Pró-Reitoria de Graduação Curso de Serviço Social Trabalho de Conclusão de Curso A violência física contra crianças e a relação com o contexto familiar ANA KAROLINE OLIVEIRA DUARTE A VIOLÊNCIA FÍSICA CONTRA CRIANÇAS NO CONTEXTO FAMILIAR: UMA Resumo: REVISÃO DE LITERATURA Este artigo aborda a violência física contra crianças e a relação que possui com o contexto familiar em que a vítima está inserida. O que se pretende neste estudo é demonstrar/afirmar/analisar? a fundamental importância de se compreender o histórico social de violações de direitos e/ou situações de violência intrafamiliar, a conjuntura histórica da família e atuação do agressor em relação a esses aspectos como o contexto familiar reflete nas relações entre pais e filhos *responsáveis x crianças e está associado Autora: Ana Karoline Oliveira Duarte diretamente a questão da violação de direitos, sendo esta por meio da violência física a Prof.ª Dr.ª Ozanira Ferreira da Costa que são submetidas. Analisar o contexto familiar da criança que sofreu violência física CRIANÇAS SÃO SUJEITOS DE DIREITOS SUPORTE FUNDAMENTAR ABORDAR VISA IDENTIFICAR Impac Brasília – DF 2013 ANA KAROLINE OLIVEIRA DUARTE A VIOLÊNCIA FÍSICA CONTRA CRIANÇAS NO CONTEXTO FAMILIAR: UMA REVISÃO DE LITERATURA Projeto apresentado ao curso de graduação em Serviço Social da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Serviço Social. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ozanira Ferreira Costa Brasília 2013 Ao meu amado Deus, por sua fidelidade constante em minha vida, que me permitiu chegar até aqui. Aos meus pais, fonte de incentivo e força, por acreditarem na minha capacidade, e por estarem sempre presentes. Ao meu precioso Arthur, que trouxe um novo significado a minha existência e por ser o maior motivo da minha persistência. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus: rei, eterno, invisível, mas real. Meu ser supremo, dono da minha fé, que me permitiu chegar até aqui. Agradeço por sua fidelidade constante em minha vida, mesmo quando não sou merecedora dela, e pelas provisões necessárias durante esses quatro anos. A minha amada amiga-mãe, Maristela, com quem compartilhei todas as conquistas, dificuldades, riso e choro durante a trajetória acadêmica. Obrigada por ser uma mãe presente, doce, e por seu amor genuíno. Obrigada pelo colo quando preciso e pelas broncas quando necessárias. Sou grata por todo o incentivo durante a trajetória acadêmica, pelo cuidado e carinho para com meu filho e por todas as madrugadas, durante o processo de construção desse Artigo, que se dispôs a cuidar dele por mim. Ao meu amado, pai-guerreiro, Duarte, a quem serei eternamente grata por todo esforço para que eu chegasse até aqui. Obrigado por me amar tanto, pela força, por suas palavras de incentivo, pelos abraços, colo e carinho, quando eu mais preciso. Obrigado pelas noites em claro que passou apenas para me fazer companhia nas madrugadas enquanto eu dava vida a este trabalho. Obrigado por ainda ser meu herói e pelos ensinamentos a mim transmitidos, que vão muito além de conteúdo de livros. Ao meu lindo príncipe, autor da minha felicidade: meu filho Arthur. Obrigado por dar um novo significado à minha vida, por me ensinar o que é ser mãe, e me permitir provar de um amor indescritível. Obrigado por exalar alegria nos meus dias, e deixar tudo mais colorido, você é o maior motivo da minha persistência e determinação. A Joyce de Oliveira, prima, amiga, irmã. Por ser meu referencial como Assistente Social, e principal responsável pela escolha do curso. Agradeço por todo incentivo e força. A Ozanira Ferreira, por ser tão atenciosa e por acreditar na minha capacidade. As minhas amigas, que tenho um grande carinho, Vanusa Dias, Ana Carolina Sá e Edcélia Monteiro. Agradeço por estarem sempre ao meu lado, por acreditarem em mim e por todas as palavras de ânimo, vocês fazem toda diferença na minha vida. A Everton Leite, por sua amizade e pela companhia nas noites de construção deste. A supervisora de estágio, Karine Cardoso, assistente social do CRAS/ Brazlândia, agradeço por todo carinho e por ter contribuindo grandemente na trajetória acadêmica. A Giuliana Giongo, assistente social da DPSB. Por seu carinho e conhecimentos transmitidos. Aos amigos do curso, que fizeram toda diferença durante a jornada acadêmica; Fernando Rocha, Alexandre Batista, Pablo, Vicente Fialho, Kátia Lopes, Nathália Araújo, Pollyana Patrícia, Kelly Lopes, Francisca Jardeline. Em especial, agradeço a Jorgiane Cristina por sua amizade sincera, carinho e por todo apoio. À Laura Meireles, a quem aprendi admirar, agradeço por sempre estar disposta a me ajudar e por acreditar em mim. E por fim, à Luana Souza, por compartilhar momentos felizes durante este percurso. “A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota”. Jean Paul Sartre 6 A VIOLÊNCIA FÍSICA CONTRA CRIANÇAS NO CONTEXTO FAMILIAR: UMA REVISÃO DE LITERATURA ANA KAROLINE OLIVEIRA DUARTE Resumo: A violência intrafamiliar pode ser praticada contra qualquer membro dentro do ambiente doméstico, contudo, a ocorrência contra as crianças é maior, visto que sua fragilidade é um fator determinante nessa relação. Este artigo, portanto, tem como objeto de estudo a violência física contra crianças no contexto familiar. Objetiva-se analisar o meio familiar que está inserida a criança vítima de violência física, quem são os autores desta prática e quais fatores dentro dessa relação, que podem contribuir direta e indiretamente para isso. O estudo é baseado, sobretudo na pesquisa teórica, feita a partir da pesquisa bibliográfica e documental relacionadas ao tema. Que são necessárias para uma compreensão acerca do histórico social de violações de direitos, situações de violência intrafamiliar, conjuntura históricas da família e a atuação do agressor em relação a esses fatores. Partindo da hipótese que as famílias de crianças que sofrem situações de violência física vêm de um contexto histórico social de violações de direitos e/ou situações de violência intrafamiliar. Frisando ainda que, tal contexto pode ou não refletir nas relações entre pais e/ou responsáveis pela criança, considerando as diversas formas de estrutura familiar correlacionadas à questão da violação de direitos, principalmente no que se refere à violência física. Palavras-chaves: Criança; Família; violação de direitos; Violência física; Violência intrafamiliar. INTRODUCAO Este artigo apresenta-se como requisito para a obtenção