ORIENTE E OCIDENTE: A TERRA DOS VIVOS, A TERRA DOS MORTOS Rodrigo Falcão* I. CIVILIZAÇÃO 1. Conceito fluido – Jean Starobinski e Samuel Huntington O termo “civilização” possui uma história. O intelectual suíço Jean Starobinski fornece um precioso e erudito estudo que apresenta as seguintes concepções originais da palavra civilização: 1) civil (séc. XIII); 2) civilidade (séc. XIV), ambas em francês estavam associadas aos antecedentes latinos (civis e civiles). No entanto, o conceito de “civilizar” é atestado a partir do séc. XVI. (Montaigne – “os reinos do México eram absolutamente mais civilizados do que as outras nações da América”). Havendo, também, a noção jurisprudencial de tornar civil uma causa criminal, noção que sobreviverá até o séc. XVIII. O marquês de Mirabeau foi o primeiro a empregar o termo “civilização” no sentido não jurídico (1756 – O amigo dos homens). “Civilização”: abrandamento dos costumes; educação dos espíritos; desenvolvimento da polidez, cultura das artes e das ciências; crescimento do comércio e da indústria; aquisição de comodidades e do luxo. “Civilização e progresso” são termos associados. O que, a partir do séc. XIX, exige a definição dos estágios da civilização, mediante os progressos materiais e morais, para que se compreenda o que levou a civilização da barbárie inicial à condição presente da sociedade humana. Esta era uma interpretação otimista e em movimento da humanidade, nem estática, nem teológica. Como afirma Starobinski, Não se trata mais de avaliar os defeitos ou os méritos da civilização. Ela própria se torna o critério por excelência: julgar-se-á em nome da civilização. Ela se torna motivo de exaltação para todos aqueles que respondem ao seu apelo; ou, inversamente, fundamenta uma condenação: tudo * Advogado. Mestre e Doutorando em História Social e das Idéias – UnB. 2 que não é a civilização, tudo que lhe resiste, tudo que a ameaça, fará figura de monstro ou de mal absoluto.1 O pensador francês Condorcet, em seu Esquisse (1794), já observava que aquilo que era reservado aos bárbaros (sanguinários, tirânicos, estúpidos) era o que as empresas coloniais européias praticavam nas regiões onde operavam. Samuel Huntington é prisioneiro da armadilha intelectual apontada por Starobinski: acredita numa linearidade civilizacional, desde os mesopotâmios até os nossos dias. Ou há civilização ou não há nada. Desconsidera o conceito de cultura (kultur) proposto por intelectuais alemães, sob o argumento de que foi pouco acolhido no mundo e de que “civilização é uma cultura em escrita maior”2. Afirma, ainda, que o elemento mais importante da civilização é a religião, além de outros elementos objetivos, língua, história, costumes, instituições e pela auto-identificação subjetiva das pessoas.3 As civilizações propostas por Huntington são: 1) Sínica; 2) Japonesa; 3) Hindu; 4) Islâmica; 5) Ortodoxa; 6) Latino-americana, que contém elementos indígenas; cultura corporativa e autoritária pouco presente na Europa e inexistente nos EUA, pois não sofreu os efeitos da Reforma como a Europa e os EUA; evolução política e econômica bastante diversa do Atlântico norte; 7) Ocidental. Europa, América do Norte, Austrália, Nova Zelândia e África do Sul. 8) Africana, possivelmente. Tradicionalmente, desde a revolta contra o domínio britânico e a fundação da república, os EUA foram uma referência como a alternativa da liberdade, igualdade, oportunidade e futuro em relação à Europa. No séc. XVIII, durante a Revolução americana, os conceitos de liberdade, igualdade, felicidade pública e republicanismo estavam sendo gestados pelo pensamento iluminista, principal corrente do pensamento ocidental no período, apesar de associados depois, pelos pensadores dos EUA, como valores exclusivamente estadunidenses. Fosse mera propaganda, ou não, até o início do séc. XX a noção dos EUA como uma terra a ser construída foi amplamente difundida. No entanto, os EUA desenvolveram uma nova identidade assim que a Europa teve seu poder fragilizado ao final da Primeira Grande Guerra. Desde então, pensa Huntington, os EUA surgiu para o 1 STAROBINSKI, Jean. As máscaras da civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 33 HUNTINGTON, Samuel P. O choque das civilizações e a recomposição da ordem mundial. