ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: IMPACTOS DE SUA
IMPLANTAÇÃO
PINTO∗, Juliana da Silva – UEPG
[email protected]
SAVELI∗∗, Esméria de Lourdes – UEPG
[email protected]
Resumo
Este trabalho resulta de uma pesquisa, de cunho qualitativo, que teve como objetivo investigar
as representações sociais de pedagogos e gestores escolares sobre a nova legislação e forma
de ampliação do Ensino Fundamental. Participaram da pesquisa educadores de quatro escolas
da rede pública municipal e de quatro escolas particulares do município de Ponta Grossa - PR.
Para a coleta das informações, utilizou-se como instrumento a entrevista semi-estruturada. O
estudo mostra que a implantação do Ensino Fundamental de nove anos provocou e ainda tem
provocado muitas inquietações, dúvidas, diferentes opiniões e interpretações diversas dos
dispositivos legais, gerando posicionamentos divergentes. Este fato é evidenciado por
depoimentos colhidos para este estudo que revelaram que no interior das instituições
educativas as opiniões dos educadores se dividiram entre aqueles que defenderam a
antecipação do ingresso da criança no Ensino Fundamental e aqueles que se posicionaram de
modo desfavorável à medida. Embora a inclusão das crianças de seis anos no processo de
escolarização formal não fosse uma novidade no meio educacional do município de Ponta
Grossa, a pesquisa revelou que a transição dessas crianças da Educação Infantil para o Ensino
Fundamental, trouxe uma série de impactos nos espaços escolares. A pesquisa também
verificou que ainda há muita incompreensão desta política pública de ampliação do direito
social de acesso das camadas populares, à escolaridade obrigatória. O estudo desvelou que
para a inclusão das crianças de seis anos (completos ou incompletos) no sistema educacional,
será fundamental que gestores e pedagogos tenham maior clareza dos fundamentos legais,
pedagógicos e administrativos dessa política pública, pois ela exige ações administrativopedagógicas coerentes, bem como uma mudança na estrutura e na cultura escolar.
Palavras-chave: Políticas educacionais. Representações sociais. Ensino Fundamental de nove
anos.
Introdução
Este trabalho resulta de uma pesquisa, de cunho qualitativo, que teve como objetivo
investigar o que representa para os pedagogos e gestores escolares a ampliação do Ensino
Fundamental e, segundo eles, quais os impactos da implantação desta política pública no
Município de Ponta Grossa.
∗
Licenciada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Especialista em Educação
Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental (UEPG), membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação
Básica (GEPEB/UEPG), professora da Educação Básica.
∗∗
Doutora em Educação pela Unicamp, docente do Departamento de Educação e do Mestrado em Educação da
UEPG, Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Básica (GEPEB/CNPq).
2480
Com a aprovação da Lei 11.274, de 06 de fevereiro de 2006, o Ensino Fundamental
passa a ter nove anos de duração, sendo assegurado às crianças de seis anos o direito à
educação obrigatória.
Entende-se que as políticas educacionais são concretizadas no contexto das escolas
através das ações de inúmeros sujeitos sociais que atuam direta ou indiretamente nesses
espaços. Isto significa que as decisões tomadas nos textos legais são efetivadas, de fato, por
procedimentos e ações administrativas. Ou seja, política e administração não se dissociam.
Nesta perspectiva, pode-se dizer que a concretização da política educacional de antecipação
da obrigatoriedade escolar está longe de acontecer apenas com a promulgação da Lei
11.274/2006. Concretizar, de fato, o direito das crianças de seis anos à educação dependerá
das ações pedagógicas dos educadores e de uma política-administrativa comprometida com a
real inclusão das crianças nos espaços escolares.
Entende-se também que as políticas educacionais, no contexto mais amplo, desde seu
processo de elaboração e aprovação até sua concretização no âmbito da prática, não se
encontram livres da influência dos valores, das crenças e das opiniões dos sujeitos. Isto quer
dizer que sobre as normas legais interagem múltiplos agentes, influenciando-as, modelando-as
e interpretando-as, segundo seus interesses, expectativas e valores, dentro de uma
determinada trama cultural, política e social.
As Representações Sociais: Alicerces Da Interpretação Da Realidade
As representações sociais emergem na forma de pensamentos ou crenças pessoais, que
exprimem formas específicas de um pensamento social mais amplo, decorrente das relações
estabelecidas entre os diversos sujeitos.
