HISTÓRIA DE LUTA PELO DIREITO Á EDUCAÇÃO NO ASSENTAMENTO DE SUMARÉ – SP: DA CONSTRUÇÃO DA ESCOLA AO PROGRAMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA. ELOISA DE TOLEDO CRUZ Núcleo de Estudos e Pesquisas: Práticas Educativas e Processos de Interação - Mestranda Orientadora: Profª Drª Anna Maria Lunardi Padilha Introdução: O tema central desta pesquisa é a Educação do Campo em áreas de reforma agrária, buscando compreender o histórico de luta para que seja garantido este direito nessas áreas, desde a construção física do espaço até a ultima conquista dos movimentos através do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA, implementado em 1998. O interesse por esta temática de estudo aconteceu durante minha graduação em Pedagogia, quando tive a oportunidade de participar de um projeto do PRONERA, inicialmente como bolsista e em seguida na área de apoio técnico pedagógico, realizado na Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP, junto ao movimento social Organização de Mulheres Assentadas e Quilombolas do Estado de São Paulo - OMAQUESP e o governo federal, representado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, projeto este que foi meu tema e objeto de pesquisa no trabalho de conclusão de curso. Após o término de minha graduação em 2010, tive a oportunidade mais uma vez, a convite do Núcleo de Estudos e Programas em Educação Popular - NEPEP da UNIMEP, de participar de um curso sobre movimentos sociais localizado no Panamá no Instituto Cooperativo Interamericano – ICI com duração de 70 dias, quando tive, também, a oportunidade de conhecer outros movimentos sociais indígenas que lutam pela reforma agrária. Esse curso utilizava uma metodologia na qual se fazia necessária a convivência nessas comunidades, para assim podermos realizar uma melhor análise da realidade que debatíamos. Foi nesta comunidade que eu escrevi meu projeto para participar da seleção para o mestrado e, desde então, não tive mais dúvidas que meu objetivo maior de estudo era o de ouvir essas pessoas que tanto têm a dizer – dizeres historicamente importantes – constituindo mais uma possibilidade para que suas vozes tenham auditório social e acadêmico. Ser Sem Terra é você transformar uma negação em afirmação. O sem que era antes uma característica que representava o não ser, o não possuir, então não pode falar, agora, é transformado na afirmação de um coletivo, com posicionamentos, tendo a condição de falar e de ser ouvido. (SANTOS, 2008.p.11) Objetivo: Esta pesquisa tem por objetivo principal compreender como foi o processo de luta pela conquista do direito à educação no assentamento I e II de Sumaré - SP, desde a ocupação do espaço, construção da escola na comunidade até os programas federais desenvolvidos nestes espaços, dos quais eles já participaram ou participam, com um olhar mais próximo no PRONERA. Durante as entrevistas identificamos eixos principais desta pesquisa, delimitando e enfocando o objetivo, sendo estes: Ocupação da terra; Preocupação da comunidade com a educação (ou dificuldade de acesso a Educação); Projetos de educação existentes na comunidade e PRONERA; Referencial teórico: No desenvolvimento de meus estudos, busco coerência com a perspectiva do materialismo histórico e dialético uma vez que tal método foi desenvolvido por Marx e Engels como teoria de transformação social e como instrumento de luta política para os trabalhadores. De acordo com Minayo (2000, p. 64), o caráter de abrangência desse método é a marca da totalidade, ou seja, a partir de uma perspectiva histórica, cerca o objeto de conhecimento com a compreensão das mediações e correlações para a explicação da realidade social em estudo. A ênfase recai: “nas relações entre o indivíduo e a sociedade, entre as ideias e a base material, entre a realidade e sua compreensão pela ciência e nas correntes que enfatizam o sujeito histórico e a luta de classes” (p.64). Esta pesquisa permite, ainda segundo Minayo, reconstruir as representações sociais que constituem a vivência das relações entre os atores sociais que atribuem significados aos acontecimentos de suas vidas. Ressalto as contribuições de Bakhtin (1992) quanto à relevância das entrevistas e da proximidade entre pesquisadores e as pessoas do assentamento onde a pesquisa está sendo realizada. O discurso da pesquisadora se encontra com