do título de bacharel em Serviço Social e aborda a violência física contra crianças no contexto familiar. A discussão central busca analisar como a violência física contra crianças tem relação com o contexto familiar desta, que é submetida ao ato violento por um membro adulto. A principal motivação para o desenvolvimento do tema se relaciona com a trajetória acadêmica e pessoal. Surgiu a partir de leituras realizadas durante o percurso acadêmico do curso de Serviço Social, enfatizando as aulas de Teorias Sociais no 3° semestre e em seguida a disciplina de Proteção integral, família e serviço social ministrada no 7° semestre, que tinham por característica discussões e leituras relacionadas ao tema. Do ponto de vista pessoal, o interesse aumentou com o nascimento do meu filho. A maternidade despertou nesta autora a curiosidade para compreender melhor as particularidades desse imenso universo que é a infância e suas fragilidades dentro das relações familiares a que estão involuntariamente submetidas. Nesse sentido, o interesse se amplia pela necessidade e relevância de compreender o que é a violência, analisar as suas formas e contextos que interferem direta e indiretamente na sua prática e entender as implicações desse fenômeno, especificamente a violência física, tendo como principal vítima as crianças, com o agravante de tal ato ser cometido, em grande 7 parte dos casos, dentro de casa por um ou mais membros da própria família. Ou seja, as situações de violência intrafamiliar se apresentam como um fenômeno contraditório ao esperado, visto que é exatamente no ambiente familiar onde a criança deveria receber proteção, ser acolhida, amada e sentir-se segura. Do ponto de vista dos procedimentos metodológicos, destaca-se a opção pela pesquisa teórica por meio da pesquisa bibliográfica e documental, com a análise de obras de autores e estudiosos do assunto sob investigação, bem como em relatórios de pesquisas e outros documentos que apresentam dados sobre a violência física contra crianças. Para a análise do material investigado, busca-se empreender uma leitura crítica com o diálogo entre os distintos autores e documentos analisados. O presente artigo está organizado em três tópicos: O primeiro aborda os procedimentos metodológicos para a elaboração deste artigo; o segundo apresenta preliminarmente aspectos teóricos e conceituais sobre a violência física contra crianças no contexto familiar, com destaque para o conceito de violência e as diversas formas que ela pode ser reproduzida na sociedade e para a violência física contra crianças, a qual será objeto principal deste estudo; o terceiro tópico compreende a violência física contra crianças praticada no contexto familiar, com um breve relato histórico da criança e suas relações sociais e familiar desde a antiguidade. Por fim, este trabalho apresenta as considerações finais, nas quais são retomados alguns pontos discutidos no decorrer do trabalho, para tentar responder os objetivos apresentados inicialmente, deixando no entanto, aberto uma reflexão sobre o tema no sentido de avançar para outras pesquisas e discussões. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A metodologia escolhida para abordar o tema foi a pesquisa teórica por meio de pesquisa bibliográfica e documental. A partir da pesquisa teórica é possível aprofundar acerca de conhecimentos bibliográficos a respeito violência física no contexto social. A pesquisa teórica "dedica-se a reconstruir teoria, conceitos, idéias, ideologias e polêmicas, tendo em vista, em termos imediatos, aprimorar fundamentos teóricos" (DEMO, 2000, p. 20). Portanto, não implica imediata intervenção na realidade, mas nem por isso deixa de ser importante, pois seu papel é decisivo na criação de condições para a intervenção. "O conhecimento teórico adequado acarreta rigor conceitual, análise acurada, desempenho lógico, argumentação diversificada, capacidade explicativa" (DEMO, 1994, p. 36). Conforme a classificação proposta por Gil (2002, p.44) “a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”. Gil (2002, p. 45) destaca que, “a pesquisa documental vale-se de materiais que não recebem ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa”. Importante ressaltar que pesquisa bibliográfica e documental são distintas. Esse estudo teve como referência as concepções a partir dos pensamentos, conceitos e pontos de vista dos autores Faleiros, Duarte, Minayo e Sanchez. Finalmente, para a análise dos dados, foi feito um tratamento do conteúdo, que segundo Minayo (1994), consiste em estudar o texto como um todo para compreender a 8 lógica, a expressão das idéias e dos conceitos, identificando o raciocínio do autor de maneira crítica e reflexiva. Nessa perspectiva, por meio da pesquisa teórica, busca-se o diálogo entre os distintos autores e documentos analisados a fim de que a reflexão e análise possibilitem a compreensão crítica acerca da investigação proposta e não a mera reprodução do que foi lido. Na pesquisa social há uma fase essencialmente teórica, que é a de formulação do problema e de sua inserção numa perspectiva mais ampla; o que geralmente envolve a construção de hipóteses e a identificação dos potenciais nexos entre as variáveis. (GIL, 1999). 1 ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS PRELIMINARES SOBRE A VIOLÊNCIA FÍSICA CONTRA CRIANÇAS NO CONTEXTO FAMILIAR 1.1 VIOLÊNCIA Este item aborda sobre o conceito de violência e as diversas formas que esta pode ser praticada. Com base nos estudos empreendidos, observa-se que existem diversos conceitos sobre esta temática apresentada por diferentes autores. De antemão, vale salientar que a palavra “violência” é um vocábulo muito conhecido desde os primórdios da humanidade, e diversas situações remetem ao seu significado. Segundo o dicionário Aurélio, violência significa: Qualidade ou caráter de violento. Ação violenta: cometer violências. Ato ou efeito de violentar. Opressão, tirania: regime de violência. Direito Constrangimento físico ou moral exercido sobre alguém. (Violência, 2002, p.713). Diariamente, são veiculadas inúmeras notícias de casos e vítimas decorrentes da violência, mas, a violência não é um acontecimento recente, ela se manifesta desde a antiguidade e permeia em diversos âmbitos sociais. Para uma melhor compreensão desse fenômeno, é necessário resgatar, mesmo que de forma genérica, o seu processo histórico que remonta ao início da sociedade. A título de exemplo, destaca-se