MINISTÉRIO DA JUSTIÇA DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL MATRIZ CURRICULAR NACIONAL PARA A EDUCAÇÃO EM SERVIÇOS PENITENCIÁRIOS CONSULTORES: OMAR ALEJANDRO BRAVO RODRIGO GHIRINGHELLI DE AZEVEDO OUTUBRO DE 2006 2 SUMÁRIO 1. PRINCÍPIOS ORIENTADORES.................................................3 2. COMPETÊNCIAS, HABILIDADES, SABERES E ATITUDES DO SERVIDOR PENITENCIÁRIO............................8 3. OBJETIVOS..............................................................................12 4. EIXOS ARTICULADORES........................................................14 4.1. Administração Penitenciária...............................................15 4.2. Saúde e Qualidade de Vida..............................................17 4.3. Segurança e Disciplina.....................................................19 4.4. Relações Humanas e Reinserção Social.........................21 5. ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS.......................................26 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................31 3 1- PRINCÍPIOS ORIENTADORES A Matriz Curricular Nacional pretende ser um documento referencial, que descreve o elenco das principais competências, habilidades, saberes e atitudes que devem ser desenvolvidos junto a todos os que desempenham suas funções no sistema penitenciário. A definição de matriz supõe um conceito mais amplo que o de currículo, buscando oferecer diretrizes gerais para a elaboração dos cursos de formação dos servidores penitenciários, que possibilitem uma base e filosofia de trabalho comum para cada escola, e ao mesmo tempo ofereçam uma flexibilidade tal que permita a adaptação dos conteúdos às realidades e demandas próprias de cada estado ou região. Esta é uma tarefa urgente e necessária, dada a complexidade e as deficiências do sistema no qual os servidores exercem suas atividades, e a carência de um modelo de formação atualizado, que permita dar conta das exigências que o desempenho destas atividades impõem. Dahmer (1992) destaca que a formação do servidor penitenciário é feita com freqüência “ao nível do senso comum, de passar conhecimentos de uma geração mais antiga de agentes para os novos que chegam”, dada a falta de uma 4 orientação geral baseada num conhecimento sistematizado, sendo que a aparição das primeiras escolas penitenciárias teve como propósito oferecer uma solução para esse déficit institucional. O servidor penitenciário que entra no sistema se depara com uma realidade complexa, marcada por uma série de discursos e práticas não articulados entre si e até contraditórios. Por questões relacionadas à sua falta de formação e/ou à carência de estímulos materiais, sociais e intelectuais, o imaginário de sua função acaba, com freqüência, limitando-se a um propósito disciplinar ou corretivo. Para Vidal (1997), esta situação aumenta a distância entre o trabalho prescrito (aquilo que é esperado de uma função) e o trabalho real.A rotina do sistema penitenciário contribui para agravar o problema. Goffman (1961) caracterizou com precisão os efeitos que as denominadas instituições totais produzem nas pessoas envolvidas nas suas rotinas. Segundo esse autor, nesse tipo de instituições ocorre uma perda de privacidade e individualidade, sendo todas as atividades realizadas em conjunto, em horários preestabelecidos e impostas por uma autoridade superior. Essa situação afeta a um grande grupo de pessoas que sofrem esse controle, mas também àqueles encarregados da sua custódia. Configura-se assim uma situação de vulnerabilidade dos atores institucionais envolvidos, que se expressa de diversas formas, segundo o setor institucional que integrem, sua origem social e características subjetivas. No âmbito particular dos estabelecimentos penais, essa situação de vulnerabilidade 5 compreende a presos, servidores penitenciários, autoridades e profissionais de saúde, e se manifesta de forma particular em cada um desses grupos. Nos presos, as condições de reclusão produzem conseqüências físicas e psíquicas que contribuem também para o aumento da violência intra-muros. A rotina carcerária favorece o consumo abusivo de drogas, como mitigador da angústia produzida pelo ócio e as freqüentes situações de superlotação. O