Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Serviço Social
Trabalho de Conclusão de Curso
A violência física contra crianças e a
relação com o contexto familiar
ANA KAROLINE OLIVEIRA DUARTE
A VIOLÊNCIA FÍSICA CONTRA CRIANÇAS NO CONTEXTO FAMILIAR: UMA
Resumo:
REVISÃO DE LITERATURA
Este artigo aborda a violência física contra crianças e a relação que possui com o
contexto familiar em que a vítima está inserida. O que se pretende neste estudo é
demonstrar/afirmar/analisar? a fundamental importância de se compreender o histórico
social de violações de direitos e/ou situações de violência intrafamiliar, a conjuntura
histórica da família e atuação do agressor em relação a esses aspectos como o contexto
familiar reflete nas relações entre pais e filhos *responsáveis x crianças e está associado
Autora: Ana Karoline Oliveira Duarte
diretamente a questão da violação de direitos, sendo esta por meio da violência física a
Prof.ª Dr.ª Ozanira Ferreira da Costa
que são submetidas.
Analisar o contexto familiar da criança que sofreu violência física
CRIANÇAS SÃO SUJEITOS DE DIREITOS
SUPORTE
FUNDAMENTAR
ABORDAR
VISA
IDENTIFICAR
Impac
Brasília – DF
2013
ANA KAROLINE OLIVEIRA DUARTE
A VIOLÊNCIA FÍSICA CONTRA CRIANÇAS NO CONTEXTO FAMILIAR: UMA
REVISÃO DE LITERATURA
Projeto apresentado ao curso de graduação em
Serviço Social da Universidade Católica de
Brasília, como requisito parcial para obtenção
do título de bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ozanira Ferreira Costa
Brasília
2013
Ao meu amado Deus, por sua fidelidade constante em
minha vida, que me permitiu chegar até aqui. Aos meus
pais, fonte de incentivo e força, por acreditarem na
minha capacidade, e por estarem sempre presentes. Ao
meu precioso Arthur, que trouxe um novo significado a
minha existência e por ser o maior motivo da minha
persistência.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus: rei, eterno, invisível, mas real. Meu ser supremo,
dono da minha fé, que me permitiu chegar até aqui. Agradeço por sua fidelidade constante em
minha vida, mesmo quando não sou merecedora dela, e pelas provisões necessárias durante
esses quatro anos.
A minha amada amiga-mãe, Maristela, com quem compartilhei todas as conquistas,
dificuldades, riso e choro durante a trajetória acadêmica. Obrigada por ser uma mãe presente,
doce, e por seu amor genuíno. Obrigada pelo colo quando preciso e pelas broncas quando
necessárias. Sou grata por todo o incentivo durante a trajetória acadêmica, pelo cuidado e
carinho para com meu filho e por todas as madrugadas, durante o processo de construção
desse Artigo, que se dispôs a cuidar dele por mim.
Ao meu amado, pai-guerreiro, Duarte, a quem serei eternamente grata por todo esforço
para que eu chegasse até aqui. Obrigado por me amar tanto, pela força, por suas palavras de
incentivo, pelos abraços, colo e carinho, quando eu mais preciso. Obrigado pelas noites em
claro que passou apenas para me fazer companhia nas madrugadas enquanto eu dava vida a
este trabalho. Obrigado por ainda ser meu herói e pelos ensinamentos a mim transmitidos,
que vão muito além de conteúdo de livros.
Ao meu lindo príncipe, autor da minha felicidade: meu filho Arthur. Obrigado por dar
um novo significado à minha vida, por me ensinar o que é ser mãe, e me permitir provar de
um amor indescritível. Obrigado por exalar alegria nos meus dias, e deixar tudo mais
colorido, você é o maior motivo da minha persistência e determinação.
A Joyce de Oliveira, prima, amiga, irmã. Por ser meu referencial como Assistente
Social, e principal responsável pela escolha do curso. Agradeço por todo incentivo e força.
A Ozanira Ferreira, por ser tão atenciosa e por acreditar na minha capacidade.
As minhas amigas, que tenho um grande carinho, Vanusa Dias, Ana Carolina Sá e Edcélia
Monteiro. Agradeço por estarem sempre ao meu lado, por acreditarem em mim e por todas as
palavras de ânimo, vocês fazem toda diferença na minha vida. A Everton Leite, por sua
amizade e pela companhia nas noites de construção deste.
A supervisora de estágio, Karine Cardoso, assistente social do CRAS/ Brazlândia, agradeço
por todo carinho e por ter contribuindo grandemente na trajetória acadêmica. A Giuliana
Giongo, assistente social da DPSB. Por seu carinho e conhecimentos transmitidos.
Aos amigos do curso, que fizeram toda diferença durante a jornada acadêmica;
Fernando Rocha, Alexandre Batista, Pablo, Vicente Fialho, Kátia Lopes, Nathália Araújo,
Pollyana Patrícia, Kelly Lopes, Francisca Jardeline. Em especial, agradeço a Jorgiane Cristina
por sua amizade sincera, carinho e por todo apoio. À Laura Meireles, a quem aprendi admirar,
agradeço por sempre estar disposta a me ajudar e por acreditar em mim. E por fim, à Luana
Souza, por compartilhar momentos felizes durante este percurso.
“A violência, seja qual for a maneira como ela
se manifesta, é sempre uma derrota”. Jean Paul
Sartre
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A VIOLÊNCIA FÍSICA CONTRA CRIANÇAS NO CONTEXTO FAMILIAR: UMA
REVISÃO DE LITERATURA
ANA KAROLINE OLIVEIRA DUARTE
Resumo: A violência intrafamiliar pode ser praticada contra qualquer membro dentro do
ambiente doméstico, contudo, a ocorrência contra as crianças é maior, visto que sua
fragilidade é um fator determinante nessa relação. Este artigo, portanto, tem como objeto de
estudo a violência física contra crianças no contexto familiar. Objetiva-se analisar o meio
familiar que está inserida a criança vítima de violência física, quem são os autores desta
prática e quais fatores dentro dessa relação, que podem contribuir direta e indiretamente para
isso. O estudo é baseado, sobretudo na pesquisa teórica, feita a partir da pesquisa bibliográfica
e documental relacionadas ao tema. Que são necessárias para uma compreensão acerca do
histórico social de violações de direitos, situações de violência intrafamiliar, conjuntura
históricas da família e a atuação do agressor em relação a esses fatores. Partindo da hipótese
que as famílias de crianças que sofrem situações de violência física vêm de um contexto
histórico social de violações de direitos e/ou situações de violência intrafamiliar. Frisando
ainda que, tal contexto pode ou não refletir nas relações entre pais e/ou responsáveis pela
criança, considerando as diversas formas de estrutura familiar correlacionadas à questão da
violação de direitos, principalmente no que se refere à violência física.