o período colonial no Brasil, onde já eram notáveis as relações de exploração indígenas e, posteriormente o contexto de relações extremamente violentas entre Senhores de engenho e escravos, em que estes eram submetidos a condições insalubres de trabalho, trabalhos forçados e compelidos por fortes ameaças. Agressões entre outras formas de intimidação a que eram submetidos, já caracterizava várias formas de violência. Segundo Marcondes Filho (2001), Marx [s.d] passou a ter uma perspectiva da violência como um ato que pode ser vencido ou superado, pois pra ele não se tratava de um estigma inerente ao homem, mas uma categoria socialmente construída e reproduzida de forma éclica. Coloca ainda que essa perspectiva vai de confronto com o ponto de vista de Nietzsche [s.d] segundo o qual afirma que a violência é algo que pertence sim ao homem desde o seu nascimento. Ou seja, ela e o ser humano são inseparáveis. Contudo, esta opinião de Nietzsche não o coloca favorável à violência, apenas a conceitua de acordo com suas percepções da época. 9 A prática da violência é uma questão preocupante e merece um olhar atento para a compreensão de suas raízes e o contexto ao qual está inserida. Uma vez que não pode ser classificada como uma questão unilateral, individual e fragmentada focada somente na vítima, pois se trata de um grave problema histórico, social e também de Saúde Pública. De acordo com Sanchez (2003, apud SANCHEZ; MINAYO. 2006, p. 14) “A violência e suas conseqüências negativas sobre a saúde são, antes de tudo, uma violação dos direitos humanos, não escolhe classe social, raça, credo, etnia, sexo e idade.” Nesse sentido, com base na autora acima mencionada, é coerente afirmar que a violência caracteriza-se como um problema também na esfera da Saúde Pública, visto que a conseqüência a partir da ocorrência da sua prática, seja esta, física, sexual ou psicológica, acarretará um maior número na procura aos serviços da área da saúde, uma vez que as vítimas podem apresentar diversos sintomas e/ou doenças provenientes da agressão. A violência possui como característica a sua prática em uma relação desigual, dominante e abusiva do poder de uma parte em relação a outra. Envolve diversos fatores como: sociais, econômicos, psicológicos e culturais. Podendo ser reproduzida de diferentes maneiras. Duarte (2005, p.27) faz a seguinte definição sobre esse fenômeno: “A violência é o evento representado por ação ou omissão realizada por indivíduos, grupos, classes, nações, que ocasionam danos físicos, emocionais, psicológicos, morais e espirituais a si próprios ou aos outros”. A violência portanto, não se limita a uma determinada classe social e/ou econômica. Ela abrange todas as camadas da sociedade, sendo mais notória e menos velada nas famílias de poder aquisitivo menor. Para Faleiros (2005, p. 6 apud SILVA; LACERDA, 2007, p.240), A violência é uma expressão relacional de poder, como forma de exercício de dominação, de imposição como de reação de quem tem seu poder enfraquecido, como revide [...] está situada no contexto de negação da vida. Ao citar o termo “violência” geralmente a idéia simultaneamente associada é a de violência física. Surge involuntariamente a imagem de violência cometida ao corpo, agressões e hematomas, que por serem nesse ângulo mais perceptíveis, dar-se-á inicialmente uma importância maior. Isto se deve visto que a violência física e urbana são mais retratadas e abordadas na sociedade, por meio da mídia. O que é uma percepção equivocada, já que seu conceito não se restringe a um ponto, mas se estende a diversos âmbitos dentro das relações sociais. A concepção de Faleiros retrata que [...]É sob essa ótica que definimos a violência. A relação de agressão ao outro que lhe causa dano físico, psíquico, moral se inscreve numa rede de poderes/dominação onde um polo de poder se aproveita ou se beneficia em detrimento do outro. É uma relação dialética desvantajosa para a criança ou o adolescente e proveitosa para o adulto abusador ou explorador. Assim, violência, aqui não é entendida, como ato isolado psicologizado pelo descontrole, pela doença, pela patologia, mas como um desencadear de relações que envolvem a cultura, o imaginário, as normas, o processo civilizatório de um povo. (FALEIROS, 1998, p. 267). 10 Destaca-se aqui três tipos de violência: a estrutural e sistêmica e a doméstica. Para Minayo e Sanchez (2006, p. 31). A violência estrutural é aquela que incide sobre a condição de vida das crianças e adolescentes, a partir de decisões histórico-econômicas e sociais, tornando vulneráveis suas condições de crescimento e desenvolvimento. Por ter um caráter de perenidade e se apresentar sem a intervenção imediata dos indivíduos, essa forma de violência aparece naturalizada, como se não houvesse nela a intervenção dos que detêm o poder e a riqueza. Já violência sistêmica brota da prática do autoritarismo, profundamente enraizada, apesar das garantias democráticas tão claramente expressas na Constituição de 1988. Suas raízes no Brasil encontram-se no passado colonial. Ainda hoje, as manifestações da violência sistêmica são inúmeras, e o Estado tem se mostrado bastante ineficaz no combate à tortura legal e aos maus-tratos aos presos, bem como à ação dos grupos de extermínio. E por último a violência domestica e intrafamiliar, que é objeto deste estudo. Esta por sua vez, ocorre dentro do lar. Praticada por membros da família (pai, mãe, filha, marido, sogra, padrasto ou outros), por afinidade (por exemplo, o primo ou tio do marido) ou afetividade (amigo ou amiga que more na mesma casa ou fora). Geralmente, expressa-se como abuso físico, sexual, psicológico ou como negligência ou abandono. (BRASÍLIA, 2009, p.09). Portanto, a violência se caracteriza de diferentes modos, podendo ser praticada em espaços distintos. Independente de qual for a sua configuração, ocasionará sempre danos e as conseqüências, sendo a curto ou longo prazo, que podem ser devastadoras. Afetando o psicológico da criança, atrapalhando o seu desenvolvimento físico, social e psíquico, levando em algumas situações a morte da vítima. De acordo com Rosas e Cionek (2006, p. 01) “As conseqüências da violência doméstica podem ser muito sérias, pois crianças e adolescentes aprendem com cada situação que vivenciam, seu psicológico é condicionado pelo social e o primeiro grupo social que a criança e adolescente tem contato é a família”. Minayo e Souza (1997, p.514) ressaltam que “a violência consiste em ações humanas de indivíduos, grupos, classes, nações que ocasionam a morte de outros seres humanos ou que afetam sua integridade física, moral, mental ou espiritual”. 