UNIVERDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO ANA CAROLINA GRZEGORCZYK KULEK MICOBACTERIOSES EM CÃES E GATOS: REVISÃO DE LITERATURA CURITIBA - PR 2011 ANA CAROLINA GRZEGORCZYK KULEK MICOBACTERIOSES EM CÃES E GATOS: REVISÃO DE LITERATURA Monografia apresentada à Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA, Departamento de Ciências Animais, para a obtenção de título de especialista em Clínica Médica de Pequenos Animais. Orientador: M.V. MSc. Antônio Waldir Cunha da Silva – UFPR CURITIBA - PR 2011 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por estar sempre iluminando meu caminho. Aos meus pais maravilhosos, Ana e José. Não estaria neste momento se não fosse pelo esforço para que eu tivesse uma educação de qualidade, pelo incentivo em tudo o que eu faço, pelo carinho, amor, dedicação e exemplo de vida mostrado todos os dias. Obrigado pelo apoio e amizade durante todos estes anos. Tenho muito orgulho em ser sua filha. Amo muito vocês! Aos meus avôs Anna, Zygmunt, Doracy e Nicolau, que sempre torceram pelo meu sucesso e que de alguma forma, ainda o fazem. Saudades... Ao Bruno, meu colega de faculdade, que com o tempo, se tornou muito mais do que isso. Obrigado pelos momentos divertidos e felizes. Obrigado pelo apoio em momentos difíceis, nos quais você me deu forças para continuar. Obrigado por me mostrar que a vida é muito mais bonita e mais simples do que parece, quando se tem um grande amor. Te amo! À minha cadelinha Pitucha, com quem praticamente cresci, pela companhia generosa e incondicional. Ao meu cachorrinho Mogli, que apesar de pouco tempo entre nós, me ensinou e alegrou muito. Aos professores da Universidade Federal do Paraná, instituição responsável pela minha formação, em especial ao professor Antônio Waldir Cunha da Silva, companheiro desde a época da graduação. Obrigado por ser novamente meu orientador nesta nova etapa da minha vida, e pelo exemplo de dedicação e profissionalismo, que guardarei para o resto da vida. Aos professores da Equalis, sempre tão dedicados em sua rotina pesada de aula, na qual em apenas três dias, nos davam explicações que irei levar por toda a minha vida profissional. A todos que de alguma forma contribuíram para minha formação. "Chegará o dia em que os homens conhecerão o íntimo dos animais. E neste dia, um crime contra qualquer um deles será considerado um crime contra a humanidade." Leonardo da Vinci RESUMO As micobacterioses são infecções decorrentes da multiplicação de bactérias da família Mycobacteriaceae, ordem Actinomycetale, gênero Mycobacterium. As bactérias do gênero Mycobacterium causam problemas em diversos sistemas orgânicos como respiratório, gastrintestinal, tegumentar, linfático, muscular e ósseo. Quando a afecção tem origem dermatológica, é facilmente percebida pelo proprietário, fazendo com que este procure o médico veterinário, principalmente devido à presença de lesões exsudativas, fístulas, ulcerações ou nódulos (dependendo do agente causal). Portanto, é sempre importante que o veterinário esteja atualizado quanto ao diagnóstico, prognóstico e formas de tratamento desta enfermidade, que é freqüente no Brasil, embora seja muitas vezes subdiagnosticada. A entrada da bactéria no organismo dos animais ocorre das mais diversas formas, dependendo do agente causal e sua patogenicidade. A penetração do microorganismo geralmente ocorre por via percutânea, através de lesões por arranhadura, mordidas, traumas por veículos, grades, aplicações de fármacos injetáveis, transmissão por artrópodes picadores sugadores e incisões cirúrgicas como laparotomias e exérese mamária. O diagnóstico geralmente baseia-se em anamnese, exame físico dermatológico e exames complementares como citologia, bacterioscopia, cultivo e histopatologia. O tratamento envolve antibioticoterapia e, em alguns casos, exérese lesional. Palavras-chave: micobacteriose, dermatologia, cães, gatos. ABSTRACT Mycobacteriosis are infections resulted from replications of bacteria of the family Mycobacteriaceae, order Actinomycetale, genus Mycobacterium. The bacteria of genus Mycobacterium are responsible to cause problems on sites like the respiratory, gastric, linfatic, muscular, the bones and skin. When the affection origins on the skin, is easily detected by the owner, that alone is sufficient for him to search a veterinary, given the exsudative lesions, ulcerations, fistulas and nodules (varies between casual agents). That justifies the need of the clinician to always improve his diagnostic, prognostic and the treatment of this diseases, frequent on Brazil, but underestimated. The bacteria entrance on the animal´s organism happens on a variety of ways, depending of the agent and of its patogenicity. The bacteria´s penetration occurs on the percutaneum site, through bites, scratches, injectables, arthropodes contact and surgery (like laparotomy). The diagnostic involves dermatology examination and complementary tests, such as cytology, bacterioscopy, inoculation