sistema penal opera ainda como um grande “concentrador” de doenças, que potencializa situações de vulnerabilidade anteriores, relacionadas à origem social da maioria da população penitenciária, integrada pelos setores sociais mais castigados e socialmente desfavorecidos. Nas palavras de Bitencourt, A instituição total produz no interno, desde que nela ingressa, uma série de depressões, degradações, humilhações e profanações do ego. A mortificação do ego é sistemática, embora nem sempre seja intencional. A barreira que as instituições totais levantam entre o interno e a sociedade exterior representa a primeira mutilação. Desde o momento que a pessoa é separada da sociedade, também é despojada da função que nela cumpria. Posteriormente, o interno é submetido aos procedimentos de admissão, onde é manuseado, classificado e moldado. Isso implica uma coisificação da pessoa, pois é classificado como um objeto para ser introduzido na burocracia administrativa do estabelecimento, onde deverá ser transformado paulatinamente através de operações de rotina. Esse procedimento leva a uma nova despersonalização e depreciação do ego. (BITENCOURT, 1993, 153/154) Nos servidores penitenciários, o trabalho rotineiro, as situações de violência que enfrenta no seu dia a dia e os baixos estímulos materiais e intelectuais geram a falta de compromisso com a sua função social e a aparição 6 de práticas violentas, favorecidas e auspiciadas pelos discursos que reclamam o endurecimento das políticas penais e do tratamento às pessoas presas 1. Os profissionais da saúde enfrentam uma ampla e variada demanda, para a qual muitas vezes não tem respostas. As particularidades da vida carcerária levam à necessidade de atualizar e adequar práticas e saberes, priorizando estratégias de prevenção que incluam a própria população carcerária e os servidores penitenciários como possíveis parceiros na promoção da saúde. A falta dessa adequação teórico-prática produz também o cansaço e o desinteresse desses profissionais e a rotinização de suas práticas. Essa situação geral de vulnerabilidade que atinge a todos os atores institucionais envolvidos na rotina carcerária tem três dimensões fundamentais: social, institucional e individual, que no caso particular das pessoas presas possibilitam também uma maior vulnerabilidade penal, já que as condições anteriores dificultam os processos de ressocialização e favorecem a reincidência penal. O trabalho do servidor penitenciário deve contribuir para diminuir os efeitos dessa situação estrutural, favorecendo processos de inserção social da população presa. Para esse fim, é preciso que o servidor assuma sua função social com dedicação e comprometimento. Um processo de formação permanente, através das escolas penitenciárias, como o que esta matriz sugere, buscará a sua atualização teórica e prática, e servirá como estímulo para o desenvolvimento de suas potencialidades e da sua realização social e pessoal. 1 Sobre o impacto da prisionização em servidores penitenciários, vide as importantes contribuições de CHIES et al. (2001) e MORAES (2005). 7 Com base na proposta ora apresentada, o que se pretende é deflagar um processo qualificação da atuação das Escolas Penitenciárias, que tenha como ponto fundamental a elaboração de um Projeto Político Pedagógico como documento preliminar e orientador da proposta pedagógicas das Escolas Penitenciárias, dentro de uma perspectiva de execução penal que prime pelo “tratamento penitenciário”. Trata-se, portanto, de um processo de construção participativa, no qual a matriz curricular tem o papel de indutora da incorporação de conteúdos básicos nos cursos de capacitação e formação continuada, tal como indicado no Guia de Referência para a Educação em Serviços Penais. Por fim, cumpre também ressaltar a importância de que neste processo sejam incorporadas outras políticas públicas formuladas pelo DEPEN em parceria com outros ministérios (além do Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário – Ministério da Saúde), a exemplo da Política de Educação de jovens e adultos no sistema penitenciário, que estabelece como um dos seus pilares à formação de profissionais que atuam na execução penal. 