Relatórios de Conferência para o NATAP (Projeto Nacional de Advocacy em
Tratamento para a Aids)
IAS 2013: 7ª Conferência da IAS
sobre o HIV
Patogênese, Tratamento e
Prevenção
30 de junho a 3 de julho de 2013
Kuala Lumpur, Malásia
Simpósio IAS: Rumo à Cura do HIV, 29-30 de junho de 2013, Kuala Lumpur
Escrito para o NATAP (Projeto Nacional de Defesa do Tratamento da AIDS)
pelo médico David Margolis, UNC Chapel Hill e CARE - Collaboratory of AIDS
Researchers for Eradication (Colaboração de Pesquisadores da AIDS para a
Erradicação)
A Dra. Françoise Barré-Sinoussi adotou o lema “RUMO À CURA DO HIV”
para deixar sua marca ao final da gestão como presidente da IAS
(International Aids Society). O resultado mais recente dessa iniciativa foi um
simpósio pré-conferência, realizado em dois dias, imediatamente antes da 7ª
Conferência sobre Patogênese, Tratamento e Prevenção do HIV em Kuala
Lumpur, no período de 29 a 30 de junho de 2013. O simpósio serviu como
uma plataforma para apresentar a última palavra da ciência básica e das
pesquisas clínicas em torno da cura do HIV.
Combatendo a infecção persistente do HIV
Duas apresentações destacaram avanços potenciais nas tentativas de
erradicar a infecção do HIV: uma, sobre a infecção do HIV em um modelo de
rato humanizado e a outra em seres humanos. Martin Tolstrup relatou os
esforços do grupo da Universidade de Aarhus, Dinamarca, para testar os
efeitos da dosagem cíclica repetida do panobinostat, um inibidor de HDAC
(histona-deacetilase) em pacientes HIV positivos recebendo TARV.
O panobinostat (PAN) é o segundo seletivo e potente inibidor de HDAC
testado em pacientes HIV positivos. Atualmente, esse fármaco desenvolvido
pela Novartis está em estudo para o tratamento de mieloma múltiplo e
leucemia aguda. Assim como no caso do vorinostat (VOR), os alvos do PAN
são os HDACs de Classe 1, 2 e 3, supostamente fundamentais para a
manutenção da latência do HIV, embora o PAN seja mais potente que o VOR
na base molar.
Para evitar as baixas contagens de plaquetas observadas quando a droga é
utilizada em oncologia, o grupo dinamarquês optou por fornecer 12 doses de
20 mg do PAN, três vezes por semana, a cada duas semanas, totalizando 4
ciclos no período de 8 semanas. Foram estudados quinze pacientes, todos do
sexo masculino, com médias de idade de 47 anos, diagnóstico do HIV de 82
meses, TARV durante 43 meses, nadir do CD4 de 350 e CD4 pré-tratamento
de 935. Dois pacientes tinham iniciado TARV durante a infecção aguda
(duração da infeção não definida).
Como o VOR, o PAN foi aparentemente bem tolerado. Somente eventos de
Grau I foram relatados; as contagens do CD4 permaneceram estáveis e as
contagens de plaquetas tenderam a cair com tempo maior de exposição, mas
não chegaram a alcançar os critérios de graduação da toxicidade. O resultado
pareceu bastante similar à experiência com VOR.
Os inibidores de HDAC aumentam a quantidade de proteínas dentro da
célula, a qual é modificada com a adição de um grupo acetila (acetilação).
Assim, a acetilação celular total pode ser usada como marcador do efeito
biológico para provar que o inibidor de HDAC entrou na célula e realizou seu
trabalho. O grupo de pesquisadores deve ser aplaudido pelo estudo
cuidadoso da acetilação celular total nas células mononucleares do sangue
periférico (PBMC) como biomarcador do efeito PAN dentro das células, como
foi realizado com o estudo utilizando doses únicas do vorinostat. Observou-se
aumento de 2 a 3 vezes da acetilação da histona H3 no período de duas
horas após a dose, geralmente permanecendo nesse patamar duas horas
após a dosagem e desaparecendo após 52 horas. Na verdade, o nível de
acetilação global intracelular não pareceu voltar aos níveis pré-tratamento
antes da nova rodada da dosagem cíclica. Infelizmente, o grupo não tinha ou
ainda não podia apresentar os dados coletados sobre a cópia única de HIVRNA plasmático ou HIV-RNA de associação celular. Presume-se que esses
dados serão apresentados na próxima reunião.