os discursos dos moradores do assentamento e a interação é viva e tensa, como ensina este pensador. Dos autores estudados e dos conceitos utilizados nesta pesquisa, em fase de desenvolvimento, destaco Molina (2003); Caldart (2002); Santos (2008); Gohn (1995) e também documentos importantes para a compreensão desta temática assim como: manual do PRONERA (2011) e Diretrizes Operacionais para a educação Básica nas Escolas do Campo (2002). Metodologia: Os assentamentos I e II onde realizei as entrevistas localizam-se na cidade de Sumaré – SP. A escolha deste lócus deveu-se ao fato de já ter participado de dois projetos do PRONERA. Ter estado no assentamento foi um grande facilitador para a obtenção das autorizações de gravação e imagem das entrevistas sem nenhum empecilho. Os moradores já conhecem meus trabalhos anteriores e avaliaram, por intermédio de seus líderes, a importância desta pesquisa, dizendo-me claramente que ela é relevante para a construção e memória da história do assentamento. Os assentados estão organizando uma biblioteca comunitária e demonstraram em suas falas uma grande preocupação em sistematizar todas as situações vivenciadas, principalmente as que se referem à educação. As entrevistas videogravadas com o consentimento dos participantes já foram realizadas e estão em processo de transcrição e análise. Sobre a população do campo: apontamentos iniciais Com o desenvolvimento crescente da industrialização e a consequente urbanização ocorrida nos últimos tempos, ainda assim a população do campo em nosso país - segundo o IBGE (2010) – representa um quinto da população nacional, sendo que grande parte vive em áreas de reforma agrária. Segundo o censo de 2010 divulgado pelo MEC, a taxa de analfabetismo no Brasil representa 9,6% da população brasileira. Se focarmos este percentual dividindo em situação residencial (urbana e campo), iremos nos deparar com uma desigualdade ainda maior: em áreas urbanas, segundo o censo, a taxa de analfabetos representa 7,6% da população, enquanto em áreas rurais este índice representa 23,7%. Santos (2008) propicia um olhar minucioso em relação às taxas no que se referem ao âmbito do campo nas áreas de reforma agrária no estado de São Paulo, trazendo alguns índices onde podemos observar esta realidade: 42,27% da população apresenta nível de escolaridade até a 4ª série e 27,27% tem ensino fundamental completo e menos de 1% teve acesso ao ensino superior. Essa situação é concomitante a quase não existência de escolas localizadas no campo principalmente em áreas de reforma agrária, tornando assim o acesso, permanência e retorno desta população ao âmbito escolar, ações de grande dificuldade. A partir desta ótica nos aproximamos de dois dos mais de 400 assentamentos existentes no Estado de São Paulo, localizados em Sumaré. Este assentamento é muito importante para compreendermos esta realidade em relação à educação, que sempre foi e ainda é uma das prioridades na comunidade campesina. CALDART (2002, p. 26) aponta a educação do campo como sendo fundamental para o desenho da identidade da população que reside nestas áreas, identificando esse movimento como necessário para a viabilização desta educação específica, vislumbrando assim a luta do povo do campo por políticas públicas que garantam o direito à educação: do e no campo. “No: o povo tem direito a ser educado no lugar onde vive; Do: o povo tem direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com sua participação, vinculada à cultura e às suas necessidades humanas e sociais.” Com o objetivo de reparar esta defasagem na esfera educacional a partir do contexto acima apontado, vários programas foram implementados com o passar dos anos, segundo MOLINA (2003), assim como: Programa de Alfabetização Solidária – PAS e Plano Nacional de Qualificação Profissional, todos com o objetivo de diminuir as disparidades regionais e os índices de analfabetismo. Porém esses programas não continham em sua metodologia as especificidades para o campo e as universidades envolvidas pouco tinham autonomia para realizar essas alterações. MOLINA (2003) nos conta que após o massacre de Eldorado dos Carajás, ficou evidenciado o descaso do governo federal com as causas da reforma agrária e dos movimentos sociais do campo, e então, como forma de “compensação” a partir da luta dos movimentos sociais e