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997, p.46. 3 Idem, p. 48. 2 3 cenário mundial como líder de uma entidade mais ampla, o Ocidente, que inclui a Europa. (p.53). Certamente, somente um pensador estadunidense poderia determinar tal divisão “civilizacional” do mundo. 2. Civilização ocidental e civilização oriental O conceito de “mundo livre” e o de Ocidente, na visão de Huntington, são derivados diretamente da forma como os EUA pensaram e dividiram o mundo desde o período da guerra fria. O Ocidente é definido por Huntington unicamente pela visão dos EUA, que inclui uma Europa pouco mediterrânica e muito concentrada nas costas do Mar do Norte e adjacências; a América do Norte (ou seja, EUA e Canadá), Austrália, Nova Zelândia e África do Sul, todas regiões colonizadas por ingleses e holandeses, mas necessariamente anglófonas. Diversamente de Huntington, e seguindo as observações de Starobinski, podemos falar de uma outra noção de Ocidente que estaria definido por um certo número de elementos identificadores: a concepção de organização política da sociedade, seja de caráter autoritário ou democrático, publicista ou privatista; monárquico, aristocrático, republicano ou democrático. Somente o Ocidente se preocupou com tais definições de Estado. Este é o Ocidente que, de uma forma ou de outra, foi sendo construído e reconstruído desde as póleis gregas, passando pela res publica romana, pelos reinos germânicos medievos e pelas repúblicas italianas renascentistas. As monarquias iluministas e as revoluções iluministas, as repúblicas e impérios do séc. XIX e os Estados-nação do séc. XX complementam a trajetória de um cultura ocidental. No caso da definição da América Latina como uma subcivilização do Ocidente temos uma atitude de descaracterização do Ocidente. Se a América Latina contém elementos indígenas e africanos, é preciso ressaltar que as culturas européias construíram tal condição. Por outro lado, os EUA não são menos africanos, ou mesmo constituídos por vários guetos, nos termos das soluções que encontraram para seus problemas étnicos. A suposta cultura corporativa e autoritária que caracteriza a América Latina jamais foi pouco presente na Europa; sendo mesmo importado de modelos europeus, como os Estados fascistas e os Estados imperialistas, como o próprio Estado colonialista 4 português. Se o autoritarismo não esteve presente nos EUA, a luta pelos direitos civis, apenas para citar um exemplo, não seria necessária. A América Latina não passou pelos efeitos da combinação entre a Reforma protestante e a cultura católica, como a Europa e os EUA? A Europa que passou pela combinação entre as culturas católica e protestante foi a anglo-germânica, visto que nos países nórdicos o catolicismo desapareceu, enquanto que na Europa francomediterrânica a cultura protestante simplesmente foi extirpada, quando conseguiu existir. II. O ORIENTE ONTEM E HOJE 1. O espelho do Ocidente A idéia de Ocidente, para além dos conceitos de definição de Estado, foi forjada num jogo de alteridade, cujo par é o Oriente. Pode parecer obviedade, até mesmo natural, mas é, como sempre acontece no universo das idéias, uma construção intelectual continuada e longa. Foi no Egito antigo que a percepção de um mundo determinado pelas dualidades encontrou uma forma desenvolvida. Os egípcios dividiram a terra habitada em duas partes: a terra dos vivos e a terra dos mortos.4 A terra dos vivos era o mundo habitado pelos egípcios, situado na margem leste do Nilo, na direção do nascente, onde o deus Rá iniciava seu trajeto no firmamento. Na margem oeste, na direção do poente, estava a terra dos mortos, onde o reino de Rá acabava