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Universidade Federal de Ouro Preto
Centro de Educação Aberta e a Distância
PROGRAMA DE EDUCAÇÃO PARA A DIVERSIDADE
ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
COM FOCO
EM RAÇA E GÊNERO
CLAUDNEY OTAVIANO DE ARRUDA
RACISMO E EUROCENTRISMO:
UMA ANÁLISE DOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS
JUNHO/ 2012
CONSELHEIRO LAFAIETE – MG
2
Universidade Federal de Ouro Preto
Centro de Educação Aberta e a Distância
PROGRAMA DE EDUCAÇÃO PARA A DIVERSIDADE
ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
COM FOCO
EM RAÇA E GÊNERO
CLAUDNEY OTAVIANO DE ARRUDA
RACISMO E EUROCENTRISMO:
UMA ANÁLISE DOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS
Trabalho apresentado à Universidade Federal
de Ouro Preto como requisito para a obtenção
de Grau de Especialista em Gestão em
Políticas Públicas com foco em Gênero e
Raça.
Orientadora: Amanda Dutra Hot
JUNHO-2012
CONSELHEIRO LAFAIETE – MG
3
O que nos parece indiscutível é que, se pretendemos a libertação dos
homens, não podemos começar por aliená-los ou mantê-los alienados. A
libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa que
se deposita nos homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É
práxis, que implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para
transformá-los. (PAULO FREIRE, 1970)
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RESUMO
Este estudo tem por finalidade fazer uma análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais
investigando qual o seu papel no combate ao eurocentrismo e ao racismo. Para alcançar seus
objetivos, discorre-se sobre raça, racismo, eurocentrismo, sobre o currículo escolar e o negro,
no contexto educacional e sobre a implantação da Lei 10639/03. Como metodologia utilizouse a pesquisa bibliográfica sempre a luz dos conteúdos apresentados na coletânea de livros do
curso de especialização em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça – GPP-GeR. Outra
fonte importante de pesquisa bibliográfica utilizada foi a apresentada no livro “Superando o
Racismo na escola” que nos traz uma reflexão sobre o lugar das tradições africanas na escola
e incentiva os educadores a avaliar e ampliar seus conhecimentos sobre o negro, sua cultura,
sua história e sobre a própria história do povo brasileiro, além de fornecer aos educadores
sugestões de atividades para o trabalho em sala de aula. Também foi feita coleta e análise de
dados. Os dados foram colhidos através de questionário (ANEXO A), aplicados em 10
professores e 4 especialistas da rede pública estadual de ensino de Minas Gerais, cujos
depoimentos tornaram-se o alicerce deste estudo. A hipótese inicial levantada é que, apesar
do avanços tanto nas legislações quanto nas políticas afirmativas, ainda se omite a cultura da
etnia negra, valoriza-se o eurocentrismo e estimula-se o racismo nos currículos das escolas
brasileiras e que os PCNS pouco contribuíram para o avanço nas discussões sobre o tema
apresentado neste projeto. Tal hipótese foi confirmada ao longo do trabalho.
Palavras chaves: racismo, eurocentrismo, PCNs, educação
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
06
1. RAÇA, RACISMO E EUROCENTRISMO
10
2. NEGRO E EDUCAÇÃO
14
2.1 O currículo escolar e o negro
17
2.2 A Lei Nº 10639/03
22
3. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, EUROCENTRISMO E
RACISMO
27
4. ANÁLISE DE DADOS
34
CONSIDERAÇÕES FINAIS
44
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
46
ANEXO A
51
6
INTRODUÇÃO
Mesmo sendo a população brasileira composta de 45% de população negra, segundo o IBGE
2010, ainda há uma grande tensão entre a cultura e o padrão estético negro, africano e
indígena e o padrão estético e cultural branco europeu. Valoriza-se em demasia a brancura e
as nossas raízes européias em detrimento das nossas também raízes africanas e indígenas.
A Constituição da República Federativa do Brasil, do ano de 1988, é bem clara quando
declara seus pressupostos:
(...) assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança,
o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social
(...) (BRASIL, 1988, p. 1).
A atual Constituição brasileira tem seus princípios baseados na prevalência dos Direitos
Humanos, na tolerância às diferenças e repúdio a quaisquer formas de discriminação. Estes
princípios são também garantidos, no campo educacional, através da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, Lei Nº 9394/96. Esta lei garante, ao contexto educacional, a
especificidade de articular com a diversidade, por meio do respeito às manifestações culturais,
bem como elaborar um currículo que atenda às necessidades de todos os envolvidos na
relação ensino – aprendizagem.
Mas não foi sempre assim. Na primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
LDB, lei 4024 de 1961, tinha-se a determinação de se condenar qualquer tratamento desigual
movido por “convicção filosófica, política ou religiosa, bem como quaisquer preconceitos de
classe ou de raça”. No entanto, nada mencionava sobre valorização da diversidade étnicoracial.
Posteriormente, as demais leis 5.540/68, 5.692/71 e a 7044/82 também se omitiram e
ignoraram as reivindicações do movimento negro e os tratados internacionais que já exigiam
uma postura mais séria do Brasil e a adoção de medidas que suprimissem as discriminações
raciais.
7
A Constituição de 1988 e a LDB de 1996, portanto, avançaram, mas é certo que não
conseguiram por si só resolver os problemas brasileiros acabando com a discriminação e
racismo visto que não foram seguidas da implantação pelos sistemas de educação de
programas e políticas públicas específicas e reparatórias à situação da população negra.
Porém, foi mesmo a LDB de 1996 que apresentou o principal elemento qualitativo da
transição institucional da educação brasileira: redefiniu papéis e
responsabilidades dos
sistemas de ensino, concedeu mais autonomia à escola, flexibilizou os conteúdos curriculares
e estimulou a qualificação do magistério. Em 2003, a lei 10639 configurou-se como
importante aliada na educação de cunho antirracista e anti-discriminatória: tornou obrigatória
a inclusão, no currículo das escolas de ensino fundamental e médio (públicas e privadas), o
ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, e também instituiu o dia “20 de
novembro” como uma data comemorativa no calendário. A referida lei conferiu à Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Brasileira maior especificidade no tocante ao ensino de
História e Cultura da África e dos afrodescendentes.
Para a regulamentação da LDB, o Conselho Nacional de Educação - CNE elaborou o parecer
CNE/CP nº 3, de 10 de março de 2004 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e
Africanas e daí surgem os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN, elaborados pelo MEC em
1996, e que serviria de orientador para a construção do currículo escolar.
É fato que o Brasil tem caminhado no combate ao racismo e ao eurocentrismo, mas muito
ainda precisa ser feito. Vale lembrar que o racismo pode se apresentar de várias formas,
desde a mais brutal e institucional forma de racismo - o genocídio e o apartheid, até àquelas
bem escondidas que impedem grupos raciais e étnicos de se beneficiarem dos mesmos
direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais comuns a outros grupos da sociedade.
Diante do exposto, este estudo tem como foco o negro, sua história, sua luta e sua situação
atual no contexto educacional, afinal os negros ainda são minorias nas salas de aula.
Este projeto, ao focar o negro, teve como objetivo geral analisar os Parâmetros Curriculares
Nacionais investigando qual o seu papel no combate
ao
eurocentrismo e ao racismo.
8
Também apresentou definições para raça, racismo e eurocentrismo e discorreu sobre o
currículo escolar e o negro, no contexto educacional.
Como metodologia utilizou-se a pesquisa bibliográfica sempre a luz dos conteúdos
apresentados na coletânea de livros do curso de especialização em Gestão de Políticas
Públicas em Gênero e Raça – GPP-GeR1. Outra fonte importante de pesquisa bibliográfica
utilizada foi a apresentada no livro “Superando o Racismo na escola”2 que nos traz uma
reflexão sobre o lugar das tradições africanas na escola e incentiva os educadores a avaliar e
ampliar seus conhecimentos sobre o negro sobre o negro, sua cultura, sua história e sobre a
própria história do povo brasileiro, além de fornecer aos educadores sugestões de atividades
para o trabalho em sala de aula. Os dados foram colhidos através de questionário (ANEXO
A), aplicados em 10 professores e 4 especialistas da rede pública estadual de ensino de Minas
Gerais, cujos depoimentos tornaram-se o alicerce deste estudo.
Para alcançar seus objetivos, este projeto, primeiramente, discorre um pouco sobre a história
do negro e do conceito de raça. Em seguida, apresenta algumas definições de racismo e de
eurocentrismo e apresenta brevemente o negro no contexto educativo, o currículo escolar e a
Lei 10639/03. Posteriormente, parte-se para uma análise dos Parâmetros Curriculares
Nacionais, principal objetivo deste projeto, e das respostas dos questionários aplicados a
professores e especialistas.
A hipótese inicial levantada é que, apesar do avanços tanto nas legislações quanto nas
políticas afirmativas, ainda se omite a cultura da etnia negra, valoriza-se o eurocentrismo e
estimula-se o racismo nos currículos das escolas brasileiras e que os PCNS pouco
contribuíram para o avanço nas discussões sobre o tema apresentado neste projeto.
Em nenhum momento, houve pretensão de esgotar o assunto, visto sua amplitude e
relevância. O que se quis de fato foi colaborar com a reflexão sobre algo tão polêmico e tão
sério já que os afro-descendentes continuam sofrendo discriminações nos espaços escolares e
1
O GPP-GeR é ofertado através da parceria Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM/PR), a
Secretaria Especial de Políticas de Produção da Igualdade Racial (SEPPIR/PR), a Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD/MEC), o Ministério da Educação, o Instituto de Pesquisas
Aplicadas- IPEA e o Fundo das Nações Unidas para a Mulher – UNIFEM.
2
MUNANGA, Kabengele. (Org.). Superando o Racismo na escola. 2ª edição revisada. Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. 204p.
9
que para mudar este quadro é preciso mais do que respeito e cumprimento das obrigações
curriculares, é preciso uma postura ética e valorativa.
10
1. RAÇA, RACISMO E EUROCENTRISMO
Para Munanga (2003, p. 27) “O conceito de raça, tal como o empregamos hoje, nada tem de
biológico. É um conceito carregado de ideologia, pois como todas as ideologias ele esconde
uma coisa não proclamada: a relação de poder e dominação”.
De acordo com as colocações do livro Gênero e Diversidade na Escola, organizado por
Andreia Barreto, Leila Araújo e Maria Elisabete Pereira (2009), o racismo é uma doutrina e já
foi considerado uma teoria científica e, embora tenha sido contestado pela ciência
contemporânea ainda vigora no senso comum. Uma teoria torna-se doutrina, quando ganha
força no senso comum e se mantém na vida em sociedade, tanto pela repetição, quanto pela
ignorância ou preconceito.
É necessário lembrar que ao falarmos de doutrina estamos nos referindo ao tipo de
conhecimento que sustenta sistemas religiosos, políticos ou mesmo filosóficos, mas
que se opõe à ideia de ciência por não se basear na comprovação científica, mas na
repetição de algo aprendido (BARRETO, 2009, p.192).
Outro dado importante a ser lembrado é que o racismo veio do racialismo, doutrina
protocientifica que pregava que diferenças biológicas eram responsáveis por características
psicológicas, intelectuais ou de caráter distinto que tornavam uma raça superior a outra.
