Como o Brasil vai sair dessa?
É a pergunta que mais me fazem atualmente. A preocupação é com a economia em recessão, com a
fragmentação política, sem falar no impacto das investigações em curso. Não é pouca coisa. O receio
é de que o estado atual se prolongue por mais tempo. A esperança é de que o pior já tenha passado e
a recuperação da atividade esteja a caminho. A maioria dos economistas projeta alguma melhora no
futuro (bem gradual, em até um ano). Mas, racionalmente, quais serão as forças da mudança?
A resposta não é trivial. Normalmente, a tendência é imaginar que as forças atuais vão se perpetuar.
O mais difícil é pensar na mudança, até porque exige definir como e de que forma ocorrerá. Tarefa
árdua no Brasil de hoje.
Entretanto, as recessões na economia não duram para sempre, e um dia acabam. A maioria termina
em dois, três trimestres. As que se prolongam por anos seguem crises financeiras, num processo
longo de redução de endividamento (“desalavancagem”). É um processo que requer tempo para se
materializar e é a antítese do calote: as dívidas vão diminuindo lentamente até se equilibrarem. O livro
“This Time Is Different: Eight Centuries of Financial Folly”, de Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart,
mostra essa regularidade empírica. Sua importância foi prever corretamente a recessão prolongada
que se seguiu à crise financeira internacional de 2008. Até hoje, a recuperação plena da atividade
global ainda é uma promessa.
Se recessões prolongadas são a exceção, longos períodos de crescimento baixo não o são. Há vários
exemplos no mundo. Foi o caso do Japão nas últimas décadas. E não é “privilégio” de economias
mais ricas. Um exemplo mais próximo é o do México, que cresceu cerca de 2% nas últimas décadas,
e apenas recentemente implementou várias reformas, que possibilitarão um maior crescimento daqui
por diante.
Crescimento baixo é mais comum do que se imagina. Poucas economias em desenvolvimento
conseguem convergir para a renda das economias mais ricas. A maioria fica presa na dita armadilha
da renda média. Apesar de bem-sucedidas em crescer e escapar de rendas per capitas muito baixas,
não conseguem avançar. A dificuldade é transformar modelos baseados em “transpiração” em
baseados em “inspiração”. O primeiro modelo gera crescimento com base na capacidade de acumular
fatores (capital e trabalho): utilizando a mão de obra disponível para trabalhar e investindo mais. O
segundo depende da capacidade de fazer mais com os mesmos recursos disponíveis, aumentando a
produtividade. É a busca da eficiência através da melhora da educação, da gestão e da inovação. O
Brasil precisa ainda transpirar (investir mais), embora o crescimento vá cada vez mais depender da
sua inspiração (produtividade, eficiência).
Assim sendo, será mais fácil o Brasil sair da recessão do que conseguir crescer mais na sequência.
Nenhum dos dois vai ser fácil.
Nessa sexta-feira, o IBGE divulgou o resultado do primeiro trimestre de 2015, com queda de 0,2% em
relação ao trimestre anterior (em termos anualizados, queda em torno de 1%). Não há dúvida de que a
economia está em recessão. A perspectiva é de que o segundo trimestre será pior do que o primeiro:
estimamos queda de 1% (o que seria uma queda de 4% anualizada). E será o fundo do poço?
Por enquanto, não há sinais de estabilização, a queda é livre. No atual ritmo, o crescimento do terceiro
trimestre também será negativo.
Mas a recessão prolongada torna a base de comparação mais baixa: basta parar de cair que a
situação melhora.
Para avaliarmos a extensão da recessão, é importante diagnosticá-la. A queda atual é consequência
do passado. Resulta do esgotamento das políticas adotadas nos últimos anos. A tentativa de
prolongar artificialmente o desempenho econômico do ciclo anterior, num contexto global muito
diferente, não só fracassou, mas também introduziu incertezas macroeconômicas, que minaram a
confiança da sociedade, derrubando o investimento e o crescimento. No final, a insistência levou até à
falta de disciplina macroeconômica, o que exige atualmente ajustes duros para evitar a crise (ou seja,
perda de grau de investimento, saída de capitais, crise cambial, depressão).
Há cinco ajustes em curso: fiscal (meta primário), parafiscal (recursos públicos além do primário),
realismo tarifário, balanço de pagamentos (câmbio flutuante) e meta de inflação (volta ao centro da
meta). Esses ajustes, se implementados, devem evitar a crise, o que é essencial. A possibilidade de
crise é um grande obstáculo para a retomada da confiança.
A retomada da confiança é um dos poucos caminhos para o fim da recessão. A reversão da queda do
investimento é essencial. Os outros componentes da demanda estão limitados. O consumo sofre pela
queda do poder de compra devido à elevação da inflação, por causa da correção dos preços
administrados, e da fraqueza do mercado de trabalho, que deve continuar perdendo força, mesmo
depois da recessão atual. Por sua vez, o governo está empenhado no ajuste, precisando gastar
menos, e não mais. Finalmente, as exportações estão melhorando, mas não são grandes o suficiente
para arrastar o transatlântico que é a economia brasileira.
A confiança na economia depende também do contexto político. Não há ainda clareza sobre o
caminho que o governo quer seguir. A fragmentação das forças políticas fundamenta essa incerteza. A
atual baixa popularidade mantém acesa a dúvida se o governo vai mudar novamente a direção das
políticas.
Em suma, o primeiro passo é sair da recessão. A reversão da queda da confiança é essencial para
isso. Os ajustes removem o grande obstáculo, mas não são suficientes, per se, para a retomada da
confiança. O ambiente no País ainda é de incerteza. A volta do crescimento sustentável é o passo
seguinte. Requer coesão política para direcionar o Brasil no caminho certo e foco no aumento da
produtividade e eficiência. Esse segundo passo parece bem mais difícil, visto de hoje.
Ilan Goldfajn é economista-chefe e sócio do Itaú Unibanco.
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