Acórdão nº 968140200
Relator Desembargador Luiz Tâmbara
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CIVEL Nº 96.814-0/2, da Comarca de
VOTUPORANGA, em que é apelante EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS PIRÂMIDE LTDA. e
apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE
PESSOA JURÍDICA da mesma Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar
provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do
presente julgado.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores SERGIO AUGUSTO NIGRO
CONCEIÇÃO, Presidente do Tribunal de Justiça, e LUÍS DE MACEDO, Vice-Presidente do Tribunal de
Justiça.
São Paulo, 06 de fevereiro de 2003.
(a) LUIZ TÂMBARA, Corregedor Geral da Justiça e Relator
VOTO
EMENTA: Registro de Imóveis. Dúvida. Registro de loteamento. Existência de ações em face da loteadora
e dos antecessores. Análise do potencial perigo aos adquirentes e do patrimônio da loteadora. Inteligência
do artigo 18, § 2º, da Lei 6.766/79. Dúvida improcedente. Recurso provido.
Trata-se de apelação (fls.413 a 426) interposta contra respeitável sentença (fls.405 a 408) que julgou
procedente dúvida suscitada, mantendo a recusa oposta contra o registro de loteamento denominado
"Residencial Monte Belo", localizado no município de Valentim Gentil, comarca de Votuporanga,
referente à gleba objeto da matrícula 31.934 do Serviço de Registro de Imóveis de Votuporanga.
A sentença atacada entendeu que há perigo potencial aos futuros adquirentes dos lotes, em razão da
existência de ações em face da loteadora e de seus antecessores, cujo montante não é possível aferir no
momento, sendo o patrimônio da recorrente insuficiente para garantir o cumprimento de eventuais
condenações advindas dessas ações.
A recorrente alegou afronta ao artigo 5º, LIV e LV, da Constituição Federal, sustentou que a aquisição da
área objeto do loteamento deu-se de forma condicionada, só se aperfeiçoando com a implantação do
loteamento. Em seguida, fez uma análise pontual de cada uma das ações relacionadas pelo registrador,
alegou a existência de patrimônio suficiente para garantir o eventual resultado desfavorável nas ações
mencionadas e invocou o artigo 18, § 2º, da Lei 6766/79 para pedir a reforma do julgado.
O Ministério Público, em segunda instância, opinou pelo não provimento ao recurso interposto (fls. 662 a
664).
É o relatório
O recurso comporta provimento.
Inicialmente, vale ressaltar que em momento algum se verificou a alegada afronta aos princípios
constitucionais referidos pela recorrente, observado que foi o devido processo legal, assegurado o direito
ao contraditório e à ampla defesa.
Todavia, não obstante o entendimento da ilustre julgadora e da representante do Ministério Público em
segundo grau, a análise detida da documentação trazida aos autos autoriza o registro perseguido.
Foram relacionadas pelo registrador seis ações em face da loteadora e sete óbices em face dos
antecessores (fls.02 a 04).
A primeira ação em face da loteadora é a referente ao Processo 2001.61.08.008422-2, que trata da ação
civil pública em curso pela 2ª Vara da Justiça Federal, em Bauru, SP, movida em face da recorrente e da
Caixa Econômica Federal.
Vê-se que a pretensão naquela demanda é a revisão de cláusulas contratuais, a redução do valor da
hipoteca e do financiamento, bem como a devolução dos valores cobrados a mais dos mutuários (cópia da
inicial a fls.92 a 179).
Da leitura da inicial depreende-se que há, no caso, 180 famílias de mutuários, pessoas de baixa renda, que
residem no "Conjunto Habitacional Jardim Bela Vista", em Promissão, SP, sendo que a recorrente teria
construído 87 unidades habitacionais, sobre as quais teria havido sobrepreço que totaliza R$ 125.681,07
(fls.118).
O pedido naquela demanda compreende a revisão dos contratos e a condenação das rés, solidariamente, à
devolução em dobro das quantias cobradas a mais (fls.173 a 176).
Assim, na hipótese de condenação da ré naquela demanda, é possível estimar ao menos a ordem de
grandeza dos valores que terá que despender.