1.2 VIOLÊNCIA FÍSICA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES Compreender o fenômeno da violência significa abranger a sua ação praticada em todos os contextos sociais. Faleiros (2010) explica que a violência é uma troca de relações desiguais de poder e de condições sociais que negam a vida, acaba com toda forma de tolerância e principalmente age na violação de direitos, causando diversos tipos de prejuízos, podendo ser, materiais, morais, físicos e, nos casos mais drásticos, causando até a morte. Entre os distintos tipos de violência, esse estudo aborda especificamente o da violência física contra crianças e adolescentes. 11 Compreende-se a violência física como “qualquer ação que machuque ou agrida intencionalmente uma pessoa, por meio da força física, arma ou objeto, provocando ou não danos e lesões internas ou externas no corpo”. (BRASÍLIA, 2009). Com tal definição, se faz necessário romper com a pré-concepção que a violência física só é atestada a partir das características da agressão, denominadas hematomas corporais. Faleiros e Faleiros entendem que: São formas de violência física: a disciplina física abusiva com fins corretivos (tapas, surras e agressões com qualquer tipo de objeto), torturas, privações físicas deliberadas (de comer e de beber), restrições de movimentos (confinamento), privação ou transferência de abrigo (expulsão do lar, colocação em outra residência, internação), trabalho forçado e inadequado à idade e desenvolvimento do vitimizado, eliminação física (assassinato) e violência sexual. (FALEIROS, V. ; FALEIROS,E, 2008, p.35). A violência pode causar graves danos físicos e psicológicos, portanto não necessariamente ela precisa deixar marcas para caracterizar o seu ato. Contudo, esta pode apresentar diferentes graus, que podem ir desde um leve ferimento, uma ofensa verbal, ou até mesmo gerar a morte. De acordo com o Manual para atendimento às vítimas de violência na rede de saúde pública do Distrito Federal Muita das pessoas que recorrem aos serviços de saúde com queixa de diversos sintomas como: enxaquecas, gastrites, dores difusas e outros problemas, são pessoas vítimas de violência doméstica, embora, grande parte delas, compõe a estatística dos que não relatam que viveu ou vive em situação de violência. (BRASÍLIA, 2009, p. 7). Faleiros e Faleiros (2008) afirmam que é importante distinguir a violência doméstica da violência familiar. A violência doméstica refere-se ao lugar onde ela ocorre na casa, no lar. A violência familiar se refere à natureza dos laços parentais que unem as vítimas e os autores da violência. São portanto, termos diferentes, já que a violência doméstica pode ser cometida por um “não membro”, e a violência familiar, se restringe ao fenômeno da violência a partir da sua prática por um componente da família. Vale ressaltar, que a violência intrafamiliar pode ser cometida contra qualquer membro da família, contudo, em sua grande maioria as vítimas são as crianças, que por sua vez tornam-se alvos fácies, por que são desprovidas de defesa e por sua fragilidade. Não é intuito deste trabalho fazer um apanhado histórico sobre a violência contra crianças e adolescentes, no entanto, vale mencionar uma afirmação bastante pessimista de estudiosos do assunto (DE MAUSE 1975 apud FALEIROS, V. ; FALEIROS, E, 2008), segunda a qual, quanto mais remete-se à história, quanto mais busca-se compreender as implicações em torno da violência histórica contra crianças, percebe-se o quanto elas não recebiam cuidados necessários pertinentes ao seu desenvolvimento, e maior a probabilidade de que tenham sido assassinadas, maltratadas, sofrendo todo tipo de espancamento e abuso sexual. 12 Ressalta-se que a noção de Proteção Integral à criança, é relativamente recente. “A perspectiva da proteção integral, adotada no final do século XX, contrapõe-se a uma perspectiva de disciplinamento e dominação das crianças perpetuada historicamente. A violência contra crianças e adolescentes esteve presente na história da humanidade desde os mais antigos registros”. (FALEIROS 2008, p.16) Obtemos ao longo do tempo, grandes avanços e retrocessos na luta em defesa de direitos de crianças e adolescentes. No campo do legislativo progressivamente fomos conquistando a aprovação de leis que normatizassem o trato à população infanto-juvenil e nesse sentido, cabe destacar como marco na perspectiva do rompimento com os paradigmas vigentes e baseado no paradigma da proteção integral de crianças e adolescentes, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA - LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. (BRASIL,1990). Tratando-se especificamente da violência física contra crianças, atualmente, não obstante a polêmica que esta suscita, temos a iniciativa do Projeto de lei PL 7.672/2010, popularmente conhecida como “Lei da Palmada”, a qual proíbe o uso da força por quaisquer circunstâncias contra crianças e adolescentes. Visando assegurar a estes sua integridade física e punindo aquele (pai, mãe ou responsável) que agredir corporalmente o menor. Para abordar um breve histórico sobre os direitos das crianças, é preciso relatar que, a primeiras Leis direcionadas para crianças e adolescentes, foram criadas a partir da concepção de “menor abandonado” e “menor deliquente”. A Legislação se restringia apenas as crianças pertencentes a esses dois grupos. De acordo com Frota [s.d] As primeiras legislações e instituições específicas destinadas à infância e à adolescência surgiram, em diversos países europeus e americanos, em fins do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. As novas leis e instituições foram baseadas na doutrina da situação irregular que tinha como eixo a idéia de controle social dos “menores” infratores e daqueles considerados abandonados moral ou materialmente por seus familiares. (FROTA, [s.d], p. 02). Assim, as crianças que não se enquadravam nessa condição, não tinham aparato algum do Estado, pois, não existiam Leis que assegurassem seus direitos enquanto crianças. No Brasil, a primeira Legislação para crianças, foi o código de menores, criado no ano de 1927. Este, direcionado a todos os menores de 18 anos de idade, em situação irregular, que eram classificados como delinqüentes e os abandonados moral ou materialmente. (FROTA, [s.d]). Jasmin (1986, p. 88, apud FROTA, [s.d], p. 04) define como deliquentes: Os menores de 14 a 18 anos de idade que haviam cometido algum ato infracional e esses eram submetidos a um processo especial, com responsabilidade penal atenuada e encaminhamento para prisões-escola (reformatórios) ou, na ausência destas, para um estabelecimento anexo à penitenciária adulta. 