Até o começo do século XIX, raça foi sinônimo de linhagem. Porém ao longo deste século
firmou-se à medida que alguns pensadores usavam as teorias biológicas e evolucionistas para
explicar as diferenças entre as espécies de animais e as espécies humanas. No entanto, tais
teorias passaram, mais tarde, a serem usadas também para explicar características de fundo
moral. Assim, no século XIX:
A concepção religiosa cristã da irmandade entre todos os homens e mulheres e a
concepção filosófica de que cada pessoa humana estava igualmente apta a
“progredir” foram substituídas pela ideia de que a humanidade se encontrava
irremediavelmente dividida em tipos raciais, e que esses tipos – em função de suas
diferenças inatas e hereditárias – não tinham as mesmas capacidades para “evoluir”
culturalmente ou “progredir” socialmente. (HEILBORN, et all, 2010, p. 194).
Se não é mais possível sustentar o racismo enquanto teoria científica e dividir os seres
11
humanos em raças, o racismo sobrevive enquanto atitude dos homens.
Pois,
O racismo é uma doutrina que afirma não só a existência das raças, mas também a
superioridade natural e, portanto, hereditária, de uma sobre as outras. A atitude
racista, por sua vez, é aquela que atribui qualidades aos indivíduos ou aos grupos
conforme o seu suposto pertencimento biológico a uma destas diferentes raças e,
portanto, de acordo com as supostas qualidades ou defeitos inatos e hereditários.
(HEILBORN, et all, 2010, p. 196)
E ainda:
O racismo tem sua história, que é tipicamente ocidental e moderna e diz respeito de
saber e poder que se estabeleceram tanto internamente `população européia, quanto
entre as sociedades européias ou europeizadas e uma grande variedade de outras
sociedades e povos. Em ambos os casos, o que o racismo faz é usar as diferenças
para naturalizar as desigualdades. (HEILBORN, et all. 2010, p.197)
Essed (1991), assim como outros estudiosos, considera duas dimensões do racismo: a
dimensão estrutural e a dimensão ideológica ou simbólica.
Racismo é uma ideologia, uma estrutura e um processo pelo qual grupos específicos,
com base em características biológicas e culturais verdadeiras ou atribuídas, são
percebidos como uma raça ou grupo étnico inerentemente diferente e inferior. Tais
diferenças são, em seguida, utilizadas como fundamentos lógicos para excluírem os
membros desses grupos do acesso a recursos materiais e não materiais. Com efeito,
o racismo sempre envolve conflito de grupos a respeito de recursos culturais e
materiais (ESSED, 1991, p. 174).
Para o autor, o racismo se manifesta por meio de regras, práticas e manifestações individuais,
não sendo uma característica de indivíduos. Deste modo, combatê-lo não significa lutar
contra os indivíduos, porém opor-ser às práticas e ideologias pelas quais o racismo opera
através das relações culturais e sociais.
Na ideologia dominante, em geral não se reconhece que o racismo seja um problema
estrutural. (...) o termo racismo é reservado apenas a crenças e ações que apóiam
abertamente a idéia de hierarquias de base genética ou biológica entre grupos de
pessoas. O problema dessas definições restritas de racismo é que elas tendem a fazer
vista grossa à natureza cambiante do racismo nas últimas décadas. O discurso do
racismo está se tornando cada vez mais impregnado de noções que atribuem
deficiências culturais a minorias étnicas. Essa culturalização do racismo constitui a
substituição do determinismo biológico pelo cultural. Isto é, um conjunto de
diferenças étnicas reais ou atribuídas, representando a cultura dominante como
sendo a norma, e as outras culturas como diferentes, problemáticas e, geralmente,
também atrasadas (ESSED, 1991, p. 174).
No livro “Por uma cultura dos direitos humanos na escola: princípios, meios e fins”,
organizado por Keila Deslandes e Érika Lourenço, encontra-se, em nota de rodapé, a
definição de raça dada por Guimarães (GUIMARÃES, 2002:50-51):
12
Para Guimarães raça é: “não apenas uma categoria política necessária para se
organizar a resistência ao racismo no Brasil, mas também uma categoria analítica
indispensável: a única que revela que as discriminações e desigualdades que noção
brasileira de “cor” enseja são efetivamente raciais e não apenas de “classe”. Não há
raças biológicas, ou seja, na espécie humana nada que possa ser classificado a partir
de critérios científicos e corresponda ao que comumente chamamos de ‘raça’ tem
existência real. O que chamamos de raça tem existência nominal, efetiva e eficaz
apenas no mundo social e, portanto, somente no mundo social podemos também
dispensar o conceito de raça? A resposta teórica parece ser bastante clara: primeiro,
primeiro quando já não houver identidades raciais, ou seja, quando já não existem
grupos sociais que se identifiquem a partir de marcadores direta ou indiretamente
derivados da ideia de raça; segundo, quando as desigualdades, as discriminações e as
hierarquias sociais efetivamente não corresponderem a esses marcadores; terceiro,
quando tais identidades e discfriminações forem imprescindíveis em termos
tecnológicos, sociais e políticos, para a afirmação social dos grupos oprimidos”
(CAPUTO, PASSO, 2011, 72)3
Ainda, no mesmo livro e citando o mesmo autor, encontras-se:
Embranquecimento, diz Guimarães, passou a significar a capacidade da nação
brasileira (definida como uma extensão da civilização europeia, em que uma nova
raça emergia) de absorver e integrar mestiços e pretos. De acordo com ele, tal
capacidade requer sua ancestralidade africana ou índigena.
Guimarães (2002) também se refere à relação entre embranquecimento e fé. Para
ele, justamente por ser o catolicismo o cimento de uma ordem injusta e desigual, a
Igreja Católica não aceita a todos os índios indistintamente. O autor lembra que a
Igreja pede fidelidade às crenças católicas e aos costumes europeus e exige o
“embranquecimento da alma e da fé”. O que vale aqui para os índios considerados
pagãos para a Igreja Católica, certamente vale para os praticantes de cultos afrobrasileiros, com suas narrativas e mitos rituais são considerados, muitas vezes,
demoníacos (CAPUTO, PASSO, 2011, p. 73).
Para Santomé (1995, p.168-169), o racismo é fruto da história econômica, social, política e
cultural da sociedade na qual foi produzido, muitos o usam como justificativa e reforço aos
privilégios econômicos e sociais dominantes. Para ele, são numerosas as formas - consciente
ou oculta - pelas quais o racismo aflora no sistema educacional. (SANTOMÉ, 1995)
É importante para este estudo as definições também de etnocentrismo e eurocentrismo.
Etnocentrismo defini-se por um visão ou avaliação que um grupo faz de outro baseada apenas
em seus próprios valores, modelos, referências e padrões. Tal avaliação é feita através do
ponto de vista específico, portanto preconceituosa. Nasce daí a dificuldade em pensar a
diferença.
3
Citado em nota de rodapé por: CAPUTO, Stela Guedes; PASSO, Mailsa Carla. Práticas narrativas da diáspora
africana: notas sobre o papel da escola na valorização da diversidade. (61-80). In: DESLANDES, keila;
LOURENÇO, Érika. org.: Por uma cultura dos direitos humanos na escola: princípios, meios e fins. Belo
Horizonte, MG: Fino Traço, 2011. p. 72.
13
Já o eurocentrismo remete a idéia de que a Europa e seus elementos culturais são referência
no contexto de composição de toda sociedade. Tal idéia acabou por menosprezar inúmeras
culturas de civilizações que contribuem para a diversidade sociocultural do mundo,
principalmente daquelas nações que foram colonizadas pelos europeus a partir do século XV.
Para Samir Amin (1994) o eurocentrismo é a crença generalizada de que o modelo de
desenvolvimento europeu-ocidental seja o desejável para todas as sociedades e nações.
Discutir os conceitos de raça, racismo, eurocentrismo e etnocentrismo torna-se importante no
contexto escolar visto que nos permite pensar sobre nossas próprias atitudes diante das
pessoas com as quais convivemos e se não temos nós mesmos investido em práticas
eurocêntricas.
14
2. NEGRO E EDUCAÇÃO
As poucas abordagens sobre as trajetórias educacionais dos negros no Brasil, revela uma
tendência que perdurou durante muito tempo na produção historiográfica brasileira, um
eurocentrismo histórico. Infelizmente, no Brasil, esta problemática ainda permanece,
principalmente no que refere à história da educação brasileira que não tem contemplado a
multiplicidade dos aspectos da vida social e da riqueza cultural do povo brasileiro4 (SANTOS,
2012)
D e acordo com Santos (2012), pesquisas recentes sobre o tema comprovam a presença de
crianças negras no sistema oficial de ensino já entre o final do século XIX e o início do século
XX. Souza, ao estudar os sete primeiros grupos escolares instalados em Campinas, no período
de 1897 a 1925, identifica "a presença de crianças negras em fotografias de turmas de alunos
de diferentes grupos escolares e em diferentes épocas" (SOUZA,1999, p.118).
Os mecanismos oficiais que desde o Império até o início da República impediram o acesso
dos negros à instrução pública eram, sobretudo, de natureza legislativa.
No artigo “Escolarização da População Negra Entre o Final do Séc. XIX e o Início do Séc.
XX”, Rosemeire Souza (2012) traça um percurso da legislação brasileira referente ao acesso e
permanência do negro na educação brasileira como se vê nos próximos parágrafos.
A Constituição de 1824, restringiu o acesso à escola formal somente aos cidadãos brasileiros.
Essa restrição automaticamente interditava o ingresso da população escrava ao sistema oficial
de ensino, visto que, a grande maioria dos escravos era de origem africana.
A Reforma de Couto Ferraz, pelo Decreto 1.331/1854, estabeleceu a obrigatoriedade e
gratuidade da escola primária para crianças maiores de 07 anos, inclusive libertos, desde que
provenientes de família com algum recurso. No entanto, não seriam admitidas crianças com
moléstias contagiosas nem escravas. Essa reforma, além de associar (implicitamente) às
crianças escravas às doenças contagiosas não previa nenhum tipo de instrução destinada aos
adultos.
4
SANTOS, Rosemeire. Escolarização da População Negra Entre o Final do Séc. XIX e o Início do
Séc. XX. In.: http://www.webartigos.com/artigos/a-escolarizacao-da-populacao-negra-entre-o-final-dosec-xix-e-o-inicio-do-sec-xx/8027/#ixzz22Q7wkrv8. Acesso em 10/06/12.
15
Após a abolição da escravatura (1888), várias tentativas são realizadas para regulamentar o
ensino público brasileiro.
A Reforma de Benjamin Constant, no Decreto nacional nº 981/1890, estabeleceu a introdução
da disciplina "Moral e Cívica", uma nítida tentativa de normatizar a conduta moral da
sociedade após a libertação dos escravos. No decreto nº 982/1890, foram estabelecidas outras
medidas proibitivas, punitivas, centralizadoras e elitistas, tais como: não permissão aos alunos
de ocuparem-se na escola da redação de periódicos, permissão de intervenção policial em
casos de agressão ou violência e a expulsão dos culpados, nomeação direta pelo governo
federal dos diretores das escolas públicas.