Palavras-chaves: Criança; Família; violação de direitos; Violência física; Violência
intrafamiliar.
INTRODUCAO
Este artigo apresenta-se como requisito para a obtenção do título de bacharel em
Serviço Social e aborda a violência física contra crianças no contexto familiar. A discussão
central busca analisar como a violência física contra crianças tem relação com o contexto
familiar desta, que é submetida ao ato violento por um membro adulto.
A principal motivação para o desenvolvimento do tema se relaciona com a trajetória
acadêmica e pessoal. Surgiu a partir de leituras realizadas durante o percurso acadêmico do
curso de Serviço Social, enfatizando as aulas de Teorias Sociais no 3° semestre e em seguida
a disciplina de Proteção integral, família e serviço social ministrada no 7° semestre, que
tinham por característica discussões e leituras relacionadas ao tema.
Do ponto de vista pessoal, o interesse aumentou com o nascimento do meu filho. A
maternidade despertou nesta autora a curiosidade para compreender melhor as
particularidades desse imenso universo que é a infância e suas fragilidades dentro das relações
familiares a que estão involuntariamente submetidas.
Nesse sentido, o interesse se amplia pela necessidade e relevância de compreender o
que é a violência, analisar as suas formas e contextos que interferem direta e indiretamente na
sua prática e entender as implicações desse fenômeno, especificamente a violência física,
tendo como principal vítima as crianças, com o agravante de tal ato ser cometido, em grande
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parte dos casos, dentro de casa por um ou mais membros da própria família. Ou seja, as
situações de violência intrafamiliar se apresentam como um fenômeno contraditório ao
esperado, visto que é exatamente no ambiente familiar onde a criança deveria receber
proteção, ser acolhida, amada e sentir-se segura.
Do ponto de vista dos procedimentos metodológicos, destaca-se a opção pela
pesquisa teórica por meio da pesquisa bibliográfica e documental, com a análise de obras de
autores e estudiosos do assunto sob investigação, bem como em relatórios de pesquisas e
outros documentos que apresentam dados sobre a violência física contra crianças. Para a
análise do material investigado, busca-se empreender uma leitura crítica com o diálogo entre
os distintos autores e documentos analisados.
O presente artigo está organizado em três tópicos: O primeiro aborda os
procedimentos metodológicos para a elaboração deste artigo; o segundo apresenta
preliminarmente aspectos teóricos e conceituais sobre a violência física contra crianças no
contexto familiar, com destaque para o conceito de violência e as diversas formas que ela
pode ser reproduzida na sociedade e para a violência física contra crianças, a qual será objeto
principal deste estudo; o terceiro tópico compreende a violência física contra crianças
praticada no contexto familiar, com um breve relato histórico da criança e suas relações
sociais e familiar desde a antiguidade. Por fim, este trabalho apresenta as considerações finais,
nas quais são retomados alguns pontos discutidos no decorrer do trabalho, para tentar
responder os objetivos apresentados inicialmente, deixando no entanto, aberto uma reflexão
sobre o tema no sentido de avançar para outras pesquisas e discussões.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A metodologia escolhida para abordar o tema foi a pesquisa teórica por meio de
pesquisa bibliográfica e documental.
A partir da pesquisa teórica é possível aprofundar acerca de conhecimentos
bibliográficos a respeito violência física no contexto social.
A pesquisa teórica "dedica-se a reconstruir teoria, conceitos, idéias, ideologias e
polêmicas, tendo em vista, em termos imediatos, aprimorar fundamentos teóricos" (DEMO,
2000, p. 20). Portanto, não implica imediata intervenção na realidade, mas nem por isso deixa
de ser importante, pois seu papel é decisivo na criação de condições para a intervenção. "O
conhecimento teórico adequado acarreta rigor conceitual, análise acurada, desempenho
lógico, argumentação diversificada, capacidade explicativa" (DEMO, 1994, p. 36).
Conforme a classificação proposta por Gil (2002, p.44) “a pesquisa bibliográfica é
desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e
artigos científicos”.
Gil (2002, p. 45) destaca que, “a pesquisa documental vale-se de materiais que não
recebem ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com
os objetos da pesquisa”. Importante ressaltar que pesquisa bibliográfica e documental são
distintas. Esse estudo teve como referência as concepções a partir dos pensamentos, conceitos
e pontos de vista dos autores Faleiros, Duarte, Minayo e Sanchez.
Finalmente, para a análise dos dados, foi feito um tratamento do conteúdo, que
segundo Minayo (1994), consiste em estudar o texto como um todo para compreender a
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lógica, a expressão das idéias e dos conceitos, identificando o raciocínio do autor de maneira
crítica e reflexiva.
Nessa perspectiva, por meio da pesquisa teórica, busca-se o diálogo entre os
distintos autores e documentos analisados a fim de que a reflexão e análise possibilitem a
compreensão crítica acerca da investigação proposta e não a mera reprodução do que foi lido.
Na pesquisa social há uma fase essencialmente teórica, que é a de formulação do problema e
de sua inserção numa perspectiva mais ampla; o que geralmente envolve a construção de
hipóteses e a identificação dos potenciais nexos entre as variáveis. (GIL, 1999).
1 ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS PRELIMINARES SOBRE A
VIOLÊNCIA FÍSICA CONTRA CRIANÇAS NO CONTEXTO FAMILIAR
1.1 VIOLÊNCIA
Este item aborda sobre o conceito de violência e as diversas formas que esta pode ser
praticada. Com base nos estudos empreendidos, observa-se que existem diversos conceitos
sobre esta temática apresentada por diferentes autores.
De antemão, vale salientar que a palavra “violência” é um vocábulo muito conhecido
desde os primórdios da humanidade, e diversas situações remetem ao seu significado.