and histopathology. The treatment involves use of antibiotics, and, in some cases, surgical remotion of lesions. Keywords: micobacteriosis, dermathology, dogs, cats. SUMÁRIO RESUMO.................................................................................................................................5 ABSTRACT.............................................................................................................................6 LISTA DE ABREVIATURAS...............................................................................................7 LISTA DE TABELAS............................................................................................................8 LISTA DE FIGURAS.............................................................................................................9 1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................10 2 REVISÃO DE LITERATURA.........................................................................................11 2.1 INFECÇÕES CAUSADAS POR MICOBACTÉRIAS DE CRESCIMENTO LENTO..13 2.1.1 Etiologia........................................................................................................................13 2.1.2 Epidemiologia...............................................................................................................15 2.1.3 Patogenia......................................................................................................................17 2.1.4 Achados clínicos...........................................................................................................18 2.1.5 Diagnóstico...................................................................................................................19 2.1.6 Achados patológicos.....................................................................................................21 2.1.7 Tratamento...................................................................................................................22 2.1.8 Prevenção......................................................................................................................23 3 INFECÇÕES CAUSADAS POR MICOBACTÉRIAS QUE NÃO SÃO CULTIVADAS USANDO- SE MÉTODOS PADRÃO...............................................................................................24 3.1 Síndrome da Lepra Felina.............................................................................................24 3.1.1 Etiologia........................................................................................................................24 3.1.2 Epidemiologia...............................................................................................................26 3.1.3 Achados clínicos...........................................................................................................26 3.1.4 Diagnóstico...................................................................................................................27 3.1.5 Achados patológicos.....................................................................................................28 3.1.6 Tratamento...................................................................................................................29 3.2 Síndrome do Granuloma Lepróide Canino (Lepra Canina)......................................30 3.2.1 Etiologia........................................................................................................................30 3.2.2 Epidemiologia...............................................................................................................31 3.2.3 Achados clínicos...........................................................................................................32 3.2.4 Diagnóstico...................................................................................................................33 3.2.5 Tratamento...................................................................................................................34 4 INFECÇÕES CAUSADAS POR MICOBACTÉRIAS DE CRESCIMENTO RÁPIDO.............................................................................................................................................35 4.1 Etiologia...........................................................................................................................35 4.2 Achados clínicos..............................................................................................................37 4.3Diagnóstico.......................................................................................................................39 4.4 Tratamento......................................................................................................................41 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................42 6 REFERÊNCIAS.................................................................................................................43 