8 2. COMPETÊNCIAS, HABILIDADES, SABERES E ATITUDES DO SERVIDOR PENITENCIÁRIO A formação promovida pelas Escolas penitenciárias deve ser capaz de fazer com que o potencial de competências e habilidades de cada servidor penitenciário seja transferido para a sua prática profissional, através da articulação entre os saberes promovidos nos cursos e os que o próprio servidor carrega como parte da sua bagagem pessoal e experiência de vida. Essa articulação permitirá que as atitudes do servidor penitenciário correspondam às expectativas relacionadas com a sua função social, e contribuirá para a sua plena realização pessoal e profissional, de acordo com os objetivos previstos pela Lei de Execução Penal, que indicam que “a escolha do pessoal administrativo especializado, de instrução técnica e de vigilância atenderá a vocação, preparação profissional e antecedentes pessoais do candidato” (art. 77), sendo que a administração penitenciária deverá zelar para que o ingresso do pessoal penitenciário, bem como a progressão ou a ascensão funcional, ocorram mediante a realização de cursos específicos de formação, procedendo-se à reciclagem periódica dos servidores em exercício (art. 77, § 1º). 9 A integração desses quatro vetores, os saberes, habilidades, competências e atitudes, permitirá que o servidor penitenciário possa manter uma conduta ética sólida e ampla, que sirva como barreira para possíveis abusos de poder e força. Para esse fim, a comunicação, a tolerância e a capacidade de liderança são competências e habilidades que devem ser destacadas e promovidas. Assim, torna-se possível articular as funções de segurança com os objetivos de ressocialização das pessoas presas, já que a segurança passa a ser entendida de um modo integral, compreendendo também a segurança física e emocional da população carcerária e dos próprios servidores. Da mesma maneira, integram-se as funções do servidor penitenciário com as ações dos profissionais de saúde e assistência social que atuam nos estabelecimentos penitenciários, confluência de objetivos que já está prevista no Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário.Os profissionais de saúde e os assistentes sociais que atuam no sistema penitenciário devem passar por um processo de formação específico, destinado a atender as particularidades e exigências da sua atuação no contexto prisional. A minimização dos riscos e danos surgidos da situação de confinamento, a definição de estratégias de prevenção e a articulação com os serviços externos de saúde, e a elaboração e implementação de projetos de reinserção social formam parte necessária das suas funções, competências e atitudes. Essas estratégias devem ser articuladas com as ações gerais de gestão penitenciária implementadas em cada estabelecimento, já que as mesmas se incluem nos princípios gerais de valorização do ser humano e de respeito aos 10 direitos humanos e permitem diminuir a exposição de presos e servidores a situações de violência. A capacitação de servidores para a implementação e difusão de ações de prevenção à violência integram-se também a esse propósito geral. Tanto a formação inicial quanto a capacitação continuada devem buscar instrumentalizar o pessoal penitenciário com novos conhecimentos, organizar e sistematizar o conhecimento empírico adquirido na prática cotidiana e desenvolver novas habilidades, tornando a participação dos servidores prisionais mais produtiva, tanto no desempenho das atividades que lhes são requeridas, quanto na construção de sua auto-estima pessoal e profissional. Nesse sentido, as Escolas Penitenciárias devem se constituir em um espaço de valorização da pessoa e de promoção da sua dignidade, uma vez que as condições de vida dos presos estão diretamente relacionadas com as condições de trabalho do pessoal penitenciário. Pode-se então elencar, com base no acima exposto, o perfil e as habilidades do profissional penitenciário que se pretende formar nas Escolas Penitenciárias: • Capacidade de exercer corretamente suas funções; • Capacidade de situar a sua atividade no contexto mais amplo da unidade em que trabalha e do sistema penitenciário como um todo; 11 • Compreensão da condição do indivíduo encarcerado e da necessidade de redução dos danos produzidos pelo encarceramento; • Aptidão para buscar, incentivar, manter e preservar a harmonia e o bom convívio social no ambiente prisional. 