Segundo o dicionário Aurélio, violência significa:
Qualidade ou caráter de violento. Ação violenta: cometer violências. Ato ou
efeito de violentar. Opressão, tirania: regime de violência. Direito
Constrangimento físico ou moral exercido sobre alguém. (Violência, 2002,
p.713).
Diariamente, são veiculadas inúmeras notícias de casos e vítimas decorrentes da
violência, mas, a violência não é um acontecimento recente, ela se manifesta desde a
antiguidade e permeia em diversos âmbitos sociais. Para uma melhor compreensão desse
fenômeno, é necessário resgatar, mesmo que de forma genérica, o seu processo histórico que
remonta ao início da sociedade. A título de exemplo, destaca-se o período colonial no Brasil,
onde já eram notáveis as relações de exploração indígenas e, posteriormente o contexto de
relações extremamente violentas entre Senhores de engenho e escravos, em que estes eram
submetidos a condições insalubres de trabalho, trabalhos forçados e compelidos por fortes
ameaças. Agressões entre outras formas de intimidação a que eram submetidos, já
caracterizava várias formas de violência.
Segundo Marcondes Filho (2001), Marx [s.d] passou a ter uma perspectiva da
violência como um ato que pode ser vencido ou superado, pois pra ele não se tratava de um
estigma inerente ao homem, mas uma categoria socialmente construída e reproduzida de
forma éclica. Coloca ainda que essa perspectiva vai de confronto com o ponto de vista de
Nietzsche [s.d] segundo o qual afirma que a violência é algo que pertence sim ao homem
desde o seu nascimento. Ou seja, ela e o ser humano são inseparáveis. Contudo, esta opinião
de Nietzsche não o coloca favorável à violência, apenas a conceitua de acordo com suas
percepções da época.
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A prática da violência é uma questão preocupante e merece um olhar atento para a
compreensão de suas raízes e o contexto ao qual está inserida. Uma vez que não pode ser
classificada como uma questão unilateral, individual e fragmentada focada somente na vítima,
pois se trata de um grave problema histórico, social e também de Saúde Pública.
De acordo com Sanchez (2003, apud SANCHEZ; MINAYO. 2006, p. 14) “A
violência e suas conseqüências negativas sobre a saúde são, antes de tudo, uma violação dos
direitos humanos, não escolhe classe social, raça, credo, etnia, sexo e idade.” Nesse sentido,
com base na autora acima mencionada, é coerente afirmar que a violência caracteriza-se como
um problema também na esfera da Saúde Pública, visto que a conseqüência a partir da
ocorrência da sua prática, seja esta, física, sexual ou psicológica, acarretará um maior número
na procura aos serviços da área da saúde, uma vez que as vítimas podem apresentar diversos
sintomas e/ou doenças provenientes da agressão.
A violência possui como característica a sua prática em uma relação desigual,
dominante e abusiva do poder de uma parte em relação a outra. Envolve diversos fatores
como: sociais, econômicos, psicológicos e culturais. Podendo ser reproduzida de diferentes
maneiras. Duarte (2005, p.27) faz a seguinte definição sobre esse fenômeno: “A violência é o
evento representado por ação ou omissão realizada por indivíduos, grupos, classes, nações,
que ocasionam danos físicos, emocionais, psicológicos, morais e espirituais a si próprios ou
aos outros”.
A violência portanto, não se limita a uma determinada classe social e/ou econômica.
Ela abrange todas as camadas da sociedade, sendo mais notória e menos velada nas famílias
de poder aquisitivo menor.
Para Faleiros (2005, p. 6 apud SILVA; LACERDA, 2007, p.240),
A violência é uma expressão relacional de poder, como forma de exercício de
dominação, de imposição como de reação de quem tem seu poder
enfraquecido, como revide [...] está situada no contexto de negação da vida.
Ao citar o termo “violência” geralmente a idéia simultaneamente associada é a de
violência física. Surge involuntariamente a imagem de violência cometida ao corpo, agressões
e hematomas, que por serem nesse ângulo mais perceptíveis, dar-se-á inicialmente uma
importância maior. Isto se deve visto que a violência física e urbana são mais retratadas e
abordadas na sociedade, por meio da mídia. O que é uma percepção equivocada, já que seu
conceito não se restringe a um ponto, mas se estende a diversos âmbitos dentro das relações
sociais. A concepção de Faleiros retrata que
[...]É sob essa ótica que definimos a violência. A relação de agressão ao
outro que lhe causa dano físico, psíquico, moral se inscreve numa rede de
poderes/dominação onde um polo de poder se aproveita ou se beneficia em
detrimento do outro. É uma relação dialética desvantajosa para a criança ou
o adolescente e proveitosa para o adulto abusador ou explorador. Assim,
violência, aqui não é entendida, como ato isolado psicologizado pelo
descontrole, pela doença, pela patologia, mas como um desencadear de
relações que envolvem a cultura, o imaginário, as normas, o processo
civilizatório de um povo. (FALEIROS, 1998, p. 267).
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Destaca-se aqui três tipos de violência: a estrutural e sistêmica e a doméstica. Para
Minayo e Sanchez (2006, p. 31).
A violência estrutural é aquela que incide sobre a condição de vida das
crianças e adolescentes, a partir de decisões histórico-econômicas e sociais,
tornando vulneráveis suas condições de crescimento e desenvolvimento. Por
ter um caráter de perenidade e se apresentar sem a intervenção imediata dos
indivíduos, essa forma de violência aparece naturalizada, como se não
houvesse nela a intervenção dos que detêm o poder e a riqueza.
Já violência sistêmica brota da prática do autoritarismo, profundamente enraizada,
apesar das garantias democráticas tão claramente expressas na Constituição de 1988. Suas
raízes no Brasil encontram-se no passado colonial. Ainda hoje, as manifestações da violência
sistêmica são inúmeras, e o Estado tem se mostrado bastante ineficaz no combate à tortura
legal e aos maus-tratos aos presos, bem como à ação dos grupos de extermínio. E por último a
violência domestica e intrafamiliar, que é objeto deste estudo. Esta por sua vez, ocorre dentro
do lar.
Praticada por membros da família (pai, mãe, filha, marido, sogra, padrasto ou
outros), por afinidade (por exemplo, o primo ou tio do marido) ou afetividade
(amigo ou amiga que more na mesma casa ou fora). Geralmente, expressa-se
como abuso físico, sexual, psicológico ou como negligência ou abandono.