Há um conjunto de crenças, partilhadas pelos sujeitos que são construídas socialmente
e se encontram necessariamente ancoradas no âmbito das condições objetivas dos sujeitos que
as elaboram. Ou seja, refletem as condições socioeconômicas e culturais dos sujeitos que as
produzem. Essas crenças constituem-se a partir de significados presentes no meio cultural e
têm suas raízes em determinações econômicas, históricas e sociais.
Estas crenças expressam maneiras de pensar, compreender e explicar o mundo e
trazem a bagagem cultural de cada sujeito (com suas experiências subjetivas e suas
características pessoais).
Entende-se que todo o conjunto de crenças dos indivíduos, seus conhecimentos,
imagens e percepções constituem o substrato das representações sociais. (MOSCOVICI,
2003).
As representações sociais são formadas a partir das imagens provenientes de teorias
científicas ou do saber cotidiano, resultados de pesquisa divulgados, ideologias difundidas nos
2481
meios de comunicação, que se generalizam entre os grupos sociais e passam a constituir um
sistema de valores e informações que influenciam no modo de compreender e explicar a
realidade, bem como orientam a tomada de posição e as diferentes práticas no mundo social.
Como se encontram presentes no cotidiano escolar, as representações sociais
influenciam as práticas realizadas no contexto da escola e, portanto, devem se tornar objeto de
nossa reflexão crítica.
O pressuposto básico da opção pela perspectiva das representações sociais neste
estudo, é que as representações sociais são elementos importantes para a compreensão do
posicionamento dos gestores e pedagogos frente ao novo contexto educacional, anunciado
com a ampliação do ensino fundamental.
Partindo-se do pressuposto de que os sujeitos, ao
se depararem com situações sociais novas, acionam suas “teorias implícitas”, que construíram
coletivamente, e que é no quadro destas teorias que procuram e estruturam suas explicações e
suas ações, considera-se importante discutir a ampliação da obrigatoriedade escolar a partir da
visão dos atores sociais que estão diretamente envolvidos com as escolas desse nível de
ensino.
A pesquisa teve como foco de investigação quatro escolas da rede pública municipal e
quatro escolas particulares do município de Ponta Grossa. Participaram da pesquisa,
pedagogos e gestores escolares das escolas de ambas as redes de ensino. Para a coleta das
informações, utilizou-se como instrumento a entrevista semi-estruturada.
Dos depoimentos dos sujeitos da pesquisa foram emergindo as representações sociais
que foram classificadas e agregadas em dois eixos temáticos, abordados a seguir.
Concepções De Desenvolvimento Da Criança
Dentre os depoimentos coletados para a pesquisa, encontram-se posicionamentos
divergentes. Há aqueles que entendem a antecipação do ingresso da criança no Ensino
Fundamental como uma medida negativa, que trouxe uma série de problemas para as escolas
e as famílias: ”Nós vemos que têm muitas crianças que estão no Ensino Fundamental e que
são muito dependentes, aqueles “bebês” ainda sabe? A criança ainda não está desenvolvida
pra adiantar tanto. (C. Pedagoga). E há outros que se posicionam de modo favorável à
medida: “[...] Se a escola pública tivesse condições de recolher as crianças até antes, pra
você estar trabalhando com essas crianças, eu acredito que a qualidade do ensino das nossas
escolas seria bem melhor”. (S. Diretora)
Entre os argumentos que procuram mostrar as repercussões negativas da entrada
precoce da criança no Ensino Fundamental, ou os que procuram ratificar o recorte etário,
2482
então fixado, para o ingresso da criança, tendo como referência o mês de nascimento (mês de
março, no caso do Estado do Paraná), aparecem subjacentes às falas de diretoras e pedagogas,
uma concepção de desenvolvimento inatista-maturacionista.
Verifica-se que as educadoras apóiam-se nesta concepção, quando se referem ao
desenvolvimento (“amadurecimento”), como sendo um pré-requisito para o ingresso da
criança no Ensino Fundamental: “Existem crianças que entraram aí com seis anos no ensino
fundamental de oito e essas crianças são extremamente dependentes do professor porque são
novas [...] a gente sabe que a criança sofre com isso, é forçada a sua maturação. Nós
sabemos assim, que a criança precisa estar bem amadurecida [...] Então, eu acho que
deveria ser pensado melhor nessa questão da idade, ter uma criança mais madura, mas existe
a lei, vamos respeitar”. (V. Diretora).