Entretanto, extraordinariamente, o grupo relatou algumas evidências
preliminares de que o PAN pode ter desestabilizado a infecção latente do HIV,
utilizando um ensaio de amplificação mediada por transcrição (TMA, sigla em
inglês). A TMA é uma tecnologia diferente do PCR que detecta DNA ou RNA.
Pode ser muito sensível, mas não tão precisa quanto o PCR. Contudo, tratase de uma boa ferramenta para verificar a “presença” ou “ausência” de um
alvo, tal como o HIV-RNA. Foi relatado que os ensaios TMA utilizados aqui
apresentaram sensibilidade de 50% para a detecção de 3,8 cópias do HIVRNA/mL, e 95% para a detecção de 12 cópias/mL. Durante o estudo, em
vários momentos após a administração do PAN, 60% dos participantes
apresentaram resultado positivo do TMA para HIV-RNA na corrente
sanguínea, em comparação com apenas 28% antes da administração do
panobinostat. Apenas um dos quinze participantes não apresentou resultado
positivo para o teste do TMA durante o período do estudo. Portanto, se o
resultado negativo do TMA é, na sua maioria, para valores menores que 3
cópias e o resultado positivo, na sua maioria, para valores maiores que 3
cópias ou alcançando >12 cópias, estamos nos referindo a quantidades muito
pequenas do HIV-RNA e alterações também muito pequenas. Os resultados
de uma única cópia do HIV-RNA plasmático ou ensaios de HIV-RNA de
associação celular poderiam ajudar a esclarecer os dados. Seria muito
interessante verificar se um segundo inibidor de HDAC realmente poderia
desestabilizar uma infecção latente do HIV.
Na apresentação de um pôster, Wightman et al. (Universidade de Monash &
Instituto Burnet, Austrália) sugeriu que um terceiro inibidor de HDAC, o
entinostat, também pode ser útil. O entinostat também é seletivo para HDAC
de classe 1 e, em um modelo de latência usando células primárias (não uma
linha de células), a droga induziu a expressão do vírus latente sem alterações
nos marcadores da ativação das células T ou expressão dos correceptores
CXCR4 ou CCR5 do HIV. Os autores afirmaram que esse composto é uma
opção nova e atraente para futuras experiências clínicas.
Em um importante estudo, Victor Garcia, da UNC, demonstrou a capacidade
de uma toxina ligada ao anticorpo do envelope do HIV de eliminar células
residuais produtoras de HIV em um modelo de ratos humanizados. Mediante
a disponibilização integral das informações, o laboratório do autor auxiliou
alguns dos ensaios utilizados neste estudo. Em outro estudo complexo
liderado por Paul Denton, ratos humanizados BLT (Bone Marrow Liver
Thymic) foram infectados com o HIV e tratados com TARV ou deixados sem
tratamento. Nesse modelo, um rato imunodeficiente, incapaz de rejeitar
células transplantadas, reconstituiu um sistema imunológico humano
completo, derivado das células tronco, e um organoide tímico. Nesse sistema,
a infecção do HIV, a TARV e a infecção latente durante a TARV já foram
validados em diversas publicações do laboratório de Garcia e outros. As
amostras enviadas para o laboratório de Angela Kashuba demonstraram que
a TARV (raltegravir, tenofovir, FTC) penetrou totalmente todos os tecidos
relevantes do rato.
Similarmente aos humanos, após várias semanas de TARV, o HIV-RNA não é
detectável no plasma, mas as células com HIV-RNA+ ainda estão abundantes
nos tecidos (sangue, medula, timo, fígado/baço, pulmões, intestino grosso).
