,
pecuária, extrativa vegetal ou agroindustrial e que, independentemente de sua
localização, tiver área superior a 1 (um) hectare”.
“Parágrafo único. Os imóveis que não se enquadrarem no disposto neste
artigo, independentemente de sua localização, estão sujeitos ao Imposto sobre
a Propriedade Predial e Territorial Urbana, a que se refere o art. 32 da Lei n.
5.172, de 25 de outubro de 1966”.
A Lei n. 5.868 foi mais adiante, revogando expressamente o art. 15, além de
outros, do Decreto-lei n. 57/66, como se vê em seguida:
www.consultormunicipal.adv.br
Rua Comendador Manuel Azevedo Falcão, 112, Niterói, RJ
CEP 24.358-390
Tel: (21) 2709-8694 Telefax: 21 2709-8329
“Art. 12. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário, em especial os parágrafos 1 e 2 do Art. 5º , e os
artigos 7, 11, 14 e 15, e seus parágrafos, do Decreto- lei número 57, de 18 de
novembro de 1966, o parágrafo 4 do Art. 5º do Decreto-lei número 1.146, de 31
de dezembro de 1970, e o Art. 39 da Lei número 4.771, de 15 de setembro de
1965”.
No entanto, essa Lei foi considerada inconstitucional e não deve ser
considerada na formação da estrutura jurídica do IPTU e do ITR. O motivo
saltava aos olhos: em primeiro lugar, não poderia uma lei ordinária alterar uma
lei complementar; em segundo lugar, principalmente, não poderia uma lei
federal ordinária legislar sobre tributo de outro ente político, no caso, os
Municípios. É verdade que o caput do art. 6º poderia ser considerado legítimo,
levando em conta que uma lei federal ordinária tem competência para isentar
os imóveis de tamanho inferior a 01 hectare do ITR, um imposto federal já
naquela época, mas o seu parágrafo único alargava o alcance do IPTU,
imposto municipal, legislando sobre algo fora de sua competência.
Abaixo, duas decisões do STF:
1ª) “Imposto predial – Critério para a caracterização do imóvel como rural ou
como urbano – A fixação desse critério, para fins tributários, é princípio geral de
Direito Tributário, e, portanto, só pode ser estabelecido por lei complementar –
O Código Tributário Nacional, segundo a jurisprudência do STF, é lei
complementar – Inconstitucionalidade do art. 6º e seu parágrafo único da Lei
federal n. 5.868, de 12.12.72, uma vez que, não sendo lei complementar não
poderia ter estabelecido critério, para fins tributários, de caracterização de
imóvel como rural ou urbano diverso do fixado nos artigos 29 e 32 do CTN –
Recurso extraordinário conhecido e provido”.
2ª) “1. RE não conhecido, pela letra ‘a’ do art. 102, III, da CF, mantida a
declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal de Sorocaba, de nº.
2.200, de 03.06.1983, que acrescentou o parágrafo 4º do art. 27 da Lei nº.
1.444, de 13.12.1966. 2. RE conhecido, pela letra ‘b’, mas improvido, mantida a
declaração de inconstitucionalidade do art. 12 da Lei Federal nº. 5.868, de
12.12.1972, no ponto em que revogou o art. 15 do Decreto-lei nº. 57, de
18.11.1966. 3. Plenário. Votação unânime”.
Destarte, o Decreto-lei 57 foi aceito com forças de lei complementar e capaz de
alterar o Código Tributário Nacional. E isso não é novidade, pois como se sabe,
o Decreto-lei n. 406/68 fez substanciais alterações no CTN, todas aceitas pela
doutrina e corroboradas nos tribunais judiciários. O Decreto-lei nº. 406/68 foi
aceito pela jurisprudência como lei complementar, e o Decreto-lei nº. 57/66
parece ter seguido o mesmo caminho.
www.consultormunicipal.adv.br
Rua Comendador Manuel Azevedo Falcão, 112, Niterói, RJ
CEP 24.358-390
Tel: (21) 2709-8694 Telefax: 21 2709-8329
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, mudou ao decorrer dos anos sua
interpretação sobre a validade dos termos do referido decreto-lei. Abaixo, duas
decisões, a primeira de 2000 e a segunda de 2005:
“TRIBUTÁRIO. IPTU. CARACTERIZAÇÃO DO IMÓVEL. INCIDÊNCIA DO
IMPOSTO. DL 57/66. PREVALECIMENTO DO CTN COMO LEI
COMPLEMENTAR. PRECEDENTE DO STF.
1. Consoante fixado pela Excelsa Corte, o Código Tributário Nacional é Lei
Complementar que não pode ser alterado por Decreto-lei. Assim, para efeito da
incidência do IPTU o que importa é a localização do imóvel como previsto no
art. 32, §1º, do CTN e não sua destinação.
2. Recurso especial conhecido, porém, improvido” (2ª Turma, Relator Min.
Francisco Peçanha Martins, Data do julgamento 16.11.2000, DJ 04.06.2001).