LISTA DE ABREVIATURAS ºC Graus Celsius % Porcento BCG bacilo de Calmette-Guérin BID Bis in die (duas vezes ao dia) cm centímetros ELISA ensaio imunoenzimático et al. e colaboradores EUA Estados Unidos da América FDA Food and Drug Administration FIV Vírus da imunodeficiência felina H.E. Hematoxilina Eosina HIV Vírus da imunodeficiência humana kg quilogramas MAC Complexo Mycobacterium avium µm micrômetros mg miligramas mm milímetros PCR reação em cadeia da polimerase pH potencial hidrogeniônico RFLP restriction-fragment-length polymorphism SID Semel in die (uma vez ao dia) VO via oral LISTA DE TABELAS Tabela 1. Micobactérias de interesse em Medicina Veterinária, segundo LARSSON; MARUYAMA (2008). Tabela 2. Comparação dos desinfetantes utilizados contra micobactéria, segundo GREENE; GUNN-MOORE (2006). LISTA DE FIGURAS FIGURA 1. Lepra felina em um macho jovem, que vive em ambiente externo, na região portuária de São Francisco, EUA. Notar a presença de dois nódulos ulcerados, bem demarcados na região do antebraço (GROSS et al., 2005). FIGURA 2. Fotomicrografia. Inúmeras células gigantes multinucleadas na forma lepromatosa da lepra felina. Coloração H.E. 50µm. (DAVIES et al., 2006). FIGURA 3. Granuloma Lepróide Canino em orelha de um Boxer. Notar a presença de um nódulo solitário, bem demarcado, alopécico e ulcerado (GROSS et al., 2005). FIGURA 4. Infecção micobacteriana severa causada por Mycobacterium fortuitum. Notar a presença de úlceras não cicatrizadas, com margens bem demarcadas em uma pele com aparência normal (GROSS et al., 2005). FIGURA 5. Gata, sem raça definida, cinco anos de idade. Micobacteriose tegumentar – região meso e hipogástrica ventral. Presença de alopecia, fístulas, úlceras, exsudação (LARSSON et al., 2006). FIGURA 6. Alta magnificação de filamentos de micobactéria atípica ácido-álcool resistente em um gato (GROSS et al., 2005). FIGURA 7. Gata, sem raça definida, cinco anos de idade. Micobacteriose tegumentar – Micobactérias intramacrofágicas (Ziehl-Neelsen 400x) (LARSSON et al., 2006). 1 INTRODUÇÃO A dermatologia veterinária constitui-se em uma das especialidades mais praticadas na rotina da clínica de pequenos animais. Acredita-se que hoje, entre 20% e 75% dos atendimentos veterinários realizados em clínicas e hospitais estejam relacionados com problemas dermatológicos (SCOTT et al., 1996). Principalmente, pelo fato de que as afecções dermatológicas são facilmente perceptíveis aos proprietários, muitas vezes incomodados com o prurido intenso, alopecia ou mesmo feridas na pele de seus animais. Para o presente trabalho, porém, devido à pouca quantidade de referências tratando somente de micobacterioses com manifestações cutâneas, e pela importância zoonótica das manifestações sistêmicas, optou-se por realizar também um breve relato sobre as diferentes manifestações de tal enfermidade No caso das micobacterioses, as feridas são bem chamativas, com aspecto preocupante aos olhos do proprietário, devido à presença de úlceras, muitas vezes drenantes. Portanto, é sempre importante que o veterinário esteja atualizado quanto ao diagnóstico, prognóstico e formas de tratamento desta enfermidade, que é freqüente no Brasil, embora seja muitas vezes subdiagnosticada (LARSSON; MARUYAMA, 2008). Nos gatos, após a presença de corpos estranhos e neoplasia, as infecções por micobactérias são a terceira maior causa de feridas que não cicatrizam. Em humanos e animais domésticos, as infecções por micobactérias podem manifestar-se de três maneiras, incluindo tuberculose, nódulos cutâneos localizados e infecções subcutâneas causadas por organismos atípicos ou oportunistas (CALFEE; MANNING, 2002). Por estes motivos, aliados ao interesse pessoal, a micobacteriose em pequenos animais foi escolhida para ser o tema da presente monografia. 2 REVISÃO DE LITERATURA Micobactérias são microorganismos Gram-positivos que causam doença esporádica em humanos e animais (HILLIER; MUNDELL, 2008). No Brasil, o estado com maior casuística em pequenos animais é São Paulo, afetando cães com idade média de cinco anos e de pelame curto. Esta dermatopatia ocorre com freqüência em cães das raças Boxer, Dobermann Pinscher e Stafforshire Terrier (TEIXEIRA et al., 2008). As micobacterioses são causadas por bactérias pertencentes à família Mycobacteriaceae, ordem Actinomycetale. A designação Mycobacterium (fungo-bactéria) relaciona-se à natureza hidrofóbica da parede celular, rica em lipídeos, que propicia a este gênero, a tendência de crescer na superfície de meios líquidos, de forma similar aos bolores. Mycobacterium é um gênero que compreende organismos morfologicamente similares, aeróbicos, não formadores de esporos, imóveis, com vasta afinidade espécie-específica e variáveis potenciais patogênicos (GREENE; GUNN-MOORE, 2006). Embora as micobactérias sejam citoquimicamente Gram-positivas, um alto conteúdo de ácido micólico e de lipídios na sua parede celular previnem a entrada dos corantes empregados na técnica de