Essa situação reproduz a chamada “reserva ativa residual” observada em
humanos recebendo TARV, em que raras células expressam o HIV-RNA,
embora novas rodadas da infecção e da replicação viral estejam bloqueadas
pela TARV. O grupo de Garcia buscou testar a eficácia de uma nova
abordagem direcionada a matar as células, para eliminar células infectadas
produtivas in vivo, utilizando a imunotoxina 3B3-PE38 direcionada ao
envelope do HIV (pelo anticorpo 3B3) que carrega a potente toxina produzida
pela bactérias Pseudomonas (PE38). O controle da imunotoxina ou do veículo
foi introduzido além da TARV a cada dois dias durante 14 dias em animais.
Os animais foram então sacrificados e os níveis do RNA residual nos tecidos
foram comparados com ratos infectados pelo HIV não tratados, tratados com
TARV e tratados com TARV/imunotoxina. Embora uma abordagem utilizando
imunotoxinas em humanos represente um desafio em virtude da vasta
diversidade de envelopes virais presentes em um enxame de HIV, nesse
modelo os ratos humanizados foram infectados com um único inóculo de vírus
clonal, permitindo o direcionamento pelo 3B3.
A TARV isolada suprimiu fortemente os níveis do HIV-RNA no plasma e
tecidos, mas a expressão do RNA de associação celular nos tecidos persistiu.
A imunotoxina reduziu os níveis do RNA medidos pelo PCR em até 3,2 log em
tecidos individuais. Esse resultado foi confirmado por hibridização in situ que
visualizar de modo direto as moléculas de HIV-RNA dentro de células
infectadas.
Esse resultado abre caminho para várias experiências importantes no futuro.
Demonstra a capacidade de um reagente de eliminar células infectadas
persistentes de maneira mensurável em um modelo com animais pequenos
tratáveis. Além disso, embora o segundo tipo de infecção persistente – a
reserva viral latente e quiescente em contraste com a reserva ativa residual –
não tenha sido objeto de estudo nessa experiência, condições foram criadas
para o teste de estratégias de indução da latência, seguido de estratégias
para eliminar a expressão ativa residual.
Os pacientes da Cura de Boston
As importantes histórias do paciente de Berlim, seguidas pelo estudo de
coorte de Visconti e do bebê de Mississipi nos ensinaram muito, ampliaram a
nossa imaginação e criaram esperança com relação às pesquisas
direcionadas a estratégias de cura do HIV. Tim Henrich, do Hospital Brigham
da Mulher e da Faculdade de Medicina de Harvard, acrescentou um novo
capítulo sobre descobertas clínicas com estudos sobre os reservatórios do
HIV-1 e outros fenômenos específicos a pacientes HIV positivos que tiveram
neoplasias tratadas com o transplante alogênico de células tronco, em
Boston.
Anteriormente, Henrich havia reportado uma eliminação muito significativa de
HIV-DNA em células sanguíneas periféricas em 3 indivíduos após o
transplante alogênico em regime de condicionamento de intensidade reduzida
(RIC-alloHSCT) de células tronco hematopoiéticas de doadores que tinham
genes receptores CCR5 “normais” (tipo selvagem), e cujas células eram
susceptíveis à infecção pelo HIV, diferentemente das células transplantadas
no caso do paciente de Berlim.
Após um período de 4,3 anos do transplante, um paciente estava totalmente
transplantado, com detecção apenas das células doadoras e ausência de
HIV-DNA em 2 pools de 25 milhões de PBMC testados, com uma redução do
HIV-DNA de pelo menos 1.500 vezes em comparação com o nível de DNA
antes do transplante.
Após um período de 2,6 anos do transplante, o segundo paciente estava
totalmente transplantado, com a detecção apenas de células doadoras e
ausência de HIV-DNA em um pool de 50 milhões de PBMC testado; nenhum
exemplar de HIV foi recuperado após a cultura de 150 milhões de PBMC. Um
terceiro paciente morreu de câncer 188 dias após o transplante, com níveis
decrescentes de HIV-DNA.