(BRASÍLIA, 2009, p.09).
Portanto, a violência se caracteriza de diferentes modos, podendo ser praticada em
espaços distintos. Independente de qual for a sua configuração, ocasionará sempre danos e as
conseqüências, sendo a curto ou longo prazo, que podem ser devastadoras. Afetando o
psicológico da criança, atrapalhando o seu desenvolvimento físico, social e psíquico, levando
em algumas situações a morte da vítima. De acordo com Rosas e Cionek (2006, p. 01) “As
conseqüências da violência doméstica podem ser muito sérias, pois crianças e adolescentes
aprendem com cada situação que vivenciam, seu psicológico é condicionado pelo social e o
primeiro grupo social que a criança e adolescente tem contato é a família”.
Minayo e Souza (1997, p.514) ressaltam que “a violência consiste em ações humanas
de indivíduos, grupos, classes, nações que ocasionam a morte de outros seres humanos ou que
afetam sua integridade física, moral, mental ou espiritual”.
1.2 VIOLÊNCIA FÍSICA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Compreender o fenômeno da violência significa abranger a sua ação praticada em
todos os contextos sociais. Faleiros (2010) explica que a violência é uma troca de relações
desiguais de poder e de condições sociais que negam a vida, acaba com toda forma de
tolerância e principalmente age na violação de direitos, causando diversos tipos de prejuízos,
podendo ser, materiais, morais, físicos e, nos casos mais drásticos, causando até a morte.
Entre os distintos tipos de violência, esse estudo aborda especificamente o da violência física
contra crianças e adolescentes.
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Compreende-se a violência física como “qualquer ação que machuque ou agrida
intencionalmente uma pessoa, por meio da força física, arma ou objeto, provocando ou não
danos e lesões internas ou externas no corpo”. (BRASÍLIA, 2009). Com tal definição, se faz
necessário romper com a pré-concepção que a violência física só é atestada a partir das
características da agressão, denominadas hematomas corporais.
Faleiros e Faleiros entendem que:
São formas de violência física: a disciplina física abusiva com fins corretivos
(tapas, surras e agressões com qualquer tipo de objeto), torturas, privações
físicas deliberadas (de comer e de beber), restrições de movimentos
(confinamento), privação ou transferência de abrigo (expulsão do lar,
colocação em outra residência, internação), trabalho forçado e inadequado à
idade e desenvolvimento do vitimizado, eliminação física (assassinato) e
violência sexual. (FALEIROS, V. ; FALEIROS,E, 2008, p.35).
A violência pode causar graves danos físicos e psicológicos, portanto não
necessariamente ela precisa deixar marcas para caracterizar o seu ato. Contudo, esta pode
apresentar diferentes graus, que podem ir desde um leve ferimento, uma ofensa verbal, ou até
mesmo gerar a morte.
De acordo com o Manual para atendimento às vítimas de violência na rede de saúde
pública do Distrito Federal
Muita das pessoas que recorrem aos serviços de saúde com queixa de
diversos sintomas como: enxaquecas, gastrites, dores difusas e outros
problemas, são pessoas vítimas de violência doméstica, embora, grande parte
delas, compõe a estatística dos que não relatam que viveu ou vive em
situação de violência. (BRASÍLIA, 2009, p. 7).
Faleiros e Faleiros (2008) afirmam que é importante distinguir a violência doméstica
da violência familiar. A violência doméstica refere-se ao lugar onde ela ocorre na casa, no lar.
A violência familiar se refere à natureza dos laços parentais que unem as vítimas e os autores
da violência. São portanto, termos diferentes, já que a violência doméstica pode ser cometida
por um “não membro”, e a violência familiar, se restringe ao fenômeno da violência a partir
da sua prática por um componente da família. Vale ressaltar, que a violência intrafamiliar
pode ser cometida contra qualquer membro da família, contudo, em sua grande maioria as
vítimas são as crianças, que por sua vez tornam-se alvos fácies, por que são desprovidas de
defesa e por sua fragilidade.
Não é intuito deste trabalho fazer um apanhado histórico sobre a violência contra
crianças e adolescentes, no entanto, vale mencionar uma afirmação bastante pessimista de
estudiosos do assunto (DE MAUSE 1975 apud FALEIROS, V. ; FALEIROS, E, 2008),
segunda a qual, quanto mais remete-se à história, quanto mais busca-se compreender as
implicações em torno da violência histórica contra crianças, percebe-se o quanto elas não
recebiam cuidados necessários pertinentes ao seu desenvolvimento, e maior a probabilidade
de que tenham sido assassinadas, maltratadas, sofrendo todo tipo de espancamento e abuso
sexual.
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Ressalta-se que a noção de Proteção Integral à criança, é relativamente recente. “A
perspectiva da proteção integral, adotada no final do século XX, contrapõe-se a uma
perspectiva de disciplinamento e dominação das crianças perpetuada historicamente. A
violência contra crianças e adolescentes esteve presente na história da humanidade desde os
mais antigos registros”. (FALEIROS 2008, p.16)
Obtemos ao longo do tempo, grandes avanços e retrocessos na luta em defesa de
direitos de crianças e adolescentes. No campo do legislativo progressivamente fomos
conquistando a aprovação de leis que normatizassem o trato à população infanto-juvenil e
nesse sentido, cabe destacar como marco na perspectiva do rompimento com os paradigmas
vigentes e baseado no paradigma da proteção integral de crianças e adolescentes, o Estatuto
da Criança e do Adolescente – ECA - LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990.
(BRASIL,1990).
Tratando-se especificamente da violência física contra crianças, atualmente, não
obstante a polêmica que esta suscita, temos a iniciativa do Projeto de lei PL 7.672/2010,
popularmente conhecida como “Lei da Palmada”, a qual proíbe o uso da força por quaisquer
circunstâncias contra crianças e adolescentes. Visando assegurar a estes sua integridade física
e punindo aquele (pai, mãe ou responsável) que agredir corporalmente o menor.
Para abordar um breve histórico sobre os direitos das crianças, é preciso relatar que, a
primeiras Leis direcionadas para crianças e adolescentes, foram criadas a partir da concepção
de “menor abandonado” e “menor deliquente”. A Legislação se restringia apenas as crianças
pertencentes a esses dois grupos.