A concepção inatista-maturacionista parte do princípio de que fatores biológicos
(hereditariedade e maturação) desempenham um papel central no desenvolvimento humano e
tem importância maior do que os fatores que se relacionam à experiência e a aprendizagem do
sujeito. Esta abordagem considera que o patrimônio biologicamente herdado é que determina o
desenvolvimento dos sujeitos. Assim, o processo de aprendizagem não interfere no
desenvolvimento cognitivo da criança, pelo contrário, é dependente dele, “[...] Ou seja, o que
a criança é capaz ou não de aprender é determinado pelo nível de maturação de suas
habilidades e do seu pensamento ou, ainda, pelo seu nível de inteligência.” (FONTANA, R.;
CRUZ, N., 1997. p. 20).
Apoiadas nesta concepção inatista-maturacionista, as educadoras afirmam: “[...] O
mês de março está bom, é um prazo bom, eu acho que eles têm que completar seis anos, por
causa da maturidade, eu acho que interfere a idade”. (M. Diretora). “Dá muita diferença a
questão da maturidade. Acho positivo o recorte etário em março porque sabemos que é
necessário o amadurecimento da criança para determinados conteúdos”. (R. Diretora). Esses
depoimentos revelam que ainda está muito presente nas representações sociais dos
profissionais da educação a crença de que para aprender a criança deve já ter desenvolvido
certas capacidades. Esta concepção alimenta a crença de que existe uma idade precisa para a
aprendizagem de determinados conteúdos. Ou, ainda, que aquilo que a criança é capaz ou não
de aprender depende do nível de “maturação” das suas capacidades. Nesta perspectiva, as
educadoras entendem que, as crianças que completam seis anos nos meses subseqüentes ao
mês de março não tem “maturidade” para o ingresso no Ensino Fundamental. No entanto,
quando questionadas a respeito do processo de alfabetização, que é facilitado pela entrada da
criança mais nova no universo da escola, as educadoras se contradizem, ao afirmarem num
2483
primeiro momento: “Acho positivo o recorte etário em março porque sabemos que é
necessário o amadurecimento da criança para determinados conteúdos”, e, num segundo
momento, que a alfabetização tem seu início antes mesmo do ingresso no Ensino
Fundamental, como ilustra o depoimento abaixo:
A nossa classe de Educação Infantil trabalha a alfabetização e começa o letramento né, nós
vamos trabalhar nessa linha mais ou menos, procurando avançar um pouquinho mais [...] É
a proposta da Educação Infantil mesmo, é o brincar, é o cuidar, é o estar deixando a criança
no seu momento, aprender dentro de um processo natural. (A. C. Pedagoga)
Diante destes depoimentos cabe questionar: se há o entendimento de que o trabalho no
primeiro ano do Ensino Fundamental de nove anos, deverá ser este trabalho de alfabetização,
entendido numa perspectiva lúdica, de imersão da criança em um ambiente alfabetizador que
vai muito além da aquisição do código escrito, e que muito mais que o produto final, interessa
o “processo”, por que essa criança de cinco ou seis anos é considerada, por alguns
profissionais da educação como sendo “muito nova”, “muito infantil” para ingressar no
Ensino Fundamental? Se o trabalho é o mesmo, qual a diferença da criança estar na Educação
Infantil ou no Ensino Fundamental?
Kramer (2003, p. 70), ao abordar essa questão da inserção das crianças na Educação
Infantil ou no Ensino Fundamental, deixa claro seu posicionamento dizendo que:
[...] tanto faz, se existe articulação do trabalho pedagógico realizado. A partir da
ótica da criança, tanto faz se o trabalho realizado leva em consideração a
especificidade das ações infantis e o direito à brincadeira. Só é problema porque não
temos conseguido, ainda, articular a educação infantil com o ensino fundamental. O
problema, portanto, do ponto de vista pedagógico, não é onde incluir, mas a garantia
de que as crianças sejam reconhecidas nas suas necessidades (em especial a de
brincar) e que o trabalho seja pensado, planejado, discutido, acompanhado, pelos
adultos, nas duas instâncias.