coloração de Gram. Os lipídios da parede celular ligam-se à fucsina carbólica que não é removida pelo descorante álcool-ácido usado no método de coloração de Ziehl-Neelsen (ZN). Os bacilos que se coram de vermelho por este método, são ditos ácido-resistentes (QUINN et al., 2005). As micobactérias são relativamente estáveis na presença de material orgânico, são muito mais resistentes ao calor, mudanças de pH, e desinfecções de rotina do que outras bactérias também patogênicas e não formadoras de esporos. O critério mínimo estabelecido para pasteurização e esterilização por calor foi desenvolvido para matar as micobactérias. Além disso, estes microorganismos são extremamente suscetíveis à fenol diluído (5%) e à luz solar direta (GREENE; GUNN-MOORE, 2006). Na tabela 1, pode-se verificar micobactérias de interesse veterinário em diversas espécies, inclusive em cães e gatos. Na clínica básica, as micobactérias são classificadas por seu crescimento em cultivo – lento, difícil cultivo, ou rápido – e por capacidade de produzir tubérculos ou doença granulomatosa com ou sem disseminação; sendo esses fatores relacionados às propriedades dos microorganismos e dependentes de suas características genéticas. Segundo GREENE; GUNN-MOORE (2006), os organismos e as doenças causadas por eles podem ser divididas em (1) organismos de crescimento lento que produzem ou não tubérculos, (2) organismos que não podem ser cultivados usando métodos-padrão e produtores de granulomas lepróides, e (3) micobactérias de rápido crescimento e de fácil cultivo. Tabela 1. Micobactérias de interesse em Medicina Veterinária, segundo LARSSON; MARUYAMA (2008). Grupo Hospedeiros naturais Persistência Classificação de Runyon* Tuberculose M. tuberculosis M. bovis M. microti "simile" M. microti H, C, F, SU H, C, F, SU, B, BF, EX F, EX H, F, M, FE, CM IF IF IF IF ... ... ... ... Lepromatose M. leprae M. lepraemurium M. visibilis H F, M F IO IO IO incultivável cultivo difícil ? Outros M. avium subsp. paratuberculosis B IF ... Oportunistas (não tuberculose) Crescimento lento M. kansasii Complexo M. avium intracellullare M. genavense Complexo M. terrae M.simiae H, C H, C, F, AV H, C, F, FE, AV H, F F, P S, IF S, IF S, IF S, IF S, IF I III II III I F F C, F, FE S S S II III IV C, F F F S S S IV IV IV Crescimento rápido M. thermoresistible M. xenopi Grupo M. chelonae M. abscessus Grupo M. fortuitum M. phlei Grupo M. smegmatis H – homem, C – canino, F – felino, SU – suíno, B – bovino, BF – bubalino, EX – exótico, M – murino, FE – ferret, CM – camelídeo, AV – aves, P – primata IF – intracelular facultativo, IO – intracelular obrigatório, S – sapróbio *Classificação segundo características de cultivo I – Fotocromógenas, pigmento amarelo à luz ou marrom no escuro II – Escotocromógenas, pigmento alaranjado independentemente da luz III – Acromógenas – na forma filamentosa amarela ou marrom, independentemente da luz; em crescimento lento acromógena IV – Acromógenas – crescimento rápido com colônias maduras entre 4 e 6 dias a 37ºC; algumas requerem 7 a 14 dias 2.1 INFECÇÕES CAUSADAS POR MICOBACTÉRIAS DE CRESCIMENTO LENTO 2.1.1 Etiologia: Micobactérias produtoras de tubérculos Os microorganismos responsáveis por esta apresentação clínica pertencem às espécies Mycobacterium tuberculosis, Mycobacterium bovis, Mycobacterium microti-like e Mycobacterium microti. Os organismos M. tuberculosis e M. bovis são micobactérias altamente patogênicas e parasitas intracelulares obrigatórias ou facultativas. M. tuberculosis é espécie-específico, e seus relatos ocorrem desde o início da civilização. O bacilo da tuberculose é similar às outras micobactérias difíceis de distinguir, ao menos que se usem testes bioquímicos e moleculares. Estas espécies possuem moléculas de micolato (trealose 6,6’-dimicolato) em sua parede celular, substância associada à virulência e produção de tubérculos característicos (lesões granulomatosas pequenas e arredondadas que histologicamente apresentam aspecto cremoso rodeado por inflamação granulomatosa). M. bovis é geneticamente e evolutivamente considerado como um subtipo do M. tuberculosis. Para se manter na natureza, ele necessita infectar hospedeiros mamíferos, pois sua sobrevivência no ambiente é limitada a no máximo uma ou duas semanas em fômites infectados. Já a espécie M. microti-like é uma variante não classificada com propriedades intermediárias à M. tuberculosis e M. bovis, e foi identificada como causa de infecção por bacilo da tuberculose em gatos na Grã-Bretanha (GREENE; GUNN-MOORE, 2006). M. microti é uma espécie que foi encontrada em gatos e identificada como causa de infecção em humanos usando-se análise genética de isolados micobacterianos. Micobactérias não produtoras de tubérculos São micobactérias que produzem granulomas, mas não tubérculos propriamente ditos. Dentro deste grupo, temos microorganismos que pertencem ao Complexo Mycobacterium avium (MAC) e outros saprófitas de crescimento lento. O termo MAC refere-se à