Educação para a paz e para a não-violência
Paulo César Nodari i
Everaldo Cescon 1 ii
RESUMO: O tema da educação para a paz emergiu, sobretudo, após a experiência da Primeira Grande
Guerra, sob a influência dos movimentos de renovação pedagógica, especialmente da chamada Escola Nova.
Atualmente, a problemática da paz está sendo circunscrita de forma mais abrangente, desde questões do
psiquismo humano ou da organização socioeconômica e política, até ao plano cultural. Portanto, evidencia-se a
urgência em construir um paradigma da paz. Nos últimos anos a violência tem sido experimentada também como
um problema educacional, seja por seu surgimento dentro da própria comunidade escolar, seja pela consciência
das relações que se estabelecem entre o fato social e a educação. Entre as alternativas de solução a esta
problemática, têm-se destacado aquelas que se centram no caminho educativo, com eixo na não-violência,
denominadas genericamente como Educação para a Paz e a Não-violência. A não-violência apresenta-se como o
referencial a partir do qual pode emergir um caminho de superação à violência. Postular medidas contra a
violência é, ainda, permanecer sob a sua regulação. Por esta razão, não basta reagir à violência ou à cultura de
violência, mas é preciso pensar como construir uma sociedade verdadeiramente pacifista e uma Cultura de Paz e
Não-violência.
Palavras-chave: Educação, Cultura de Paz, Não-violência.
Abstract: The theme of education for peace emerged especially after the experience of the First World War,
under the influence of pedagogical renewal movements, especially the so-called Escola Nova. Nowadays the
problem of peace is being approached in a wider way, from human psyche’s issues or matters of socioeconomic
and political organisation, to the cultural dimension. Therefore, it results evident the urgency to build a paradigm
of peace. In the last years violence has also been experienced as an educational problem, due to its appearance
within the school community itself, or to the consciousness of the interrelations established between the social
fact and education. Among the alternatives to solve this problem there have been pointed out those which focus
on the educational path, with axis in non-violence, generically denominated Education for Peace and Nonviolence. The non-violence is the referential from which it may emerge a way to overcome violence. To
postulate measures against violence is also to remain under its regulation. For this reason, it isn’t enough to react
to violence or to the culture of violence, but it is necessary to think about how to build a truly pacifist society and
a Culture of Peace and Non-violence.
Key-words: Education, Culture of Peace, Non-violence.
Contextualizando a época atual
Vive-se hoje um contexto e época singulares. Vive-se um momento ambivalente ou
ambíguo. Sem dificuldades, poder-se-ia afirmar que nunca houve tanta facilidade como na
época atual. A ciência e a tecnologia, fruto, tanto da iniciativa, da criatividade, como também
da inquietante e contínua busca de conhecimento, de aperfeiçoamento, inerentes ao espírito
1
Doutor em Teologia. Professor no Centro de Filosofia e Educação da Universidade de Caxias do Sul. E-mail:
[email protected] ou [email protected]
humano, deram às áreas de atuação humana um raio de alcance planetário. Com os avanços da
ciência e da tecnologia, o mundo se tornou uma aldeia global. O planeta está atravessado por
“autoestradas da informação” (BAUMAN, 2007, p. 11). Nada mais permanece “do lado de
fora” das redes de conhecimento. Emerge a idéia de que a ciência e a tecnologia nos levarão a
um reino terrestre de progressiva e irreversível prosperidade, e, por que não, talvez, de
ociosidade. A ciência e a tecnologia proporcionarão, quem sabe, uma espécie de “admirável
mundo novo” (Cf. HUXLEY, 1982). Todavia, por outro lado, toma cada vez mais “fôlego” e
“forma”, como irmão gêmeo da confiança exacerbada na ciência e na tecnologia, o “medo”.