A Reforma de Epitácio Pessoa, sob o decreto nº 3.890/1901, aprovou a criação de instituições
de ensino superior fundadas pelos governos estaduais e iniciativas particulares. Os novos
cursos possuíam o mesmo status do sistema federal e suas matrizes de diferenças sócioculturais.
A Reforma de Rivadávia Corrêa, através do Decreto nº 8.659/1911, concedeu maior
autonomia aos diretores que instituíram taxas e exames para admissão no ensino fundamental
e superior.
A Reforma de Carlos Maximiliano, pelo Decreto nº 11.530/1915, tentou sistematizar o ensino
oficial através da criação do Conselho Superior de Ensino. Apesar desta tentativa, o ensino
primário que continuou a cargo dos estados, permaneceu extremamente precário.
A Reforma de João Luís Alves sob o Decreto nº 16.782/1925, também conhecida como Lei
Rocha Vaz, restringiu o número de vagas nas escolas secundárias e superiores que passaram a
ser determinadas pelo próprio governo.
Observa-se que as reformas educacionais dos séculos XIX e XX, embora sob signo aparente
da universalização, democratização e gratuidade do ensino, não criaram condições reais aos
negros recém-egressos do cativeiro de vencerem as dificuldades do passado e incluírem-se
efetivamente no universo da escolarização, muito pelo contrário, algumas delas por estarem
baseadas em critérios econômicos, como a Reforma de Rivadávia, agravaram mais ainda a
exclusão sócioeducacional dessa população.
16
Mas, não foram somente os obstáculos legais que impediram o acesso e/ou a permanência da
população negra no sistema oficial de ensino. Pesquisas nos mostram como dificuldades
enfrentadas no cotidiano da vida escolar foram tão pertinentes quanto os fatores oficiais.
Ao lado de uma legislação oficial que não engendrava condições dignas de acesso e
permanência nas escolas (dificuldade em adquirir vestimentas e materiais escolares, abandono
da escola para contribuir com o sustento da família, falta de consciência de uma população
ex-egressa do cativeiro da importância da educação), somava-se o duro, e difícil cotidiano de
preconceito e discriminação nas escolas, que tanto quanto e/ou muito mais contribuíram para
o afastamento de grande parcela da população negra do processo de ensino até os dias atuais.
Sabe-se que durante o século XX e neste século XXI luta-se pela igualdade de gênero e
étnico-racial e também pelo respeito à diversidade. Na contramão, ainda temos atitudes e
convenções discriminatórias.
O IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010) revelou mais uma vez, apesar
de uma tímida melhora, a situação de exclusão da população negra à educação. Segundo as
pesquisas, os negros ainda tem menos acesso à educação. O percentual de jovens brancos de
18 a 24 anos de idade que cursavam o ensino superior em 2009 era de 62,6%, entre os jovens
negros o percentual era de 28,2% e para os pardos, o percentual era de 31,8%. Em relação à
população de 25 anos ou mais, com o ensino superior concluído, a pesquisa revela um
crescimento na proporção de negros, em 1999, 2,3% e em 2010, 4,7%. Entre os pardos passou
de 2,3% para 5,3%. No mesmo período, o percentual de brancos com o ensino superior
concluído passou de 9,8 para 15%. No ano de 2009, a população branca de 15 anos ou mais
tinha, em média 8,4 anos de estudo, enquanto entre os negros a média era de 6,7 anos.
Para Munanga (2005),
Não precisamos ser profetas para compreender que o preconceito incutido na cabeça
do professor e sua incapacidade em lidar profissionalmente com a diversidade,
somando-se ao conteúdo preconceituoso dos livros e materiais didáticos e às
relações preconceituosas entre alunos de diferentes ascendências étnico-raciais,
sociais e outras, desestimulam o aluno negro e prejudicam seu aprendizado. O que
explica o coeficiente de repetência e evasão escolar altamente elevado do alunado
negro, comparativamente ao do alunado branco. (MUNANGA, 2005, p. 16)
17
Para este autor, o alto índice de evasão e repetência de alunos negros na escola é causado pela
situação sócio-econômica dos pais mas muito também pela falta de memória coletiva, da
história, da cultura e da identidade dos alunos afro-descendentes, apagadas no sistema
educativo baseado no modelo eurocêntrico.
Para Afonso (2012), há muitas desigualdades marcantes no ambiente escolar tanto em razão
de raça/cor, quanto a sexo, orientação sexual, etc. e muitas crianças e adolescentes na escola
precisam enfrentar o cotidiano repleto de preconceitos e intolerâncias os quais “impactam o
seu desenvolvimento e interferem na qualidade da sua aprendizagem e futuramente, na sua
inclusão no mundo do trabalho, da política, da cultura, enfim, na vida da sociedade”.
(AFONSO, 2012, p. 8)
Percebe-se, pois, que para entender o racismo mais do que uma discussão teórica é preciso
que haja uma séria reflexão sobre nossos próprios valores, crenças e comportamentos e sobre
o efeito deles em nossa vida.
Para Silva (1998), a escola é um importante agente articulador de mudanças. E afirma:
(...) é urgente o resgate da auto-estima das pessoas negras. A educação tem um papel
fundamental nessa tarefa de reconstrução da auto-imagem da mulher e do homem
negros. Nossas crianças precisam conhecer sua história e é tarefa da escola ensinar a
história do povo negro. É imprescindível superar as mentiras das histórias oficiais,
que mais atrapalham do que ajudam. É imperativo que esta história seja ensinada por
pessoas que, verdadeiramente, conheçam a história do povo negro. É preciso que o
estudo sobre a História da África integre os currículos das escolas do 1º. ao 3º.
Graus (SILVA, 1998, p. 34).
Desde modo, percebe-se que uma mudança nas relações inter-raciais, numa cultura de
respeito à alteridade, com mais justiça e tolerância ao outro, necessariamente, passa pela
escola.
2.1 O CURRÍCULO ESCOLAR E O NEGRO
A aprendizagem escolar está diretamente vinculada ao currículo, organizado para orientar,
dentre outros, os diversos níveis de ensino e as ações docentes. Por currículo entende-se neste
projeto:
18
(...) entendemos o currículo como o projeto que preside as atividades educativas
escolares, define suas intenções e proporciona guias de ação adequadas e úteis para
os professores, que são diretamente responsáveis pela sua execução. Para
isto, currículo proporciona informações concretas sobre o que ensinar, quando
ensinar, como ensinar e quando, como e o que avaliar (COLT, 1987, p. 15)
Sobre o currículo escolar brasileiro, vale lembrar que:
No Brasil existem preocupações com a organização do Currículo no processo de
escolarização desde os anos 20, quando o Movimento da Escola Nova, por meio de
Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e M. B. Lourenço Filho, influenciados pelo
pensamento de Dewey e Kilpatrick; promoveram reformas em diversos estados
brasileiros. Naquele momento, os primeiros questionamentos são dirigidos aos
processos de escolarização da época para contestar seu caráter elitista, reducionista e
etnocêntrico5. (LEMES, 2012)
Vê-se que a preocupação com a visão de mundo eurocêntrica, branca, católica e masculina
ligada ao currículo escolar não é algo recente. Mesmo assim, ainda tem-se no Brasil um
currículo eurocêntrico, no tocante a diversidade cultural, social, étnica, religiosa etc. Para
Gonçalves e Silva (2007), o currículo, sempre
(...) privilegiou a cultura branca, masculina e cristã, menosprezou as demais culturas
dentro de sua composição do currículo e das atividades do cotidiano escolar. As
culturas não brancas foram relegadas a uma inferioridade imposta no interior da
escola; concomitantemente, a esses povos foram determinadas as classes sociais
inferiores da sociedade (GONÇALVES; SILVA, 2007, p. 23).
Para se conquistar uma educação anti-racista é preciso zelar pelo respeito à diferença, à
diversidade e não se isentar do compromisso com os mais necessitados e fragilizados. Pode-se
observar que a cultura dos afro-descendentes continua sofrendo discriminações nos espaços
escolares, para mudar este quadro é preciso mais do que respeito e cumprimento das
obrigações curriculares , é preciso uma postura ética e valorativa.
O currículo, pensado em toda a sua dinâmica, não se limita aos conhecimentos
relacionados às vivências do educando, mas introduz sempre conhecimentos novos
que, de certa forma, contribuem para a formação humana dos sujeitos. Nessa
perspectiva, um currículo para a formação humana é aquele orientado para a
inclusão de todos no acesso aos bens culturais e ao conhecimento (LIMA, 2006).
5
In: LEMES, Sebastião de Souza. A organização do currículo e a escola democratizada: pistas históricas e perspectivas
necessárias. < http://www.pead.faced.ufrgs.br/sites/publico/eixo5/organizacao_escola/modulo2/saber_mais.pdf. > Acesso em
02/02/2012.
19
Um currículo elaborado pela escola deve pois ser pensado coletivamente e precisa enfrentar
os desafios que a diversidade cultural nos traz.
A partir da temática da diversidade, a escola é chamada a enfrentar o desafio da
diferença e do cruzamento de culturas. Ela precisa acolher, criticar e colocar em
debate as diferentes manifestações culturais, diferentes saberes, diferentes óticas,
ser-fazer dos educandos.
A educação para a diversidade traz como pressupostos
fundamentais o
compromisso em denunciar a arbitrariedade por parte de políticas curriculares
cristalizadas que insistem em priorizar a dimensão positivista e cientificista do
currículo, não contribuindo de forma eficaz para a inserção de temas culturais que
não estão contemplados no currículo oficial. (ONOFRE, 2008)
Assim, teremos um currículo a serviço da diversidade. Como a diversidade é característica da
espécie humana nos saberes, modos de vida, culturas, personalidades, meios de perceber o
mundo, o currículo precisa priorizar essa universalidade. A instituição escolar não pode
isentar-se do seu compromisso enquanto propiciadora de formas acolhedoras da diversidade
(LEME, 2012).
Para Silva (1995, p. 195) as narrativas contidas no currículo, explícita e implicitamente,
corporificam noções particulares sobre conhecimento, sobre formas de organização da
sociedade, sobre os diferentes grupos sociais. Elas dizem qual conhecimento é legítimo e qual
é ilegítimo, quais formas de conhecer são válidas e quais não o são, e o que é imoral, o que é
bom e o que é mau, o que é belo e o que é feio, quais vozes são autorizadas e quais não o são.
Para Sacristán (1995, p. 83):
Os padrões de funcionamento de escolarização tendem à homogeneização. A escola
tem sido e é um mecanismo de normalização”. E ainda “a escola tem se configurado
em uma ideologia e em seus usos organizativos e pedagógicos, como um
instrumento de homogeneização e de assimilação à cultura dominante
(SACRISTÁN, 1995, p. 84).
Ora, é o currículo que norteia as ações pedagógicas, no entanto, por muitas vezes, não
contempla a demanda escolar e sua heterogeneidade. Ainda é possível se deparar com a
supervalorização de um currículo eurocêntrico que não contempla a diversidade cultural,
social, étnica, religiosa etc. Para Gonçalves e Silva (2007) o currículo sempre
(...) privilegiou a cultura branca, masculina e cristã, menosprezou as demais
culturas dentro de sua composição do currículo e das atividades do cotidiano
escolar. As culturas não brancas foram relegadas a uma inferioridade imposta no
20
interior da escola; concomitantemente, a esses povos foram determinadas as classes
sociais inferiores da sociedade (GONÇALVES, SILVA, 2007, p. 25).