e se iniciava o do deus-faraó Osíris, que reinava sobre os mortos. As regiões habitadas do Egito estavam localizadas na margem oriental, enquanto que muitos templos e todas as áreas que abrigavam tumbas, como o Vale dos Reis e as Pirâmides, se localizam na margem ocidental. Entretanto, foi na Grécia clássica que o jogo da alteridade originou regras que vivemos até hoje, mesmo considerando que alguma influência das concepções egípcias tenham logrado interferir nas idéias gregas. Heródoto foi um dos primeiros a buscar definir a helenidade, após a vitória grega sobre o mais poderoso império da época, o persa. A identidade grega, os 5 ocidentais, construída por Heródoto só é compreensível por oposição aos persas, os orientais por excelência. Enquanto os gregos viviam com simplicidade e organizados em uma sociedade que tomava decisões coletivamente, em assembléias, os persas viviam luxuosamente e deviam obediência absoluta ao seu monarca despótico. Cabe ressaltar que os persas, como os orientais em geral, não eram considerados inferiores, mas como detentores de hábitos (nómos) distintos dos helênicos. Tudo que era grego passaria a ser identificado com o Ocidente. A ascensão de Roma marcou profundamente a questão da identidade grega desde o séc. II a.C. O historiador Políbio, de origem grega e vivendo em Roma, claramente defendera os romanos, e sua expansão, ante o mundo helenístico. Dionísio de Halicarnasso, professor de retórica grego, pensava na posição que os gregos deveriam tomar diante do crescente poder romano. As virtudes romanas seriam originárias das tradições gregas, visto que pretendia “provar que os romanos eram gregos e provinham de nações nem menores nem menos consideráveis”.5 Dionísio tentava inserir a identidade grega no interior do novo império que se formara, o romano. Certamente os romanos sempre foram muito inclinados ao conhecimento da cultura grega, o que não era o caso persa, mas a participação de intelectuais gregos como Dionísio, Políbio e outros, foi de fundamental importância para a criação de uma matriz cultural do que chamamos de cultura clássica.6 Logo, gregos e romanos eram membros de uma mesma cultura, sendo todos ocidentais. Entretanto, com a conversão do Império Romano ao cristianismo, formalizada por Constantino em 313 d.C, tivemos o início de um período novo nas concepções de Ocidente e Oriente. Com o deslocamento da capital imperial para Constantinopla, o Império Romano se tornava cada vez mais cristão e grego. O Bispo de Roma, após as invasões das províncias ocidentais pelas tribos germânicas, tornou-se a mais alta autoridade no que fora outrora o núcleo do Império. Constantinopla passou a ser, durante os primeiros séculos da Idade Média, o centro de um poder que, às vistas das províncias germano-latinas, era a cada dia mais estranho e distante. O que era romano e ocidental passou a ser encarado como grego e 4 Outros povos, como os chineses, percebiam seu país como o centro do mundo, estabelecendo para os outros povos uma posição periférica. A palavra China significa a terra do meio, ou seja, os chineses viviam na região central do universo. 5 Antiguidades romanas, I, 5. 6 Para um aprofundamento do tema indico o capítulo de minha autoria: Heródoto e Dionísio de Halicarnasso: historiografia, forma literária e identidade cultural. In: LOPES, Marco Antonio (Org.). Grandes nomes da história intelectual. São Paulo: Contexto, 2003. 