Numa palavra, diante da promessa de progresso infinito, pregado especialmente pelo
positivismo científico, emergem, por sua vez, a “incerteza” e a “insegurança” acerca do
destino em direção ao qual nos conduzirá o mundo da tecnologia, que se faz cada vez mais
poderosa, abrangente e de difícil normatização moral e jurídica. Já não se sabe mais se o
objetivo da ciência e da tecnologia é tornar a vida do ser humano mais fácil, auxiliá-lo a ser
mais livre, feliz, com uma vida de mais qualidade ou se ela tem simplesmente o afã de
“dominar por dominar”. Vive-se, por conseguinte, a era do fascínio admirabilíssimo, mas, ao
mesmo tempo, a era de incertezas e inseguranças. “‘Medo’ é o nome que damos à nossa
incerteza: nossa ignorância da ameaça e do que deve ser feito – do que pode e do que não
pode – para fazê-la parar ou enfrentá-la, se cessá-la estiver ao nosso alcance.” (BAUMAN,
2008, p. 8). Diante do fascínio e do medo de nossa época atual, uma coisa é certa, a
responsabilidade cabe a cada um de nós como condição à continuação da existência, e, por
sua vez, preservar essa possibilidade como responsabilidade cósmica significa precisamente o
dever de existir, pois, “por ironia do destino”, nunca houve tanta possibilidade para melhorar
as condições de vida para toda a população mundial em todo e qualquer recanto do Planeta
Terra, mas, ao mesmo tempo, nunca houve tanta dificuldade em saber como romper com as
amarras que impedem de diminuir o abismo entre o exacerbado poder dos ricos e a
escandalosa miséria dos pobres e, imbricado a isso, detectar onde exatamente se encontram as
causas, as origens e os focos de injustiças nesse mundo globalizado.
Não é incomum se ouvir, dentre as tantas possíveis, afirmações do tipo: “A vida está
muito complicada e complexa”, “o ritmo da vida mudou nos últimos tempos”, “a ciência
avançou muito e trouxe muitas coisas boas às pessoas”, “por mais que a ciência tenha
alcançado resultados e progressos, ela ainda não conseguiu ter uma resposta definitiva a
respeito de alguns tipos de doença”, “apesar de tantos avanços e tantas possibilidades, o ser
humano ainda não alcançou o estágio almejado de paz”. Em outras palavras, alude-se à idéia
de que a compreensão do ser humano a respeito de sua presença no mundo, especialmente,
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nos dois últimos séculos, XIX e XX, mas, também, início do século XXI, mudou, não
obstante as grandes perguntas, ainda que com matizes diferenciados, permaneçam.
Complexidade e interconexão são hoje vocábulos intrínsecos à compreensão do ser humano
enquanto tal. Nenhuma área do saber pode pensar-se e denominar-se absoluta e capaz de
resolver por si todos os problemas que se lhe apresentam. Não é mais concebível a qualquer
área e subárea do saber afirmar-se fechada ao diálogo e ao trabalho com as áreas afins, sob o
perigo de decretar e assinar, de antemão, seu fracasso. Nessa perspectiva, pode-se frisar o
surgimento de um já bem conhecido questionamento: por que ao invés de construir pontes,
constroem-se barreiras, ou então, por que, diante de tantas facilidades existentes e disponíveis,
a paz, no dizer de Scheler (2000), a paz perpétua ainda não foi instaurada?
À luz desse questionamento de fundo, buscar-se-á neste trabalho, intitulado: educação
para a paz e para a não violência, apresentar alguns elementos que possam nos auxiliar a
iniciar a discussão da referida temática, uma vez que das mais diferentes e distintas cidades,
dos mais distantes lugares e países, sejam eles pobres, em desenvolvimento, ou ricos, ouvemse notícias de desrespeito e de banalização da vida humana. Tornou-se rotina ouvir e ler
informações, notícias sobre corrupção, assaltos, roubos, invasão a domicílios, estupros,
homicídios, assassinatos, guerras. Se isso não bastasse, ouvem-se, mais e mais, comentários
de que não há mais solução possível. Como que numa situação de impotência, ouve-se e lê-se,
em escala progressiva e, infelizmente, cada vez mais freqüente, o número de situações e casos
de desrespeito à vida do ser humano, levando cada ser humano, por conseguinte, como que
inevitavelmente, a colocar a pergunta acerca da razão pela qual há tanto desrespeito e
banalização da vida. Em outras palavras, por que a vida do ser humano não é respeitada? Por
que há tanto desrespeito e violação dos direitos com relação ao meio ambiente?