Fruto da educação jesuítica, no período colonial brasileiro, ainda estima-se em demasia
elementos pertencentes à cultura européia em nosso currículo.
Quanto ao livro didático, Santos ( 2001, p. 103), ressaltou que por volta da década de 1980,
pesquisadores identificaram conteúdos discriminatórios que apareciam nos livros didáticos
utilizados pelos alunos. Os estereótipos remetiam a submissão e a inferioridade: imagens das
mulheres negras eram sempre caricatas, com lenço na cabeça, brinco de argolas e traços
animalizados; as mulheres negras eram sempre “cuidadoras”, sem família, numa brutal
referencia à “ama-deleite”; o trabalho era sempre associado a atividades não qualificadas
(pedreiros, domésticas etc.); a invisibilidade da população negra, pois, apesar de representar
44% da população, em meio a multidão aparecia apenas um negro; os negros como sinônimos
de escravos. Enquanto isto, o inverso era eram atribuído aos brancos (SANTOS, 2001, p.103).
Silva (2005, p. 21) destaca que o livro didático é meio de dispersão de preconceitos:
(...) no livro didático a humanidade e a cidadania, na maioria das vezes, são
representadas pelo homem branco e de classe média. A mulher, o negro, os povos
indígenas, entre outros, são descritos pela cor da pele ou pelo gênero, para registrar
sua existência (SILVA,2005, p. 21).
Rosemberg (2003), citando pesquisas de Pinto (1981) e Silva (1988) destaca que os estudos
feitos entre os anos de 1980 e 1990, que analisaram representações contemporâneas no negro
nos textos e nas ilustrações, demonstraram um quadro de depreciação sistemática de
personagens negros, associada a uma valorização sistemática de personagens brancos.
A partir da implantação do processo de avaliação, em 1996, do processo de avaliação
pedagógica dos livros inscritos no PNLD - Programa Nacional do Livro Didático percebe-se
a preocupação com conteúdos racistas nos livros didáticos. Entre os critérios de avaliação de
97 e 98, tínhamos “Os livros não podem expressar preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Já para 1999 e 200:
Em respeito à Constituição brasileira e para contribuir efetivamente para a
construção da ética necessária ao convívio social e à cidadania, o livro didático não
poderá: veicular preconceitos de origem, cor, condição socioeconômica, etnia,
21
gênero e qual- quer outra forma de discriminação; fazer doutrinação religiosa,
desrespeitando o caráter leigo do ensino público. Qualquer desrespeito a esses
critérios é discriminatório e, portanto, socialmente nocivo (BRASIL, 2000).
Com certeza, a inclusão destes critérios de avaliação dos livros didáticos pode e deve ser
considerada um avanço pois acaba por colaborar com a implantação de um currículo menos
racista já que ainda para muitos educadores e alunos o livro didático ainda é a maior fonte de
formação e informação. .
Pelo que foi visto até aqui pode-se afirmar que as práticas curriculares quando não pensadas
coletivamente e a partir da diversidade reproduzem o saber de um grupo dominante o qual
manipula o conhecimento e os saberes com base na afirmação de uma hegemonia racional,
colocando em desvantagem as minorias desprivilegiadas dos bens culturais. Quando a escola
não aceita a flexibilidade do currículo, materializa mais uma vez esta prática.
Ora, refletir sobre o currículo é, pois, de suma importância para uma educação anti-racista que
prima pelo respeito e à diversidade e à diferença. Afinal, corre-se o risco de, dependendo do
lugar de onde se está, e das posições ideológicas, pode-se influenciar e materializar um
currículo que ou contemple os ditames e normas das legislações educacionais ou assume e
transpareça a vida dos educandos, suas habilidades e competências ou ainda ora um oura
outro.
Passos e Caputo (2012) acreditam que a escola tem papel fundamental nesta tarefa:
Cremos que seja possível para a escola contribuir para esta discussão, cumprindo
seu papel de mediadora, assumindo-se como um espaço-tempo de emergências, de
polifonia de vozes e de uma multiplicidade de práticas e sujeitos que visibilizam
tensões, contradições. Estão presentes nas políticas para a normatização da educação
nacional as diferentes vozes dos diferentes sujeitos sociais: os especialistas, os
educadores, os movimentos sociais e suas reinvidincações. Vozes dialogantes, em
tensão, que configuram uma arena de disputas e interesses dos diferentes campos de
poder, nos quais múltiplos interesses estão em jogo e colocados, obviamente, de
forma hierárquica. (PASSOS, CAPUTO, 2012, p. 77)
No entanto, pode-se depreender também que para a implementação de um currículo
consistente de combate ao racismo, sexismo e seus derivados na educação é necessário que as
práticas discriminatórias sejam reconhecidas e estudadas no cotidiano escolar e seus efeitos
nocivos sejam conhecidos/reconhecidos pelos envolvidos no processo educacional.
22
2.2 A LEI Nº 10.639/03
A Constituição Federal, em 1988, já anunciava como objetivo “promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação”.
(BRASIL, 1988, p. 3). Mas 1996 foi um marco para a educação brasileira. Seria neste ano
compilada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), nº 9.394/ 96.
Consonante à Constituição, a LDB ratifica a importância das ações transdisciplinares, no
tocante ao resgate da cultura popular e à valorização da pluralidade cultural.
Uma das frações mais expressiva da lei, referente à questão da diversidade encontra-se em seu
artigo 26, o qual regula os currículos escolares a possuírem uma base nacional comum, a ser
complementada por uma base diversificada que atenda às exigências das características
regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. O parágrafo quarto
expressa bem a questão:
§ 4º. O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes
culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes
indígena, africana e européia. (BRASIL, 1996)
Para Paola Gentile, em um artigo na revista Nova Escola:
O pouco caso com a cultura africana se reflete na sala de aula. O segundo maior
continente do planeta aparece em livros didáticos somente quando o tema é
escravidão, deixando capenga a noção de diversidade de nosso povo e minimizando
a importância dos afro-descendentes. (GENTILE, 2005, p. 42).
Assim, para que houvesse o resgate da história da África e do negro, as instituições educacionais
deveriam adequar seus conteúdos programáticos e neles inserir o estudo da África e dos africanos,
a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade
nacional.
Deste modo, a lei 10.639/ 03:
23
(...) altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases
da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afrobrasileira” (BRASIL, 2006).
Esta lei ratifica mudanças na LDB, acrescentando-lhe os artigos 26-A, 79-A e 79-B e insere, no
calendário letivo, o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”.
Ao tornar obrigatório o ensino de história da África e da cultura afro-brasileira em todas as
escolas de Ensino Fundamental e Médio ressalta-se a importância de uma ação pedagógica na
inserção dos valores referentes à História da África, da cultura afro-brasileira tanto na dimensão
ontológica quanto epistemológica da formação do educando.
O parecer Nº CNE/CP 003/2004 “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana”, surgiu para
regulamentar a 10.639/03, cumprindo o estabelecido na Constituição Federal: “O ensino de
História do Brasil levará em conta as contribuições da diferentes culturas e etnias para a
formação do povo brasileiro” (BRASIL, 1988).
Com este objetivo:
O parecer procura oferecer uma resposta, entre outras, na área da educação, à
demanda da população afrodescendente, no sentido de políticas de ações
afirmativas, isto é, de políticas de reparações, e de reconhecimento e valorização de
sua história, cultura, identidade. Trata, ele, de política curricular, fundada em
dimensões históricas, sociais, antropológicas oriundas da realidade brasileira, e
busca combater o racismo e as discriminações que atingem particularmente os
negros. Nesta perspectiva, propõe A divulgação e produção de conhecimentos, a
formação de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu
pertencimento étnico-racial – descendentes de africanos, povos indígenas,
descendentes de europeus, de asiáticos – para interagirem na construção de uma
nação democrática, em que todos, igualmente, tenham seus direitos garantidos e sua
identidade valorizada (BRASIL, 2004).
Segundo este parecer a “educação das relações étnico-raciais impõe aprendizagens entre
brancos e negros, trocas de conhecimentos, quebra de desconfianças, projeto conjunto para
construção de uma sociedade, justa, igual, equânime. (BRASIL, 2004, p. 6)
Em seqüência a essas orientações, várias regiões brasileiras buscaram formas de se adequar a
este novo seguimento. Os números apontam as desigualdades entre brancos e negros na
24
educação, portanto apontam também a necessidade de políticas específicas que revertam o
atual quadro.
De acordo com Maria Luíza Heilborn, coordenadora geral do CLAN – centro LatinoAmericano em sexualidade e Direitos Humanos, no módulo 1 das publicações do curso de
especialização em Gestão de Políticas Públicas – GPP-GeR:
(...) o país ocupa o segundo lugar em população negra no mundo e tal segmento
apresenta índices inaceitáveis de desigualdade sócio-racial, apesar do Brasil contar
com uma importante tradição de movimentos sociais que tem lutado por denunciar e
corrigir diversas iniqüidades sociais (CEPESC, 2010, p. 12).
Sabe-se que as ações desenvolvidas até o momento não deram conta de reverter esta situação.
Para Passos e Caputo (2012), sobre as leis 10639/03 e 11645/08 (que ampliou a Lei 10639/03
também para os povos indígenos):
É preciso que seja lembrado, sempre, que as referidas leis não surgiram
espontaneamente, como se houvera em um dado momento histórico o aparecimento
de uma consciência em favor da valorização desses povos pelos homens que fazem
as leis, as homologam e trabalham para sua implementação. Essas duas leis são o
resultado de lutas históricas dos movimentos sociais – representados, nesse caso,
pelo Movimento Negro – que tiveram como bandeira de luta a legitimação desses
povos e dessas culturas. (...)
A legislação oferece nesse momento a oportunidade de a escola assumir o papel de
Dinarzarde neste processo, enunciando para a sociedade o quanto essas histórias não
são menores nem menos importantes. Elas representam as vozes de uma
significativa parcela da população que, como vimos, muitas vezes são negadas no
ambiente escolar como modelo ético e estético.(p. 69-70)
Sabe-se que a partir da implementação da Lei 10.639, em 2003, o MEC iniciou uma série de
atividades no esforço de fortalecer temática étnico-racial e de gênero. Destaca-se o Programa
Diversidade a partir da constituição da Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e
Diversidade – SECAD em janeiro de 2004 e da criação de uma Diretoria de Diversidade e
Cidadania e de uma Coordenação Geral de Diversidade e Inclusão Educacional.
No entanto, as ações com o tema valorização da cultura afro-brasileira - com o recorte de
gênero - e o combate ao racismo nos sistemas é realizado apenas por uma secretaria que
integra o MEC, a SECAD: formação de professores, realização de estudos e pesquisas,
realização de Fóruns Estaduais e produção e distribuição de livros sobre o tema.
25
Há também parcerias com outra instituições como com a Secretaria de Educação Superior SESU, dando origem ao programa UNIAFRO, que contou com a inflexão de organizações do
movimento negro, sobretudo dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros - NEABs. Outras ações
mostram-se pontuais com a Secretaria de Educação Básica - SEB, Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP e a Secretaria de Educação
Profissional e Tecnológica - SETEC.