“TRIBUTÁRIO. IPTU. ITR. FATO GERADOR. IMÓVEL SITUADO NA ZONA
URBANA. LOCALIZAÇÃO. DESTINAÇÃO. CTN, ART. 32. DECRETO-LEI N.
57/66. VIGÊNCIA.
1. Ao ser promulgado, o Código Tributário Nacional valeu-se do critério
topográfico para delimitar o fato gerador do Imposto sobre a Propriedade
Predial e Territorial Urbana (IPTU) e o Imposto sobre a Propriedade Territorial
Rural (ITR): se o imóvel estivesse situado na zona urbana, incidiria o IPTU; se
na zona rural, incidiria o ITR.
2. Antes mesmo da entrada em vigor do CTN, o Decreto-Lei nº. 57/66 alterou
esse critério, estabelecendo estarem sujeitos à incidência do ITR os imóveis
situados na zona rural quando utilizados em exploração vegetal, agrícola,
pecuária ou agroindustrial.
3. A jurisprudência reconheceu validade ao DL 57/66, o qual, assim como o
CTN, passou a ter o status de lei complementar em face da superveniente
Constituição de 1967. Assim, o critério topográfico previsto no art. 32 do CTN
deve ser analisado em face do comando do art. 15 do DL 57/66, de modo que
não incide o IPTU quando o imóvel situado na zona urbana receber quaisquer
das destinações previstas nesse diploma legal.
4. Recurso especial provido” (REsp 492869/PR, Relator Min. Teori Albino
Zavascki, 1ª Turma, DJ 7/3/2005).
Fica, pois, uma grande questão a ser resolvida: os Municípios devem seguir as
normas ditadas pelo Decreto-lei 57/66, concernentes à destinação dos imóveis,
para efeitos de incidência do IPTU?
De início, cabe ressaltar que se o Decreto-lei 57/66 permanece em vigor,
também vigora o seu art. 14, a saber:
“Art. 14. O disposto no art. 29 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, não
abrange o imóvel que, comprovadamente, seja utilizado como ‘sítio de recreio’
e no qual a eventual produção não se destine ao comércio, incidindo assim,
www.consultormunicipal.adv.br
Rua Comendador Manuel Azevedo Falcão, 112, Niterói, RJ
CEP 24.358-390
Tel: (21) 2709-8694 Telefax: 21 2709-8329
sobre o mesmo, o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, a
que se refere o art. 32 da mesma lei”.
O curioso é que esse artigo 14 é regulamentado por um decreto do governo
federal (nº. 59.900, de 30.12.1966), que diz, entre outras coisas:
“Art. 13. Para efeito do disposto no artigo 14, do Decreto-lei n. 57, de 18 de
novembro de 1966, o imóvel situado na zona rural pertencente à pessoa física
ou jurídica será considerado como ‘sítio de recreio’, quando:
I – sua produção não seja comercializada;
II – sua área não seja superior a do módulo para exploração não definida da
zona típica em que estiver localizado;
III – tenha edificação e seu uso seja reconhecido para destinação de que trata
este artigo”.
Portanto, um decreto do Poder Executivo Federal a regulamentar matéria
concernente aos Municípios, fato corriqueiro naquele tempo. Aliás, o art. 14 do
referido decreto refletia mais ainda a superioridade hierárquica do governo
federal sobre os demais: determinava que as Prefeituras (sic) deveriam
submeter ao crivo do IBRA (Instituto Brasileiro de Reforma Agrária) a
aprovação prévia dos imóveis considerados como ‘sítios de recreio’.
Por isso, era muito comum (e continua sendo) os proprietários alegarem que os
seus imóveis não estão sujeitos ao IPTU, pela simples razão de fazer parte do
cadastro do INCRA.
Deste modo, se o critério for ainda o de seguir os termos do art. 15 do DL
57/66, os Municípios seriam obrigados a examinar, previamente, o uso dos
imóveis, mesmo daqueles localizados na área urbana, com o intuito de verificar
se a sua utilização decorre de exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária
ou agroindustrial. A lei trata de “exploração extrativa”, dando a entender que a
mera comercialização de produtos vegetais ou agrícolas não ensejaria a
dispensa da cobrança do IPTU (um comércio de plantas decorativas, por
exemplo). Ao mesmo tempo, se um terreno, embora urbano, fosse explorado
na produção de uma horta, aí, então, estaria fora da incidência do imposto.
Ocorre que os tempos mudaram e hoje temos uma Constituição inovadora,
pelo menos na área de política urbana. A Constituição de 1988 foi a primeira a
consagrar um capítulo especial à política urbana. O eminente professor José
Afonso da Silva esclarece que a matéria deve compatibilizar os termos do art.