Mas ao que parece, o significado da antecipação da obrigatoriedade escolar para seis
anos de idade, ainda não está bem claro para os profissionais da educação. Nas falas das
educadoras a contradição aparece novamente: verifica-se que ora defendem a alfabetização
como um processo natural, que acontece paralelamente ao desenvolvimento do letramento,
ora, apoiadas na concepção inatista-maturacionista, acreditam que as tentativas de ensino
precoce podem atrapalhar futuras aprendizagens: “[...] A criança não está bem desenvolvida
para adiantar. Têm muitos que querem ganhar tempo, mas não entendem que determinados
2484
conteúdos precisam do amadurecimento da criança, que não dá para adiantar, se pensa em
ganhar tempo agora, pode ter reprovação lá na frente [...]” (R. Diretora).
No entanto, se por um lado há no discurso de um grupo de diretoras e pedagogas uma
concepção de que o desenvolvimento é que comanda a aprendizagem, por outro, há
educadoras que defendem a antecipação do ingresso da criança no Ensino Fundamental:
“Quanto mais cedo a criança ingressa na escola, quanto mais cedo você começa a
sistematizar esse processo de leitura, de escrita, a qualidade do ensino tende a melhorar”. (S.
Diretora).
O relato desta educadora revela uma concepção de desenvolvimento oposta àquela
mencionada anteriormente. Quando a diretora diz que “Quanto mais cedo a criança ingressa
na escola, a qualidade do ensino tende a melhorar”, está revelando a sua crença de que
quanto mais condições são oferecidas pelo meio social, quanto mais interações são
propiciadas melhor sucedida será esta criança no processo de aprendizagem e de
escolarização posterior. Esta idéia vai ao encontro da abordagem teórica vygotskyana, a qual
defende desenvolvimento e aprendizagem como processos interdependentes, em que o
desenvolvimento cognitivo interage constantemente com a aprendizagem, sendo que a
aprendizagem tem a função de estimular e desencadear avanços do desenvolvimento para um
nível superior, mais complexo. Como afirma Vygotsky (1984, p. 101): “o bom aprendizado é
somente aquele que se adianta ao desenvolvimento”. Nessa perspectiva, o bom ensino puxa o
desenvolvimento do sujeito, de maneira a permitir novas aprendizagens.
Em sua elaboração teórica, Vygotsky, inaugura um olhar prospectivo do
desenvolvimento humano, direcionando o olhar para o futuro, uma vez que se dirige aos
processos psicológicos que estão em construção, em vias de se completarem, e esse novo
olhar permite o entendimento de que as ações pedagógicas, realizadas mais cedo com as
crianças, podem propiciar avanços significativos no desenvolvimento cognitivo dos alunos.
Este posicionamento ratifica as razões pedagógicas pelas quais o Ensino Fundamental passa a
ter nove anos de duração, com a antecipação do ingresso das crianças nesse nível de ensino, e
vai ao encontro das afirmações presentes nos documentos do MEC (2006), que destacam a
entrada das crianças um ano antes na escola, como uma oportunidade de maior vivência
escolar, ampliando as possibilidades de aprendizagem, bem como outras produções recentes
(Batista (2006), Vieira e Santos (2006)) que ressaltam que o ingresso mais precoce da criança
na escola tem revelado maior sucesso na escolaridade posterior, uma vez que a entrada
antecipada tem oportunizado melhores condições para o processo de alfabetização das
crianças. Segundo Batista (2006, p. 2):
2485
[...] pesquisas vêm mostrando que uma entrada mais precoce tem repercussões
positivas na continuidade da escolarização. A criança que entra mais cedo na escola
– seja na educação infantil ou fundamental – tende a alcançar pelo menos dois anos
a mais de escolaridade do que aquela que entra mais tarde. A criança mais nova está
vivendo um acentuado processo de desenvolvimento lingüístico e cognitivo e pode,
por isso, permitir à escola alcançar melhores resultados.
(Re) Organização Do Tempo E Do Espaço Da Escola
Nos
depoimentos
de
alguns
educadores
entrevistados,
evidencia-se
um
posicionamento de que é necessário, no Ensino Fundamental, pensar e planejar um “espaço da
criança”, ou seja, um espaço educativo que reconheça e atenda as especificidades infantis, que
preserve o direito à brincadeira, que conceba esse primeiro ano como uma ampliação das
possibilidades de aprender, a partir da criação de um ambiente alfabetizador que promova a
inserção das crianças ao mundo letrado, a partir de um contexto de socialização sadio, com
músicas, jogos, brincadeiras, práticas de leitura... Nesta perspectiva uma pedagoga
entrevistada afirma: “[...] Eu vejo que nesse 1º ano, a criança tem que ter contato com a
alfabetização, sem sombra de dúvida, mas não pode esquecer o brincar, o lúdico né [...]
