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CONQUISTAS NEGRO-EDUCACIONAIS
Práxis das Entidades e Grupos do Movimento
Negro no Estado do Rio Grande do Sul – Porto Alegre
Jorge Manoel Adão.
O presente artigo é fruto da pesquisa que venho realizando no II Concurso O Negro e
a Educação, e que tem por objetivo registrar, a analise e refletir sobre as propostas,
encaminhamentos e conquistas no campo da educação, das entidades e grupos do
movimento negro gaúcho sediadas na cidade de Porto Alegre, capital do Estado do Rio
Grande do Sul, no período de 1980 a 2000.
O seu desenvolvimento, ao mesmo tempo que vem corroborando a necessidade de
se focalizar, num único trabalho, o universo das entidades e grupos constituintes do
movimento negro gaúcho (nomenclatura, identidade e localização municipal), os seus
projetos e realizações no campo da educação formal e informal bem como seu impacto na
sociedade gaúcha, explicita também o lugar desta práxis educativa no processo de reflexão
de um pensamento e cultura
negro-brasileiros, com base em autores que
vêm se
debruçando sobre africanidades brasileiras.
O movimento negro gaúcho, constituído por entidades e grupos que articulam
politicamente a cultura negra – empírico desta pesquisa -, em sua trajetória, sempre esteve
em sintonia como o movimento negro brasileiro que, por sua vez, sempre acompanhou de
perto a luta anti-racista dos negros estadunidenses. Ou seja, os elementos políticos e
ideológicos que estimularam a organização dos negros brasileiros, em sua fase atual,
encontram-se, em especial, nos protestos dos negros norte-americanos nas décadas de 60 e
70. Este aspecto político do inconformismo negro brasileiro se articula, no final dos anos 70
e início dos 80, com outros setores do movimento social contra a ditadura militar (Nabarro,
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2000, p. 32).
Em terras gaúchas o movimento negro é representado por 82 entidades e grupos,
sendo que 46 destas, localizam-se na cidade de Porto Alegre. Até a fundação do Movimento
Negro Unificado, essas entidades e grupos eram de natureza cultural e, fundamentalmente,
desempenhavam o papel de manutenção e resistência da cultura negra: entidades
carnavalescas, Clubes Recreativos. Com a chegada do MNU, começa a delinear-se
explicitamente dois tipos de correntes ou características fundamentais das entidades e grupos
do movimento negro gaúcho: uma, mais cultural e, outra, mais política (Ribeiro, 47 anos,
CECUNE, 17 dez. 2001).
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A presente pesquisa, procura entender, no decorrer da trajetória e atuação deste
movimento no Rio Grande do Sul, as razões que levam as entidades e grupos do movimento
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negro a formularem ações educativas uma vez que já existe um sistema formal de ensino. A
partir da pesquisa e da análise realizadas até o momento, minha constatação é de que essas
ações educativas são concretizadas porque, de um lado, a atual sociedade gaúcha e brasileira
não dá conta de toda a demanda educacional de grande contingente de crianças,
adolescentes, jovens e adultos negros. De outro, porque o sistema de ensino, com raras
exceções, não leva em conta a história, cultura e valores da comunidade negra brasileira.
Tendo presente essa abrangência e dimensão social e política de sua práxis do
movimento negro, o identifico como um movimento social e o defino como toda a ação,
organização, articulação e resistência que os africanos e seus descendentes imprimiram em
sua práxis, desde sua chegada no Brasil, nestes quinhentos anos de história da colonização
das terras indígenas.
“Com efeito, desde sua saída forçada da África nos fins do século XV
e início do século XVI, o negro já havia começado a fazer ouvir seu
protesto. O número de levantes, revoltas, fugas individuais e coletivas
organizadas, suicídios, genocídios, abortos voluntários das
escravizadas, etc. foram suficientemente documentadas para ilustrar
a importância da defesa da liberdade enquanto dado importante da
condição humana” (Munanga, 1999b, p. 45).
Assim os grupos e entidades que constituem o movimento negro gaúcho-brasileiro são
aqueles que articulam a cultura negra politicamente e que participam de algum fórum (local,
estadual ou nacional) reconhecido em sua práxis organizativa e política como movimento
social negro (Adão, 2002, p. 14).