O MEC, a partir da SECAD, passa
a desenvolver várias dimensões de uma política
pedagógica da diversidade, que culmina com o estabelecimento de parcerias com os sistemas
de ensino, por meio de apoio técnico, recursos humanos e financeiros, para a solidificação das
alterações decorrentes da Lei nº 10.639/03.
Em 2002, uma experiência-piloto sob o título Projeto Diversidade na Universidade – Acesso à
Universidade de Grupos Socialmente Desfavorecidos, surgia como resposta ao processo de
organização e de realização da III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação
Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância (2001), cuja pauta explicitava a
necessidade de implementação de políticas de ações afirmativas e destacava a educação como
chave para a ruptura do racismo estrutural brasileiro, o MEC, por meio de um contrato de
empréstimo entre a União e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) .
No âmbito das desigualdades raciais, o MEC, por intermédio da SECAD, passa a desenvolver
ações de elaboração e de implementação de políticas públicas educacionais em prol do acesso
e da permanência de negros e negras na educação escolar em todos os níveis – da educação
infantil ao ensino superior –, considerando ainda as modalidades de educação de jovens e
adultos e a educação em áreas remanescentes de Quilombos.
As ações do MEC visam combater o racismo institucional, bem como o racismo individual,
por meio de uma ampla política que considere cinco eixos estruturantes da política
educacional: formação de professores; formação de gestores; elaboração e distribuição de
material didático e paradidático; currículo escolar e projeto político-pedagógico.
Além disso, o MEC constrói o Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE, que
prevê uma mudança na agenda do Ministério. O documento norteador do Plano
apresenta um esvaziamento conceitual da temática e dos objetivos a serem
alcançados. Considerando a persistência e abrangência do racismo na sociedade
brasileira, o seu combate deveria se configurar como um eixo estruturador das
26
políticas educacionais. O documento faz referência apenas à necessidade de uma
educação própria para as populações de áreas remanescentes de quilombo. Deixa,
contudo, de considerar o racismo, e as desigualdades raciais, com o recorte de
gênero na educação como elementos presentes em toda a sociedade brasileira,
conseqüentemente em todo o sistema nacional de ensino. Atender à especificidade
da educação quilombola é necessário e é parte do dever do MEC. Porém não
significa atentar para a necessidade de um trabalho em prol da eliminação do
racismo e da discriminação em todo o país (CAVALLEIRO; MARQUES, 2008, p.
1).
.
Vale lembrar que no combate ao racismo e ao erurocentrismo dos fatores são essenciais: a lei
e políticas públicas que as efetivem, uma precisa ser seguida da outra.
É importante ressaltar aqui também que:
O resgate da memória coletiva e da história da comunidade negra não interessa
apenas aos alunos de ascendência negra. Interessa também aos alunos de outras
ascendências étnicas, principalmente branca, pois ao receber uma educação
envenenada pelos preconceitos, eles também tiveram suas estruturas psíquicas
afetadas. Além disso, essa memória não pertence somente aos negros. Ela pertence a
todos, tendo em vista que a cultura da qual nos alimentamos quotidianamente é fruto
de todos os segmentos étnicos que, apesar das condições desiguais nas quais se
desenvolvem, contribuíram cada um de seu modo na formação da riqueza
econômica e social e da identidade nacional (MUNANGA, 2005, p. 16)
Para Munanga (2005) é certo que não poderão existir leis no mundo que por si só dêem conta
de reverter este quadro preconceituoso que prejudica a formação do verdadeiro cidadão e a
educação de todos os alunos, em especial os membros dos grupos étnicos, vítimas do
preconceito e da discriminação racial. Porém, uma educação de qualidade deve oferecer aos
educandos a possibilidade de questionar e desconstruir os mitos de superioridade e
inferioridade entre grupos humanos que foram introjetados neles pela cultura racista na qual
foram socializados.
27
3.
PARÂMETROS
CURRICULARES
NACIONAIS,
EUROCENTRISMO
E
RACISMO
Os parâmetros Curriculares Nacionais surgiram com o objetivo de estabelecer uma referência
curricular e apoiar a revisão ou a elaboração da proposta curricular de estados e municípios e
consequentemente das escolas integrantes do sistema de ensino.
César Coll, pesquisador espanhol, foi consultor do MEC na elaboração dos PCN’s para o
Ensino Fundamental. Coll baseou seus trabalhos nas teorias de Piaget, Vigotsky, Ausebel e
Buner.
Em seu livro Psicologia e Currículo, Coll(2003) ressalta que a elaboração de uma Proposta
Curricular deve ser concreta, operacional, flexível e fácil de ser utilizada, em um período
razoável de tempo. O projeto curricular formulado deve ser concreto, garantindo continuidade
através da estruturação ordenada e coerente de cada disciplina, respeitando as diferenças de
cultura locais (ou regionais), bem como os diferentes níveis ou etapas da escolarização
considerada obrigatória. Além disso, o modelo proposto deve ser flexível em relação às
exigências epistemológicas dos conteúdos abordados (língua materna e estrangeira,
matemática, Ciências, Estudos Sociais, Artes, tecnologia, educação Física, etc.). Entende-se
por epistemologia: estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados das Ciências já
construídas, e que visa determinar os fundamentos lógicos, o valor e o alcance objetivo delas.
A proposta deve ser baseada no modelo aberto de currículo, de modo que tenha flexibilidade
suficiente de adaptação em função do acelerado ritmo de transformação dos tempos atuais,
bem como se adaptar às características gerais dos alunos em questão.
Para Coll (2003) três aspectos dever ser considerados imprescindíveis:
Relacionar o currículo a projetos sociais e culturais dentro do contexto social. Isto
equivale dizer que o currículo não deve ser apenas de natureza puramente técnica. O
currículo também deve viabilizar a concepção construtivista: como se ensina e como
se aprende; e Insistir na atenção à diversidade de capacidades, interesses e
motivação dos alunos, dá ênfase ao conceito de Inteligências Múltiplas, que está
diretamente relacionado às propostas construtivistas. (COLL, 2003, p. 25)
28
E também:
A elaboração de um projeto curricular pressupõe a tradução, em relação à
funcionalidade, de três princípios considerados básicos: ideológicos; pedagógicos; e
psico-pedagógicos. Portanto, o currículo é um elo entre a declaração dos seus
princípios e objetivos gerais, bem como uma prévia prescrição de sua aplicação
operacional; a teoria educacional e a realidade do aluno e do meio ambiente que o
cerca - o que irá gerar a prática pedagógica observável no dia a dia; e o
planejamento educativo e a ação pedagógica entre o que se prevê, ou seja, o que é
prescrito, e o que realmente acontece em sala de aula.
Os componentes do currículo podem agrupar-se em quatro capítulos: o que ensinar;
quando ensinar; como ensinar; o que, como e quando avaliar. O Projeto Curricular
deve ser igualmente levar em consideração cada um dos estágios de
desenvolvimento segundo Piaget. Deve-se levar em conta o que o aluno é capaz de
aprender sozinho e o que necessita da ajuda do professor. O ensino deve ser eficaz e
fazer significado para o aluno. (COLL, 2003, p. 26)
O processo de elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais também contou com a
colaboração de propostas curriculares de Estados e Municípios brasileiros e também houve
uma análise dos currículos oficiais e das informações relativas a experiências de outros países,
realizada pela Fundação Carlos Chagas. Teve como subsídio o Plano Decenal de Educação,
pesquisas nacionais e do exterior, estatística sobre o desempenho dos alunos do ensino
fundamental e experiências de sala de aula divulgadas em encontros e seminários.
De acordo com o MEC, os PCN seriam uma referência elaborada para o bem das escolas
que encontrariam uma referência na definição dos planejamentos. Era apenas necessário que
cada escola fizesse as adequações às suas peculiaridades.
Os PCNs foram organizados em 10 volumes, cada compêndio aborda um conteúdo das áreas
de conhecimento, podemos constatar que cada volume traz em si os objetivos do conteúdo
abordado que proporcionam maior facilidade para que este se efetive no contexto educacional.
Sabe-se que foi a partir de 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases da educação Brasileira (LDB), nº
9.394/ 96, que o Brasil passou a ter nos currículos escolares uma base nacional comum que
deveria ser complementada por uma base diversificada que atendesse às exigências das
características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. Ganha força
aí a história do negro, ao que a LDB diz em seu artigo 26:
29
§ 4º. O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições
das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro,
especialmente das matrizes indígena, africana e européia. (BRASIL,
1996)
Assim, a LDB ressaltou, conforme já pregava a Constituição Brasileira, a importância das ações
transdisciplinares, o resgate da cultura popular e à valorização da pluralidade cultural.
No entanto, ainda havia uma lacuna: não houve especificidade no que se refere a um currículo que
contemplasse conteúdos de diversas culturas. A prática continuou descontextualizada.
Na tentativa de resolver tal problemática foram implantados, em 1997, os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs), composto de 10 livros, sendo o 10º intitulado “Pluralidade Cultural e
Orientação Sexual”.
Encontra-se na introdução do tema pluralidade cultural:
A temática da Pluralidade Cultural diz respeito ao conhecimento e à valorização de
características étnicas e culturais dos diferentes grupos sociais que convivem no
território nacional, às desigualdades socioeconômicas e à crítica às relações sociais
discriminatórias e excludentes que permeiam a sociedade brasileira, oferecendo ao
aluno a possibilidade de conhecer o Brasil como um país complexo, multifacetado e
algumas vezes paradoxal. (BRASIL, 1997, p.121.
Souza (2001) afirma que
(...) parte dos debates sobre a questão racial, desde o início dos anos 1980, foi
materializada nos PCNs – Pluralidade Cultural. Creio ter sido uma tentativa de
evidenciar as diferenças culturais e raciais, integrando-as ao currículo e atendendo às
reivindicações do movimento negro. (SOUZA, 2001, p.54)
Assim, os PCNs são uma proposta de articulação dos conteúdos de modo contextualizado com a
realidade de cada região do país, ou seja, levam à valorização das riquezas de uma região, de um
povo, bem como o resgate e a preservação de costumes e tradições. Vale ressaltar que isto é fruto
também das
(...) intervenções do Movimento Negro, seu empenho em trazer o tema à mesa de
discussão da Educação no país e suas incansáveis iniciativas no que diz respeito à
pesquisa e à divulgação do assunto. (NASCIMENTO, 2001, p.123)
Os temas transversais dos Parâmetros Curriculares incluem Ética, Meio ambiente, Saúde,
Pluralidade cultural e Orientação sexual. Eles expressam conceitos e valores fundamentais
30
à democracia e à cidadania e correspondem
a questões
importantes
e urgentes
para a sociedade, presentes sob várias formas na vida cotidiana.
Segundo os PCNs, no território nacional brasileiro convivem cerca de 210 etnias indígenas,
junto com uma imensa população formada pelos descendentes de povos africanos e
um grupo numeroso de imigrantes e descendentes de povos de vários continentes. Este dado
ressalta a importância da temática.