Então, realmente a criança deve ser respeitada, é direito que ela tem de vir para o 1º ano do
1º ciclo, mas a escola tem que ter esse cuidado com o trabalho pedagógico, porque tem que
ter esse cuidado com o brincar tem que ser respeitado”. (V. Pedagoga).
Entretanto, se por um lado há o entendimento de que a escola precisa (re) organizar a
sua estrutura, os seus espaços e tempos, os conteúdos, a metodologia, de modo que venha
acolher as crianças num ambiente prazeroso (onde elas possam viver plenamente a sua
infância), por outro, há educadores que acreditam que a antecipação do ingresso da criança no
Ensino Fundamental deve ampliar o compromisso com a alfabetização (exigindo-se mais das
crianças, das professoras e das famílias), entendendo que, ao final do 1º ano do Ensino
Fundamental, “a criança tem que sair lendo e escrevendo”, como mostram os depoimentos a
seguir:
[...] Se existia alguma escola que não se importava com essa questão de a criança sair do Pré
III já lendo e escrevendo, agora ela tem que fazer, a criança tem que sair lendo e escrevendo,
tem que ter esse contato com a alfabetização. E também vai exigir mais dos pais, com certeza,
um comprometimento maior, porque é um ano que é obrigatório, a criança tem que vir pra
escola. Exige mais da escola também porque vai ter uma cobrança um pouco maior né. (F.
Pedagoga).
2486
[...] Com a implantação a gente vê mais a questão da alfabetização, uma responsabilidade
maior por parte dos pais e das professoras também com a alfabetização. A gente vê no
planejamento das professoras uma responsabilidade maior, não é só brincar, só desenhar, é
mais trabalhado, dedicação maior. (M. Diretora).
É inegável que o trabalho dos anos iniciais do Ensino Fundamental, é essencialmente,
o trabalho com a alfabetização, considerando-se, sobretudo, que esse processo se inicia, em
muitos casos, antes dos seis anos idade, ou seja, o fato de as crianças serem alfabetizadas
formalmente antes dos sete anos não se constitui uma questão nova no meio educacional. No
entanto, é necessário que as instituições estejam atentas às formas de acolhimento e inserção
das crianças de seis anos no Ensino Fundamental, lembrando que o trabalho com a
alfabetização é um processo, e que esse 1º ano é apenas a 1ª etapa desse trabalho. Além disso,
o ingresso desses alunos precisa ocorrer de modo natural, sem rupturas com o processo
anterior, constituindo-se como continuidade e ampliação das experiências vividas
anteriormente pelas crianças no ambiente familiar ou na instituição de Educação Infantil. Isto
significa que não deve haver fragmentação entre o trabalho da Educação Infantil e do Ensino
Fundamental, e também que para as crianças de seis anos precisam ser pensados espaços e
tempos que garantam aprendizagens, trocas de experiências, num ambiente que considere as
singularidades e necessidades dessa faixa etária e o “direito à brincadeira e à produção
cultural”, tão enfatizados por Kramer (2003).
De acordo com Kramer (2006, p. 810-811):
[...] o planejamento e o acompanhamento pelos adultos que atuam na educação
infantil e no ensino fundamental devem levar em conta a singularidade das ações
infantis e o direito à brincadeira, à produção cultural, na educação infantil e no ensino
fundamental. Isso significa que as crianças devem ser atendidas nas suas necessidades
(a de aprender e a de brincar) e que tanto na educação infantil quanto no ensino
fundamental sejamos capazes de ver, entender e lidar com as crianças como crianças e
não só como alunos. A inclusão de crianças de 6 anos no ensino fundamental requer
diálogo entre educação infantil e ensino fundamental, diálogo institucional e
pedagógico, dentro da escola e entre as escolas, com alternativas curriculares claras.