De acordo com Frota [s.d]
As primeiras legislações e instituições específicas destinadas à infância e à
adolescência surgiram, em diversos países europeus e americanos, em fins do
século XIX e nas primeiras décadas do século XX. As novas leis e
instituições foram baseadas na doutrina da situação irregular que tinha como
eixo a idéia de controle social dos “menores” infratores e daqueles
considerados abandonados moral ou materialmente por seus familiares.
(FROTA, [s.d], p. 02).
Assim, as crianças que não se enquadravam nessa condição, não tinham aparato algum
do Estado, pois, não existiam Leis que assegurassem seus direitos enquanto crianças.
No Brasil, a primeira Legislação para crianças, foi o código de menores, criado no ano
de 1927. Este, direcionado a todos os menores de 18 anos de idade, em situação irregular, que
eram classificados como delinqüentes e os abandonados moral ou materialmente. (FROTA,
[s.d]).
Jasmin (1986, p. 88, apud FROTA, [s.d], p. 04) define como deliquentes:
Os menores de 14 a 18 anos de idade que haviam cometido algum ato
infracional e esses eram submetidos a um processo especial, com
responsabilidade penal atenuada e encaminhamento para prisões-escola
(reformatórios) ou, na ausência destas, para um estabelecimento anexo à
penitenciária adulta.
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Passados 63 anos após a instituição do Código de menores, as crianças e adolescentes
são reconhecidas como cidadãos de direitos como qualquer outro. Com isso, entra em vigor
no ano de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Este vem para assegurar
formalmente, o estado de direito para a infância e adolescência no Brasil.
O ECA visa a proteção integral da criança assegurada em seu art. 15, o qual declara
que “A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como
pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos
e sociais garantidos na Constituição e nas leis”. (BRASIL, 1990).
De acordo com o Artigo 5° do ECA “nenhuma criança ou adolescente será objeto de
qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão,
punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos
fundamentais”. (BRASIL,1990).
A violência doméstica contra crianças quase sempre é encoberta pelo silêncio, uma
vez que a vítima (criança) se encontra em papel de subordinação pelo pais/família. Com isso,
sente-se intimidado, envergonhado ou é coagido a não falar sobre a violência. Até mesmo
pela pouca idade, a criança desconhece seus direitos e não compreende quando eles estão
estes sendo violados. O Estatuto da Criança e do Adolescente tem como papel garantir a
integridade física e moral dos menores de idade.
2
VIOLÊNCIA FÍSICA CONTRA CRIANÇAS PRATICADA NO CONTEXTO
FAMILIAR
A violência física, dentre outras violências, está cada dia mais evidente. Ocorre com
muita freqüência e se perpetua silenciosamente no seio da família. Crianças estão sendo
vitimas de violência dentro de sua própria casa, por pessoas que deveriam ser as suas
principais defensoras.
No que tange às crianças, entende-se que o ciclo da vida inicia-se dentro de um
contexto familiar, onde as relações nele contidas serão de fundamental importância para a
criança, já que esta se encontra em fase de desenvolvimento afetivo, psicológico e social.
Ressalta-se ainda que as relações familiares servirão para um desenvolvimento adequado, que
refletirá inclusive na fase adulta.
É exatamente na família que a criança realiza suas relações afetivas significativas, e é
da família que ela espera a segurança e o apoio necessário para que tenha uma infância
saudável. Porém, a realidade nem sempre vai de acordo com o que é esperado. A família é um
ambiente contraditório, as relações podem ser permeadas por conflitos, como também
momentos de afeto e respeito mútuo.
A violência física contra crianças é um tema complexo, sua prática pode ser percebida
em diferentes lugares do mundo, em diversos meios sociais e em muitas culturas. Envolve
fatores socioeconômicos como a pobreza, e histórico-culturais, referentes ao estigma da
história da criança, posta desde a antiguidade como objeto de dominação dos adultos. Tal
concepção anula o reconhecimento da sua existência como cidadãos de direitos que são. Vale
ressaltar, que a violência intrafamiliar pode ser cometida contra qualquer membro da família,
contudo, há muitas vítimas crianças, que são alvos fáceis da violência por sua compleição
física e por que são desprovidas de defesa, por sua fragilidade.
14
De acordo com dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF (2011),
dos 190 milhões de habitantes no Brasil, 60 milhões tem menos de 18 anos de idade,
compreendendo então a fase da infância e adolescência.
Ainda que, a família seja a protagonista na vida da criança, e principal responsável em
assegurar a efetivação de todos os seus direitos, compete também ao Estado a
responsabilidade de intervir imediatamente dentro do ambiente familiar, uma vez que, seja
constatada a negação destes.
Mesmo levando em consideração a importante atuação do governo, através da
elaboração de medidas protetivas para crianças e dotando-se de estratégias preventivas na
busca de sanar essa prática, ainda é alto o índice de casos de crianças vítimas de algum tipo de
violência. Ainda em conformidade com UNICEF (2011), a cada dia, 129 casos de violência
psicológica e física, incluindo a sexual, e negligência contra crianças e adolescentes são
reportados, em média, ao Disque Denúncia 100
Vale enfatizar também que a respeito da crescente cooperação por parte da sociedade,
no sentido de uma maior participação por meio de denúncias, as estatísticas de vítimas podem
ser ainda mais significativas, uma vez que, inúmeras agressões se detêm ao silêncio e não são
denunciadas. Conforme Artigo 18° do ECA “É dever de todos velar pela dignidade da
criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento,
aterrorizante, vexatório ou constrangedor” (BRASIL,1990).
Em média, 18 mil crianças são vítimas de violência doméstica por dia no Brasil. Tais
dados são apresentados pela Sociedade Internacional de Prevenção ao Abuso e Negligência na
Infância - Sipani (2006) sendo que dados do UNICEF mostram que 80% das agressões físicas
contra crianças e adolescentes foram causadas por parentes próximos.
Ainda de acordo com o UNICEF (2011), a cada hora no Brasil morre uma criança
queimada, torturada ou espancada pelos próprios pais, agregando 80% dos casos atendidos
nas emergências hospitalares. É uma conseqüência da violência cometida dentro de casa.