Gonçalves (2004), lembra que:
A temática da pluralidade cultural diz respeito ao conhecimento e á valorização das
características étnicas e culturais dos diferentes grupos sociais que convivem no
território nacional, às desigualdades socioeconômicas e a crítica às relações
discriminatórias e excludentes que permeiam a sociedade brasileira, oferecendo
ao aluno a possibilidade de conhecer o Brasil como um país complexo,
multifacetado e algumas vezes paradoxal. (GONÇALVES, 2004, p.72)
De acordo com os Parâmetros:
Para viver democraticamente em uma sociedade plural é preciso respeitar os
diferentes grupos e culturas que a constituem [...] O grande desafio da escola é
investir na superação da discriminação e dar a conhecer a riqueza representada pela
diversidade etnocultural que compõe o patrimônio sociocultural brasileiro,
valorizando a trajetória particular dos grupos que compõem a sociedade. Nesse
sentido, a escola deve ser local de diálogo, de aprender a conviver, vivenciando a
própria cultura e respeitando diferentes formas de expressão cultural. (BRASIL,
1997, p. 3)
Pautados na Lei de Diretrizes e Bases da educação, a discussão a respeito da pluralidade
que
envolve
o país deve
passar
a ser
tratada nas escolas, procurando agir
conforme propõe o próprio documento:
O grande desafio da escola é reconhecer a diversidade como parte inseparável da
identidade nacional e dar a conhecer a riqueza representada por essa diversidade
etnocultural que compõe o patrimônio sociocultural brasileiro, investindo na
superação de qualquer tipo de discriminação e valorizando a trajetória particular
dos grupos que compõe a sociedade. (BRASIL, 1998)
Os PCNs lembram o que aqui foi tão discutido o fato de a escola ainda se omitir frente a
pluralidade cultural brasileira criando uma expectativa de homogeneidade cultural e aceitando
31
o mito da democracia racial onde prevalece a idéia de um Brasil sem diferenças. A crença
predominante é de um brasileiro constituído por misturas de raças onde todos são aceitos e
valorizados.
Nas escolas costuma-se hierarquizar as culturas tomando a cultura branca européia como
padrão. Em geral, as escolas se omitem frente à pluralidade cultural adotando uma perspectiva
de homogeneidade cultural, de um Brasil sem diferenças, silenciando-se sobre discriminações
que ocorrem socialmente.
Os PNNs surgem em opoisção, ao propor que a escola fortaleça a cultura de cada grupo
social e étnico promovendo seu conhecimento e valorizando-o para fortalecer a igualdade, a
democracia e a cidadania.
Os PCN sobre a pluralidade cultural indicam como objetivos do ensino fundamental que os
alunos sejam capazes de compreender a cidadania como participação social e política,
adotando atitudes de solidariedade, de cooperação, de repúdio às injustiças e de respeito ao
outro. Propõem-se estimular os alunos a desenvolver empatia com os discriminados, repudiar
discriminações baseadas em diferenças de raça, etnia, classe social, crença religiosa e sexo.
Enfatiza-se a importância de se conhecer e valorizar a pluralidade cultural brasileira
procedente das diferentes etnias, culturas, e grupos sociais que convivem no Brasil. Também
é solicitado aos docentes e alunos que analisem e critiquem as relações sociais
discriminatórias e que se afirme a diversidade como traço fundamental na construção da
identidade nacional brasileira. O respeito ao outro, seja ele quem for, ou quanto for diferente
de nós, é sublinhado.
Para Silva (2000) os PCNs sobre a pluralidade cultural, ao proclamarem a existência da
diversidade e da diferença, tendem a naturalizá-las, cristalizá-las e essencializá-las, ou seja,
tendem a tornar a diferença um fato da vida social. Recomenda-se o respeito e a tolerância
para com a diferença e a diversidade social. Para o autor, isso implica que não nos atentemos
para o fato que as diferenças são determinadas, isto é, produzidas socialmente, e estão
relacionadas ao poder.
Para Lopes (2008) os PCN - valorizam os saberes locais na medida em que são ponto de
partida para a assimilação do patrimônio cultural da humanidade, mas tratam as diferenças
32
culturais como diferenças psicológicas, desconsiderando os aspectos sociológicos. Sendo
assim, os PCN procuram homogeneizar, garantir uma equidade social e mascaram as
desigualdades econômicas, sociais e culturais das crianças. O tema pluralidade cultural “é
justificado por se considerar que a vida democrática exige o respeito às diferenças culturais”
e, apesar de os PCN fazerem referências às diferenças de gênero e aos deficientes, o enfoque
central é nas características étnicas, o que entra em desacordo com o próprio objetivo dos
PCN, que visam posicionar-se também contra discriminações baseadas em diferenças de
classe social, crenças, sexo e outras características individuais e sociais (p.70-71).
Em 1999, “para preencher o vazio da desinformação e corrigir a distorção de valores que
encerra (BRASIL, 2009, p. 7) o Ministério da Educação publica o livro “Superando o
Racismo na Escola” . De acordo com o então Ministro da Educação Paulo Renato Souza6, no
prefácio da obra lê-se:.
Adotados deste 1997, os PCN foram preparados pelo Ministério para orientar os
professores das redes estaduais e municipais na montagem de currículos adequados
às peculiaridades regionais e culturais do Brasil. A partir dos PCN, os docentes
podem desenvolver em sala de aula temas que permitem formar o cidadão
consciente, possibilitando ao aluno ampliar seu horizonte existencial, cultural e
crítico por meio das próprias matérias regulares do currículo. A esse recurso
pedagógico deu-se o nome de temas transversais. Enquanto aprendem História ou
Geografia ou Português, por exemplo, os alunos receberão informações que alargam
sua compreensão sobre temas como: Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural,
Saúde e Orientação Sexual. Os critérios de escolha desses assuntos levaram em
conta a urgência social, a abrangência nacional, a possibilidade de melhorar o ensino
e a aprendizagem e a contribuição que os estudos oferecem para o entendimento da
realidade, de forma a encorajar a participação social. (SOUZA, 2005, p. 7)
E ainda:
Através dos Parâmetros, os alunos são levados a compreender a cidadania enquanto
participação social e política; a posicionar-se de modo crítico e construtivo; a
conhecer características sociais, materiais e culturais do país; a identificar e valorizar
a pluralidade cultural; a posicionar-se contra a discriminação cultural, social,
religiosa, de gênero, de etnia, dentre outras. Os PCN permitem também ao estudante
se perceber integrante e agente transformador do ambiente, identificando seus
elementos e interações possíveis, contribuindo para melhorá-lo. Possibilitam ao
aluno desenvolver a percepção de si, a confiança nas próprias capacidades e o
sentido de preservação física e mental; a utilizar diferentes linguagens; a consultar
diversas fontes de informação e a questionar a realidade, formulando problemas e
soluções. (SOUZA, 2005, p.8)
6
SOUZA, Paulo Renato de. Prefácio à primeira edição ( p 7-8). In.: MUNANGA, Kabengele org. Superando
o Racismo na escola. 2ª edição revisada. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. 204 p.
33
No entanto, a elaboração dos PCNs não foi suficiente para que o trabalho em sala de aula com a
diversidade fosse efetivamente realizado. Souza destaca que “o texto não está integrado, não há
corpo de idéias que ajudem a orientar e justificar as ações propostas”. (SOUZA, 2001, p.55).
Para Lopes (2005),
“quando a finalidade é construir a cidadania numa sociedade
plurietnica e pluricultural. como é o caso da sociedade brasileira, é preciso que se tenha
presente um elenco de objetivos com os quais se deve trabalhar” e a autora cita os PCNs
como uma referência que nenhum professor pode desconhecer.
Para ela, a
proposta
pedagógica elaborada coletivamnte pela escola deve preocupar-se com a valorização das
pessoas, povos e nações, num combate permanente às idéias preconcebidas e às situações de
racismo e discriminação com que nos defrontamos no dia-a-dia.
Vale destacar também que os PCNs são um parâmetro e não uma Lei, dessa forma não
obrigam ninguém a inserir a temática na sala de aula.
34
4. ANÁLISE DE DADOS
Este projeto investigou, através de questionário (ANEXO A), 10 professores, sendo 2 de
História, 2 de Língua Portuguesa, 2 de Artes, 2 de Ciências e 2 de Geografia e 4 especialistas
em educação todos da rede pública estadual de ensino no período de 10 de maio de 2012 a 10
de junho de 2012. O objetivo foi verificar como está sendo aplicada nas escolas e Lei 10.639/
03. Para a análise os professores serão identificados por P1, P2, P3, P4, P5, P6, P7, P8, P9 e
P10 e as especialistas por E1, E2, E3 e E4. As respostas que ilustram esta análise foram
escolhidas aleatoriamente, porém de acordo com os objetivos propostos e nem todas as
respostas foram apresentadas aqui visto que se apresentaram muito repetitivas.
Ao analisar as repostas dadas percebeu-se que para 100% dos entrevistados a Lei 10.639/ 03
não é respeitada e que 20% não sabiam nem mesmo do que ela tratava.
“Esta lei nunca foi adequadamente aplicada”. (P1)
“Nunca ninguém me cobrou que ela fosse aplicada, às vezes falam, mas sem grandes
cobranças. A correria do dia a dia é tanta e o currículo é tão extenso que nos esquecemos de
fazer alguma atividade pontual”. (P2)
“Eu nunca me preocupei com isto, pois acredito que não é uma questão específica da minha
área de atuação”. (P4)
“Para falar a verdade, a gente acaba se esquecendo de fazer alguma coisa.” (P6)
“Como tantas outras leis, não temos formação adequada para um trabalho consistente. Fica
tudo por força da boa vontade de cada um. (P8)
“Em minha formação profissional, não tive conhecimento desta lei, o que sei foi passado em
reuniões na escola, mas não vejo cobrança na implantação”. (P 10)
“Conheço a lei e faço o que posso em sala de aula para implantá-la, mas o trabalho é muito
só e pouco resultado alcança”. (P 7)
35
“Sempre falamos nas reuniões pedagógicas e pedimos aos professores no início do ano para
trabalhar em todas as disciplinas, mas poucos acabam fazendo alguma coisa”. (E2)
“Conhecer eu conheço e sei que fala sobre a cultura dos africanos, dos negros no Brasil. No
entanto, acho que a lei não é cumprida como deveria”. (E 4)
“Sim, eu conheço e sei sobre o que se trata.” (E3)
Percebe-se, claramente, estranheza por parte dos educadores ao tratar do assunto, que a escola
precisa urgentemente refletir sobre uma educação anti-racista. As questões não são abordadas
ou são abordadas superficialmente, mas é urgente que a discussão aconteça: os educandos
precisam discutir tais temas e problematizá-los, entender a complexidade das relações raciais,
o porquê do racismo, das discriminações e porque elas acontecem.
Todos afirmaram que as atividades sobre ensino da História e Cultura da África e dos
afrodescendentes giram sempre em torno das festividades do dia 20 de novembro, Dia da
Consciência Negra, e das que são trazidas pelo livro didático e que por ventura geram
discussões em sala sobre o assunto. Outros ainda destacaram que outras vezes são levadas as
salas de aula discussões sobre a cultura africana oriundas de alguma notícia publicada pelos
meios de comunicação ou de alguma festividade realizada na cidade.
