I – Introdução Passados 4 anos da primeira edição do relatório “Juros e Spread Bancário no Brasil”, verifica-se que, apesar dos bons resultados relativamente ao volume de crédito concedido no segmento livre, as taxas de juros pagas pelo tomador brasileiro continuam sendo muito elevadas. O volume de crédito no segmento livre doméstico, excluídos os repasses externos, cresceu significativamente desde que começaram as ações do projeto de redução dos juros, passando de R$ 51,7 bilhões (4,97% do PIB) em outubro de 1999 para R$ 167,9 bilhões (10,88% do PIB) em setembro último. Por outro lado, no mesmo período, as taxas de juros médias prefixadas no segmento livre só caíram de 72,1% ao ano (a.a.) para 61,7% a.a., enquanto o spread caiu de 51,3 pontos percentuais (p.p.) para 43,2p.p.. Parte desse atraso na obtenção de resultados mais positivos com o custo do crédito pode ser atribuída à conjuntura adversa. Afinal, apesar da clara e forte tendência de redução dos juros nos últimos seis meses, as elevadas taxas de juros praticadas no País ainda refletem o impacto da crise e do ajuste vividos pela economia brasileira desde meados do ano passado. De qualquer forma, pode-se afirmar que os resultados mais positivos com a redução dos juros foram obtidos nos 18 primeiros meses do projeto, até março de 2001, quando a conjuntura era mais favorável. O quadro de dificuldades conjunturais não significa ausência de progressos no tocante aos juros e spread bancário, principalmente no âmbito do diagnóstico e da maior difusão de informações sobre crédito. De qualquer forma, é evidente que as principais causas que explicam a escassez e o custo do crédito no Brasil continuam presentes e demandando a atuação do Governo e da sociedade para sua superação. Isto porque, apesar de alguns progressos pontuais, os depósitos compulsórios, os créditos direcionados e os impostos indiretos continuam onerando o crédito e a intermediação financeira. Além disso, ainda existem dificuldades de obtenção de informações, o que traz prejuízos à concorrência e à avaliação do risco de crédito, bem como prevalece no País um ambiente institucional bastante desfavorável ao crédito, caracterizado por um sistema legal e judicial ineficiente e pró-devedor. Este relatório de economia bancária, relativo à avaliação do quarto ano do projeto juros e spread bancário, é uma oportunidade de reafirmar a prioridade de suprir a economia brasileira de crédito farto a custos acessíveis para a população brasileira. Mais que isto, os vários textos deste relatório sobre a evolução recente do crédito, diagnósticos e sugestões procuram ter em conta a preocupação do Banco Central e do Governo em aumentar o acesso da população ao crédito e aos serviços financeiros. A primeira parte do relatório (Capítulo II), contempla a evolução recente do crédito, destacando a forte elevação dos juros e spread bancário entre junho de 2002 e março deste ano, assim como a posterior redução nos últimos seis meses. Esse capítulo apresenta também a análise da evolução do volume de crédito concedido, dos prazos médios e dos indicadores de atraso, assim como a tradicional apresentação da composição do spread bancário. O Capítulo III, sob responsabilidade de Eduardo Lundberg, de Eduardo Rodrigues e da equipe de São Paulo do Departamento de Estudos e Pesquisas, traz uma avaliação de algumas das principais ações e medidas adotadas nos últimos quatro anos para a redução dos juros e spreads bancários, bem como um elenco de novas sugestões. Em função de seus trabalhos e pesquisas avaliando a reforma do Poder Judiciário, Armando Castelar Pinheiro, do IPEA e do IE/UFRJ, foi convidado a escrever o Capítulo IV. Neste capítulo intitulado “O Componente Judicial dos Spreads Bancários”, o Dr. Castelar procura mostrar, inclusive com base em pesquisa realizada por ele mesmo junto a juízes em 2001, as principais questões envolvendo a proteção legal a credores no Brasil. A nova Lei de Falências, aprovada pela Câmara dos Deputados em outubro passado, é objeto de avaliação do Prof. Aloísio Araújo e de