Nos depoimentos das educadoras, evidencia-se o entendimento de que é no Ensino
Fundamental que se inicia o trabalho “sério”, o “compromisso”, com a aprendizagem das
crianças, “não é só brincar, só desenhar”. Como se nas instituições de Educação Infantil, as
crianças não aprendessem através das brincadeiras e do contato com a produção cultural. É
como se separassem: nas escolas de Educação Infantil, as crianças “só brincam”, no Ensino
2487
Fundamental, é o trabalho sério com o conhecimento, “um ano válido”. Assim, revelam-se
subjacentes às falas das entrevistadas a dicotomia entre a escola de Ensino Fundamental e a de
Educação Infantil, sugerindo que “[...] na educação infantil temos crianças e no ensino
fundamental temos alunos!” (KRAMER, 2003, p. 62)
Verifica-se assim que a implantação do Ensino Fundamental de nove anos precisa vir
acompanhada de uma mudança, sobretudo, na cultura escolar.
pois essa instituição,
[...] ao longo de sua história, não tem considerado o corpo, o universo lúdico, os
jogos e as brincadeiras como prioridade. Infelizmente, quando as crianças chegam a
essa etapa de ensino, é comum ouvir a frase ‘Agora a brincadeira acabou!’ Nosso
convite, e desafio, é aprender sobre e com as crianças por meio de suas diferentes
linguagens. Nesse sentido a brincadeira se torna essencial, pois nela estão presentes as
múltiplas formas de ver e interpretar o mundo. (NASCIMENTO, 2006, p. 32).
Outro aspecto importante, levantado nos relatos dos educadores entrevistados refere-se
à questão dos critérios etários para o ingresso no Ensino Fundamental. Nas instituições
particulares, os profissionais apontam os critérios adotados no Estado do Paraná e a
convivência com diferentes critérios etários para a entrada no Ensino Fundamental1 como
causador de muitos problemas nas escolas: “Em Ponta Grossa está bem complicado pela
questão da prefeitura que liberou até o dia 31 de março. Então veja, Ponta Grossa é um
município paranaense, como é que pode dois pesos e duas medidas? Para as escolas
particulares tem que ser até dia 1º e para as públicas pode ser até dia 31? [...] Eu acho que
deveria ser uma mesma data tanto para as particulares quanto para as escolas públicas”. (V.
Diretora).
No âmbito das escolas municipais, que já acolhiam grande contingente de crianças de
seis anos em seus espaços2, as repercussões do critério adotado para o ingresso dos alunos no
1º ano do Ensino Fundamental de nove anos foram, segundo relatos, muito negativas, gerando
“atraso escolar”, “exclusão” e “salas ociosas” em muitas escolas do município: “Ficamos
este ano com salas ociosas, porque daí como diminuiu né, de dezembro pra março, reduziu o
1
No momento em que esta pesquisa foi realizada, a política de antecipação da obrigatoriedade escolar estava em
processo de implantação e o contexto deste momento contava com o documento legal – Deliberação nº 03/06 de
09/06/06 – que fixava para o estado paranaense que para a matrícula no 1º ano do Ensino Fundamental de nove
anos, a criança deveria ter seis anos completos ou a completar até o dia 1º de março do ano letivo em curso. No
entanto, o município de Ponta Grossa, que conta com sistema próprio de educação havia fixado a data 31 de
março para a matrícula das crianças no Ensino Fundamental das escolas da rede municipal de ensino.
2
Com a implantação dos ciclos de aprendizagem, em 2001, a Rede Municipal de Ensino de Ponta Grossa já
havia ampliado o Ensino Fundamental, de oito para nove anos, com o ingresso das crianças de seis anos
completos ou a completar até o mês de dezembro.
2488
número de alunos e esse é um fato que aconteceu em todas as escolas, tanto que esse ano no
1º ano do 1º ciclo a gente tem uma turma de 24 e uma turma com 20, então veja, nós sempre
tínhamos 60, até 90 alunos, esse ano diminuiu pra 44, então é pouco. (A Pedagoga)
Outro aspecto que merece ser discutido e que foi destacado pelas diretoras e
pedagogas das escolas municipais é a prática, muito presente, na cultura brasileira de uma
gestão que sucede a outra desconstruir as políticas implementadas pela gestão anterior. A
indignação da diretora quando diz: “[...] No nosso caso, que já tinha, que estávamos
acolhendo um número maior de crianças, que as crianças já estavam na escola, agora, de
repente, haver esse recorte, as crianças ficarem de fora, eu vejo um retrocesso muito grande
dos dirigentes! (S. Diretora), denuncia a presença desta prática na gestão atual do município
de Ponta Grossa.