Sabe-se que a obrigatoriedade do ensino da história africana ainda encontra obstáculos para
implementação efetiva visto que a obrigatoriedade não trouxe consigo o conhecimento
imediato. Pode-se notar que pouco ainda se sabe e que os livros didáticos pouco ou nada
contribuem para o alcance deste conhecimento. A implementação já teve boas conquistas,
mas ainda engatinha como se vê nos depoimentos abaixo:
“No dia 20 de novembro, a escola realiza alguma festividade, mas acho que é só isto que se
faz.” (E 1)
36
“Quando o livro didático traz algum texto sobre os africanos aproveito para refletir um
pouco com os alunos e, às vezes, eles mesmos trazem alguma questão e promovem uma
discussão. Além disso, tem o dia da Consciência Negra.”(P6
)
“Em minha disciplina nunca fiz nada específico, apenas já ajudei os demais professores nas
festividades do dia da consciência negra.”(P9)
“Acredito que ficamos só no dia da consciência negra mesmo”.(E4)
“Às vezes, a escola convida um grupo de capoeira para fazer uma apresentação, mas não se
fala nem mesmo sobre a origem da capoeira ou sobre a contribuição dos africanos para
nossa cultura. Acho que não cumprimos a lei”. (P7)
“Pouco ou quase nada é feito pelas escolas em geral, pelo menos nas que já trabalhei.
Muitas nem comemoram o dia da consciência negra ou da abolição da escravatura.”(P 3)
Percebe-se que o pouco caso com a cultura africana se reflete na sala de aula. O segundo
maior continente do planeta aparece em livros didáticos somente quando o tema é escravidão,
deixando “capenga” a noção de diversidade de nosso povo e minimizando a importância dos
afro-descendentes (GENTILE, 2005, p. 42).
No Brasil, embora se afirme a neutralidade, o que se vê é uma série de pretextos e
prerrogativas acerca da aceitação do negro e de seus valores. As lembranças das tradições
africanas acabam se reduzindo a um ato folclórico, geralmente, voltados às músicas, às
danças e à religiosidade. O que vemos em nossas escolas é um conceito estereotipado de uma
África – País; e assim a “carga negativa que esse país possui no imaginário social brasileiro
subsidia e fundamenta os estereótipos racistas diariamente veiculados sobre afrodescendentes no Brasil” (NASCIMENTO, 2001, p.120).
Ressalta-se as palavras de Santomé (1995) que afirma que a única cultura que as instituições
acadêmicas costumam rotular como tal é a construída a partir das classes e grupos sociais com
poder – e com sua aprovação. Dessa forma, o idioma e a norma linguística que a escola exige
37
é a dos grupos sociais dominantes, a literatura daqueles autores e autoras que esses mesmos
grupos valorizam, a geografia e a história dos vencedores, a matemática necessária para
proteger suas empresas e negócios.
Deste modo, o que está sendo reproduzido nos espaços educativos por muitos educadores é
justamente a cultura dominante que assimilaram durante anos de sua própria formação e,
portanto, consideram referencial para o currículo.
Ora, um sistema educacional que quer recuperar as culturas negadas não deve promover
discussões apenas uma vez ao ano, durante datas comemorativas. Elas são importantes e
precisam ser lembradas, mas tais temáticas necessitam percorrer todo o ano letivo.
Quando indagados sobre cursos de capacitação sobre como trabalhar em sala de aula na
aplicação da Lei 10.639/ 03, 60% responderam que nunca participaram de nenhuma
capacitação:
“Como tantas outras leis destinadas na educação, elas são criadas e pouco ou nada é
investido na sua aplicação ou fiscalização”. (P 2)
“Já fiz um curso semi-presencial, mas quando a gente chega na escola a realidade é outra.
Não há material didático específico e o currículo anda tão extenso que nada se faz na
prática”. (P4)
“Já fiz alguns cursos, quando terminaram andei empolgada, mas a empolgação deu logo
lugar a rotina e nada fiz”.(P8)
“Já me ofereceram cursos, mas com tantas aulas é inviável”(P10)
“Ando meio preguiçosa para cursos de capacitação, eles fogem de nossa realidade. Na
prática, quase nada funciona. Se me ofereceram não lembram.”(P3)
No entanto, os entrevistados mostram-se conscientes da importância da lei para o contexto
educacional:
38
“É claro que a Lei 10.639/ 03 é importantíssima, mas os governantes deste país precisam
entender que quem está aqui em baixo, lidando com as questões reais que envolvem o racismo,
somos nós, professores, e, na prática, a questão é muito difícil, falta-nos formação”. (P 5).
“A Lei é importante, pois regulamenta o que sempre pregou a Constituição: a igualdade de
direitos e deveres. No entanto, nós precisamos de mais do que uma lei, precisamos de bons livros
didáticos, de formação, de condições adequadas para se trabalhar em sala. Não temos recursos
nem para cópias de textos, quanto mais para pesquisa e variedade de material didático para se
trabalhar questões tão polêmicas. Precisamos de mais apoio em sala de aula e de mais confiança
no trabalho contra o racismo, algo que ainda não temos.” (P 4)
“Não nego a relevância da lei, mas o Brasil é um país com muitas leis, mas com pouco
fiscalização e pouco recursos para se garantir o cumprimento delas. É fácil empurrar ao
professor mais uma tarefa, difícil é estar em sala todo dia lidando com bulling, racismo e toda
forma de preconceito. Não fomos preparados para isto.” (P 2)
“A lei por si só não garante nada. Quem fiscaliza? Quem orienta? Quem colabora? Acho que
ninguém, tem sido um trabalho solitário e com poucos resultados. (P 9)
“Importante a lei é, mas se não houver mais apoio nada dará resultado”. ( P3)
“A lei é mais que importante, é fundamental. Mas ainda falta muito para que se torne realidade.
(E2).
Percebe-se que, apesar de muito se falar, pouco ainda foi feito para que o resultado apareça em
sala de aula. O professor ainda está desamparado principalmente devido a falta de capacitação e
material didático.
Quanto ao currículo e aos livros didáticos, destaca-se:
“Os livros ainda são eurocêntricos apesar de já virmos estampadas algumas imagens de negros
sorrindo e freqüentando lugares e cargos antes típicos dos brancos”. (P 2)
39
“Fiquei intrigada com o questionário e fui analisar o meu livro didático com o olhar proposto
nas questões. Não tenho dúvida: não há um trabalho que valorize a diversidade de raças,
culturas, religiões, etc. É uma pena.” (P6).
“Não há negros nos livros didáticos. Quando aparecem são em situações de discriminação,
desvalorização ou meramente ilustrativa. A história do negro foi apagada, é muito difícil reverter
este quadro. (P 10)
Quanto aos Parâmetros Curriculares, o discurso parece coincidir com a prática:
Os PCNS foram jogados nas mãos dos professores, sem que houvesse uma reflexão sobre eles,
deste modo nada trouxeram de concreto. (P5)
Recebi meus PCNs, tentei ler, mas diante de tantas atribuições eles foram engavetados. Ao meu
ver, nada contribuíram para o combate ao racismo. (P 6)
Como tantos outros documentos, os PCNs foram entregues aos professores e ficaram nisto. Nada
trouxeram que pudesse contribuir positivamente para a nossa prática. (P 8)
Quando os PCNs foram criados muito se falou sobre eles, mas há tempos foram esquecidos,
portanto não vejo como ele pode ter contribuído para as discussões sobre as temáticas racismo,
preconceito, diversidade, etc. (E1)
Sei que há um PCN específico sobre a diversidade cultural e já li um pouco sobre o assunto, mas
acredito que não há grandes contribuições visto que a discussão sobre os PCNs há muito já não
fazem parte das reuniões pedagógicas. (P1)
Diante do exposto percebe-se que, embora os professores tenham conhecimento, mesmo que
superficial das questões propostas para análise, ainda há um longo caminho a ser percorrido para
que o combate ao racismo seja uma realidade em sala de aula.
Para Munanga (2005), ao tomarmos consciência da nossa realidade, é possível reconhecer que
tanto os livros e outros materiais didáticos quanto as relações sociais no ambiente escolar estão
carregados de conteúdos viciados, depreciativos e preconceituosos quanto aos povos e culturas
40
não pertencentes ao mundo ocidental. Deste modo, alguns professores seja por despreparo ou por
preconceito não sabem valer-se de situações flagrantes de discriminação e fazer dela uma um
momento pedagógico de reflexão e reconhecimento do imenso valor da nossa cultura.
Na maioria dos casos, praticam a política de avestruz ou sentem pena dos
“coitadinhos”, em vez de uma atitude responsável que consistiria, por um lado, em
mostrar que a diversidade não constitui um fator de superioridade e inferioridade
entre os grupos humanos, mas sim, ao contrário, um fator de complementaridade e
de enriquecimento da humanidade em geral; e por outro lado, em ajudar o aluno
discriminado para que ele possa assumir com orgulho e dignidade os atributos de
sua diferença, sobretudo quando esta foi negativamente introjetada em detrimento
de
sua própria natureza
humana.
( MUNANGA, 2005, p. 15)
Silva (2005) lembra que o livro didático ainda é para muitos alunos e professores fonte importante
de leitura e informação e talvez até a única. Por isto é inaceitável que ainda haja os problemas
apontados pela autora:
O livro didático, de um modo geral, omite ou apresenta de uma na simplificada e
falsificada o cotidiano, as experiências e o processo históricocultural de diversos
segmentos sociais, tais como a mulher, o branco, o negro, os indígenas e os
trabalhadores, entre outros.
Em relação à população negra, sua presença nesses livros foi marcada pela
estereotipia e caricatura, identificadas pelas pesquisas realizadas nas duas últimas
décadas.
A criança negra era ilustrada e descrita através de estereótipos inferiorizantes e
excluída do processo de comunicação, uma vez que o autor se dirigia apenas ao
público majoritário nele representado, constituído por crianças brancas e de classe
média. (SILVA, 2005, p.22)
Para a mesma autora, quando o livro didático
veicula estereótipos que expandem uma
representação negativa do negro e uma representação positiva do branco, ele expande a
ideologia do branqueamento, que se alimenta das ideologias, das teorias e estereótipos de
inferioridade/superioridade raciais, que se conjugam com a não legitimação pelo Estado, dos
processos civilizatórios indígena e africano, entre outros, constituintes da identidade cultural
da nação (SILVA, 1989, p 57).
Para Cardoso (2005, p. 10), lembra que os livros didáticos não só devem estar isentos de qualquer
conteúdo racista ou de intolerância como também devem conduzir a uma reflexão sobre as
contribuições dos diversos grupos étnicos para a formação da nação e da cultura brasileiras.
Ciente da necessidade de formar e conscientizar o educador a Secretaria Especial de Políticas para
Mulheres (SPM/PR), a Secretaria Especial de Políticas de Produção da Igualdade Racial
41
(SEPPIR/PR),
a
Secretaria
de
Educação
Continuada,
Alfabetização
e
Diversidade
(SECAD/MEC), a Secretaria de Educação a Distância (SEE/MEC), O Bristish Council e o Centro
Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM/IMS/UERJ) ofereceram em
parceria o curso de Gênero e Diversidade na Escola – Formação de Professoras/ES em Gênero,
Sexualidade, Orientação Sexual e Relações Étnico-Raciais que escrava:
... que professoras, professores e demais profissionais da educação fortaleçam
o papel que exercem de promotores/promotoras da cultura de respeito a
garantia dos direitos humanos, da equidade étnico-racial, de gênero e da
valorização da diversidade, contribuindo para que a escola não seja um
instrumento da reprodução de preconceitos, mas seja espaço de promoções e
valorização das diversidade que enriquecem a sociedade brasileira.