Os dois pacientes não apresentaram função imunológica celular específica ao
HIV detectável pelo teste ELISpot IFN-gamma no PBMC total envolvendo os
painéis de peptídio específicos para o HLA. Contudo, tinham a doença do
enxerto contra hospedeiro (GVHD) crônica, isto é, os sistemas imunológicos
enxertados dos pacientes apresentavam uma resposta imunológica ativa
crônica contra as suas células nativas. Uma interpretação para esses eventos
é que o GVHD percebe todas as células do paciente infectado pelo HIV e as
mata, resultando na cura como efeito colateral do GVHD crônico.
Como já havia sido antecipado desde a última apresentação dessa
experiência, Henrich relatou que os dois pacientes concordaram em se
submeter a uma interrupção da terapia antirretroviral, sob observação e
aprovação do IRB (Conselho de Revisão Institucional da Universidade). Na
época da reunião, os dois pacientes ainda não apresentavam HIV-RNA ou
HIV-DNA detectável em PBMC, em amostras semanais durante 7 e 14
semanas, respectivamente. Conversando com o Dr. Henrich um mês depois,
a situação permanece inalterada. O estudo e acompanhamento continuam.
TARV e Cura
Diversos estudos destacaram o papel da TARV precoce e/ou intensiva nas
estratégias de erradicação ou pelo menos de redução do reservatório viral. O
trabalho de Cheret, Rouzioux e outros ilustram o impacto de 12 meses de
TARV em HIV-DNA de associação celular em infecções primárias agudas
pelo HIV-1 no estudo OPTIPRIM ANRS 147. Noventa pacientes receberam
tratamento 35 dias em média após a data estimada da infecção: 43%
apresentaram HIV-1 determinado pelo Western-Blot com ≤1 anticorpos; 92%
eram do sexo masculino e 96% apresentavam sintomas. Os valores médios
pré-tratamento para CD4, HIV-RNA e HIV-DNA eram de 472 células/mm3
[IQR: 368-640], 5,4 cópias log/mL [IQR: 4,9-5,8], e 3,65 cópias log/milhão de
PBMC [IQR: 3,35-4,02], respectivamente. Os pacientes foram tratados com
raltegravir, maraviroc, darunavir/r, emtricitabina/tenofovir (Braço 1) ou
darunavir/r, emtricitabina/tenofovir (Braço 2). Os resultados combinados dos
dois braços da experiência aos 12 meses mostraram um aumento na
contagem de CD4 de 239 células/μL, o nível de RNA de HIV plasmático < 50
cópias/mL em 91%, e uma grande queda no HIV-DNA no PBMC. Dados
comparativos serão analisados aos 24 meses.
Em outra apresentação feita por Wolf em Munique, a TARV com 5 drogas
combinadas durante a infecção primária pelo HIV levou a uma redução dos
níveis de DNA pró-viral maior que o normalmente observado após tratamento
de infecções crônicas. Similarmente, a TARV incluiu 2 ITRN + 1IP +
maraviroque (MVC) + raltegravir (RAL). Em um estudo de coorte paralelo de
pacientes infectados crônicos, a TARV foi intensificada com MVC + RAL. Aos
24 meses, os níveis médios do DNA pró-viral estavam significativamente
menores em pacientes com infecção primária pelo HIV-1 (2,1 vs. 2,6 cópias
log/106 PBMC, p=0,001). O estudo SPARTAC também demonstrou que os
níveis do HIV-1-DNA após a terapia antirretroviral em infecções primárias
prevêem a progressão da doença. O nível do reservatório do HIV-1-DNA após
48 semanas de tratamento prevê de maneira significativa a progressão da
doença, sendo que os níveis do DNA total do HIV-1 são melhores previsores
do que os níveis do DNA integrado do HIV-1.
Laurent Hocqueloux relatou os resultados de um estudo da ANRS
demonstrando que pacientes cronicamente infectados, que iniciaram a TARV
com CD4 acima de 500/mm3, alcançaram uma contagem melhor e mais alta
de CD4 e níveis menores de HIV-DNA. 309 pacientes foram incluídos após
um período médio de 4 anos de TARV. Os pacientes submetidos à TARV com
CD4 < 500 células/μL apresentaram níveis de HIV-DNA significativamente
mais baixos (média = 2,50 log).
Os benefícios da terapia precoce parecem claros e universais, quando
implantados com sucesso. Esses pacientes seriam os principais candidatos
para futuros projetos em busca da cura.