A segunda ação referida pelo registrador refere-se ao Processo 1190/99, em trâmite perante a 2ª Vara
Judicial de Votuporanga, na qual a recorrente foi condenada, solidariamente aos co-réus, a pagar a
indenização de R$ 45.000,00, estando os autos no Egrégio Tribunal de Justiça, em grau de recurso.
A terceira ação mencionada a fls.03, cuida-se de monitória julgada procedente, que se encontra em grau
de recurso, sendo o valor do título R$ 3.723,65.
A quarta ação diz respeito a ação de indenização, no valor de R$ 10.000,00 que, conforme documento de
fls.647 a 650, foi julgada improcedente em primeira instância.
A quinta ação cuida-se de ação civil pública, em trâmite perante a 9ª Vara da Fazenda Pública da Capital,
figurando a recorrente como co-ré.
Referida demanda visa anular contrato decorrente de licitação pública, na modalidade concorrência, com
o objetivo de construção de casas populares.
Depreende-se que, não obstante o valor elevado dado à causa (R$ 7.078.616,86), o que busca o Ministério
Público é a condenação dos réus, solidariamente, ao pagamento do valor correspondente ao alegado
superfaturamento do terreno onde deu-se a construção das casas populares. Esse valor, segundo estimativa
do Ministério Público, seria de aproximadamente R$ 35.411,21 (fls.327 a 330). O pedido de condenação
consta a fls.236 a 237 (g.1 e g.2) e compreende as despesas geradas pelo contrato que se pretende anular,
os danos decorrentes da diferença da gleba (valor estimado acima) e do reajuste pelo índice FIPE.
Assim, também é possível ter uma ordem de grandeza da eventual responsabilidade patrimonial da
recorrente, na hipótese de condenação na referida demanda.
A sexta ação mencionada pelo registrador, a fls.03, é aquela movida pela Companhia de Desenvolvimento
Habitacional e Urbano - CDHU, em trâmite perante a 6ª Vara Cível do Foro Central da Capital. A inicial
desta demanda está copiada a fls.238 a 242 e o valor pretendido pela autora é R$ 134.663,69. Consta,
porém, que há pedido de natureza reconvencional da recorrente, cujo feito tramita em apenso aos autos da
ação movida pela CDHU e, tramitando ambas as ações em conjunto, foi feita perícia que apurou crédito
da recorrente no valor de R$ 168.649,33 (fls.509 a 645, com ênfase a fls.597).
Essas as ações existentes em face da loteadora.
Agora, a análise dos óbices em face dos antecessores.
A sétima ação noticiada cuida-se de execução fiscal no valor de R$ 4.537,20, constando que há bens
penhorados dos devedores e já houve depósito em favor da exeqüente (fls.34).
A oitava ação cuida-se de execução no valor de R$ 74.790,35, já havendo penhora dos bens dos
devedores (fls.262 a 263), estando os autos no Egrégio 1º Tribunal de Alçada Civil, em grau de recurso
(fls.37 a 38).
A nona ação mencionada refere-se também a uma execução, no valor de R$ 134.063,89, que também está
em grau de recurso no Egrégio 1º Tribunal de Alçada Civil (fls.36), também havendo penhora de bens dos
devedores (fls.273 a 274).
A décima ação noticiada diz respeito àquela movida pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos em
face de José Pereira, em trâmite perante a 9ª Vara da Justiça Federal. Verifica-se que o réu naquela
demanda é homônimo do antecessor da recorrente, o que se verifica pela divergência dos números das
respectivas cédulas de identidade (fls. 275, 276 e 307) sendo, de qualquer forma, pequeno o valor da
demanda em questão ( R$ 1717,00 - fls.275).
A décima primeira ação referida cuida-se de ação penal movida em face de Manoel Aparecido Marques e
sua mulher Maria de Fátima Pereira Marques, por infração ao artigo 183 da Lei 9742/97, cujo tipo diz:
"Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação: Pena - detenção de dois a quatro anos,
aumentada da metade se houver dano a terceiro e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais)". Portanto,
ressalvada a hipótese de responsabilidade patrimonial dos referidos réus em relação a terceiros, de que
não se tem notícia, não representa tal ação perigo potencial para os futuros adquirentes dos lotes, até
porque não se indeniza dano remoto ou potencial.