associação M. avium – M. intracellullare, devido à sua indistinta separação. Nos humanos adultos, os organismos do MAC produzem infiltrados pulmonares e doença disseminada, já em gatos e crianças, pode ocorrer linfadenite localizada. Nos cães ocorrem formações granulomatosas em vísceras com disseminação ocasional para outros órgãos. Como é uma doença oportunista, a infecção por MAC é mais comum em hospedeiros imunocomprometidos. A importância da infecção por MAC é devido ao fato de que as lesões parenquimais são grosseiramente semelhantes àquelas causadas pelo bacilo da tuberculose. Outros organismos saprófitas de crescimento lento pertencem às espécies M. kansasii, M. genavense, M. simiae, e grupo M. terrae (M. terrae, M. nonchromogenicum e M. triviale). Nos cães e gatos, estes microorganismos produzem doença similar aos organismos pertencentes ao MAC, caracterizada por lesões piogranulomatosas localizadas. Os organismos do grupo M. terrae algumas vezes podem causar lesões cutâneas semelhantes às causadas por organismos de rápido crescimento (GREENE; GUNN-MOORE, 2006). 2.1.2 Epidemiologia: Micobactérias produtoras de tubérculos M. tuberculosis – os seres humanos são os únicos reservatórios deste microorganismo (UNE; MORI, 2007). Mas este organismo já foi encontrado nas mais diversas espécies como peixes, répteis, pássaros e mamíferos aquáticos (UNE; MORI, 2007). Cães e gatos são suscetíveis à infecção por M. tuberculosis e M. bovis. Gatos são naturalmente muito mais resistentes ao M. tuberculosis do que ao M. bovis, enquanto tanto cães como gatos são mais resistentes do que os humanos à infecção por Complexo Mycobacterium avium (MAC). As infecções caninas e felinas por M. tuberculosis são consideradas antropozoonóticas, sendo que a direção da transmissão é de pessoas para animais, não sendo relatado o sentido inverso. Portanto, pequenos animais adquirem a infecção de pessoas doentes (POSTHAUS et al., 2011). Cães têm uma maior prevalência de infecção por M. tuberculosis do que os gatos. Os cães são infectados da mesma maneira que os seres humanos, ou seja, por inalação de microorganismos patogênicos através de aerossóis, sendo esta forma, a principal fonte de contaminação (POSTHAUS et al., 2011). Somente partículas com diâmetro pequeno (3 a 5 micrômetros) passam com sucesso pelos mecanismos de barreira do sistema respiratório e depositam-se nos alvéolos. Em geral, o bacilo da tuberculose não é transmitido como outro patógeno porque necessita de uma exposição freqüente e grande inoculação. Devido às medidas de controle de infecção impostas, a prevalência de casos de M. tuberculosis em pequenos animais e humanos teve um decréscimo nas cidades em desenvolvimento. Mas nota-se que há uma inter-relação entre o aumento da prevalência que vem ocorrendo e fatores como densidade populacional elevada, pobreza econômica, falta de moradia, uso de drogas ilícitas e o vírus da imunodeficiência humana (HIV) (LAWN et al., 2002), fazendo com que esta antropozoonose seja considerada reemergente. Portanto, animais que convivem com ambientes de risco apresentam um risco maior de contaminação. M. bovis – este microorganismo possui muitos hospedeiros, incluindo animais e pessoas, e distribuição geográfica mundial. Nas cidades mais industrializadas, a tuberculose bovina foi controlada com técnicas como a pasteurização dos produtos de origem animal (RUA-DOMENECH, 2005). Quanto à infecção, o trato gastrintestinal é a principal porta de entrada do patógeno. Cães e gatos podem ser potenciais disseminadores da doença quando o organismo se localiza no sistema digestório ou respiratório. Por causa da localização da infecção, gatos usualmente excretam M. bovis via fezes e os cães através de aerossóis. M. bovis não é um organismo muito resistente no ambiente: fora do hospedeiro, a sobrevivência varia entre quatro dias no verão até menos de 28 dias no inverno. O organismo pode resistir por muitos meses em material orgânico como fezes ou carcaças. Os cães e gatos adquirem a infecção quando consomem leite ou carcaças contaminadas (O’REILLY; DABORN, 1995). Os pequenos animais podem estar envolvidos na manutenção da tuberculose bovina em fazendas através da transmissão do microorganismo às pessoas, isso porque estes podem permanecer nas propriedades mesmo depois que o rebanho foi removido. Gatos são comumente mais infectados do que os cães, sendo que parte desta infecção é devido à freqüente ingestão de leite contaminado ou não pasteurizado, ou até mesmo carne crua advindos de um rebanho contaminado. Este tipo de contaminação está diminuindo com o passar do tempo, principalmente devido ao fato dos pequenos animais serem alimentados cada vez mais com rações comerciais controladas, e pela pasteurização realizada em produtos lácteos (O’REILLY; DABORN, 1995). M. microti-like – identificado na Grã-Bretanha, este variante foi encontrado predominantemente em gatos rurais de comportamento caçador. M. microti – infecção causada por