(HEILBORN, et all, 2009, p. 10)
Além deste curso, também foi criado um curso de especialização em Gestão de Políticas Públicas
em Gênero e Raça/ GPP-GeR ofertado através da parceria Secretaria Especial de Políticas para
Mulheres (SPM/PR), a Secretaria Especial de Políticas de Produção da Igualdade Racial
(SEPPIR/PR),
a
Secretaria
de
Educação
Continuada,
Alfabetização
e
Diversidade
(SECAD/MEC), o Ministério da Educação, o Instituto de Pesquisas Aplicadas- IPEA e o Fundo
das Nações Unidas para a Mulher – UNIFEM. O objetivo deste é:
Formar profissionais aptos/as a atuar no processo de elaboração, monitoramento e avaliação
de programas e ações que possam assegurar a transversalidade e intersetorialidade de gênero e
raça em todas as políticas públicas. Desta maneira, o curso está voltado à formação de
lideranças preocupadas com as reivindicações e expectativas de setores tradicionalmente
excluídos (CEPESC, 2010, p. 12).
Estes são exemplos de iniciativas que visam capacitar e formar professores para atuação tanto
na sala de aula quanto no meio social.
Quando professores e especialistas foram indagados sobre se ainda há racimos nas escolas a
resposta foi unânime “sim”.
Sim, ainda que disfarçadamente. Alguns chamam de bulling, mas para mim é racismo. Os
meninos e meninas negras ainda tem dificuldades em se relacionar com a maioria dos outros
alunos. Se a situação econômica for boa relacionamento tende a ser melhor, mas se for ruim,
a coisa piora. ( P2)
42
Sim, e muito. São discriminados pelo cabelo, pelo cheiro do suor, pela classe econômica,
recebem apelidos.( P5)
Sim, porém muitos temem os processos judiciais e então o fazem mais disfarçadamente.(P10)
Sim, no entanto, não é tão visível quanto já foi um dia. (E2)
Sim, ainda há piadinhas de deboche e dificuldades de relacionamento no grupo,
principalmente entre adolescentes. (P 7)
Sim, os professores relatam sempre casos de piadas em sala e dificuldades de
relacionamente. Alguns alunos negros sabem dessa dificuldade e eles próprios se afastam do
grupo. É um pena, mas é a verdade.(E 4)
Sim, embora os negros sejam talvez maioria na escola em que trabalho. Há sempre brigas e
reclamações sobre alguém me chamou disso ou daquilo e a gente percebe a dificuldade dos
professores em lidar com o problema. Na minha opinião, nem mesmo os professores
conseguiram se livrar ainda de práticas racistas. Por mais que preguem o contrário, quando
a situação é real, nãos abem como agir. (E 2)
Sim, sempre discutimos isto em reuniões, e sei que o simples dia da consciência negra não
será capaz de mudar esta realidade. É muito difícil, acho que historicamente nunca
conseguimos de forma plena, não são leis e punições que vão mudar isto, é preciso que as
pessoas reflitam mais e se coloquem no lugar do outro. Os negros também ainda tem
dificuldade de se assumirem negros. No dia da consciência negra fazemos um desfile da
beleza negra e muitos meninos e meninas não querem desfilar e dizem: “não sou negro”. É
rascimo, não é? Não assumem sua raça. Outros debocham quando alguém com a cor mais
clara que desfilar e assume suas origens negras. (P3)
Para Deslandes (2012) não se pode banalizar a violência ou considerar os pequenos gestos de
preconceito e discriminação como inofensivos:
43
Produzir um distanciamento frente a esse cotidiano, capaz de torná-lo mais estranho
e menos familiar, é fundamental. É assim que conseguimos perceber – ou, como
propõe Miskolci (2009), para “fazer de conta” que não percebemos -, atitudes
discriminatórias, ofensivas, constrangedoras e mesmo práticas violentas com relação
a mulheres, negros, pobres, homossexuais, dentre outras categorias nas quais se
veste o preconceito e que determinam o sofrimento e, finalmente, o aniquilamento
moral e intelectual daqueles que são continuamente violentados no ambiente escolar.
É assim, ainda, que conseguimos “desinvizibilizar”, dar voz e romper com o padrão
homogeneizante normativo dominante, deixando de ser cúmplices daquilo que se
pode chamar de uma pedagogia do insulto na escola (Junqueira, 2009: 17),
constituída de piadas, “brincadeiras”, ofensas, apelidos, xingamentos, humilhações,
exclusões, insinuações, expressões que desqualificam e tantos outros poderosos
mecanismos usados para silenciar e dominar simbolicamente as minorias sociais. E,
pior, fazê-lo num ambiente onde se deveria, contrariamente,
estimular o
desenvolvimento da curiosidade e da autoestima inerentes a todo processo de
ensino-aprendizagem (DESLANDES, 2011, p. 104-105).
No prefácio da edição de 1999 do livro Superando o racismo na escola, Fernando Henrique
Cardoso, então presidente da República, faz uma colocação pertinente sobre a necessidade do
diálogo e do estudo para o combate ao racismo na escola:
Racismo e ignorância caminham sempre de mãos dadas. Os estereótipos e as idéias
pré-concebidas vicejam se está ausente a informação, se falta o diálogo aberto,
arejado, transparente.
Não há preconceito racial que resista à luz do conhecimento e do estudo objetivo.
Neste, como em tantos outros assuntos, o saber é o melhor remédio. Não era por
acaso que o nazi-facismo queimava livros.
Mas não é só por isso que o tema do racismo e da discriminação racial é importante
para quem se preocupa coma a educação. É fundamental, também, que a elaboração
dos currículos e materiais de ensino tenha em conta a diversidade de culturas e de
memórias coletivas dos vários grupos étnicos que integram nossa sociedade.
É obrigação do Estado a proteção das manifestações culturais das culturas populares,
indígenas e afro-brasileiras, bem como dos demais grupos participantes de nosso
processo civilizatório. Essa obrigação deve refletir-se também na educação
(CARDOSO, 1999, p. 10).
Assim, percebe-se a importância do trabalho com temas transversais em atividades
pedagógicas, utilizando-se da interdisciplinaridade para que constantemente esses temas
sejam abordados em sala de aula. A prática cotidiana poderá contribuir para formação social
dos alunos como cidadãos críticos e atuantes, visto a urgência social desse temas tratados
para resolução de problemas atuais da sociedade moderna.
44
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, neste estudo, concluiu-se que é urgente e necessário o resgate da história
do negro como forma de se combater o racismo e enfrentar o eurocentrismo ainda presentes
em nosso dia a dia. A escola tem papel imprescindível para que se superem as mentiras das
histórias oficiais, que muito atrapalharam na construção da autoestima das pessoas negras.
Mas esta história precisa ser ensinada por pessoas que, verdadeiramente, conheçam a história
do povo negro. A História da África precisa integrar verdadeiramente os currículos das
escolas.
A inclusão da História da África e da Cultura Afro-Brasileira nos currículos escolares torna-se
meio de afirmação da identidade do povo negro e caminho para uma educação anti-racista. Os
esforços pela implementação da Lei nº 10.639/03 sobre a inclusão da História da África e
Cultura Afro-Brasileira no ensino fundamental e médio já estão sendo visualizados, mesmo
que timidamente, embora os educadores investigados ainda se sintam despreparados/as para
trabalhar tais questões.
Para isto Sacristán (1995) considera imprescindível mudar os métodos pedagógicos e
propiciar outra formação docente, estimulando uma perspectiva cultural que abarque a
complexidade da cultura e das experiências humanas. Afinal, o currículo deve ser construído
coletivamente e cada sujeito envolvido e comprometido com o processo educativo deve se
sentir responsável por sua implementação.
Um currículo que busque a valorização e o respeito à diversidade precisa partir da mudança
nas intenções daquilo que se quer transmitir aos educandos. É preciso rever as práticas
educativas que continuam priorizando a cultura dominante nas salas de aula, com conteúdos
que apresentam a visão de determinados grupos sociais.
Se após a aprovação da Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003), surgiram tímidas iniciativas por parte
de secretarias, educadores, gestores e sociedade civil, o maior desafio ainda é colocar essa
Lei em prática, de maneira eficaz e adequada, na vida e no cotidiano das escolas brasileiras.
45
Enfim, o compromisso com uma educação anti-racista e inclusiva, no sentido do respeito e
acolhimento ao outro, com suas diferenças e limitações, passa pela responsabilidade que cada
ator social, seja ele educador, aluno ou gestor, deve ter com a eliminação das atitudes
discriminatórias existentes nas relações interpessoais dentro da escola.
Diante de tudo que foi exposto confirma-se a hipótese inicial de que os Parâmetros
Curriculares Nacionais pouco contribuíram para o combate ao racismo e ao eurocentrismo.
Sem força de lei, os PCNs não conseguiram atingir seus objetivos, pois não foram
acompanhados de políticas públicas consistentes e nem de formação continuada dos
educadores.
Todavia, mesmo que Parâmetros Curriculares Nacionais que deveriam servir de orientador
para a construção do currículo escolar, não tenham dado conta de apresentar adequadamente,
de modo fundamentado, a problemática racial, a escola e os educadores tem outras fontes
valiosas para buscar conhecimento e discutir a problemática como inúmeras publicações de
estudiosos, leis, publicações de órgãos oficiais, etc. Não vale a desculpa de que não se pode
fazer por falta de informação. Cabe, pois,
a cada profissional da educação dar a sua
contribuição neste trabalho. Lembrando que este passa, primeiramente, pela discussão do
currículo e pela postura política, ética e comprometida com a educação de qualidade que
cada um deve assumir no ambiente escolar.
Para finalizar, fica a palavra do ex-Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso,
divulgada no prefácio no livro Superando o Racismo na Escola a qual muito contribui para
esta reflexão final:
A superação do racismo ainda presente em nossa sociedade é um imperativo. É uma
necessidade moral e uma tarefa política de primeira grandeza. E a educação é um
dos terrenos decisivos para que sejamos vitoriosos nesse esforço. (CARDOSO,
2005, p. 10)
Ficam aos que se interessam pela temática e, principalmente, aos educadores, uma pergunta:
“que currículo temos apresentado a nossos alunos”? e a afirmação de Lopes (2005) “O Brasil
precisa de professores dispostos a fazer a revolução das pedagogias. Cada um de nós está
convocado a entrar nesse grupo. (LOPES, 2005, p. 200)
46
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ANEXO A
1) Você conhece a Lei 10236/03? Sabe sobre o que ela trata?
2) Esta lei é aplicada em sua escola? Quando e como?
3) Em que momentos você e os demais professores e especialistas da escola trabalham
com a cultura africana?
4) Em sua opinião, qual a importância desta lei?
5) Você já participou de cursos de formação e ou capacitação?
6) Em sua opinião, o racismo e o etnocentrismo estão presente na escola? De que forma?
7) Os livros didáticos, os Parâmetros Curriculares Nacionais e o currículo escolar
favorecem o trabalho contra o racismo e o etnocentrismo? Como?
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Claudney Arruda - Água, Mulheres e Desenvolvimento