O item 12º levantado pelo registrador compreende quatro alíneas, a seguir analisadas:
a) execução em face de Maria Elza Sio Dorigan, no valor de R$ 2.375,77. Cuida-se de execução fundada
em dois cheques emitidos pela executada em agosto de 2001, quando a alienação da parte ideal da
executada sobre o imóvel, correspondente a apenas 50% de 1/20, foi feita em 15 de dezembro de 1997.
Note-se que o valor é pequeno e já consta arresto de bens da devedora (fls.293).
b) execução em face de Maria Elza Sio Dorian, no valor de R$ 7.777,20. Também aqui vale dizer que se
cuida de execução fundada em um cheque de emissão da executada em 21 de agosto de 2001 (fls.299),
valendo as considerações acima acerca da data da alienação da parte ideal pela executada, de sua pequena
proporção sobre o todo do imóvel e o pequeno valor da execução, que está suspensa (fls.300 a 301).
c) dez títulos protestados perante o 1º Tabelião de Protestos de Votuporanga no valor total de R$
11.258,46.
d) três títulos protestados perante o 2º Tabelião de Protestos de Votuporanga, no valor total de R$
5.451,66. Os protestos referidos na alínea anterior e nesta alínea, num total de 13, são de títulos de
responsabilidade de Maria Elza Sio Dorian (fls.48 a 52). Os títulos foram emitidos em 2001 e, como já
dito acima, a alienação da parte ideal da emitente dos títulos deu-se em 15 de dezembro de 1997, de sorte
que tais protestos não representam óbice ao registro.
Por fim, o óbice de número 13 levantado pelo registrador, que diz respeito a execução fiscal movida pelo
IAPAS em face de Vera Lúcia Alves Pereira (fls.57). Aqui a recorrente trouxe certidão comprobatória de
que a referida antecessora encontra-se com sua situação regular perante a autarquia, bem como certidão
negativa de tributos e contribuições federais (fls.304 e 303, respectivamente).
Em contrapartida, a recorrente fez prova de seu patrimônio (fls.243 a 253 e 428 a 443).
Os imóveis objetos das matrículas 35.231 (fls.246), 35.433 (fls.247) e 35.432 (fls.248), todas do Serviço
de Registro de Imóveis de Votuporanga, são 28 apartamentos de propriedade da recorrente, sobre os quais
não constam ônus ou gravames.
Quanto ao imóvel objeto da matrícula 30.887 do Registro de Imóveis de Votuporanga (fls.249 a 251),
houve equívoco da ilustre julgadora, pois a hipoteca constante da averbação número 9 da matrícula recaiu
sobre o imóvel objeto da matrícula 16.548 e não sobre o imóvel objeto da matrícula 30.887 (fls.251).
No tocante ao imóvel objeto da matrícula 35.195, também de Votuporanga, representa 11 apartamentos
igualmente livres e desembaraçados, de propriedade exclusiva da recorrente (fls. 252 a 253).
Há ainda uma frota de automóveis em nome da recorrente, sobre os quais não consta ônus (fls.428 a 443).
Ainda que se considere unilateral a avaliação feita do patrimônio da recorrente (fls.243 a 245), a ordem de
grandeza pode ser aferida, tanto do valor de seu patrimônio quanto da potencial responsabilidade acaso
advinda das demandas em curso, de sorte que, sob essa óptica, não se vislumbra dano potencial aos
futuros adquirentes dos lotes que justifique a negativa de registro do loteamento, em razão do disposto no
artigo 18, § 2º, da Lei 6766/79.
Portanto, o registro do loteamento em questão, na forma pretendida, é possível, afastados que foram os
óbices levantados pelo Sr. Oficial, nos termos acima.
Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso, para julgar improcedente a dúvida.
(a) LUIZ TÂMBARA, Relator
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