Segundo a Norma Operacional Básica - NOB/SUAS (2005, p.19) “a família é o núcleo
social básico de acolhida, convívio, autonomia, sustentabilidade e protagonismo social”.
Diante disso, a família tem como papel proteger as crianças e adolescentes, é indispensável
para a garantia de desenvolvimento e da proteção dos filhos, fornecendo os quesitos
necessários para isso.
Segundo o ECA, Art. 25. “Entende-se por família natural a comunidade formada pelos
pais ou qualquer deles e seus descendentes” (BRASIL,1990). O parágrafo único desse artigo
estabelece a família extensa ou ampliada como aquela que se estende para além da unidade
pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou
adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. (Incluído pela Lei nº
12.010, de 2009).
Assim, este conceito inclui a nova configuração da família brasileira que modificou-se
ao longo dos anos, havendo modificações significantes em sua composição, tendo em vista
fatores como o divórcio, a mulher no mercado de trabalho e também relacionamentos
homoafetivos.
Amaral (2001, apud GOMES e PEREIRA 2004, p. 358) afirma que a família é uma
construção social que varia segundo as épocas, permanecendo, no entanto, aquilo que se
chama de “sentimento de família”, que se forma a partir de um emaranhado de emoções e
15
ações pessoais, familiares e culturais, compondo o universo do mundo familiar. Portanto, seja
como for o arranjo da composição familiar, este deve cumprir seus deveres enquanto família.
O Estatuto da Criança e do Adolescente no seu Artigo 4° estabelece que:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder
público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 1990).
A família, segundo Mioto (1997, citado SILVA, 2007, p.03) pode ser definida como
um “núcleo de pessoas que convivem em determinado lugar, durante um lapso de tempo mais
ou menos longo e que se acham unidas (ou não) por laços consangüíneos”. Ela tem como
tarefa primordial o cuidado e a proteção de seus membros, e se encontra dialeticamente
articulada com a estrutura social na qual está inserida. Ou seja, família abrange muito mais
que apenas vínculos de sangue, é constituída também por laços afetivos que não fazem
restrição de raça, sexo, religião.
As redes familiares são redes primárias onde se fabrica a identificação primeira do ser
humano como alguém nominado, com um sobrenome que o vincula às relações de família,
com um projeto de vida e um curso de vida que o une a uma condição e classe sociais
determinadas, um status social que agrega às oportunidades sociais, políticas e econômica.
(FALEIROS, 1998).
Ressalta-se que a criança pertencente a essa família está na condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento, como preconiza o Art. 6° do Estatuto da criança. Sendo definido
no Art. 2° “criança a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre
doze e dezoito anos de idade”. (BRASIL, 1990).
A fase da infância é sem dúvida um período muito delicado que exige uma atenção
especial e cuidado por parte da família, os vínculos estabelecidos nessa etapa são importantes
para a construção das fases seguintes. As crianças portanto, são vítimas fáceis da violência
por suas fragilidades, dependência e limitações físicas, emocionais e intelectuais.
É possível contextualizar fatores que podem contribuir para o surgimento da violência
intrafamiliar, que estão associados a fatores culturais ou sociais, como situação de
vulnerabilidade social, situação de risco e violação de direitos.
O vínculo familiar também é um dos fatores importantes para a formação da criança.
Estando ele fragilizado, poderá contribuir para a prática da violência física. E é exatamente
nesse contexto que ocorre grande parte das contradições e o desempenho de papéis entre pais
e filhos é confundido com o uso da força para manutenção da autoridade, o que muitas vezes
é visto como uma prática comum e justificada como indispensável, não somente pelo
processo educativo mas também pela reprodução da violência.
Segundo dados da SIPANI (2009), 12% dos 55,6 milhões de crianças brasileiras
menores de 14 anos são vítimas, anualmente, de alguma forma de violência. Na faixa etária
entre 1 e 9 anos, 25% das mortes são decorrentes da violência. De acordo com levantamento
do Ministério da Saúde, entre 5 e 19 anos, a violência é a primeira causa entre todas as mortes
ocorridas nessa faixa etária, sendo que a maior parte das agressões ocorreram na residência da
criança (64,5%).
16
Em relação ao meio utilizado para agressão, a força corporal/espancamento foi o meio
mais apontado (22,2%). Revelam ainda que em 45,6% dos casos o provável autor da violência
é do sexo masculino. Grande parte dos agressores são pais e outros familiares, ou alguém do
convívio muito próximo da criança e do adolescente, como amigos e vizinhos, segundo dados
do Ministério da Saúde.
O contexto familiar e as relações vividas nele vão auxiliar diretamente no
reconhecimento da própria criança (futuro adulto) como um indivíduo inserido na sociedade,
capaz de entender seus direitos e deveres.
Compreender o contexto familiar de uma criança vítima de violência física consiste
em considerar o contexto histórico social de violação de direitos do próprio agressor (sendo
pais ou responsável), uma vez que o nosso modelo de estrutura familiar capitalista ocidental
ainda está vinculado ao poder patriarcal e adultocêntrico, em que a relação de poder e força
ainda predominam.
A ação da violência, portanto, não pode ser considerada como uma ação individual,
mas deve ser analisada como um ato culturalmente disseminado na sociedade. Muitas vezes é
confundida como medida corretiva ou como forma de educar e vista como ação normal na
tentativa de que as regras impostas pelos adultos sejam cumpridas.
A punição corporal é sim violência física e o motivo pela qual é praticada não interfere
na sua qualificação, colocando-a como “menos” ou “mais” grave. Importante ter em mente,
que o “castigo” ao corpo tão corriqueiro no ambiente familiar, traz prejuízos tão acentuados
quanto qualquer outro tipo de violência.
É fácil identificar essa violência no cotidiano, ela se reproduz através de maneira
naturalizada, com palmadas, tapas, cintadas, beliscões, empurrões, chutes ou da forma mais
popularizada com surras. O problema é que quando possuem o caráter de medida corretiva
não geram resultados esperados por quem a aplica, será aplicada outras vezes de forma cada
vez mais violenta.
Sobre a violência doméstica contra crianças, Azevedo e Guerra (1993) colocam que:
“...é uma estratégia de mera contenção e controle do comportamento dos filhos, pelos pais,
no aqui agora, sem garantia de não reincidência do mesmo comportamento no futuro, além de
poder gerar uma espiral de violência. É uma forma de colonização das novas gerações.”