13 Passados 63 anos após a instituição do Código de menores, as crianças e adolescentes são reconhecidas como cidadãos de direitos como qualquer outro. Com isso, entra em vigor no ano de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Este vem para assegurar formalmente, o estado de direito para a infância e adolescência no Brasil. O ECA visa a proteção integral da criança assegurada em seu art. 15, o qual declara que “A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis”. (BRASIL, 1990). De acordo com o Artigo 5° do ECA “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”. (BRASIL,1990). A violência doméstica contra crianças quase sempre é encoberta pelo silêncio, uma vez que a vítima (criança) se encontra em papel de subordinação pelo pais/família. Com isso, sente-se intimidado, envergonhado ou é coagido a não falar sobre a violência. Até mesmo pela pouca idade, a criança desconhece seus direitos e não compreende quando eles estão estes sendo violados. O Estatuto da Criança e do Adolescente tem como papel garantir a integridade física e moral dos menores de idade. 2 VIOLÊNCIA FÍSICA CONTRA CRIANÇAS PRATICADA NO CONTEXTO FAMILIAR A violência física, dentre outras violências, está cada dia mais evidente. Ocorre com muita freqüência e se perpetua silenciosamente no seio da família. Crianças estão sendo vitimas de violência dentro de sua própria casa, por pessoas que deveriam ser as suas principais defensoras. No que tange às crianças, entende-se que o ciclo da vida inicia-se dentro de um contexto familiar, onde as relações nele contidas serão de fundamental importância para a criança, já que esta se encontra em fase de desenvolvimento afetivo, psicológico e social. Ressalta-se ainda que as relações familiares servirão para um desenvolvimento adequado, que refletirá inclusive na fase adulta. É exatamente na família que a criança realiza suas relações afetivas significativas, e é da família que ela espera a segurança e o apoio necessário para que tenha uma infância saudável. Porém, a realidade nem sempre vai de acordo com o que é esperado. A família é um ambiente contraditório, as relações podem ser permeadas por conflitos, como também momentos de afeto e respeito mútuo. A violência física contra crianças é um tema complexo, sua prática pode ser percebida em diferentes lugares do mundo, em diversos meios sociais e em muitas culturas. Envolve fatores socioeconômicos como a pobreza, e histórico-culturais, referentes ao estigma da história da criança, posta desde a antiguidade como objeto de dominação dos adultos. Tal concepção anula o reconhecimento da sua existência como cidadãos de direitos que são. Vale ressaltar, que a violência intrafamiliar pode ser cometida contra qualquer membro da família, contudo, há muitas vítimas crianças, que são alvos fáceis da violência por sua compleição física e por que são desprovidas de defesa, por sua fragilidade. 14 De acordo com dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF (2011), dos 190 milhões de habitantes no Brasil, 60 milhões tem menos de 18 anos de idade, compreendendo então a fase da infância e adolescência. Ainda que, a família seja a protagonista na vida da criança, e principal responsável em assegurar a efetivação de todos os seus direitos, compete também ao Estado a responsabilidade de intervir imediatamente dentro do ambiente familiar, uma vez que, seja constatada a negação destes. Mesmo levando em consideração a importante atuação do governo, através da elaboração de medidas protetivas para crianças e dotando-se de estratégias preventivas na busca de sanar essa prática, ainda é alto o índice de casos de crianças vítimas de algum tipo de violência. Ainda em conformidade com UNICEF (2011), a cada dia, 129 casos de violência psicológica e física, incluindo a sexual, e negligência contra crianças e adolescentes são reportados, em média, ao Disque Denúncia 100 Vale enfatizar também que a respeito da crescente cooperação por parte da sociedade, no sentido de uma maior participação por meio de denúncias, as estatísticas de vítimas podem ser ainda mais significativas, uma vez que, inúmeras agressões se detêm ao silêncio e não são denunciadas. Conforme Artigo 18° do ECA “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor” (BRASIL,1990). Em média, 18 mil crianças são vítimas de violência doméstica por dia no Brasil. Tais dados são apresentados pela Sociedade Internacional de Prevenção ao Abuso e Negligência na Infância - Sipani (2006) sendo que dados do UNICEF mostram que 80% das agressões físicas contra crianças e adolescentes foram causadas por parentes próximos. Ainda de acordo com o UNICEF (2011), a cada hora no Brasil morre uma criança queimada, torturada ou espancada pelos próprios pais, agregando 80% dos casos atendidos nas emergências hospitalares. É uma conseqüência da violência cometida dentro de casa. Segundo a Norma Operacional Básica - NOB/SUAS (2005, p.19) “a família é o núcleo social básico de acolhida, convívio, autonomia, sustentabilidade e protagonismo social”. Diante disso, a família tem como papel proteger as crianças e adolescentes, é indispensável para a garantia de desenvolvimento e da proteção dos filhos, fornecendo os quesitos necessários para isso. Segundo o ECA, Art. 25. “Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes” (BRASIL,1990). O parágrafo único desse artigo estabelece a família extensa ou ampliada como aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009). Assim, este conceito inclui a nova configuração da família brasileira que modificou-se ao longo dos anos, havendo modificações significantes em sua composição, tendo em vista fatores como o divórcio, a mulher no mercado de trabalho e também relacionamentos homoafetivos. Amaral (2001, apud GOMES e PEREIRA 2004, p. 358) afirma que a família é uma construção social que varia segundo as épocas, permanecendo, no entanto, aquilo que se chama de “sentimento de família”, que se forma a partir de um emaranhado de emoções e 15 ações pessoais, familiares e culturais, compondo o universo do mundo familiar. Portanto, seja