sindicatos rurais foi criado, por meio da Portaria nº 10/98, o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA. Esse programa é destinado aos sujeitos do campo, no local onde vivem. O programa propõe uma metodologia específica que valorize a cultura e saber do educando, o que significa um grande passo na conquista do direito à educação dos assentados. O PRONERA traz uma metodologia de gestão tripartite, baseada na articulação entre um movimento social ou sindicato rural, o governo federal representado pelo INCRA e uma universidade pública ou sem fins lucrativos (MINISTÉRIO EXTRAORDINÁRIO DE POLÍTICA FUNDIÁRIA, 2011). As instituições de ensino superior cumprem uma função estratégica no referido programa, tendo como atribuição a mediação entre os movimentos sociais e o INCRA, aprende-se com Andrade e Di Pierro (2004). As instituições de ensino superior trazem como atribuição do projeto as questões administrativo-financeiras e coordenação pedagógica dos projetos. Já os movimentos sociais respondem pela mobilização das comunidades e as superintendências do INCRA desempenham a função de acompanhamento financeiro, apoio logístico e articulação interinstitucional. De acordo com os princípios do Programa, os movimentos sociais se tornam autores em relação à participação da construção da educação e desenvolvem estratégias que atendam a população do campo, assim com maiores chances de levar os sujeitos a se reconhecerem na proposta pedagógica desenvolvida no programa (MINISTÉRIO EXTRAORDINÁRIO DE POLÍTICA FUNDIÁRIA, 2011). Para Molina (2003), o PRONERA abre um campo na área de educação para assentados, uma vez que, até então, era praticamente inacessível, levando uma metodologia pensada e formulada com o homem do campo e não somente para eles. Em relação às leis que garantam a educação do campo em termos de legislação, há uma resolução com Diretrizes Operacionais a qual caracteriza a educação do campo respeitando sua identidade e especificidade, partindo de sua realidade e visando a valorização cultural. Considerações parciais: A partir do contexto brevemente apresentado acima em relação à educação do campo, podemos ter uma compreensão da importância das entrevistas - ouvir estas pessoas se torna a ação principal desta pesquisa. As entrevistas já foram realizadas e transcritas e estão atualmente em processo de análise. Para este texto trago a fala de uma assentada que trabalhou incansavelmente para que fosse possível a construção de uma escola no assentamento II de Sumaré - SP, escola esta que no futuro Dona Cecília frequentou como aluna em um dos projetos de Educação de Jovens e Adultos – EJA desenvolvidos no PRONERA. Raras foram as mudanças operadas na transcrição de modo “a não interferir na natureza do discurso produzido do ponto de vista da linguagem e do conteúdo” (MARCUSCHI, 2010, p.49). “Olha, eu quando era criança, meus pais tinha quatro filhos na escola, quando a escola fazia o censo pra ver quantos filhos tava fora da escola. Daí passaram e meu pai falou só tem três que pode entrar na escola...daí o pessoal falou: não, até quatorze anos pode fazer a primeira série, dai eu tive que ficar porque dos quatro eu era a mais velha, dai os três ficavam na escola e eu ia trabalhar, mais eu era tão curiosa que eu queria ler tudo o que eles traziam da escola, daí nesse meio eu aprendi a ler muito e escrever pouco, foi assim, na raça, porque não podia ir pra escola porque eu tinha que trabalhar, minha mãe falava assim: porque mulher tem que aprender a escrever? Pra escrever carta para rapaz? (...) Quando nós viemo morá no assentamento, nossas crianças não tinha vaga na escola porque era descriminado, quando ia matriculá perguntava: da onde você é? Ah! Do assentamento, não tem vaga, aí você ia na outra, não tem vaga, a escola tá completa, umas até chegava a falar não tem vaga pra ninguém do assentamento. Foi daí que as mulheres falaram: vamos fazer um mutirão pra gente mesmo construir a escola, daí no dia seguinte eu encontrei a finada Yolanda, foi a primeira que chegou, vi que ela tava com o martelo pregando palete de madeira, dai eu cheguei junto e falei: vamos pregar palete, daí de pouco em pouco foi chegando os gato pingado de home, e daí foram tomando coragem e conseguimos montar o barracão da escola, daí depois fomos atrás de professores pra alfabetizar nossas crianças, À