este organismo foi descrita em gatos. Portanto, sugere-se sempre incluir este microorganismo na lista de diagnósticos diferenciais para dermatoses nodulares em gatos (RÜFENACHT et al., 2011). Infecção pulmonar foi encontrada em humanos sem evidência de imunodeficiência. Micobactérias não produtoras de tubérculos Complexo M. avium – estes microorganismos têm distribuição mundial, no solo e na água sob algumas condições. MAC se mostram presentes em ambientes ácidos (pH 5,0 a 5,5) e solos com presença de matéria orgânica. A infecção em cães e gatos ocorre por ingestão de carne infectada, contato com solo infectado, ou por fômites contaminados por carcaças e fezes de granja de frangos. Os organismos do MAC são viáveis no ambiente por até dois anos, incluindo reservatórios de água, solo e tecidos de pássaros e mamíferos. A água quente apresenta maior grau de colonização e o cloro utilizado não é capaz de inativar estes organismos. Por isso, a utilização de água potável para a lavagem de equipamentos em ambiente hospitalar pode, eventualmente, contaminar os mesmos com MAC. Não há evidências de transmissão direta dos organismos do MAC de animais para pessoas (GREENE; GUNN-MOORE, 2006). Outras micobactérias saprófitas de crescimento lento – estes organismos são encontrados no ambiente. Podem ser isolados de aerossóis provenientes de pessoas ou animais clinicamente saudáveis, ou contaminados sem estabelecimento de infecção clínica. A patogenicidade destes microorganismos é baixa e só atinge hospedeiros imunocomprometidos (GREENE; GUNNMOORE, 2006). 2.1.3 Patogenia: O bacilo da tuberculose entra no organismo através do trato respiratório ou alimentar, ou por penetração cutânea. A multiplicação dos bacilos ocorre em um local de deposição, chamado de complexo primário, indo em direção ao linfonodo mais próximo. Formações granulomatosas podem ocorrer em ambas as situações. O termo complexo primário incompleto refere-se à infecção e localização no linfonodo sem a formação do local de deposição. Os gatos com infecções causadas por M. bovis formam comumente complexos primários incompletos nas tonsilas, linfonodos mandibulares, ou linfonodos ileocecais. Já os cães, que são mais acometidos por M. tuberculosis, tendem a desenvolver infecções respiratórias com formação de complexos primários em pulmões e linfonodos na região do hilo. Já as infecções envolvendo os organismos do MAC em cães e gatos, disseminam-se pelos linfonodos e outros tecidos sem indicação de granuloma primário no sítio de entrada (GREENE; GUNN-MOORE, 2006). Nem toda exposição à micobactéria resulta na formação de granuloma persistente porque, na maioria dos indivíduos, a resposta imune limita a multiplicação e disseminação do agente. A resposta inflamatória pode terminar, com cura e fibrose se o bacilo remanescente for eliminado. Se ocorrer uma diminuição na resistência imunológica, a micobactéria fica confinada nos fagócitos, onde continua sua multiplicação devido à ineficiência do hospedeiro em eliminar estes patógenos intracelulares. A formação dos granulomas é uma forma que o hospedeiro tem de tentar conter os organismos remanescentes. Estes microorganismos ficam em estado de dormência até que ocorra uma imunossupressão, fazendo com que sejam liberados novamente. Os fatores que contribuem para a resistência dos hospedeiros às micobactérias não estão totalmente esclarecidos. Este aumento na resistência parece estar associado à capacidade de ativar macrófagos para eliminar o bacilo da tuberculose ou inibir sua multiplicação intracelular (GREENE; GUNN-MOORE, 2006). A infecção por organismos do MAC começa usualmente com ingestão do patógeno no ambiente, comida contaminada ou víscera infectada crua. A micobactéria é fagocitada pelos macrófagos intestinais assim que começa a resposta inflamatória. Devido ao estresse e imunossupressão, o organismo replica-se e a doença ocorre. Em alguns animais com imunossupressão severa, pode ocorrer bacteremia e disseminação para múltiplos órgãos (GREENE; GUNN-MOORE, 2006). 2.1.4 Achados clínicos: Micobactérias produtoras de tubérculos M. tuberculosis e M. bovis – a tuberculose canina e felina é freqüentemente subclínica, e quando os sinais clínicos estão presentes em cães e gatos, eles refletem o local de formação do granuloma. M. tuberculosis causa mais sinais no trato respiratório, enquanto que as infecções por M. bovis afetam o trato gastrintestinal. Assim sendo, quando há envolvimento do trato respiratório, os sinais mais comuns são broncopneumonia, formação de nódulos pulmonares, linfadenomegalia hilar, causando febre, perda de peso, anorexia, e tosse não produtiva. Cães e gatos podem desenvolver disfagia, hipersalivação, e aumento do volume das tonsilas, como resultado de ulceração de lesões orofaringeanas crônicas. Os linfonodos mesentéricos tornam-se palpáveis e efusão abdominal está presente em alguns casos (GREENE; GUNN-MOORE, 2006). Ocorre um contínuo desenvolvimento dos sinais clínicos quando a