6 oriental. Num passe de mágica, os gregos foram apartados dos romanos e a Grécia, sob a roupagem bizantina, passou a ser o Oriente. Esta imagem dominou o movimento das Cruzadas e se consolidou com a transformação de Constantinopla em Instambul, após a conquista turca no séc. XV. Se o que era Ocidente foi transformado em Oriente, o que era temível e admirável tornou-se exótico. A imagem deste Oriente exótico foi explorada por Montesquieu, na sua obra As cartas persas, um dos grandes sucessos editoriais do séc. XVIII, e que tentava retratar a sociedade européia por meio do olhar de um diplomata persa que estava em Paris. Mais uma vez, o jogo da alteridade está presente, pois o nobre persa, o oriental, desvela seu exotismo à medida que estranha os costumes europeus em oposição aos seus próprios hábitos. O Oriente exótico torna-se um tema, que podemos denominar de orientalismo.7 Pintores do séc. XIX, como Delacroix e Ingres, empregaram o tema do Oriente exótico e misterioso em oposição ao classicismo de Jean-Louis David. No séc. XX, após a 2ª guerra mundial, o Oriente passou do temor à ameaça “amarela” (japonesa) para os perigos ideológicos vindos do Leste (URSS) e do novo perigo oriental, a China de Mao-Tsé Tung. Para os teóricos da nova ordem mundial, o fim da guerra fria, celebrado com a queda do muro de Berlim, estabeleceu dois caminhos: a constituição de uma nova unidade política internacional que seria integrativa entre várias nações, ou a necessidade de uma liderança política mundial, que seria concretizada pelos EUA. Na realidade, as duas posições eram semelhantes, visto que a integração internacional deveria ocorrer a partir dos princípios que norteavam a vida no lado vencedor da guerra fria, ou seja, o “Mundo Livre”, o Ocidente liderado pelos EUA, na forma estabelecida por Huntington. O chamado “neo-liberalismo” foi a consagração desta forma de organizar o mundo após a guerra fria. No entanto, os EUA não conseguiram estabelecer uma ótica verdadeiramente nova na sua política de relações exteriores. A questão do perigo externo continua pautando todas as ações diplomáticas estadunidenses. Em suma, graves distúrbios psíquicos, especialmente o complexo de superioridade e o de perseguição, do novo povo eleito fazem com que os EUA necessitem de um inimigo externo definido. No caso atual, elegeram os árabes, não por acaso, os orientais por excelência no imaginário 7 Prestando uma justa homenagem ao importante intelectual americano, de origem palestina, Edward Said, cuja obra Orientalismo é fundamental para compreender tais questões. 7 ocidental, visto que a China e URSS não mais estabelecem o contraponto oriental que os definiam antes. Com exceção de alguns especialistas, e mesmo alguns deles não devem ser excluídos, a visão de Washington sobre os árabes é a mais deformada possível. Primeiro, os árabes representam o Islã. Erro grave, que desconsidera as diversas facetas do Islã. O Irã, por exemplo, apesar de maciçamente muçulmano, possui uma tradição cultural e civilizatória própria, inclusive com o persa como língua cotidiana, tendo no árabe apenas uma língua litúrgica. Por outro lado, no Líbano, na Síria, no Egito e na Palestina encontram-se importantes comunidades árabes, mas que não são muçulmanas, como os ortodoxos sírios, os cristãos maronitas, os católicos palestinos e os coptas egípcios. Observe-se que são quase todas denominações cristãs orientais e vistas como heréticas, e, portanto, quase-infiéis, desde as cruzadas medievais. 2. A guerra da Palestina É no interior desta distorção que se encontra a chamada Questão Palestina. Na verdade deve ser denominada guerra da Palestina.8 Assim, é possível definir uma situação que foi o mais longo conflito do séc. XX e que se arrasta até nossos dias. É preciso, também, evitar o emprego de conflito “árabe-israelense”, que desfigura o lado árabe, que passa a ser diluído entre todos os árabes e não é aceito como o grupo específico que é o palestino, apenas reafirmando o israelense, os que são do Estado de Israel. Por Guerra da Palestina temos a real dimensão da disputa das terras da região conhecida por Palestina, antiqüíssima encruzilhada entre a Ásia e a África. Em 1896, Theodor Herzl, jornalista judeu austríaco, lançou o livro O Estado judeu, e conseguiu realizar o 1º Congresso Sionista, no ano seguinte, em Basiléia, Suíça. O sionismo era uma movimento que pretendia estabelecer um Estado judaico em Eretz Israel, que também conhecemos como Palestina. A colonização judaica da Palestina previa a remoção dos habitantes da região, os palestinos. O sionismo foi um movimento do judaísmo ocidental, ou seja, essencialmente mobilizou judeus europeus e, posteriormente, das comunidades judaicas nos EUA. Setores do judaísmo que viviam em estados muçulmanos não participaram do sionismo, 8 Adoto a proposta de André Gattaz, em A guerra da Palestina: da criação do Estado de Israel à nova intifada. São Paulo: Usina do Livro, 2002. 