12 3.–OBJETIVOS 3.1. OBJETIVO GERAL • Fornecer elementos teóricos e práticos que permitam a formação integral, a capacitação profissional e a construção de uma identidade específica do servidor penitenciário, possibilitem a valorização e o pleno desenvolvimento da sua função social e institucional e contribuam para a inserção social das pessoas presas, de acordo com os objetivos dispostos pela Lei de Execução Penal e com o pleno respeito aos Direitos Humanos. 3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS • Oferecer uma sólida e atualizada formação profissional, que aproxime a teoria e a prática e permita o pleno desenvolvimento das capacidades e potencialidades do servidor penitenciário. • Capacitar o servidor penitenciário no domínio das técnicas e procedimentos necessários para seu trabalho, valorizando o diálogo, o respeito à pessoa e a compreensão das diferenças. 13 • Oferecer elementos teóricos e práticos que permitam contribuir para a segurança e reinserção social das pessoas presas. • Estimular a valorização profissional e pessoal do servidor penitenciário, através de incentivos intelectuais, éticos e sociais, que incorporem a percepção do servidor como agente transformador da realidade • Estimular a reflexão dos servidores penitenciários sobre seu papel social e profissional como cidadão e servidor público. • Incentivar a articulação das Escolas Penitenciárias com Universidades, organizações da sociedade civil, órgãos públicos nacionais e internacionais, dentre outros, como forma de fortalecer o desenho da rede de educação em serviços penais. 14 4. EIXOS ARTICULADORES Esta proposta de matriz curricular para formação e capacitação do servidor penitenciário está estruturada em torno de quatro grandes eixos articuladores: I. Administração penitenciária II. Saúde e qualidade de vida III. Segurança e disciplina IV. Relações humanas e reinserção social Estes eixos pretendem reunir e aproximar questões teóricas e práticas, a partir da suposição de que a teoria deve manter uma relação estreita com a praxis. Além de favorecer o aspecto pedagógico dos cursos, esta aproximação permite que as suposições teóricas que fundamentam a prática possam ser discutidas e modificadas em função da realidade complexa com a qual o servidor penitenciário vai se deparar no seu dia a dia. 15 I. Administração Penitenciária: Este primeiro eixo tem como propósito oferecer ao servidor penitenciário as ferramentas teóricas e práticas que lhe permitam desenvolver suas funções administrativas e burocráticas, assim como os fundamentos e bases jurídicas da sua função e os conhecimentos básicos dos seus direitos e deveres como funcionário público. Questões que envolvem a rotina do trabalho de administração de uma instituição penitenciária, desde o controle orçamentário até a gestão de pessoal, são necessárias para a capacitação do servidor para o exercício de suas funções, e permitem a padronização de rotinas e procedimentos burocráticos que facilitam a resolução de problemas de gestão das unidades prisionais. Além disso, pelas características do seu trabalho, o servidor penitenciário se confronta com freqüência com situações que demandam conhecer os limites legais de sua ação e os direitos e deveres tanto da população penitenciária como os seus próprios. Nesse sentido, incluir na formação conteúdos relacionados com o Estatuto do Servidor Público permite não só essa formação especifica, como também favorecer o processo de integração institucional dos servidores. O conhecimento da Lei de Execuções Penais, assim como de noções básicas de Direito Penal e Processo Penal, permite ao servidor penitenciário entender a importância do lugar que ocupa no contexto mais amplo dos mecanismos institucionalizados de resposta ao delito e controle punitivo, as 16 expectativas sociais e institucionais que deve atender e a sua relação com os propósitos gerais da execução da pena. A dimensão normativa, no entanto, precisa ser complementada pela compreensão do conjunto de atores e processos envolvidos com o problema do controle do delito, permitindo ao servidor penitenciário a compreensão da totalidade do sistema no qual está inserido, e de sua