Medições da Infecção do HIV
Sarah Palmer, do Instituto Westmead Millenium para Pesquisas Médicas e
Universidade de Sidney, Austrália, relatou uma análise das frequências da
infecção pelo HIV e a configuração genética do HIV-1 intracelular em
compartimentos de tecidos de pacientes tratados após infecções agudas e
crônicas. Utilizando técnicas de sequenciamento de genomas e pró-virais
únicos, foram sequenciados os genomas intracelulares do HIV-1 de células T
virgens, centrais, transicionais e de memória efetora em sangue periférico,
intestino grosso e tecido de nódulo linfático. Após 4 a 12 anos de terapia
supressora, foram coletadas amostras de 5 indivíduos que iniciaram a terapia
durante uma infecção aguda e 3 que iniciaram a terapia durante a infecção
crônica, com intervalos de 6 meses entre cada coleta. Os principais
resultados foram:
· As frequências da infecção em cada população não mudaram muito com o
passar do tempo na maioria dos pacientes;
· As frequências da infecção de todos os subconjuntos de células T foram
maiores em sujeitos tratados durante a infecção crônica do que durante a
infecção aguda, com a memória central carregando a maior parte do HIVDNA. No intestino grosso, as células T efetoras carregavam a maior
quantidade de HIV-DNA;
· Houve pouca evidência de mudanças sequenciais (evolução) do HIV-DNA
no sangue, linfonodos, intestino grosso para as populações de células
centrais, efetoras, virgens, de memória e transicionais.
· O aumento de sequências clonais do HIV-1 das células T efetoras de
memória em dois sujeitos, especialmente um paciente com cepa do HIV com
incompetência replicativa, carregando uma grande supressão de protease,
indica uma expansão de células com DNA pró-viral integrado ao invés de
replicação viral ativa.
No geral, esses resultados reforçam a ideia de que uma TARV supressora
bem sucedida bloqueia inteiramente a replicação do HIV, conforme definido
por um ciclo completo da vida viral, necessário para gerar diversidade
genética e evolução. Esses dados evidentes ainda não encerraram o debate
entre o grupo (incluindo o autor) que acredita que a TARV já alcançou sua
eficácia virológica máxima (ou seja, mais e melhores terapias não curarão a
infecção pelo HIV) e os que percebem a “replicação persistente” como parte
do problema da infecção persistente pelo HIV.
Richard Koup apresentou o trabalho de seu colega Joe Casazza, do Centro
de Pesquisas de Vacinas, com um estudo sobre os detalhes das células T
CD4 isoladas das células mononucleares do sangue periférico (PBMC) que
apresentavam HIV-RNA+, e, portanto, com grande chance de transcrever
ativamente o HIV-RNA. Os HIV-RNA se apresentam de duas formas
principais: os HIV-RNA emendados que representam os primeiros estágios da
expressão viral e os não-emendados, longas fitas de HIV-RNA que
representam os estágios finais da replicação viral e que podem resultar na
produção de vírions e na expressão de antígenos de HIV na superfície da
célula infectada. Utilizando primers de PCR especialmente desenvolvidos,
essas duas espécies de RNA podem ser distinguidas, identificando quais as
células que estão gerando o HIV, mas que podem estar menos visíveis ao
sistema imunológico, e quais células podem estar produzindo vírions e podem
ser eliminadas pela resposta imunológica.
Os PBMC in vivo negativos para CD8 de 6 indivíduos infectados pelo HIV e
não tratados por TARV foram classificados em CD4+ com expressão alta,
CD4+ com expressão baixa e CD4+ sem expressão. Essa é uma
característica importante, pois se sabe que as células CD4+ podem perder a
expressão do CD4 em sua superfície nos estágios produtivos da infecção pelo
HIV, devido à ação da proteína viral Nef. Marcadores de superfície da
ativação da célula T e a expressão na superfície dos antígenos do HIV foram
usados para classificar as células expressando o HIV. A frequência de células
T contendo HIV-RNA e a quantidade de HIV-RNA em cada população foram
determinados usando a diluição limitante RT qPCR. O número de cópias do
HIV-RNA por célula foi determinado utilizando-se valores dos poços nos
pontos extremos da diluição que tinham maior probabilidade de conter uma
única célula HIV-RNA+. O RNA emendado mensurável foi utilizado como
evidência da transcrição ativa do DNA pró-viral.