8 sendo muitos contrários à criação do Estado de Israel, especialmente por não admitirem um Estado judeu que não fosse recriado pelo esperado Messias. Muitos dos judeus sionistas viam os palestinos como a maior parte dos membros das sociedades européias onde viviam: como membros de um mundo árabe no mínimo decadente, senão bárbaro e selvagem, e, portanto, indigno de possuir boa parte das terras da tradição bíblica. O Oriente Médio foi partilhado entre as grandes potências européias vencedoras da 1ª Grande Guerra, Inglaterra e França. O acordo (Mark) Sykes-Picot (Georges) de 1916, confirmado pelo tratado de Sèvres/Lausanne 1920, concedeu aos franceses o protetorado sobre a Síria e o Líbano, e aos britânicos restou o Iraque e a Palestina, além do Egito que estava sob seu domínio. Desde a morte do fundador do sionismo, em 1904, Chaim Weizmann assumiu a liderança. Em 1916, em carta endereçada a um simpatizante, Weizmann afirmava que “a Inglaterra [...] deveria ter nos judeus os melhores amigos possíveis, que seriam os melhores intérpretes nacionais das idéias dos países ocidentais e serviriam como uma ponte entre as duas civilizações”. Fica clara a noção de um enclave ocidental no Oriente, mas um enclave judaico. Os documentos diplomáticos do período, como a correspondência entre Henry McMahon (Alto Comissário Britânico no Egito) e o Xerife Hussein, Emir de Meca e Protetor das cidades sagradas do Islã e a Declaração Balfour (Artur James Balfour Secretário do Exterior britânico), indicam que não havia uma política definida pelas autoridades britânicas, ocorrendo bruscas mudanças de posicionamento em relação à questão palestina. O Relatório da Comissão Real chefiada por Lord Robert Peel (1937), chama atenção para a natureza do conflito entre judeus e árabes, afirmando que não tem caráter inter-racial, pois não havia atritos anteriores ao início da posição sionista de criação de um lar nacional para os judeus. Conclui que a melhor solução é a partilha da terra. Grupos militantes sionistas na Palestina: Haganah (organização militar oficial, embora ilegal, dos judeus da Palestina); Irgun (grupo terrorista que praticava o seqüestro e morte de soldados e policiais ingleses, roubo de material militar e que, em 1946, explodiu uma ala inteira do Hotel King David, em Jerusalém, matando 91 ingleses, árabes e judeus – tinha entre seus membros o futuro líder israelense políticomilitar Menachem Begin); Stern (grupo terrorista dissidente do Irgun, comandou o assassinato do ministro inglês Lord Moyne no Egito, por dizer que os judeus não eram 9 descendentes dos antigos hebreus); Esquadrões Noturnos Especiais (grupo terrorista, treinado por um oficial britânico em serviço na Palestina, Major Orde Wingate, dedicava-se a retaliar populações palestinas que resistissem à colonização sionista – tinha entre seus membros Moshe Dayan, também importante liderança do futuro Estado de Israel). Em 1946, o presidente Truman estava preparando sua futura reeleição, na campanha de 1948, e buscava apoio na comunidade judaica dos EUA. Aceitou, então, a proposta de compor uma comissão com os britânicos para estudar a questão Palestina. A Comissão solicitou que os britânicos admitissem 100.000 judeus na Palestina, enquanto a legislação dos EUA permitia apenas 5.000 imigrantes judeus anuais. Em 1947, a ONU aprovou um plano de partilha da Palestina, com a criação de dois Estados, um árabe e um judeu. Em 15/05/1948 o mandato britânico estaria encerrado e começava a corrida pelo controle das áreas dos novos