dinâmica de funcionamento. O oferecimento de cursos relacionados a questões tais como gramática, português e informática contribuem, além do seu propósito específico, para aumentar a auto-estima do servidor, dado que são conhecimentos socialmente necessários e valorizados. No eixo da Administração Penitenciária, deverão ser trabalhados os seguintes conteúdos: • Gestão de Pessoal • Orçamento e Finanças • Direito Administrativo • Estatuto do Servidor Público • Administração da Justiça Penal – Atores e Processos • Lei de Execuções Penais • Direito e Processo Penal • Informática • Gramática e Redação Oficial 17 II. Saúde e Qualidade de Vida: Como já foi dito, o sistema penitenciário é um grande concentrador de doenças, sendo que as próprias condições de reclusão contribuem para aumentar fragilidades estruturais dos indivíduos que o integram. O servidor penitenciário deve ter acesso tanto a conhecimentos básicos sobre prevenção como a noções de primeiros socorros e intervenção em crise. Dessa forma, beneficiam-se não só os supostos destinatários dessas ações, mas também os seus executores, dado que o servidor está exposto aos mesmos riscos e danos que os presos. A apropriação desses conhecimentos se inclui dentro de uma visão humanista da sua função e se relaciona com os princípios de direitos humanos e respeito pelo próximo que devem guiar todo o seu trabalho. O Plano Nacional de Saúde para o Sistema Penitenciário, disposto pela Portaria 1.777/02, indica os pressupostos básicos de uma política integral de saúde nas prisões, sendo que o servidor penitenciário ocupa um lugar fundamental na sua execução. Para a construção dessa proposta tomaram-se como referência os principais danos e ameaças a saúde da população carcerária, entre eles o uso abusivo de drogas, a infecção pelo vírus do HIV/AIDS e outras DSTs e problemas de saúde mental em geral. Esses conteúdos devem formar parte dos cursos de 18 formação, incluindo também os profissionais da saúde, responsáveis diretos pelas ações de prevenção e tratamento. Algumas questões específicas a serem incluídas nos cursos de formação, como a relação entre gênero e saúde ou a necessidade das políticas de redução de danos como forma de diminuição dos riscos associados ao consumo de drogas, permitirão que essas ações de prevenção tenham um caráter mais amplo e abrangente. No eixo da Saúde e Qualidade de Vida serão desenvolvidos os seguintes tópicos: • Promoção e Proteção à Saúde • Saúde em uma perspectiva de Gênero • Manipulação de Alimentos • Drogadição e Dependência Química • Primeiros Socorros • Treinamento específico para prevenção e tratamento de DST/HIV • Atenção em Saúde Mental 19 III. Segurança e Disciplina O conhecimento dos aspectos básicos relacionados à segurança e disciplina permitirá ao servidor penitenciário, sempre que possível, antecipar, prevenir e/ou resolver situações de crise através da negociação e do diálogo, nos marcos da lei e do respeito pelos direitos humanos. A inteligência penitenciária deve possibilitar a prevenção de conflitos, permitindo atuar antes que uma crise se manifeste. Caso esta aconteça, a capacidade de gerenciá-la através do diálogo e da persuasão permitirá evitar o recurso ao uso da força e aumentar a segurança tanto do preso como do servidor. Num clima de diálogo e respeito mútuos, a disciplina opera através da interiorização da necessidade do respeito à norma, e não através da coerção. Para tanto, é necessário que o servidor esteja capacitado para atuar de acordo com as previsões legais, seguindo rotinas e procedimentos operacionais que reduzam o espaço para a discricionariedade e o improviso na gestão do cotidiano nas prisões. O parâmetro norteador desses procedimentos deve ser o respeito aos direitos fundamentais do preso e a preservação da dignidade e da segurança de todos os envolvidos com o ambiente carcerário. No eixo da Segurança e Disciplina deverão ser desenvolvidos os seguintes tópicos: • Rotinas e Procedimentos Operacionais 20 • Procedimentos Disciplinares e Sindicância • Direitos Fundamentais do Preso • Gerenciamento de Crises • Equipamentos de Proteção e Tiro Defensivo • Defesa Pessoal e Técnicas de Imobilização • Inteligência Penitenciária • Papiloscopia • Cinotecnia 21 IV. Relações Humanas