A preocupação com o desenrolar-se da compreensão de estar no mundo por parte do
ser humano não é do Século XXI. Ela provém de há muito tempo. Contudo, os contornos
tomaram efeitos mais abrangentes, sobretudo, no Século XX, e isso devido especialmente às
duas grandes guerras mundiais. Assim, no início do Século XXI, no momento em que se fala
tanto das revoluções tecnológicas e, mais ainda, das nanotecnologias, pode-se, com Jonas,
afirmar que para a humanidade existe uma preocupação, de fundo, muito séria, a saber: “não
há nada melhor que o sucesso, e nada nos aprisiona mais que o sucesso.” (JONAS, 2006, p.
43). Pergunta-se Heidegger por que no momento em que se tem grandes condições de
conhecer, mais e mais, do ponto de vista científico-técnico o mundo e o homem enquanto
estrutura físico-biológica, exatamente, neste momento, se conhece tão infimamente o ser
humano enquanto totalidade do ser (1973). Com Arendt, pode-se ainda alavancar o
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questionamento: “O que nos ocorre em primeiro lugar, naturalmente, é o tremendo aumento
do poder humano de destruição, o fato de que somos capazes de destruir toda a vida orgânica
da Terra e de que, algum dia, provavelmente seremos capazes de destruir a própria Terra.”
(2004, p. 281).
Diante de tais questionamentos e tomando em consideração, de maneira muito
especial, as definições de Kant de que por natureza o homem não é bom e nem mau (1999, p.
95), mas é o que a educação faz dele (1999, p. 15), e a de Sartre de “(...) o homem não é mais
que o que ele faz.” (1973, p. 12), chega-se facilmente à consideração, ainda que provisória, de
que é por meio da educação e, talvez, tão-só por meio da mesma que alcançaremos, paulatina
e progressivamente, uma cultura de paz e de não-violência. Em outras palavras, ainda que, por
um lado, contemple-se a efusiva expectativa dos avanços tecnológicos, outrora inimagináveis,
por outro, vive-se a complexa realidade cultural de violência e desrespeito à cultura da vida.
O tema da educação para a paz emergiu, sobretudo, após a experiência da Primeira
Grande Guerra, sob a influência dos movimentos de renovação pedagógica, especialmente da
chamada Escola Nova, surgido no Século XX. O Século XX, segundo Cambi, é definido
como um século dramático, conflituoso, inovador em cada aspecto da vida social, econômica,
política, cultural e educacional (1999, p. 509). Afirma Cambi a esse respeito:
Renovação educativa e renovação pedagógica agiram de modo constante e
entrelaçado no curso do século XX, consignando ao pedagógico uma feição cada
vez mais rica, mais incisiva, masi sofisticada também. O itinerário dessa maturação
foi complexo, atingiu muitos setores e seguiu muitos caminhos, entre os quais
devem ser destacados, em particular: 1. a aventura das “escolas novas” e do
ativismo, que inaugurou um novo modo de pensar a educação; 2. a presença das
grandes filosofia-ideologias que agiram sobre a elaboração teórica e sobre a prática
educativo-escolar (como o idealismo italiano, o pragmatismo americado, o
marxismo europeu e soviético); 3. o modelo totalitário de educação; 4. as
elaborações do personalismo, como posiçào que relança os princípios cristãos da
educação, radicando-os justamente na crise contemporânea; 5. o crescimento
científico da pedagogia e a nova relação que a liga à filosofia; 6. as características
da pedagogia e da educação nos países não-europeus, sobretudo do Terceiro Mundo,
nos quais assume um papel e uma feição muito diferentes em relação aos resultados
europeus e norte-americanos. (1999, p. 512).