Essa “operação desmonte” que se instaura a cada início de gestão municipal ou
estadual gera como conseqüência à impossibilidade de se avaliar as políticas implementadas
na gestão anterior. Uma vez que as políticas educacionais só materializam os seus efeitos
depois de serem implementadas como práticas pedagógicas no interior da escola e isso
demanda mais de uma gestão.
Considerações Finais
O estudo verificou que a implantação do Ensino Fundamental de nove anos provocou
e ainda tem provocado muitas inquietações, dúvidas, diferentes opiniões e interpretações
diversas dos dispositivos legais, gerando posicionamentos divergentes que conduzem a
diferentes decisões e ações administrativo-pedagógicas no interior dos espaços escolares.
O estudo mostrou, com base nos relatos dos profissionais entrevistados, que a falta de
compreensão da política pública e as interpretações dos dispositivos legais foi fator que gerou
uma série de impactos no interior das escolas. De modo geral, tanto as escolas particulares
quanto as municipais apontaram os critérios adotados para matrícula das crianças de seis anos
no Ensino Fundamental como um fator que limitou o ingresso das crianças, impedindo que
um número maior de alunos fossem beneficiados com a política pública: “[...] Quando te digo
que você pegava as crianças, que completavam a idade no decorrer do ano, isso quer dizer
que elas já estavam na escola, que já havia vaga pra essas crianças, que não haveria motivos
pra barrar que essas crianças entrassem, a não ser motivos de ordem de gestão, de
concepção, de sistema, que vê de forma diferente. Mas se as crianças já estavam na escola,
por que tirá-las? Por que não deixar ingressar mais cedo?[...] Ao invés da escola estar
2489
acolhendo, a escola está excluindo! [...] Então isso tem que ser realmente revisto [...]”(S.
Diretora)
Esses depoimentos apontam que as políticas públicas não se encontram livres da
influência dos valores e crenças dos sujeitos. Pode-se dizer, que os processos de interpretação
dos textos legais pelos indivíduos podem induzir a diferentes decisões e ações no contexto
educacional, tal como aponta a educadora entrevistada: “[...] Cada governo age conforme
pensa, conforme a concepção e quando muda a gestão de um governo mais progressista pra
um governo de direita, aí você vê essas mudanças nitidamente. Volta aquela concepção de
escola pobre pra pobre, que não precisa de muita coisa. Tomara que as pessoas parem para
pensar nisso”. (S. Diretora).
A pesquisa revelou que ainda falta, para muitos gestores e pedagogos compreender a
lógica da ampliação do Ensino Fundamental. Esta lei constitui-se como um instrumento que
possibilita a todas as crianças usufruir as mesmas igualdades de oportunidades, se
considerarmos que as crianças das classes sociais mais privilegiadas já estavam,
majoritariamente, nas escolas, seja em classes de alfabetização, pré-escolas ou primeira série.
A pesquisa apontou ainda que é necessário um trabalho com pedagogos e gestores para
entender que a inserção dessas crianças na escolaridade obrigatória deve vir acompanhada de
preocupação em redimensionar o trabalho pedagógico para que a criança tenha a garantia de
uma educação de qualidade, num espaço que as reconheça e respeite, como nos lembra
Kramer (2003), “como sujeitos históricos e culturais”. É preciso que a implantação do Ensino
Fundamental de nove anos seja acompanhada de uma mudança, sobretudo, na cultura escolar,
que infelizmente ainda fragmenta as ações das escolas de Educação Infantil e Ensino
Fundamental, tratando como “crianças” apenas aquelas que freqüentam a Educação Infantil, e
como “alunos”, as que ingressam no Ensino Fundamental.
Além disso, o estudo mostrou que para que a política de antecipação da
obrigatoriedade escolar venha beneficiar um maior contingente de crianças é necessário maior
clareza a respeito dos significados da política pública, ações administrativo-pedagógicas
coerentes, bem como uma gestão comprometida, que dê continuidade às políticas
implementadas, para, assim, dar cumprimento à legislação e fazer “sair do papel” um direito
social e humano tão importante: o direito à educação.
2490
REFERÊNCIAS
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UFMG, Belo Horizonte, v.32, n.1522, mar.2006.
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ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: IMPACTOS