e Reinserção Social: O respeito pelos direitos humanos deve ser a base fundamental da política penitenciária. Para esse fim, é necessária uma formação especifica em torno aos princípios vinculados ao respeito à dignidade humana, bases fundamentais não só do trabalho específico do servidor penitenciário, como também da sua formação integral como cidadão. Uma visão integral de direitos humanos deve contemplar também questões relacionadas a gênero, raça e classe social, categorias em torno das quais se constroem e manifestam os preconceitos mais comuns. De outro lado, os princípios norteadores do respeito aos direitos humanos não podem ser vistos como algo abstrato, que paira sobre o cotidiano do cárcere como um conjunto de regras nem sempre relacionadas com a prática. Ao contrário, estes conteúdos devem ser desenvolvidos no sentido de uma incorporação às atividades cotidianas, garantindo a qualificação das relações humanas no espaço prisional. Nesse sentido, o eixo pretende desenvolver habilidades de mediação de conflitos, assim como a compreensão sobre o impacto carcerário no comportamento humano, permitindo ao servidor lidar com os conflitos e situações problemáticas de forma a minimizar as possibilidades de causação de dano físico ou psíquico a todos os envolvidos. O conhecimento de noções básicas de psicologia permite a apropriação de ferramentas teóricas e práticas que contribuem para o diálogo e a 22 compreensão, bases fundamentais do respeito pelo outro. A criminologia clinica oferece também mecanismos de intervenção e análise da realidade prisional através de conhecimentos multidisciplinares e não normativos da questão carcerária. Além disso, a compreensão de que os indivíduos encarcerados devem retornar ao convívio social deve nortear as políticas de gestão penitenciária, e para tanto os servidores, em suas mais diversas atividades, devem estar capacitados para incorporar essa preocupação como uma centralidade da atuação de todo o sistema. Para tanto, pretende-se que estejam aptos a elaborar, implantar e avaliar projetos de reinserção social do preso, nas suas mais variadas dimensões e atividades, desde aquelas que dizem respeito à vida no cárcere até a necessária mobilização de atores sociais externos às prisões para a viabilização dos mesmos. Cabe ainda destacar que um dos objetivos da formação penitenciária, deve ser o de romper com a idéia de que a administração carcerária deve estar orientada quase que exclusivamente para questões de segurança, ordem e disciplina (SÁ, 2004), buscando dar maior visibilidade aos programas de reinserção social, tais como: educação, trabalho, qualificação profissional, etc., ou seja, colocando como prioridade permanente da atuação dos servidores penitenciários os processos de reintegração social dos indivíduos encarcerados. O eixo de Relações Humanas e Reinserção Social deve portanto contemplar os seguintes tópicos: • Mediação de Conflitos 23 • Comportamento Humano em Instituições Carcerárias • Psicologia das Relações Interpessoais • Criminologia Clínica • Direitos Humanos, Ética e Cidadania • Elaboração de Projetos de Reinserção Social • Gênero, Etnia e Sistema Prisional 24 EIXOS ARTICULADORES CONTEúDOS ¾ Gestão de Pessoal ¾ Orçamento e Finanças I. ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA ¾ Direito Administrativo ¾ Estatuto do Servidor Público ¾ Administração da Justiça Penal – Atores e Processos ¾ Lei de Execuções Penais ¾ Direito e Processo Penal ¾ Informática ¾ Gramática e Redação Oficial ¾ Promoção e Proteção à Saúde ¾ Saúde em uma perspectiva de Gênero II. SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA ¾ Manipulação de Alimentos ¾ Drogadição e Dependência Química ¾ Primeiros Socorros ¾ Treinamento específico para prevenção e tratamento de DST/HIV ¾ Atenção em Saúde Mental 25 ¾ Rotinas e Procedimentos Operacionais ¾ Procedimentos Disciplinares e Sindicância ¾ Direitos Fundamentais do Preso ¾ Gerenciamento de Crises SEGURANÇA E DISCIPLINA ¾ Equipamentos de Proteção e Tiro Defensivo ¾ Defesa Pessoal e Técnicas de Imobilização ¾ Inteligência Penitenciária ¾ Papiloscopia ¾ Cinotecnia ¾ Mediação de Conflitos ¾ Comportamento Humano em Instituições Carcerárias RELAÇÕES HUMANAS E REINSERÇÃO SOCIAL ¾ Psicologia das Relações Interpessoais ¾ Criminologia Clínica ¾ Direitos Humanos, Ética e Cidadania ¾ Elaboração de Projetos de Reinserção Social ¾ Gênero, Etnia e Sistema Prisional 26 5. ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS A presente Matriz Curricular Nacional oferece um referencial pedagógico que visa à promoção efetiva da qualificação dos servidores penitenciários para o desempenho de suas atribuições e a construção de sua identidade profissional. A formação dos servidores penitenciários é concebida como um processo complexo e continuado, no qual os servidores são também coresponsáveis por sua formação e desempenho profissional. A formação deverá assim assegurar-lhes a autonomia e a capacidade crítica necessárias para adquirir sempre novos conhecimentos e incorporar permanentemente estes conhecimentos em suas práticas profissionais. Parte-se do princípio de que a matriz curricular é a base para a elaboração de cursos voltados tanto para o ingresso quanto para a formação continuada dos servidores penitenciários, e por isso mesmo não se estabelece uma carga horária mínima ou um conteúdo obrigatório para todos os cursos, que devem também levar em conta as especificidades locais e regionais. Para tanto, é fundamental que as instituições de ensino planejem suas ações educativas, 27 rompendo, sempre que necessário, com hábitos arraigados, rotinas, culturas profissionais, com base na análise crítica de suas próprias ações pedagógicas. As práticas educativas que darão conteúdo ao que se propõe na matriz curricular deverão permitir o desenvolvimento e a sistematização permanentes de sua própria experiência, a compreensão da complexidade das situações de trabalho prisional em suas várias dimensões, a ampliação do repertório de competências profissionais e o desenvolvimento permanente do interesse pela formação continuada e a co-responsabilidade pela aprendizagem. As práticas educativas devem também assegurar a coerência com os princípios do Sistema Único de Segurança Pública e do Plano Nacional de Direitos Humanos, como diretrizes nacionais, e favorecer a criação de estratégias para um ensino comprometido com a transformação pessoal, social e profissional. Deve ainda garantir integração dos Eixos Articuladores e seus conteúdos específicos por meio de recursos interdisciplinares, viabilizando permanentemente a conexão entre teoria e prática. Como proposta metodológica para o alcance das metas estabelecidas, sugere-se trabalhar com dinâmicas pedagógicas voltadas para o estudo de casos, a utilização de recursos áudiovisuais, o incentivo para o trabalho em grupos e a realização de pesquisas por parte dos alunos/servidores. A avaliação continuada das práticas de aprendizagem também deve ser garantida, proporcionando a co-responsabilização de professores e alunos, para que as correções de rota possam ser feitas em tempo adequado, incluindo a realização de avaliação de desempenho do corpo docente. 28 A avaliação deve incluir critérios gerais constituídos por indicadores de diferentes naturezas, estratégias, procedimentos, técnicas e instrumentos, visando a reorganização permanente dos processos de ensino e aprendizagem. Nesta abordagem, a avaliação não se reduz a critérios de aprovação e reprovação, mas se constitui na base para um acompanhamento e monitoramento permanentes da qualidade e da eficácia das práticas pedagógicas, a partir de critérios definidos e transparentes. Para isso são sugeridas técnicas que valorizem o desenvolvimento de habilidades não apenas discursivas, mas também a efetiva incorporação do conhecimento adquirido, o que demanda a associação de instrumentos e procedimentos de natureza qualitativa. A avaliação deve ser considerada como fenômeno complexo, cujos resultados pertencem também ao aluno, para que ele possa ter o retorno sobre a qualidade de sua produção e buscar novos conhecimentos que possibilitem uma formação coerente com os objetivos institucionais e as demandas da realidade. A avaliação de aprendizagem deve permitir verificar o aproveitamento do ponto de vista teórico e prático. Do ponto de vista teórico, instrumentos como avaliação escrita, oral e trabalhos em grupo devem ser utilizados. A avaliação prática é um instrumento importante que pode ser aplicado