Estados. Deir Yassin era uma vila palestina com pouco mais de 1.000 hab., localizada no topo de uma montanha acerca de 2 km. De Jerusalém. O muktar local havia feito um acordo com os colonos judeus próximos de não-agressão, negando acesso a forças árabes ao local. David Shaltiel, comandante do Haganah na região, autorizou o ataque dos grupos terroristas Irgun e Stern contra Deir Yassin. Em 09/04/1948, os 120 sionistas ocuparam a vila, sob a frágil resistência de 10 ou 12 árabes, armados com rifles. O pelotão da Haganah retirou-se da vila ocupada e os grupos terroristas do Irgun e Stern massacraram todos os habitantes, fossem crianças ou mulheres. O massacre somente cessou com a chegada de alguns colonos judeus de um assentamento próximo, revoltados com a ação de seus compatriotas. No total, 254 palestinos foram mortos. Neste período havia na Palestina um frei brasileiro que realizava estudos bíblicos na Palestina entre 1947 e 1948, o frei Martinho Penido-Burnier. Ele escreveu uma carta na qual relata a violência dos atos terroristas de grupos judaicos, comparando o caso de Deir Yassin aos massacres de judeus nos campos nazistas de Cachan e Buchenwald, dizendo que foram vários os ocorridos como o de Deir Yassin em toda a Palestina. Refugiados, os palestinos foram rejeitados em diversos países árabes, como a Jordânia, ou massacrados fora da Palestina, como os casos dos acampamentos de Shabra e Chatila, no sul do Líbano. Os massacres do sul do Líbano, 1982, demonstraram algumas opções políticas de setores do Estado de Israel. As forças israelenses, comandados pelo então general Ariel Sharon, permitiram que seus aliados, as milícias falangistas cristãs, que representavam grupos da direita fundamentalista libanesa, 10 entrassem nos campos de refugiados e somente saíssem após o extermínio de todos os palestinos que encontrassem pela frente, especialmente mulheres, velhos e crianças. Como observou Noam Chomsky (ele próprio judeu dos EUA), “o registro histórico é bastante evidente. Confirma fortemente a conclusão de que os EUA e Israel lideram o campo rejeicionista, enquanto que os países árabes e a OLP aproximaram-se do consenso acomodacionista” (The fateful triangle). Hoje, após as duas intifadas, o governo de Ariel Sharon constrói um muro para dividir definitivamente os dois povos, palestinos e israelenses, e mantém os palestinos em regime de verdadeiro aparthaid. Cada vez mais, no entanto, há grupos pacifistas ativos em Israel, o que possibilita pensar sobre a possibilidade da vitória destes grupos para um futuro governo israelense mais compromissado com a paz da região, que exigirá a instalação de um Estado palestino ao lado do Estado israelense. Mesmo entre as forças armadas de Israel cresce a mobilização por saídas não militares para a atual situação. Grupos do Exército e dos respeitados pilotos da força aérea israelense se recusam a participar de ataques contra alvos civis palestinos, como pretende o governo Sharon. Resta a certeza de que, quanto mais Sharon e seus aliados radicalizarem, mais alimentarão o ódio, origem de toda a violência, dos palestinos, que é conduzido para os grupos extremistas como o Hamas. Por outro lado, se Israel eleger um governo disposto a discutir com os palestinos, mais o Hamas e seus congêneres atacarão Israel, esperando a volta de Sharon ao poder. BIBLIOGRAFIA FALCÃO, Rodrigo. Heródoto e Dionísio de Halicarnasso: historiografia, forma literária e identidade cultural. In: LOPES, Marco Antonio (Org.). Grandes nomes da história intelectual. São Paulo: Contexto, 2003. GATTAZ, André. A guerra da Palestina: da criação do Estado de Israel à nova intifada. São Paulo: Usina do Livro, 2002. HUNTINGTON, Samuel P. O choque das civilizações e a recomposição da ordem mundial. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997. SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. 11 STAROBINSKI, Jean. As máscaras da civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.