disseminação da doença. Uma extensão direta da doença pulmonar pode resultar em efusão pericárdica ou pleural, com sinais de dispnéia, cianose e insuficiência cardíaca direita. Foi relatada disseminação de lesões cutâneas para os pulmões em gatos infectados por M. bovis, causando disfunção respiratória. Gatos infectados por este agente podem apresentar descolamento de retina e uveíte granulomatosa. M. microti-like – gatos com infecção por este agente geralmente desenvolvem granulomas cutâneos no local da mordida ou arranhão. As lesões podem se mostrar drenantes e com linfadenomegalia regional associada (GREENE; GUNN-MOORE, 2006). Micobactérias não produtoras de tubérculos Complexo M. avium – a distribuição dos organismos do MAC de forma ubíqua no ambiente comparado com a baixa prevalência da doença sugere que infecções subclínicas são comuns. Os cães infectados apresentam doença granulomatosa extensa em baço, fígado e linfonodos mesentéricos. A maioria dos cães apresenta menos de quatro anos de idade, com evidência de lesões subclínicas e progressivas. Os sinais mais relatados são perda de peso, letargia, vômito, anorexia, febre, diarréia, hematoquesia, hiperestesia paraespinhal, paresia, uveíte anterior e dificuldade respiratória. Os gatos infectados apresentam aumento de linfonodos regionais e ceratite em alguns casos. Também são observados sinais como anorexia, hepatomegalia, esplenomegalia e aumento de linfonodos mesentéricos (GREENE; GUNN-MOORE, 2006). 2.1.5 Diagnóstico: Os achados laboratoriais de infecções por micobactérias são freqüentemente inespecíficos e incluem moderada leucocitose e anemia. A anemia geralmente é não-regenerativa, mas em alguns gatos com infecção intestinal, é reportada anemia macrocítica. Hipercalcemia pode estar presente como resultado da inflamação granulomatosa como observado em outras infecções por micobactérias. Os organismos podem ser visualizados em leucócitos através de esfregaços de sangue, medula óssea ou urina. No caso de infecções por organismos do MAC, os cães apresentam anemia, leucocitose, linfopenia, hipoalbuminemia e aumento na atividade de enzimas hepáticas. Gatos tipicamente apresentam anemia, neutrofilia, leucocitose e hiperglobulinemia. Quanto ao exame radiográfico, as anormalidades incluem linfadenomegalia hilar, infiltrados pulmonares intersticiais, lesões pulmonares calcificadas, presença de fluido na cavidade pleural ou pericárdica, hepatomegalia, esplenomegalia e massas em diversos órgãos (GREENE; GUNNMOORE, 2006). Microorganismos podem ser encontrados através de aspirados teciduais ou impressões realizadas por biopsia ou necropsia. O método mais amplamente utilizado para o diagnóstico de infecção por micobactéria é a ácido-álcool resistência ao corante carbolfucsina, sendo este teste mais confiável quando realizado com organismos em cultura. Resultados falso-positivos para este método podem acontecer, devido ao estado de dormência mostrado pelo M. tuberculosis, quando ocorre alteração na composição da parede celular assim que a infecção torna-se persistente. Pessoas ou animais infectados por micobactérias produtoras de tubérculos desenvolvem uma reação de hipersensibilidade tardia quando a tuberculina é injetada na derme. A tuberculina é uma proteína purificada derivada do M. tuberculosis. As micobactérias não produtoras de tubérculos contém proteínas análogas as do M. tuberculosis, causando uma reação cruzada. Portanto, o teste intradérmico pode ser utilizado na detecção e diagnóstico de tuberculose humana e avaliação de hipersensibilidade tardia em animais. A utilização de tuberculina intradérmica em cães apresentou resultados inconsistentes. Em contraste à isso, cães mostraram resposta satisfatória quando a injeção intradérmica foi de vacina de bacilo Calmette-Guérin (BCG). A desvantagem deste teste, é a possibilidade de indução de reação falso-positiva em testes futuros utilizando-se a tuberculina. Outro teste de tuberculinização em cães requer medições da temperatura retal a cada 2 horas, por 12 horas. Se após este tempo houver aumento de 1,1ºC, o resultado é interpretado como positivo para tuberculose. Já os gatos, não respondem muito bem aos testes com tuberculina, não sendo, portanto, considerado um bom método diagnóstico nesta espécie (GREENE; GUNN-MOORE, 2006). Menos valioso do que os testes cutâneos, o teste sorológico pelos anticorpos antimicobatéria inclui hemaglutinação e fixação de complemento. O teste sorológico teve um bom uso quando os testes cutâneos em cães foram inconclusivos. Mas a sua utilização é controversa, já que os anticorpos não são específicos, podendo reagir com protozoários, fungos e bactérias. Estes anticorpos, porém, são utilizados para exames histoquímicos, para detectar os microorganismos no tecido. A cultura micobacteriana é o padrão-ouro para o diagnóstico. Para adquirir amostras de M. tuberculosis, pode-se inocular diretamente exsudato pleural no meio de cultura para que possa ser transportado