A certificação de competências profissionais: Comentários a uma proposta Claudio de Moura Castro O MEC circula um documento preliminar intitulado “Sistema Nacional de Certificação Profissional Baseada em Competências”, respondendo a um item do projeto PROEP. Abaixo comentamos alguns aspectos desta proposta. Há que se reconhecer inicialmente o esforço da equipe e a qualidade técnica do trabalho. Não obstante, vemos problemas de certo relevo, mais ligados aos méritos do que se pretende fazer do que a defeitos da proposta em si. 1. A estrutura do sistema De forma geral, a estrutura federal/estadual/agência certificadora pareceu muito bem pensada. Entendemos os méritos de dar papeis de relevo aos estados e, principalmente, credenciar agências independentes para que realizem o trabalho. Isto permitiria contratar quem realmente tem vantagens comparativas nesses assuntos, evitando que o serviço público tenha que se converter em órgão executor dos processos de certificação. Apenas discordamos de deixar com os estados a seleção e credenciamento das instituições que vão fazer a certificação. Acreditar os certificadores é tarefa altamente especializada, requerendo uma competência técnica que dificilmente os estados poderiam adquirir. De resto, em países federativos altamente decentralizados como Suíça e Alemanha, estas tarefas são centralizadas. 2. Certificação: informação ou reserva de mercado? Não se detecta na proposta qualquer resíduo de corporativismo ou tentativa de dar lugares cativos aos portadores dos certificados. Porém, o perigo que isso aconteça à revelia dos autores não é desprezível em nosso país, onde as reservas de mercados para portadores deste ou aquele diploma sejam abundantes. Portanto, enfaticamente sugerimos pelo menos um parágrafo chamando atenção para o caráter puramente informativo dos certificados e da impropriedade de criar reservas de mercado para os seus portadores. 3. Quem manda nos conselhos? O documento é omisso ou ambíguo na distribuição de forças nos diversos conselhos que compõe o sistema. Um sistema de certificação que não tenha os empresários com grande poder de voto está fadado ao insucesso. Ao perceber que são um voto único ao meio de muitos outros atores, perdem inteiramente interesse pela iniciativa. E como são eles que tem a decisão final de contratar ou não, esvai-se aí a única esperança de ter um sistema que sirva para alguma coisa. É imperativo dar aos conselhos uma voz importante aos empresários. A solução tripartida é o mínimo que se esperaria. 4. Como assegurar flexibilidade nas carreiras de rápida transformação? Um dos sérios defeitos dos sistemas europeus é o exagerado tempo que leva para mudar os critérios de certificação. Isto tem se revelado um obstáculo à renovação das carreiras técnicas em países como Suíça e França. É preciso que o nosso sistema não reproduza estruturalmente os defeitos já observados alhures. Não obstante, o documento não deixa claro que mecanismos haveria para evitar a inércia observada na Europa. 5. Certificar para que? De todas as ambigüidades encontradas no documento, a mais séria é a falta de clareza quanto aos objetivos últimos da certificação. Tal como proposto, está demasiado “chapa branca”. Não é um mecanismo de certificação para o mercado de trabalho e não foi pensado para isso. Mas então, certificar para que? E quem vai certificar para o mercado de trabalho? Menciona-se que o MTb cuidaria desta outra certificação. Mas se for realmente isto, teríamos dois mecanismos de certificação trabalhando em paralelo? Custa a crer que isso possa funcionar. Seria uma proeza se conseguíssemos um. Dois vai até mesmo dificultar a implementação de um. Se haverá um só mecanismo, claramente, o que aí está é insatisfatório, por ser excessivamente governo, chapa branca demais. Se serão dois, é fácil entender o que fará o do MTB, mas e o do MEC? Certificar para que? Para quem tem o diploma no Ceará poder trabalhar em SP? Não parece que chegamos neste nível de sofisticação ou riqueza, considerando a infrequência de tais necessidades. Ficamos então com a função que o documento realmente dá ênfase: certificação de competências adquiridas no mercado de trabalho ou pela experiência. A causa é nobre. Mas vejamos alguns cenários. Nos cursos que estão sendo oferecidos, os candidatos tem um nível médio completo ou vão completá-lo ao longo do curso. Ora, a força de trabalho brasileira tem cerca de cinco anos de escolaridade, ou seja, menos da metade do que têm os alunos que hoje aprendem nos cursos considerados. Imagine-se agora que os professores dos cursos criam um elenco de habilidades manuais e cognitivas requeridas para o exercício da ocupação. De duas uma: ou não incluem habilidades cognitivas e os cursos hoje oferecidos totalmente se descalibram da certificação ou, incluem as habilidades cognitivas e os que exercem a profissão – com cinco anos de escolaridade a menos – não conseguirão passar nas provas. As exigências de redação, compreensão de leitura, matemática, leitura de plantas e diagramas se constituirá no divisor de águas irreconciliável. Ou desfigura-se a competência exigida dos que estão nos cursos hoje ou cria-se um sistema que não aprovará um só profissional hoje no mercado de trabalho. A idéia de criar competências diferentes para os que têm menos escolaridade nega a própria idéia da certificação. Vemos portanto um problema da mais alta seriedade nesta proposta. Sugerimos energicamente que se sustem esforços adicionais neste subprojeto até que sejam resolvidas estas ambigüidades fatais.