No Rio Grande do Sul, em nível estadual, existem o Conselho de Desenvolvimento e
Participação da Comunidade Negra do Estado do Rio Grande do Sul (CODENE/RS),
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fundado em 1988 e o Fórum de Articulação de Entidades Negras do Rio Grande do Sul
(FAENERS), fundado em 1991, com o objetivo de preparar e organizar o I Encontro
Nacional das Entidades Negras (ENEN), realizado em São Paulo, de 14 a 17 de novembro,
desse mesmo ano.
A preocupação, concretização e os embates sobre a presença da cultura e valores
negros no sistema de ensino, visíveis nas ações educativas dessas entidades e grupos, estão
em consonância com as questões postas pelo multiculturalismo na nossa sociedade. Autores
que refletem este tema (como Cunha Jr., 1998; P.B.G. Silva, 1993; Pinto, 1993; Munanga,
2000) afirmam que, diferentemente dos países europeus – Holanda, Espanha e França -,
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tanto o Brasil como os Estados Unidos possuem em comum um passado escravagista,
motivo pelo qual, a agenda política do multiculturalismo, nesses dois países, incorpora
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temas importantes como relações raciais, desigualdades, luta pela cidadania e o papel
desempenhado pelo Estado. Especificamente P.B.G. Silva (1991, p. 27), citando Banks,
explicita que os desafios enfrentados pelas das propostas do multiculturalismo abrangem a
diversidade étnico-cultural, a unidade nacional, a igualdade de oportunidade e a participação
popular ativa, incluindo a escola e a comunidade em que esta se insere. A educação
multicultural é, assim, um movimento popular, onde os maiores fundamentos e
possibilidades provêm dos docentes, estudantes e pais que estão empenhados na erradicação
das desigualdades e na incrementação de uma unidade presente e futura, cultural e
etnicamente plural.
O multiculturalismo vem sendo defendido, atualmente, pelos movimentos sociais
negros, que entendem que os africanos e seus descendentes em terras brasileiras, com sua
força vital, viveram e vivem em um contexto específico. Contexto este que tem sido
marcado pelo etnocentrismo europeu, racismo, discriminação, marginalização, exclusão,
ideologia do branqueamento, mito da democracia racial e desafiado pelo multiculturalismo,
pluralismo cultural, diversidade étnica e racial, mas onde se observam também ações e
reivindicações de caráter multicultural, ações afirmativas: traços marcantes que vão
constituir a base do entendimento da identidade negra e da
negritude, características
específicas, dinâmicas, motivadoras da trajetória e atuação do movimento negro.
A partir do entendimento do movimento negro como movimento social, constato que
a vivência da negritude e a construção da identidade negra se configuram como identidade
coletiva. Esta ênfase na identidade coletiva nos permite fugir das duas grandes vertentes
tradicionais de explicação, usadas na análise e estudo dos fenômenos coletivos. A que
considera os fenômenos coletivos como soma de eventos atomizados que, por alguma
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circunstância, ligam-se e redundam numa realidade coletiva. É o modelo das análises do
collective behavior (Melucci, 2001, p. 151). A outra, ligada ao veio da tradição marxista,
que interpreta os fenômenos coletivos como expressão de uma condição estrutural. Como
decorrência das mudanças das condições históricas e pela evolução da reflexão teórica, para
a qual contribuíram Touraine (1988) e Habermas (1986), essas duas perspectivas entraram
progressivamente em crise (Melucci, 2001, p. 152).
Em outras palavras, é o conjunto das ações educativas concretizadas e dinamizadas
pelas entidades e grupos do movimento negro que estão imprimindo e tornando visível a
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negritude e a identidade negra na sociedade. No desenvolvimento desta pesquisa percebo
que essas ações educativas são de cunho cultural, escolar, jurídico, de gênero, religioso,
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jornalístico, recreativo ou ainda, voltadas para a saúde e meio-ambiente e desenvolvidas
pelas seguintes entidades porto-alegrenses: Sociedade Cultural e Beneficente Floresta
Aurora (1872); Instituto Cultural Afro-Sul (1974); Movimento Negro Unificado - MNU
(1979); Agentes de Pastoral Negros – APNs (1985); Fundação Léopold Sédar Senghor
(1984); Centro Ecumênico de Cultura Negra – CECUNE (1987); Maria Mulher Organização de Mulheres Negras (1987); Centro Pedagógico de Reterritorialização e
Cidadania Negra – Griô (1991); União de Negros pela Igualdade – Unegro (1993); Instituto
Brasil-África – IBÁ (1998); Fórum de Articulação de Entidades Negras do Rio Grande do
Sul – FAENERS (1991).