Sob essa perspectiva, uma criança que hoje é vítima de qualquer tipo de violência
física dentro de casa, possui grande possibilidade de se tornar um agente reprodutor da mesma
prática, adquirindo automaticamente características de uma pessoa violenta.
A família tem extrema importância na vida das crianças, uma vez que existe uma forte
tendência que elas repitam as histórias e ações vivenciadas dentro desse ambiente. A primeira
referência comportamental que a criança tem é o adulto responsável por ela.
Barros e Suguihiro (2003, p. 05) fazem a seguinte exposição:
[...] poder-se-ia pensar que vitimizado, aparentemente, parece ser o termo
mais adequado quando se analisa a violência não como um desajuste, mas
como um processo de caráter transferencial da prática que resulta em um
violentador que antes fora violentado. Todavia, ainda assim, tal interpretação
privilegia a passividade do homem quanto aos acontecimentos de sua história
pregressa, impedindo-o, nessa perspectiva, de intervir no seu presente e devir.
17
Ainda que o agressor seja um indivíduo que anteriormente também tenha sido vítima
de violência física dentro do ambiente familiar, a reprodução desta não se justifica pelos
meios como se perpetua. Independente de a pessoa ter vivenciado ou não situações de
violência, situações opressoras não devem ser repassadas como um ciclo vicioso de geração
em geração.
Importante ressaltar que, a prática da violência física intrafamiliar contra crianças, não
se restringe apenas ao fator cultural de dominação e reprodução da agressão baseada no
contexto histórico do violentador. Faleiros e Faleiros (2008) ressaltam que a estrutura familiar
é um subsistema da sociedade que compõe o contexto histórico, cultural, econômico e
também social. Conflitos em geral, dentro dessa estrutura, são interligados com as condições
de vida da família, manifestando a relação de poder, através das relações afetivas e sexuais.
Portanto, a violência física contra crianças não é vista como uma ação gerada apenas pelo
descontrole de quem a comete, mas, também está envolta pelo contexto social que vive a
família dessa criança.
Deve-se então levar em conta fatores que podem contribuir para a prática da violência
física no meio familiar, como situações comuns de desemprego, dívidas, conflitos externos,
stress, uso exagerado de álcool e drogas ou situações de vulnerabilidade em geral. Tais
ocorrências podem interferir nas relações familiares e cooperar para a prática da violência
contra a criança, que é o agente mais fraco dentro dessa estrutura. Entretanto, apesar dos
aspectos supracitados, ressalta-se que estas características não podem ser consideradas fatores
de causa e efeito para a ocorrência de violência física.
A exposição acima traz elementos relevantes para a compreensão de alguns fatores
causais, contudo, a violência física não se faz presente apenas em lares onde predomina a
pobreza, ela afeta todas as camadas da sociedade, se reproduz independente do meio
econômico. Porém, levando em consideração que os fatores sociais influenciam de maneira
significativa na relação entre adulto e criança, é possível perceber, em um grau mais
acentuado, a violência física contra crianças no ambiente familiar das classes mais baixas e/ou
menos favorecidas.
Levantamentos da Sociedade Internacional de Prevenção ao Abuso e Negligência na
Infância (Sipani), indicam que anualmente 12% das 55,6 milhões de crianças menores de 14
anos são vítimas de alguma forma de violência doméstica por ano no Brasil. Isso significa
dizer que, em média, 18 mil crianças são agredidas diariamente, 750 por hora e 12 por
minuto.
Em uma entrevista ao UNICEF [s.d], Faleiros ressalta que desta porcentagem, cerca de
70% das denúncias de agressão física contra crianças foram praticadas pela própria mãe. Essa
alta taxa pode ser justificada pelo fato que os filhos em grande maioria, passam mais tempo
com a genitora. Por outro lado, as agressões advindas do homem (pai e/ou responsável) são
mais graves, uma vez que sua força é consideravelmente maior que em relação à da mulher.
A prática é encoberta até mesmo pela própria criança, que se for ainda muito pequena,
não tem dimensão da gravidade da situação e desconhece meios para procurar ajuda. E por
outro lado, se a criança já tem a consciência da errônea conduta a qual é submetida, em
grande parte também mantém o silêncio, por medo da represália que pode sofrer por parte do
adulto, seja ele pai, mãe ou responsável que o agride fisicamente.
18
Um levantamento realizado pelo Ministério da Saúde no ano de 2011 registrou 14.625
notificações de violência doméstica, sexual, física e outras agressões contra crianças menores
de dez anos. Os números são do sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) do
Ministério da Saúde.
Vale ressaltar, que as crianças podem ser submetidas a mais de um tipo de violência
dentro de casa. Ou seja, a reincidência pode ocorrer, quando uma criança vítima de violência
física, também é abusada sexualmente pelo mesmo autor da primeira ou vice-versa. A
violência física ocasiona automaticamente a violência psicológica, pois ultrapassa a agressão
ao corpo, causando danos ainda mais graves.
Quanto ao perfil das crianças vítimas de violência intrafamiliar, as mais afetadas são
meninas entre 07 e 14 anos, que sofrem principalmente de abuso sexual. Já a violência física
atinge tanto meninos, quanto as meninas.
A análise de dados é agravada pela escassez de estatísticas atuais sobre o tema. A
respeito dessa afirmativa, Azevedo e Guerra (2003, p.15) fazem as seguintes considerações:
Atualmente, 40,16% da população brasileira tem de 0 a 19 anos. Apesar da
grandeza desse dado, o país integra o triste contingente das nações que não
possuem estatísticas confiáveis relacionadas ao fenômeno da violência
doméstica contra os jovens, ao lado de países como Equador, Bangladesh,
Paquistão e Tunísia. Os dados são esparsos, fragmentários, quase episódicos.
Dizem respeito mais à incidência e quase nunca à prevalência.
Mesmo diante disso, é possível contextualizar alguns indicativos, como no quadro a
seguir, elaborado pelo Laboratório de Estudos da Criança (LACRI) da Universidade de São
Paulo, no período entre 1996 e 2004, a partir da pesquisa qualitativa de casos acompanhados
em todo o Brasil.
TABELA 01 – DADOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (1996-2004)
Fonte: (AZEVEDO E GUERRA 2003, p. 17).