Como se vê na afirmação acima, o Século XX foi marcado por aspectos interessantes e
importantes, mas também por características ambíguas, ambivalentes e por que não até
paradoxais. Veja-se, por exemplo, o nível expressivo de desenvolvimento tecnológico
globalizado, alcançado no Século XX nas diferentes áreas do saber. Mas, por sua vez,
contraposto a esse altíssimo nível tecnológico e abertura do mundo, que, agora, se tornou uma
aldeia global, assistiu-se, neste mesmo Século, entre outros aspectos, à eclosão da Primeira e
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da Segunda Guerras Mundiais, à corrida armamentista e à vergonhosa disputa da Guerra Fria,
ao abismo crescente dos países pobres com relação aos países ricos, ao fascínio da economia
de mercado extremamente exclusivista, à iminente ameaça de destruição do Planeta Terra, ao
desrespeito e à violação dos direitos humanos, à exacerbação de uma denominada forma de
solipsismo metódico, etc.
Disso advêm alguns questionamentos importantes e problematizadores, como por
exemplo, o que nós precisamos fazer, para que a humanidade aprenda a construir pontes,
aprenda a ser e a conviver enquanto presença no mundo em paz? A problemática da paz vem
sendo circunscrita de forma mais abrangente, desde questões do psiquismo humano ou da
organização socioeconômica e política, até ao plano cultural, tornando muito difícil e
problemático afirmar que o ser humano enquanto tal seja ou bom ou mau por natureza ou total
e plenamente dependente da cultura na qual ele está inserido. Constitui-se muito mais como
um processo complexo de autoconstrução e interconexão de diversos aspectos, fatores e
circunstâncias que envolvem sua vida.
Educação e Cultura de Paz e Não-Violência
Educação e Cultura de Paz e Não-Violência interagem constantemente, pois se esta
última orienta, guia e marca metas e horizontes educativos, a primeira possibilita – na sua
perspectiva ética – a construção de novos modelos culturais. A educação é o agente mais
poderoso para a mudança cultural e para o progresso social, pois permite o desenvolvimento
integral da pessoa. Se a Cultura de Paz e Não-Violência inspira os valores que devem
constituir os fins e os conteúdos da educação, esta última é o instrumento para construir tal
Cultura. A educação pode guiar o desenvolvimento de uma cultura para alcançar as aspirações
pacíficas.
A Cultura de Paz e de Não-violência não é um conceito abstrato, mas o resultado de
um amplo processo de reflexão e de ação, fruto de uma atividade contínua em favor da paz
em diferentes contextos. A educação, neste processo, ocupa um importante papel, pois é
através dela que uma sociedade alcança um padrão mais elevado de desenvolvimento humano
e supera os preconceitos que nos separam uns dos outros. É através da educação que se
estabelece relações baseadas na cooperação e na participação, se aprende e se compreende o
mundo em que vivemos, se desenvolve as habilidades e as capacidades necessárias para nos
comunicarmos, se fomenta o respeito pelos direitos humanos e se ensina e aprende as
estratégias para resolver os conflitos de maneira pacífica.
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Tal perspectiva implica numa mudança da função da educação oferecida pelos atuais
sistemas educacionais. Seguindo a Durkheim, por um lado, a educação é vista na sua função
socializadora, enquanto transmissora dos valores próprios da sociedade e, por outro, na sua
capacidade de antecipar-se à mudança, satisfazendo, assim, às necessidades sociais
transformadoras. A estas duas funções (socialização e antecipação à mudança) dever-se-ia
juntar a função humanizadora ou pacificadora. As duas primeiras atendem às dimensões
tradicionais da educação (organização escolar, processo educativo, currículo e dimensão
social); a terceira função representa um novo paradigma para os sistemas educacionais, pois
tratar-se-ia de planejar a educação de maneira mais complexa atendendo, por um lado, à
exigência de uma aprendizagem para o exercício permanente da cidadania (onde a
transmissão dos conhecimentos não é tão importante quanto a construção e a difusão dos
mesmos) e, por outro lado, ao estabelecimento de uma rede de momentos onde se aprende
respondendo a problemas de caráter mais universal. A função humanizadora exige, portanto, a
adoção de um modelo de educação aberto e plural, não restrito unicamente às instituições
encarregadas da educação.