A frequência média de células contendo RNA não emendado na população de
CD4 com expressão alta foi de 1:2500, significativamente maior que a
frequência de RNA emendado na mesma população (em torno de 1:5000). Na
população de CD4 com baixa expressão, ocorreu coexpressão rotineira de
RNA emendados e não emendados, com frequência média em torno de 1 em
60 células. O número médio de cópias de RNA emendados e não emendados
aumentou com a redução da expressão da superfície da célula T CD4, como
esperado. Quando as células expressando marcadores da ativação da célula
T foram estudadas, o número de células ativamente transcrevendo o HIV
chegou a 1 em 30 (3,3%).
Entretanto, considera-se muito difícil a utilização de amplos anticorpos
monoclonais específicos neutralizantes para o gene env (envelope) para a
identificação direta ex-vivo de células contendo HIV-RNA+. Aparentemente,
embora seja possível detectar células contendo HIV-RNA, é muito mais difícil
detectar células positivas para o antígeno do HIV utilizando as atuais técnicas
de anticorpos. Isso pode representar um desafio para a detecção de células
infectadas em pacientes tratados com TARV durante as tentativas de
desenvolver estratégias para a eliminação/erradicação do vírus.
Una O’Doherty, da Universidade da Pensilvânia, relatou resultados melhores
na detecção de células do reservatório positivas para o antígeno Gag do HIV.
A pesquisadora tingiu células T CD4+ fenotipicamente em repouso (HLA-DR-,
CD25-, CD69-), de indivíduos infectados pelo HIV sendo tratados por TARV,
com um anticorpo contra o Gag do HIV, e classificou-as como células Gag+ e
Gag-. A seguir, mediu o HIV-DNA nas frações Gag+ e Gag- para determinar
se o HIV-DNA foi enriquecido na população Gag+. Níveis mais altos de HIVDNA foram medidos nas células Gag+ em todos os 5 pacientes do estudo
preliminar. Calculou-se que as células Gag+ representaram até 2% das
células CD4+ em repouso que também eram positivas para o HIV-DNA. Seria
importante determinar, se possível, quanto das 98% que eram Gag negativas
poderiam se tornar Gag+ sob estimulação, e que proporção dessas células
(tanto as Gag+ sem ativação quanto as Gag+ após estimulação) produziram
replicação competente do HIV.
O’Doherty também apresentou evidências de que as células que são Gag+
podem ser eliminadas por células T citotóxicas específicas para o HIV (CTL).
Finalmente, em um sistema utilizando cultura celular, a eficácia do CTL para
eliminar células Gag+ in vitro, apresentou forte correlação com a frequência
de DNA integrado do HIV em células de pacientes in vivo. Ela concluiu que
uma fração do reservatório de células T CD4+ em repouso expressa as
proteínas Gag do HIV em pacientes tratados com TARV; tais células podem
ser eliminadas por CTL e pacientes com CTL mais eficiente devem ter um
reservatório menor.
Estudos mecanísticos
Diversos e interessantes estudos mecanísticos ilustram potenciais alvos
futuros para terapias anti-latência, destacando os mecanismos celulares que
podem levar a uma infecção latente e manter reservatórios da infecção
dormente do HIV apesar da TARV. Direcionar a pesquisa para tais
mecanismos pode forçar o vírus a sair do seu esconderijo. Mathias
Lichterfeld, do Hospital Geral de Massachusetts, propôs que a infecção
latente pelo HIV-1 era causada pelo fator beta-catenina do hospedeiro em um
tipo relativamente novo de célula T CD4 de memória, chamada de célula
tronco de memória. Além disso, ele apostou nessa ideia sugerindo que drogas
inibidoras de beta-catenina poderiam eliminar tais reservatórios latentes.
Células tronco T CD4+ de memória (Tscm) representam uma descoberta
recente da subpopulação de células T que aparentam ter longa vida.