19
Os dados expostos são alarmantes e considerando que estes representam apenas um
percentual da realidade, se tornam ainda mais graves. De acordo com a estatística, a violência
física lidera o ranking das diferentes formas que ela se configura.
É notável um aumento acentuado das notificações entre o ano de 1996 a 2004. Porém,
esse aumento significativo pode corresponder ao aumento de notificações realizadas e não
somente ao aumento do número de casos de violência. A popularização do tema tem tomado
proporções maiores, as crianças ao longo das décadas têm tido mais visibilidade e o Estado
investido mais em ações preventivas e protetivas. Todas essas questões influenciam nos
resultados acima, uma vez que, quando as pessoas se conscientizam da gravidade que envolve
a prática da violência, tendem a serem menos omissas. Assim, os números de denúncias
aumentam e os dados automaticamente sobem, já que as denúncias feitas por terceiros são as
mais comuns no caso da violência contra criança, tendo em vista, que nem sempre elas são
capazes de denunciar a agressão, seja por motivo de medo, fragilidade ou por não
compreenderem o ato em si.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A violência física é a forma de agressão mais perceptível, externamente falando e
automaticamente é relacionada à Saúde Pública. Vários autores a abordam como problema
específico deste tema, uma vez que dependendo do grau que foi sofrida, suas vítimas
recorrem a este serviço. Sendo assim, grande parte das ocorrências se transforma em dados
e/ou estatísticas a partir dos atendimentos feitos na área da saúde.
A violência física contra crianças, nas diferentes formas em que manifesta-se, constitui
um problema complexo e as conseqüências advindas deste, afeta não apenas as vítimas, mas
se estende para um problema de caráter social. Portanto, não pode ser delimitada levando em
consideração apenas os danos corporais, pois, atinge áreas distintas, causando prejuízos que
vão muito além da saúde física de suas vítimas.
Com base nos dados estatísticos relacionados ao tema, verificou-se que, em sua
maioria, as crianças vítimas de violência física, são agredidas por pessoas que fazem parte do
seu ciclo familiar. Por sua vez, grande parte dos agressores, são definidos como os próprios
pais. Sendo a figura materna a mais apontada como principal causadora da ação violenta.
Apesar da complexidade que envolve o tema e da longa caminhada que é necessária
para sanar essa prática no âmbito doméstico, é preciso não atribuir somente à família a
responsabilidade pela prática da agressão, uma vez que, com base em todo referencial do
estudo, pode-se compreender que embora a violência física seja praticada em diferentes
camadas sociais, o contexto social no qual os indivíduos estão inseridos é relevante e
contribui para sua ocorrência. Sendo ela mais notável em classes menos favorecidas.
Desse modo, o histórico social de violação de direitos do próprio agressor pode refletir
nas relações familiares e contribuir para a prática da violência. No tocante ao contexto
familiar que está inserida a criança que sofre a violência física, destaca-se a relevância de
fatores culturais ou sociais, como situação de vulnerabilidade social, situação de risco e
reprodução da prática da violência.
Vários são os fatores que levam ao ato da violência física contra criança por membros
da família. Se praticada como um ato “corretivo” pode-se atribuí-la à fatores culturais da
20
sociedade, associando a isso a falta de conhecimento e consciência da gravidade de tal ato, o
que se pode somar à falta de informação ou ainda o precário acesso à educação de qualidade,
nas classes mais pobres.
Se a prática for analisada por conseqüência de fatores sociais, como o desemprego, por
exemplo, que conseqüentemente gera pobreza, a violação de direito dessa família também
está vinculada à omissão do Estado, que tem por função garantir ao cidadão moradia, saúde,
educação, lazer e assistência aos desamparados, proporcionando assim condições favoráveis
para o desenvolvimento físico, psicológico, moral e social das crianças.
Portanto, a violência física contra crianças praticada dentro de casa, seja por qualquer
motivo, também tem ligação com a violação de direito que o Estado exerce sobre a sociedade
e a família. Porém, não significa dizer que a violência está relacionada exclusivamente à
ausência de aparato do Estado. Sendo assim, família, sociedade e estado, são atores que
compõem o tripé de responsabilidade na garantia de direitos da criança e adolescentes. E
também têm parcela de culpa e participação direta ou indireta na prática da violência física,
bem como das demais.
Apesar dos avanços relativos à Legislação Brasileira pertinente às crianças
preconizadas no Estatuto da Criança e do Adolescente, a efetiva garantia de direitos destas
ainda está distante, devido a insuficiente intervenção do Estado, da família e da sociedade. E a
extinção das situações de violência ainda é utópica por causa da complexidade e subjetividade
do tema. Neste sentido, cabe à sociedade, e, sobretudo ao próprio Estado, reconhecer a
ameaça ou a violação dos direitos e intervir para assegurar ou restaurar os direitos violados.
PHYSICAL VIOLENCE AGAINST CHILDREN IN THE FAMILY CONTEXT: A
REVIEW OF LITERATURE
Abstract: The intrafamily violence can be practiced against any member inside home, but the
violence against the children have been bigger, understanding that children have fragility like
determinant factor. This article has the objective to study the intrafamily physical violence
against the children in their familiar context. Intend to analyze the familiar core, how the
children that suffered the violence are, who are the actors of this practice and what are the
important factors inside this relation that can contribute with this, directly or indirectly. The
studies are based on theoretical research, made from the literature and documents related to
the topic. All these are necessary to have a good knowledge about the social history of rights
violation, intrafamily violence situations and the role of aggressor in relation to these factors.
Assuming that the children’s families that suffer physical violence situations come from a
social context of rights violation and intrafamily violence situations. It’s important to notice
that, this context can or can not make difference in the relations between parents or the
responsible for the children, considering the various forms of family structure correlated to
the question of the violation of rights, especially with regard to physical violence.
Keywords: Children; Family; Rights Violation, Physical Violence; Intrafamily Violence.
21
ANEXO A – Pistas para a identificação dos vários tipos de violência física contra crianças e
adolescentes.
Fonte: BRASÍLIA, Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal. MANUAL PARA ATENDIMENTO ÀS
VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA NA REDE DE SAÚDE PÚBLICA DO DF. Brasília: Secretaria de Estado de
Saúde do Distrito Federal, 2009, p. 23.
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