como for o arranjo da composição familiar, este deve cumprir seus deveres enquanto família. O Estatuto da Criança e do Adolescente no seu Artigo 4° estabelece que: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 1990). A família, segundo Mioto (1997, citado SILVA, 2007, p.03) pode ser definida como um “núcleo de pessoas que convivem em determinado lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos longo e que se acham unidas (ou não) por laços consangüíneos”. Ela tem como tarefa primordial o cuidado e a proteção de seus membros, e se encontra dialeticamente articulada com a estrutura social na qual está inserida. Ou seja, família abrange muito mais que apenas vínculos de sangue, é constituída também por laços afetivos que não fazem restrição de raça, sexo, religião. As redes familiares são redes primárias onde se fabrica a identificação primeira do ser humano como alguém nominado, com um sobrenome que o vincula às relações de família, com um projeto de vida e um curso de vida que o une a uma condição e classe sociais determinadas, um status social que agrega às oportunidades sociais, políticas e econômica. (FALEIROS, 1998). Ressalta-se que a criança pertencente a essa família está na condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, como preconiza o Art. 6° do Estatuto da criança. Sendo definido no Art. 2° “criança a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”. (BRASIL, 1990). A fase da infância é sem dúvida um período muito delicado que exige uma atenção especial e cuidado por parte da família, os vínculos estabelecidos nessa etapa são importantes para a construção das fases seguintes. As crianças portanto, são vítimas fáceis da violência por suas fragilidades, dependência e limitações físicas, emocionais e intelectuais. É possível contextualizar fatores que podem contribuir para o surgimento da violência intrafamiliar, que estão associados a fatores culturais ou sociais, como situação de vulnerabilidade social, situação de risco e violação de direitos. O vínculo familiar também é um dos fatores importantes para a formação da criança. Estando ele fragilizado, poderá contribuir para a prática da violência física. E é exatamente nesse contexto que ocorre grande parte das contradições e o desempenho de papéis entre pais e filhos é confundido com o uso da força para manutenção da autoridade, o que muitas vezes é visto como uma prática comum e justificada como indispensável, não somente pelo processo educativo mas também pela reprodução da violência. Segundo dados da SIPANI (2009), 12% dos 55,6 milhões de crianças brasileiras menores de 14 anos são vítimas, anualmente, de alguma forma de violência. Na faixa etária entre 1 e 9 anos, 25% das mortes são decorrentes da violência. De acordo com levantamento do Ministério da Saúde, entre 5 e 19 anos, a violência é a primeira causa entre todas as mortes ocorridas nessa faixa etária, sendo que a maior parte das agressões ocorreram na residência da criança (64,5%). 16 Em relação ao meio utilizado para agressão, a força corporal/espancamento foi o meio mais apontado (22,2%). Revelam ainda que em 45,6% dos casos o provável autor da violência é do sexo masculino. Grande parte dos agressores são pais e outros familiares, ou alguém do convívio muito próximo da criança e do adolescente, como amigos e vizinhos, segundo dados do Ministério da Saúde. O contexto familiar e as relações vividas nele vão auxiliar diretamente no reconhecimento da própria criança (futuro adulto) como um indivíduo inserido na sociedade, capaz de entender seus direitos e deveres. Compreender o contexto familiar de uma criança vítima de violência física consiste em considerar o contexto histórico social de violação de direitos do próprio agressor (sendo pais ou responsável), uma vez que o nosso modelo de estrutura familiar capitalista ocidental ainda está vinculado ao poder patriarcal e adultocêntrico, em que a relação de poder e força ainda predominam. A ação da violência, portanto, não pode ser considerada como uma ação individual, mas deve ser analisada como um ato culturalmente disseminado na sociedade. Muitas vezes é confundida como medida corretiva ou como forma de educar e vista como ação normal na tentativa de que as regras impostas pelos adultos sejam cumpridas. A punição corporal é sim violência física e o motivo pela qual é praticada não interfere na sua qualificação, colocando-a como “menos” ou “mais” grave. Importante ter em mente, que o “castigo” ao corpo tão corriqueiro no ambiente familiar, traz prejuízos tão acentuados quanto qualquer outro tipo de violência. É fácil identificar essa violência no cotidiano, ela se reproduz através de maneira naturalizada, com palmadas, tapas, cintadas, beliscões, empurrões, chutes ou da forma mais popularizada com surras. O problema é que quando possuem o caráter de medida corretiva não geram resultados esperados por quem a aplica, será aplicada outras vezes de forma cada vez mais violenta. Sobre a violência doméstica contra crianças, Azevedo e Guerra (1993) colocam que: “...é uma estratégia de mera contenção e controle do comportamento dos filhos, pelos pais, no aqui agora, sem garantia de não reincidência do mesmo comportamento no futuro, além de poder gerar uma espiral de violência. É uma forma de colonização das novas gerações.” Sob essa perspectiva, uma criança que hoje é vítima de qualquer tipo de violência física dentro de casa, possui grande possibilidade de se tornar um agente reprodutor da mesma prática, adquirindo automaticamente características de uma pessoa violenta. A família tem extrema importância na vida das crianças, uma vez que existe uma forte tendência que elas repitam as histórias e ações vivenciadas dentro desse ambiente. A primeira referência comportamental que a criança tem é o adulto responsável por ela. Barros e Suguihiro (2003, p. 05) fazem a seguinte exposição: [...] poder-se-ia pensar que vitimizado, aparentemente, parece ser o termo mais adequado quando se analisa a violência não como um desajuste, mas como um processo de caráter transferencial da prática que resulta em um violentador que antes fora violentado. Todavia, ainda assim, tal interpretação privilegia a passividade do homem quanto aos acontecimentos de sua história pregressa, impedindo-o, nessa perspectiva, de intervir no seu presente e devir. 