Considera-se que essas células são mantidas por vias de sinalização celular
que envolvem uma cascata de fatores celulares conhecidos como via
Wnt/beta-catenina. Trata-se de uma via complexa composta de muitos fatores
celulares humanos, dentre os quais um que regula muitos dos genes
humanos.
A beta-catenina, com seu coativador CBP (a proteína de ligação ao elemento
de resposta ao AMP cíclico – proteína de ligação a CREB), junto com outros
fatores de transcrição, se liga a regiões do genoma humano que contêm a
sequência de DNA conhecida como elemento de resposta Wnt, e ativa a
transcrição de diversos genes alvo. A via de sinalização Wnt/beta-catenina
regula a morfologia celular, sua mobilidade e proliferação. A regulação
anormal dessa via causa proliferação neoplásica (isto é, câncer). O inibidor
experimental PRI-724 está sendo usado em estudo para tratar neoplasias
supostamente causadas por anormalidades na sinalização Wnt. Esse inibidor
bloqueia essa via em células tronco cancerosas e parece ter atividade
antineoplásica.
Lichterfeld testou a ideia de que esse inibidor poderia desestabilizar a latência
do HIV e utilizou ensaios PCR para determinar a quantidade de HIV-1 de
associação celular em subconjuntos de células T CD4 classificadas, de
pacientes infectados pelo HIV-1 tratados com TARV. O autor encontrou altos
níveis de HIV-DNA em Tscm nos pacientes, e a presença de vírus com
replicação competente dentro dos subconjuntos de células T CD4, utilizando
ensaios de reativação viral. A recuperação do HIV de células expostas ao
PRI-724 sugeriu que os inibidores farmacêuticos de beta-catenina podem ter
um papel adjunto ou adicional para a redução da persistência viral de longo
prazo nas Tscm do CD4.
Ao examinar uma população mais típica de células, a célula T CD4+ de
memória central, Tokameh Mahmoudi, do Centro Médico Erasmus, Países
Baixos, também apresentou evidências de que a ativação da via Wnt por
ligantes naturais ou inibidores de pequenas moléculas poderia induzir a
expressão do HIV latente. Seu trabalho foi realizado em clássicos modelos
laboratoriais de linha celular de latência, as linhas celulares J-Lat 1.1 e SLat30. Embora essas linhas sejam às vezes criticadas como representações
de artefatos laboratoriais ao invés do caráter verdadeiro do reservatório
latente em pacientes, muitos estudos realizados com esses modelos simples
deram origem a outros mais complexos ou que utilizam as células de
pacientes. Mahmoudi descobriu que o tratamento de células latentes
infectadas pelo HIV com ativadores da via Wnt resultou no recrutamento do
TCF/LEF e beta-catenina, os efetores moleculares da sinalização Wnt, para o
LTR de HIV latente. Esse evento foi medido utilizando imunoprecipitação da
cromatina, um método laboratorial de padrão ouro para mostrar a presença de
um fator celular específico em uma região regulatória de um gene específico
ou promotor. A ativação mediada pelo Wnt do LTR de HIV latente foi
sinergicamente reforçada com a presença de inibidores de histona
deacetilase, cuja capacidade de induzir o HIV latente já é conhecida. Esses
estudos também foram confirmados em um modelo de latência desenvolvido
mediante a infecção de células CD4 primárias em laboratório, como descrito
por Bosque e Planelles. Os estudos de Mahmoudi reforçam as pesquisas de
Lichterfel. Entretanto, o valor final dessa abordagem ainda precisa ser
inteiramente validado em estudos utilizando inibidores de pequenas
moléculas altamente específicos e ferramentas moleculares em células
primárias, preferencialmente de pacientes HIV positivos, ao invés dos
reagentes não específicos utilizados para induzir a sinalização Wnt (lítio) e a
inibição do HDAC (ácido valpróico).
Em termos gerais, o Simpósio da IAS sobre a Cura do HIV em Kuala Lumpur
apresentou ciência de alto nível e a viagem foi bastante frutífera. É animador
ver essa área se expandir e seguir avançando constantemente.
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IAS 2013: 7ª Conferência da IAS sobre o HIV Patogênese