21, XX, que dá competência à União para instituir diretrizes para o
desenvolvimento urbano, com os do art. 182, que estabelece a execução pelo
poder público municipal da política de desenvolvimento urbano, ordenando o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade. As diretrizes já foram
expedidas através da Lei n. 10.257/2001, chamada de Estatuto da Cidade.
www.consultormunicipal.adv.br
Rua Comendador Manuel Azevedo Falcão, 112, Niterói, RJ
CEP 24.358-390
Tel: (21) 2709-8694 Telefax: 21 2709-8329
O art. 182 menciona expressamente a propriedade urbana, inserida no
contexto de normas e planos urbanísticos, vinculando sua função social à
ordenação da cidade. Mais ainda, a propriedade do solo urbano é submetida à
disciplina do plano urbanístico diretor. Diz José Afonso da Silva: “O solo
qualifica-se como urbano quando ordenado para cumprir destino urbanístico,
especialmente a edificabilidade e o assentamento de sistema viário. O citado
art. 182, § 4º, consagra esse princípio de modo insofismável”.
Pois a competência dos Municípios para definir os critérios de área urbana,
também é insofismável, desde que obedecidas às diretrizes do Estatuto da
Cidade. Aqui já foi dito que a definição de zona urbana não deve ser orientada
para fins fiscais, mas é certo que os Municípios podem, por meio de suas leis
e, principalmente, pelo plano diretor, vedar o uso de propriedade urbana para
fins de exploração agrícola ou agropastoril, com o intuito de melhor organizar o
uso do solo municipal.
É por demais sabido que o IPTU é um imposto fortemente marcado pela
extrafiscalidade. O próprio Estatuto da Cidade (e a própria Constituição) utiliza
esse ingrediente como meio de coerção aos proprietários para o uso adequado
de suas propriedades, como é o caso do IPTU progressivo no tempo. Seria
descabido, o Município ficar impotente diante do uso, por exemplo, de uma
área de pasto em plena área central urbana. A finalidade, repetimos, não seria
a cobrança do IPTU, mas uma forma de impor ao proprietário um melhor uso
do solo urbano, através da tributação.
Além disso, se a definição do imposto depende da destinação do imóvel, seria
firmada uma estranha situação em que o proprietário do imóvel é quem
definiria o imposto a pagar. “Se o valor do IPTU for maior que o ITR, que se
plantem cebolas no meu quintal. Se o ITR for maior, que se arranquem as
cebolas e faço uma piscina no meu quintal”. Uma espécie marota de elisão
fiscal.
A propósito, observa Roque Antonio Carrazza: “Os limites que a Constituição
traçou para que as pessoas políticas tributassem não podem ser deslocados
nem pelo Código Tributário Nacional (ou por normas jurídicas que lhe façam as
honras), nem por leis ordinárias, decretos, portarias, atos administrativos etc.
Por muito maior razão, também a vontade dos virtuais contribuintes não tem
como ampliar ou restringir competências tributárias”. E acrescenta:
“Possivelmente sem se darem conta disso, sufragam a errônea ideia de que a
vontade do contribuinte pode alterar competências tributárias os que entendem
que é a ‘destinação’ (rural ou urbana) do imóvel que determina a incidência do
IPTU ou do ITR, não importando se o bem está localizado na zona urbana ou
na zona rural do Município”.
Finalmente, não há como contestar que a Constituição Federal delimitou o
alcance dos dois impostos: o ITR é rural; o IPTU é urbano. Rural é relativo ao
www.consultormunicipal.adv.br
Rua Comendador Manuel Azevedo Falcão, 112, Niterói, RJ
CEP 24.358-390
Tel: (21) 2709-8694 Telefax: 21 2709-8329
campo, próprio do campo, situado no campo; e campo define-se como terreno
amplo ou extenso destinado à agricultura ou às pastagens. Urbano é palavra
originária de ‘urbe’, a cidade, lugar onde há preponderância de atividades
relacionadas com a habitação, a produção industrial, o comércio etc. Se
adotado o critério da destinação do imóvel, um terreno baldio, que não esteja
sendo utilizado para nada, não poderia ser tributado por nenhum dos dois
tributos. Mas aí está a norma constitucional que confere aos Municípios a
possibilidade de manejar o imposto como ferramenta para compatibilizar os
imóveis com o plano diretor, forçando os proprietários, através da
progressividade de alíquotas do IPTU, a transformá-los em áreas úteis.
Roberto Tauil
Outubro de 2009.
Bibliografia:
Aguiar, Joaquim Castro: “Direito da Cidade”, Rio de Janeiro, Renovar, 1996.
Barreto, Aires Fernandino: “Curso de Direito Tributário Municipal”, São Paulo,
Saraiva, 2009.
Carrazza, Roque Antonio: “Curso de Direito Constitucional Tributário”, 22ª
edição, São Paulo, Malheiros, 2006.
Furlan, Valéria Cristina Pereira: “IPTU”, São Paulo, Malheiros, 1998.
Pincelli, Eduardo Pugliese: “IPTU”, Coordenador: Marcelo Magalhães Peixoto,
São Paulo, Quartier Latin, 2002.
www.consultormunicipal.adv.br
Rua Comendador Manuel Azevedo Falcão, 112, Niterói, RJ
CEP 24.358-390
Tel: (21) 2709-8694 Telefax: 21 2709-8329
Download

O Aspecto Espacial do IPTU O Superior Tribunal de Justiça decidiu