17 Ainda que o agressor seja um indivíduo que anteriormente também tenha sido vítima de violência física dentro do ambiente familiar, a reprodução desta não se justifica pelos meios como se perpetua. Independente de a pessoa ter vivenciado ou não situações de violência, situações opressoras não devem ser repassadas como um ciclo vicioso de geração em geração. Importante ressaltar que, a prática da violência física intrafamiliar contra crianças, não se restringe apenas ao fator cultural de dominação e reprodução da agressão baseada no contexto histórico do violentador. Faleiros e Faleiros (2008) ressaltam que a estrutura familiar é um subsistema da sociedade que compõe o contexto histórico, cultural, econômico e também social. Conflitos em geral, dentro dessa estrutura, são interligados com as condições de vida da família, manifestando a relação de poder, através das relações afetivas e sexuais. Portanto, a violência física contra crianças não é vista como uma ação gerada apenas pelo descontrole de quem a comete, mas, também está envolta pelo contexto social que vive a família dessa criança. Deve-se então levar em conta fatores que podem contribuir para a prática da violência física no meio familiar, como situações comuns de desemprego, dívidas, conflitos externos, stress, uso exagerado de álcool e drogas ou situações de vulnerabilidade em geral. Tais ocorrências podem interferir nas relações familiares e cooperar para a prática da violência contra a criança, que é o agente mais fraco dentro dessa estrutura. Entretanto, apesar dos aspectos supracitados, ressalta-se que estas características não podem ser consideradas fatores de causa e efeito para a ocorrência de violência física. A exposição acima traz elementos relevantes para a compreensão de alguns fatores causais, contudo, a violência física não se faz presente apenas em lares onde predomina a pobreza, ela afeta todas as camadas da sociedade, se reproduz independente do meio econômico. Porém, levando em consideração que os fatores sociais influenciam de maneira significativa na relação entre adulto e criança, é possível perceber, em um grau mais acentuado, a violência física contra crianças no ambiente familiar das classes mais baixas e/ou menos favorecidas. Levantamentos da Sociedade Internacional de Prevenção ao Abuso e Negligência na Infância (Sipani), indicam que anualmente 12% das 55,6 milhões de crianças menores de 14 anos são vítimas de alguma forma de violência doméstica por ano no Brasil. Isso significa dizer que, em média, 18 mil crianças são agredidas diariamente, 750 por hora e 12 por minuto. Em uma entrevista ao UNICEF [s.d], Faleiros ressalta que desta porcentagem, cerca de 70% das denúncias de agressão física contra crianças foram praticadas pela própria mãe. Essa alta taxa pode ser justificada pelo fato que os filhos em grande maioria, passam mais tempo com a genitora. Por outro lado, as agressões advindas do homem (pai e/ou responsável) são mais graves, uma vez que sua força é consideravelmente maior que em relação à da mulher. A prática é encoberta até mesmo pela própria criança, que se for ainda muito pequena, não tem dimensão da gravidade da situação e desconhece meios para procurar ajuda. E por outro lado, se a criança já tem a consciência da errônea conduta a qual é submetida, em grande parte também mantém o silêncio, por medo da represália que pode sofrer por parte do adulto, seja ele pai, mãe ou responsável que o agride fisicamente. 18 Um levantamento realizado pelo Ministério da Saúde no ano de 2011 registrou 14.625 notificações de violência doméstica, sexual, física e outras agressões contra crianças menores de dez anos. Os números são do sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) do Ministério da Saúde. Vale ressaltar, que as crianças podem ser submetidas a mais de um tipo de violência dentro de casa. Ou seja, a reincidência pode ocorrer, quando uma criança vítima de violência física, também é abusada sexualmente pelo mesmo autor da primeira ou vice-versa. A violência física ocasiona automaticamente a violência psicológica, pois ultrapassa a agressão ao corpo, causando danos ainda mais graves. Quanto ao perfil das crianças vítimas de violência intrafamiliar, as mais afetadas são meninas entre 07 e 14 anos, que sofrem principalmente de abuso sexual. Já a violência física atinge tanto meninos, quanto as meninas. A análise de dados é agravada pela escassez de estatísticas atuais sobre o tema. A respeito dessa afirmativa, Azevedo e Guerra (2003, p.15) fazem as seguintes considerações: Atualmente, 40,16% da população brasileira tem de 0 a 19 anos. Apesar da grandeza desse dado, o país integra o triste contingente das nações que não possuem estatísticas confiáveis relacionadas ao fenômeno da violência doméstica contra os jovens, ao lado de países como Equador, Bangladesh, Paquistão e Tunísia. Os dados são esparsos, fragmentários, quase episódicos. Dizem respeito mais à incidência e quase nunca à prevalência. Mesmo diante disso, é possível contextualizar alguns indicativos, como no quadro a seguir, elaborado pelo Laboratório de Estudos da Criança (LACRI) da Universidade de São Paulo, no período entre 1996 e 2004, a partir da pesquisa qualitativa de casos acompanhados em todo o Brasil. TABELA 01 – DADOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (1996-2004) Fonte: (AZEVEDO E GUERRA 2003, p. 17). 19 Os dados expostos são alarmantes e considerando que estes representam apenas um percentual da realidade, se tornam ainda mais graves. De acordo com a estatística, a violência física lidera o ranking das diferentes formas que ela se configura. É notável um aumento acentuado das notificações entre o ano de 1996 a 2004. Porém, esse aumento significativo pode corresponder ao aumento de notificações realizadas e não somente ao aumento do número de casos de violência. A popularização do tema tem tomado proporções maiores, as crianças ao longo das décadas têm tido mais visibilidade e o Estado investido mais em ações preventivas e protetivas. Todas essas questões influenciam nos resultados acima, uma vez que, quando as pessoas se conscientizam da gravidade que envolve a prática da violência, tendem a serem menos omissas. Assim, os números de denúncias aumentam e os dados automaticamente sobem, já que as denúncias feitas por terceiros são as mais comuns no caso da violência contra criança, tendo em vista, que nem sempre elas são capazes de denunciar a agressão, seja por motivo de medo, fragilidade ou por não compreenderem o ato em si. CONSIDERAÇÕES FINAIS A violência física é a forma