Faz parte da definição de identidade coletiva a interação e o compartilhamento das
ações por parte de grupos e indivíduos no contexto de oportunidades e constrangimentos de
um determinado locus. É um processo interativo e compartilhado de criação de um sistema
de ação, construído por indivíduos ou grupos. Nesse contexto, o grupo desenvolve a
capacidade de criar ação autônoma, na medida em que a identidade coletiva se constitui
nos relacionamentos circulares entre o sistema de oportunidades e de constrangimentos.
Os sujeitos coletivos, assim, devem ter a capacidade de se identificar e distinguir-se,
a si próprios, do meio ambiente que os circunda.
Nesse processo, pode-se identificar as três dimensões apontadas pó Melucci como
constitutivas da identidade coletiva: a primeira, diz respeito à definição cognitiva dos fins,
meio e campo de ação; a segunda, à rede de relacionamentos ativos dos sujeitos: interação,
comunicação, influência mútua, negociação e tomada de decisão; a terceira; refere-se à
necessidade que a identidade coletiva possui de um envolvimento emocional, onde os
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indivíduos sintam-se parte integrante de uma unidade comum (Gohn, 1997, p. 159).
Com o auxílio da perspectiva epistemológica moriniana (1999, p. 182), constato que
existe uma interação circular e constante entre as ações educativas de cada entidade ou
grupo partícipe dessa pesquisa e seus militantes1. Desses militantes e ações educativas com
o específico de cada entidade ou grupo e, por sua vez, desses com o conjunto do movimento
1
A idéia de circularidade abandona um tipo de explicação linear e desafia a compreender um fenômeno,
através de uma explicação em movimento: da parte para o todo e do todo para a parte, simultaneamente. A
dialogicidade nos lembra que existem complementaridades e antagonismos entre a imaginação que cria
hipóteses e a verificação que as seleciona (Morin, 1999, p. 182).
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negro. Finalmente, este movimento, por meio de sua atuação e conquistas, interage com o
sistema de ensino e com o conjunto da sociedade gaúcha.
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Ratifico a constatação de que as entidades e grupos do movimento negro concretizam
ações educativas, por um lado, porque o sistema educacional não dá conta de todas as
demandas. Daí, a existência de práticas como oficinas de alfabetização e complementação
escolar, como as do Grupo Maria Mulher e do Griô, respectivamente. Por outro lado, o
sistema formal de ensino não contempla, com raras exceções, em seu currículo e em seu
fazer pedagógico, a história, as tradições, as culturas, as contribuições, influência e presença
hodierna dos negros gaúchos brasileiros.
Estas ações educativas no universo educacional possibilitam articular a educação
com as contingências sociais, políticas e econômicas vividas pelas pessoas. À guisa de
exemplo, lembramos o Curso Pré-Vestibular Superação do Instituto Brasil África; as
oficinas de Corte-e-Costura, de Tranças e Adornos Afros dos Agentes de Pastoral Negros; as
oficinas de Capoeira e de Cavaquinho da Sociedade Recreativa e Cultural Floresta Aurora.
Além disso, geralmente professores e alunos, militantes ou simpatizantes do movimento
negro, levam tais ações e, conseqüentemente, a cultura negra para dentro do sistema
educacional, principalmente durante s Semanas de Consciência Negra, realizadas por muitas
escolas, no mês de novembro.
Por fim, enfatizo que estas entidades e grupos do movimento negro, com seus
diferenciais, características e ações educativas, enriquecem o conjunto do movimento e,
conseqüentemente, sua presença e atuação. Especificamente constato que: a Sociedade
Cultural e Beneficente Floresta Aurora possui uma ação educativa cultural; o Instituto
Cultural Afro-Sul, uma ação educativa cultural e social ; o Movimento Negro Unificado
assume o desafio de delinear estratégias políticas para essas ações; Agentes de Pastoral
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Negros gaúchos, desde a sua criação, desenvolvem ações educativas culturais, sociais,
religiosas, profissionais; a Fundação Leopoldo Sédar Senghor possui uma ação mais de
cunho educativo-religiosa; o Centro Ecumênico de Cultura Negra destaca-se por uma ação
educativa acadêmica alternativa; o Grupo Maria Mulher, em especial, uma ação educativa de
gênero e jurídica; o Centro Pedagógico de Reterritorialização e Cidadania Negra, possui um
recorte educativo voltado para o meio ambiente, cultural e profissional; a União de Negros
pela Igualdade propõe um trabalho educativo cultural e social com jovens ; e, o Instituto
Brasil África, uma ação educativa escolar alternativa.