A Cultura da Paz e Não-violência exige passar de um modelo de educação
institucionalizada a um modelo de sociedade educativa. Consequentemente, é preciso mudar a
forma de entender o conceito de cidadania. É preciso entendê-la como algo que vai além de
um conjunto de direitos e deveres consagrados pelas leis. As mudanças aceleradas evidenciam
que o exercício da cidadania não implica somente dispor de direitos políticos, civis e sociais,
mas também participar das mesmas condições que os demais no consumo cultural, no
manuseio da informação e no acesso aos espaços públicos. A globalização e a terceira
revolução industrial colocaram no centro do desenvolvimento o conhecimento e a informação.
Estas mudanças alteraram as formas do exercício da cidadania e indicam novas funções aos
sistemas educacionais. A educação pode democratizar o acesso ao conhecimento garantindo a
igualdade econômica, mas não pode assegurar no futuro tal igualdade. Atualmente, Segundo
Braslavsky (2006), as tendências que caracterizam nosso mundo neste início do século XXI
determinam quais serão os desafios da educação: a) A existência de uma sociedade com dois
tipos de cidadãos (os que consomem e os excluídos) implica garantir uma educação que
permita a todos aproveitar os bens da sociedade e buscar, ao mesmo tempo, alternativas para
acabar com as desigualdades; b) A presença de novas formas de violência relacionadas com
este tipo de sociedade emergente, a marginalização ou a diversidade cultural impõem um
modelo educativo capaz de estabelecer um diálogo intercultural sincero e gerir pacificamente
os conflitos; c) O conhecimento progride em grande velocidade e muda em sua estrutura, por
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isso a educação não pode se restringir a transmitir um conhecimento defasado; e d) A
democratização das sociedades exige que a educação seja mais participativa e democrática,
aberta à comunidade.
A educação deve tornar o indivíduo apto a realizar o seu papel de cidadão, desenvolvêlo como ser humano e prepará-lo para o trabalho, mas é óbvio que a complexidade de tal
tarefa torna insuficiente qualquer instituição educativa que queira executá-la isoladamente. A
única solução consiste em reestruturar a sociedade a fim de comprometer todos os segmentos
e todas as instituições neste processo: meios de comunicação, administração pública,
sindicatos, organizações não-governamentais, etc. Em suma, a educação pode ser uma boa
ferramenta para a construção da Cultura de Paz e de Não-violência, mas a paz, como direito,
requer a ação permanente e organizada de todos os atores sociais.
A eficácia das instituições educativas está no centro dos debates sobre educação, fato
evidenciado pelos progressivos e contínuos processos de avaliação que vêm sendo
introduzidos para “digitalizar” (transformar em dígitos) os desempenhos docente e discente. A
questão proposta pela Cultura de paz e de Não-violência é saber como as instituições podem
contribuir mais eficazmente na construção desta cultura baseada nos princípios da
democracia. As instituições educativas devem favorecer uma organização cada vez mais
participativa e democrática que – por meio da gestão das diferenças e dos conflitos – alcance
os seus objetivos pela maior cooperação de todos os seus membros. Compreender e resolver
os conflitos nas instituições educativas é um traço essencial da própria organização
democrática baseada no respeito mútuo, na diversidade e no pluralismo. Os estudos recentes
(Harber, 1997) constatam que as instituições que favorecem experiências democráticas
contribuem, mais que outras instituições, à instauração de uma Cultura de Paz e de Nãoviolência.
Como a educação não está isolada hermeticamente nos centros de ensino é necessário
passar de um modelo centrado unicamente na relação tradicional entre professor e aluno no
espaço fechado da escola a um modelo aberto à comunidade com implicações tais como as
seguintes: a escola passa a ser espaço comunitário para a realização de outras atividades
educativas complementares; um currículo inclusivista; a utilização sistemática dos recursos
(humanos e financeiros) que a comunidade oferece à escola, etc.