de agressão mais perceptível, externamente falando e automaticamente é relacionada à Saúde Pública. Vários autores a abordam como problema específico deste tema, uma vez que dependendo do grau que foi sofrida, suas vítimas recorrem a este serviço. Sendo assim, grande parte das ocorrências se transforma em dados e/ou estatísticas a partir dos atendimentos feitos na área da saúde. A violência física contra crianças, nas diferentes formas em que manifesta-se, constitui um problema complexo e as conseqüências advindas deste, afeta não apenas as vítimas, mas se estende para um problema de caráter social. Portanto, não pode ser delimitada levando em consideração apenas os danos corporais, pois, atinge áreas distintas, causando prejuízos que vão muito além da saúde física de suas vítimas. Com base nos dados estatísticos relacionados ao tema, verificou-se que, em sua maioria, as crianças vítimas de violência física, são agredidas por pessoas que fazem parte do seu ciclo familiar. Por sua vez, grande parte dos agressores, são definidos como os próprios pais. Sendo a figura materna a mais apontada como principal causadora da ação violenta. Apesar da complexidade que envolve o tema e da longa caminhada que é necessária para sanar essa prática no âmbito doméstico, é preciso não atribuir somente à família a responsabilidade pela prática da agressão, uma vez que, com base em todo referencial do estudo, pode-se compreender que embora a violência física seja praticada em diferentes camadas sociais, o contexto social no qual os indivíduos estão inseridos é relevante e contribui para sua ocorrência. Sendo ela mais notável em classes menos favorecidas. Desse modo, o histórico social de violação de direitos do próprio agressor pode refletir nas relações familiares e contribuir para a prática da violência. No tocante ao contexto familiar que está inserida a criança que sofre a violência física, destaca-se a relevância de fatores culturais ou sociais, como situação de vulnerabilidade social, situação de risco e reprodução da prática da violência. Vários são os fatores que levam ao ato da violência física contra criança por membros da família. Se praticada como um ato “corretivo” pode-se atribuí-la à fatores culturais da 20 sociedade, associando a isso a falta de conhecimento e consciência da gravidade de tal ato, o que se pode somar à falta de informação ou ainda o precário acesso à educação de qualidade, nas classes mais pobres. Se a prática for analisada por conseqüência de fatores sociais, como o desemprego, por exemplo, que conseqüentemente gera pobreza, a violação de direito dessa família também está vinculada à omissão do Estado, que tem por função garantir ao cidadão moradia, saúde, educação, lazer e assistência aos desamparados, proporcionando assim condições favoráveis para o desenvolvimento físico, psicológico, moral e social das crianças. Portanto, a violência física contra crianças praticada dentro de casa, seja por qualquer motivo, também tem ligação com a violação de direito que o Estado exerce sobre a sociedade e a família. Porém, não significa dizer que a violência está relacionada exclusivamente à ausência de aparato do Estado. Sendo assim, família, sociedade e estado, são atores que compõem o tripé de responsabilidade na garantia de direitos da criança e adolescentes. E também têm parcela de culpa e participação direta ou indireta na prática da violência física, bem como das demais. Apesar dos avanços relativos à Legislação Brasileira pertinente às crianças preconizadas no Estatuto da Criança e do Adolescente, a efetiva garantia de direitos destas ainda está distante, devido a insuficiente intervenção do Estado, da família e da sociedade. E a extinção das situações de violência ainda é utópica por causa da complexidade e subjetividade do tema. Neste sentido, cabe à sociedade, e, sobretudo ao próprio Estado, reconhecer a ameaça ou a violação dos direitos e intervir para assegurar ou restaurar os direitos violados. PHYSICAL VIOLENCE AGAINST CHILDREN IN THE FAMILY CONTEXT: A REVIEW OF LITERATURE Abstract: The intrafamily violence can be practiced against any member inside home, but the violence against the children have been bigger, understanding that children have fragility like determinant factor. This article has the objective to study the intrafamily physical violence against the children in their familiar context. Intend to analyze the familiar core, how the children that suffered the violence are, who are the actors of this practice and what are the important factors inside this relation that can contribute with this, directly or indirectly. The studies are based on theoretical research, made from the literature and documents related to the topic. All these are necessary to have a good knowledge about the social history of rights violation, intrafamily violence situations and the role of aggressor in relation to these factors. Assuming that the children’s families that suffer physical violence situations come from a social context of rights violation and intrafamily violence situations. It’s important to notice that, this context can or can not make difference in the relations between parents or the responsible for the children, considering the various forms of family structure correlated to the question of the violation of rights, especially with regard to physical violence. Keywords: Children; Family; Rights Violation, Physical Violence; Intrafamily Violence. 21 ANEXO A – Pistas para a identificação dos vários tipos de violência física contra crianças e adolescentes. Fonte: BRASÍLIA, Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal. MANUAL PARA ATENDIMENTO ÀS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA NA REDE DE SAÚDE PÚBLICA DO DF. Brasília: Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, 2009, p. 23. 22 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO, Maria Amélia; GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Um cenário em (des)construção. [s.d]. In: LONGO, Cristiano da Silveira; ASSIS, Simone Gonçalves de; PINTO JÚNIOR, Antonio Augusto (Col).. et al. Violência doméstica contra crianças e adolescentes. [s.d]. Disponível em: <http://www.unicef.org/brazil/pt/Cap_01.pdf> Acesso em: 25 Maio 2013. BARROS, Mari Nilza Ferrari de; SUGUIHIRO, Vera Lúcia Tieko. A interdisciplinaridade como instrumento de inclusão social: desvelando realidades violentas. 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