Eduardo Lundberg no Capítulo V. Além de tratar das modificações trazidas nos processos de falência e de recuperação de empresas com a nova legislação recentemente aprovada na Câmara dos Deputados (Lei de Falências e alterações no Código Tributário), o artigo aborda a importância do crédito e do sistema legal de resolução de insolvências para o crescimento econômico, destacando as modificações ocorridas nas prioridades concedidas às garantias reais na falência e sua relação com o crédito, riscos e juros bancários. No Capítulo VI, “Concorrência e Spread Bancário: uma Revisão da Evidência para o Brasil”, Márcio Nakane faz um retrospecto dos estudos recentes sobre o poder de mercado no setor bancário brasileiro. Segundo Nakane, o mercado bancário brasileiro apresenta elevado grau de concorrência, apesar de operar em estruturas de mercado imperfeitas, não apresentando evidências da presença de cartel ou conluio. A melhor explicação para a existência do poder de mercado de algumas instituições financeiras deve ser buscada na forma da obtenção de rendas informacionais a partir da fidelização de clientes, que geram altos custos de transferência (switching costs). Em “O Uso de Informações no Crédito Bancário”, Capítulo VII, Victorio Chu e Ricardo Schechtman analisam os custos ou fricções informacionais existentes entre o tomador e o credor, procurando extrair alternativas práticas e propostas para diminuir os spreads dos empréstimos e financiamentos bancários. Os autores discutem teoricamente as questões de compartilhamento de informação entre os credores e a extração de renda informacional dos devedores. Além disso, também ilustram empiricamente para o Brasil os benefícios da inclusão de informações não-negativas em Bureaus de Crédito. No Capítulo VIII, “Simulação dos Efeitos de Basiléia II”, Ricardo Schechtman utiliza informações da Central de Risco de Crédito do Banco Central para obter um modelo de estimação de probabilidades de default (PDs) de exposições de crédito, bem como simular os requerimentos de capital de acordo com a metodologia IRB de Basiléia II para 28 conglomerados financeiros do País, contrastando-os com os requerimentos exigidos pela legislação vigente. Em especial, o trabalho de Schechtman mostra que os dados da CRC são úteis para a estimação de PDs e, portanto, a importância da implementação do novo Sistema de Informações de Crédito do Banco Central em sua função enquanto bureau de crédito das instituições financeiras. Os capítulos IX e X tratam do impacto da política monetária sobre o mercado de crédito. Em “O Pass-Through da Taxa Básica: Evidências para as Taxas de Juros Bancárias”, Leonardo Soriano de Alencar analisa o efeito de alterações da taxa Selic sobre as taxas de juros praticadas no mercado financeiro bancário. Por outro lado, no capítulo “Efeitos da 2 Política Monetária sobre a Oferta de Crédito”, Tony Takeda avalia o impacto dos depósitos compulsórios sobre o crédito concedido pelas instituições financeiras bancárias. Como resultados principais, podemos destacar que modificações da taxa Selic não têm impacto significativo sobre a oferta de crédito dos bancos (Takeda) e têm impacto sobre o spread bancário, não obstante o efeito diverso sobre as taxas de juros das diferentes modalidades de crédito (Alencar). Com relação aos depósitos compulsórios, existe o impacto direto sobre o volume de crédito, que é mais intenso no caso dos recolhimentos compulsórios remunerados (Takeda). Ao final, no Capítulo XI, Ana Carla Abrão Costa e Márcio Nakane trazem uma resenha do estudo do Banco Mundial “Brazil: Access to Financial Services”, de 2003. O estudo destaca que dos 176 milhões de habitantes no Brasil, apenas um terço (cerca de 60 milhões) das pessoas possuem contas bancárias, enquanto os juros e spreads bancários estão entre os maiores do mundo. Não obstante reconhecer que não há uma medida simples para resolver o problema de expandir o acesso aos serviços financeiros e reduzir seus custos, o estudo procura apontar uma série de fatores e alternativas a serem trabalhadas. 3