nas disciplinas que exijam uma maior compreensão da relação teoria/prática e pode ser planejada de forma criativa com o objetivo de colocar o participante em situações onde se exija a solução de problemas concretos a partir de conteúdos que lhe foram apresentados durante o curso. Elas podem ser implementadas a partir de dinâmicas, oficinas, dramatizações ou simulações que reproduzam situações reais, visando a análise do conteúdo programático e sua aplicação no cotidiano 29 dos servidores penitenciários. Nesse sentido, é importante levar em conta o diagnóstico dos problemas mais freqüentes enfrentados no sistema prisional e selecionar temas e conteúdos relacionados a essas situações previamente identificadas. A avaliação do curso deve ser realizada durante todo o seu desenvolvimento, de forma que seja possível aprimorar o mais imediatamente possível as atividades e processos realizados, beneficiando o curso em andamento. Para isso é necessário o acompanhamento sistemático do curso, que pode ser realizado através de instrumentos como a observação direta das aulas e atividades por responsáveis pelo curso, reuniões formais ou informais, individuais ou em grupo com os alunos, professores, palestrantes, e a aplicação de questionários de avaliação a todos os participantes do curso. Os instrumentos de avaliação geral do curso permitem, se aplicados em diferentes momentos, identificar as expectativas dos participantes, seus receios e ansiedades, suas sugestões e como consideram que os conhecimentos que serão/foram obtidos podem ajudá-los em suas atividades profissionais. Permitem também refletir e avaliar o curso de forma global, em aspectos como conteúdo programático, aplicabilidade no cotidiano, compreensão dos objetivos de cada disciplina, infra-estrutura, conhecimento e domínio do assunto desenvolvido pelos professores e palestrantes, facilidade de comunicação e relacionamento com o grupo, capacidade de incentivar a troca de experiências e do conhecimento, compreensão dos conteúdos das disciplinas pelo próprio participante, integração com os demais, e ainda os tipos de mudanças que ele identifica em si mesmo a partir do curso. 30 Também pode ser aplicado a cada professor, ao final de seu módulo um questionário no qual ele avalie a participação da turma, sua integração, o impacto daquele conteúdo, sua própria atuação com o grupo, carga horária, metodologia, recursos disponíveis, sugestões, etc. A implementação desta Matriz Curricular deve atender aos critérios já mencionados, destacando que faz parte de uma proposta pedagógica ampla, que entende a educação como um processo permanente de interação, necessariamente continuo e regular. Desta maneira, incorpora a necessidade de implementar propostas de atualização dos cursos já realizados, assim como a realização de outros, cujos conteúdos devem atender a demanda dos alunos e as necessidades da gestão penitenciária de cada Estado. Atendendo a esses critérios, os cursos poderão ter um caráter verdadeiramente democrático e participativo, que permitirá avaliar se esses conteúdos atendem a realidade de cada estado e estabelecimento penitenciário. 31 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BITENCOURT, Cézar Roberto (1993). A Falência da Pena de Prisão – causas e alternativas. São Paulo: Revista dos Tribunais. CHIES, L. A. B. ; BARROS, Ana Luisa Xavier ; LOPES, Carmem Lúcia Alves da Silva ; OLIVEIRA, S. F. (2001) . A prisionalização do agente penitenciário: um estudo sobre encarcerados sem pena. Pelotas: EDUCAT. DAHMER, T. (1992) Segurança e disciplina. Rio de Janeiro: IUPERJ. GOFFMAN, Ervin Paulo:Perspectiva. (1961).Manicômios, prisões e conventos. São MORAES, Pedro Bodê. (2005) Punição, encarceramento e construção de identidade profissional entre agentes penitenciários. 1a.. ed. São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCrim. SÁ, Alvino Augusto de (2004). Sugestão de um esboço de bases conceituais para um sistema penitenciário. In Manual de Projetos de Reintegração Social. SAP/DRSP. VIDAL, M. (1997) A materialidade da organização do trabalho como objeto da intervenção ergonômica. In: FILHO, J. e JARDIM, S. (orgs.) A danação do trabalho: a organização do trabalho e o sofrimento psíquico. Rio de Janeiro: Ed. Te Corá.