noite continuava tendo aula pra gente, daí a gente conseguiu montar a escola e com muito custo a prefeitura começou a mandar merenda; pra fazer comida não tinha quem fizesse aí cada dia uma mãe vinha fazer, puxava água do poço, fazia merenda e dava pras crianças (...) Daí quando veio o projeto do PRONERA, eu aprendi com a professora Sabrina e depois com a professora Lídia. Hoje eu já escrevo e eu tenho a terceira série do primário, ainda tenho dificuldade pra escrevê mais já me ajudo muito e pra gente seria bom se continuasse o estudo pra essa nova geração que tá vindo agora, pra que eles aprendesse como foi feito o projeto dessa escola e o objetivo da gente vim pra terra senão a gente não vai consegui criá o vínculo dessa nova geração e não vamo conseguí da continuidade no trabaio, porque esse trabaio de assentamento, de mulheres, de OMAQUESP, de PRONERA, tem que continuá e essa nova geração tem que conhecê, porque tem menino que não sabe o porquê de ele tá aqui, então tem que conhecê, tem que te o conhecimento, tem que te uma continuidade pras pessoas daqui”. Esta foi uma parte da entrevista de Dona Cecília, assentada do assentamento II; uma pessoa muito importante no processo de luta pelo direito à educação do assentamento. Do enunciado dessa moradora, depreende-se que não somente a construção da escola, mas todo o seu processo contribuíram para a constituição da identidade do grupo como um todo, tornando assim uma importante ferramenta nos vínculos que constituem sua existência nesta realidade, tratando de um olhar específico para estudar o processo educativo que perpassa o conjunto de ações deste Assentamento. (CALDART, 2004). Molina (2003) contribui com essa reflexão acima, advertindo que é imprescindível a busca da articulação da escola com o desenvolvimento do campo, a fim de que as escolas se tornem espaços adequados para possibilitar a construção da educação do campo sobre uma nova visão das potencialidades existentes, desencadeando o desenvolvimento das comunidades rurais. Como pudemos observar, o PRONERA abre um campo na área de educação para as pessoas do assentamento que até então, era de certa forma inacessível, levando uma metodologia pensada e formulada COM estes sujeitos e não PARA estes sujeitos. Esta pesquisa ainda esta em desenvolvimento, porém espero que ela contribua futuramente para estudos nesta perspectiva e nesta modalidade de educação, dando continuidade na luta por uma educação no e do campo de qualidade. Eu quero uma escola do campo que não tenha cercas que não tenha muros, onde iremos aprender a sermos construtores do futuro. (Santos, Cantares popular, 2006) Referências bibliográficas ANDRADE, Márcia R. PIERRO, Maria Clara Di. MOLINA, Mônica C e JESUS, Sonia M. S. Azevedo. Educação na Reforma Agrária em Perspectiva: Uma avaliação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. IN: ANDRADE, Márcia R. e PIERRO, Maria Clara de. A Construção de uma Política de Educação na Reforma Agrária. São Paulo: Ação Educativa; Brasília: PRONERA, 2004. BAKHTIN, M. V. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 6ª ed. São Paulo: Hucitec, 1992. CARDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. São Paulo: Expressão Popular, 2004. _________, Roseli Salete. Por INCRA:MDA:NEAD Especial, 2002 Uma Educação do Campo V.4. Brasília: MARCUSCHI, Luiz Antonio. Da Fala a Escrita: Atividade de Retextualização. São Paulo: Cortez, 2010. MINAYO, Maria Cecília S. O desafio do Conhecimento. São Paulo: Hucitec-Abrasco, 2000. MINISTÉRIO EXTRAORDINÁRIO DE POLÍTICA FUNDIÁRIA. Incra . Manual de operações do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. Brasília, 2011. MOLINA, Mônica Castagna. A contribuição do PRONERA na construção de políticas públicas de educação do campo e desenvolvimento sustentável. Tese de doutorado apresentada ao programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília - UNB, novembro de 2003. SANTOS, Clarice Aparecida. Por uma educação do Campo v.7. Brasília: INCRA: MDA: NEAD Especial, 2008. SANTOS, Gilvan. Educação do Campo IN: MUNHOZ, Pedro. Cantares da Educação do Campo. São Paulo – SP, CD gravado no New Studio. Jan. de 2006. SANTOS, Ramofly Bicalho dos. O Projeto Político Pedagógico do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra: Trajetória de Educadores e Lideranças.Campinas: Editora Komedi, 2008.