Por muito tempo, a instituição escolar, nascida sob a inspiração do Iluminismo, se
limitou quase exclusivamente a transmitir os saberes científicos ou técnicos de que os
cidadãos necessitam para desempenhar as funções demandadas pela sociedade. Isto supôs
considerar que o saber acadêmico correto tinha que proceder dos conhecimentos científicos,
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organizado nas diferentes disciplinas ou matérias. Atualmente, porém, as mudanças no mundo
da ciência, do conhecimento e da informação deixaram de embalar a ilusão de possuir
verdades absolutas e neutras. A visão holística da realidade impõe um novo enfoque
curricular no qual a dimensão transversal pretende corrigir alguns efeitos perversos herdados
da cultura tradicional. Um deles é que este tipo de ensino tradicional não prepara os
estudantes ao exercício da cidadania numa sociedade democrática, ao não lhes permitir o
acesso a conhecimentos sobre a problemática social do momento, desenvolver a sua própria
autonomia moral, construir o seu próprio conhecimento e participar na solução dos graves
problemas que afetam a humanidade. Por outro lado, nem a ciência, nem a educação são
neutras. Por isso, a escola não pode ficar à margem das atuais correntes da Filosofia da
Ciência, segundo as quais as teorias científicas não seriam senão modelos explicativos e
provisórios de determinados aspectos da realidade num determinado contexto histórico, social
e cultural.
A educação deve contribuir para desenvolver nos alunos e alunas as capacidades
necessárias para se desenvolverem como cidadãos, capacidades relacionadas não só aos
conhecimentos que as diversas matérias curriculares ou disciplinas trazem, mas também com
certas questões que transcendem à época atual, favorecendo aos estudantes o entendimento
dos problemas cruciais que afetam a sociedade e a elaboração de um juízo crítico em relação a
eles, sendo capazes de adotar atitudes e comportamentos baseados em valores livremente
assumidos. Esta concepção tem levado a reformas curriculares com a introdução de enfoques
transversais, integradores e interdisciplinares. Isto significa que diante da complexidade e
globalidade das problemáticas mundiais, a educação deve ser global, superando a noção
simplória de transversalidade, entendida como a presença, em cada uma das áreas de
conhecimento, de conteúdos que atravessam o currículo.
Considerações finais
Entre as alternativas de solução a esta problemática, tem-se destacado aquelas que se
centram no caminho educativo denominadas genericamente como Educação à Paz e à Nãoviolência. Multiplicam-se, em muitos lugares, associações de educadores para a paz e centros
de educação para a paz e uma abundante bibliografia floresceu, especialmente nos Estados
Unidos da América, França, Espanha e Itália. Em âmbito brasileiro, algumas iniciativas têm
sido tomadas. Pode-se citar o programa Paz nas escolas, do Ministério da Justiça, os projetos
Comunidade Presente e Parceiros do futuro e a Ação contra a violência na escola, da
Secretaria Municipal da Educação de Porto Alegre. Infelizmente, há uma tendência muito
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forte a considerar as iniciativas, as ações e as reflexões de modo fragmentado e descontínuo.
Grosso modo, elas revelam um acúmulo de experiências que demandam estudos sistemáticos
capazes de captar e avaliar a sua eficácia e proporcionar elementos para a formulação de
novos estudos, novas reflexões, bem como novas orientações. A não-violência apresenta-se
como o referencial a partir do qual pode emergir um caminho de superação à violência.
Postular medidas contra a violência é, ainda, permanecer sob a sua regulação. Por esta razão,
não basta reagir à violência ou à cultura de violência, mas é preciso pensar como construir
uma sociedade verdadeiramente pacifista e uma Cultura de Paz e Não-violência. É preciso
intensificar a pesquisa, a reflexão, o debate acerca de tudo quanto podemos pensar e agir para
coibir tudo quanto não favorece a ampla discussão e vivência dos valores que favoreçam a
dignidade humana.
Referências
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Doutor em Filosofia. Professor no Centro de Filosofia e Educação da Universidade de Caxias do Sul. E-mail:
[email protected] ou [email protected]
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Doutor em Teologia. Professor no Centro de Filosofia e Educação da Universidade de Caxias do Sul. E-mail:
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