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Entrevistas Transcritas
CARVALHO, Ivonete, 35 anos. Conselho de Desenvolvimento e Participação da
Comunidade Negra do Estado do Rio Grande do Sul (CODENE/RS). [Porto Alegre], 11
jan. 2001. Entrevista concedida a Jorge Manoel Adão.
DEODORA, Maria Iara Santos, 44 anos. Instituto Cultural Afro-Sul. [Porto Alegre], 14
dez. 2001. Entrevista concedida a Jorge Manoel Adão.
DEUS, Zenóbia Lúcia, 57 anos. Fundação Leopoldo Sedar Senghor. [Porto Alegre], 13
dez. 2001. Entrevista concedida a Jorge Manoel Adão.
FEIJÓ, Nilo Alberto, 67 anos. Conselho de Participação e Desenvolvimento da
Comunidade Negra do Estado do Rio Grande do Sul (CODENE/RS). [Porto Alegre], 04
dez. 2000. Entrevista concedida a Jorge Manoel Adão.
FERREIRA, Antônio Mário, 42 anos. Movimento Negro Unificado (MNU). [Porto
Alegre], 11 dez. 2001. Entrevista concedida a Jorge Manoel Adão.
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FONSECA, Sérgio Luiz, 47 anos. Sociedade Beneficente Floresta Aurora. [Porto Alegre],
26 jan. 2002. Entrevista concedida a Jorge Manoel Adão.
FONTOURA, Maria Conceição Lopes, 51 anos. Maria Mulher – Organização de
Mulheres Negras. [Porto Alegre], 22 out. 2001. Entrevista concedida a Jorge Manoel Adão.
HOMERO, Maria Noelci Teixeira, 54 anos. Maria Mulher – Organização de Mulheres
Negras. [Porto Alegre], 22 out. 2001. Entrevista concedida a Jorge Manoel Adão.
MOREIRA, José Fernando Oliveira, 37 anos. Instituto Brasil-África (IBÁ). [Porto
Alegre], 29 nov. 2001. Entrevista concedida a Jorge Manoel Adão.
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NOGUEIRA, Regina, 40 anos. Centro Pedagógico de Reterritorialização e Cidadania
Negra (Griô). [Porto Alegre], 3 nov. 2001. Entrevista concedida a Jorge Manoel Adão.
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PARÉ, Marilene Leal, 52 anos. Projeto “O Negro e a Educação” da Secretaria da
Educação do Estado do Rio Grande do Sul. [Porto Alegre], 14 jan. 2002. Entrevista
concedida a Jorge Manoel Adão.
PEREIRA, Lúcia Regina Brito, 44 anos. Projeto “O Negro e a Educação” da Secretaria
da Educação do Estado do Rio Grande do Sul . [Porto Alegre], 01 out. 2001. Entrevista
concedida a Jorge Manoel Adão.
RIBEIRO, Juarez, 47 anos. Centro Ecumênico de Cultura Negra (CECUNE). [Porto
Alegre], 17 dez. 2001. Entrevista concedida a Jorge Manoel Adão.
SILVA, José Antônio Santos da, 38 anos. União de Negros Pela Igualdade (Unegro).
[Porto Alegre], 22 out. 2001. Entrevista concedida a Jorge Manoel Adão.
SOARES, Vera Beatriz, 54 anos. Fórum de Articulação das Entidades Negras do Rio
Grande do Sul (FAENERS). [Porto Alegre], 04 nov. 2001. Entrevista concedida a Jorge
Manoel Adão.
TRIUMPHO, Vera Regina Santos, 56 anos. Projeto “O Negro e a Educação” da
Secretaria de Estado da Educação e Agentes de Pastoral Negros (APNs). [Porto Alegre]
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31 ago, 2001. Entrevista concedida a Jorge Manoel Adão.
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