até o laboratório. Já para cultura através de tecidos, é necessário desinfetar a amostra com o uso de hidróxido de sódio à 4% para eliminar outros microorganismos contaminantes. Amostras que usualmente são estéreis (tecidos internos, fluido cérebro-espinhal, urina, sangue), não precisam ser descontaminados porque a viabilidade de um pequeno número de micobactérias pode ser perdida. Quando a amostra é pequena, pode ser colocada em um caldo básico, que facilita o crescimento destes microorganismos. As micobactérias produtoras de tubérculos têm crescimento lento, sendo necessário um tempo de quatro a seis semanas para que as colônias se tornem visíveis no meio sólido, e seu crescimento é inibido quando meios pouco enriquecidos são utilizados. Meios enriquecidos com ovo como Lowenstein-Jensen e os meios de ágar como Middlebrook, são os meios sólidos de preferência para o isolamento do bacilo da tuberculose. Já os meios de cultura Stonebrink ou B83 são utilizados quando suspeita-se de infecção por M. bovis. Alguns métodos comerciais têm sido desenvolvidos para facilitar a detecção e classificação das micobactérias, como a detecção do patógeno no interior das células e redução no tempo de crescimento micobacteriano (GREENE; GUNN-MOORE, 2006). Os componentes micobacterianos são detectáveis nos fluidos corporais, como fluido cérebro-espinhal, usando-se ensaio imunoenzimático (ELISA) ou radioimunoensaio. A sensibilidade destes métodos é melhor para detectar os microorganismos nos leucócitos do que a ácido-álcool resistência. O método de reação em cadeia da polimerase (PCR), pode ser utilizado em amostras teciduais ou fluidos corporais para detectar ou identificar micobactérias de crescimento lento ou não detectáveis pela cultura microbiológica. A genotipagem de M. tuberculosis pode ser feita pelo método restriction-fragment-length polymorphism (RFLP) na região IS6110 das diferentes estirpes. O genoma desta espécie também possui regiões repetitivas reconhecíveis, que servem para distinção. A detecção destes espaçadores pode ser utilizada num processo chamado tipagem de oligonucleotídeos. A vantagem da genotipagem é avaliar a suscetibilidade à drogas, reconhecimento epidemiológico e controle ambiental (GREENE; GUNN-MOORE, 2006). 2.1.6 Achados patológicos: Em cães e gatos, emaciação generalizada é um achado freqüente na necropsia. Granulomas multifocais são branco-acinzentados a amarelos, circunscritos, nodulares e aparecem em múltiplos órgãos (O’REILLY; DABORN, 1995). Pulmões e linfonodos bronquiais são usualmente locais primários de lesão em cães, e linfonodos ileocecais e mesentéricos são locais primários de lesão em gatos. Os locais mais freqüentemente afetados, nas duas espécies, são pleura, pericárdio, fígado, rim, coração, intestino e sistema nervoso central. As lesões metastáticas freqüentemente são pequenas, de 1 a 3 mm, e multifocais, ou aparecem como tubérculos coalescentes. Histologicamente, as lesões granulomatosas consistem em áreas de necrose focal circundadas por infiltrações de plasmócitos e macrófagos. A calcificação dos granulomas algumas vezes está presente, entretanto, a liquefação da porção caseosa necrótica central é raramente observada em carnívoros. Histiócitos geralmente encontram-se na periferia da zona necrótica e a formação de células gigantes é incomum. Cadeias curtas, com pouco pleomorfismo de bacilos ácido-álcool resistentes podem ser detectados no interior de células que encontram-se na periferia de lesões necróticas. No caso de infecções por organismos do MAC, os macrófagos geralmente encontram-se em maior número do que nas infecções por M. tuberculosis ou M. bovis (GREENE; GUNN-MOORE, 2006). 2.1.7 Tratamento: Devido à demora para isolamento da micobactéria, o tratamento deve ser instituído baseado no diagnóstico citológico ou histológico. O uso de somente uma droga para infecção por qualquer micobactéria não parece ser muito eficaz, sendo, portanto, indicada uma combinação de medicamentos (GREENE; GUNN-MOORE, 2006). Infecções por M. tuberculosis – o tratamento de humanos com tuberculose envolve muitas drogas, dependendo do tempo de exposição do paciente e da demonstração da doença ativa ou subclínica. Portanto, geralmente o tratamento envolve a combinação de no mínimo dois agentes por um período de seis a nove meses. No caso de pequenos animais, o tratamento utilizado nos humanos pode servir de guia. Em cães, lesões experimentalmente produzidas, tiveram rápida regressão quando usou-se combinação de rifampicina e isoniazida intravenosa, e administração de estreptomicina intramuscular por 23 meses. Como efeitos colaterais desta terapia, foi observado aumento de atividade das enzimas hepáticas e tempo de coagulação. Outras drogas que têm mostrado atividade contra tuberculose são fluoroquinolonas, metronidazol, azitromicina e claritromicina. Como alternativas mais atualizadas, também podem ser utilizadas moxifloxacina e gatifloxacina (SÁNCHEZ et al., 2011). O tratamento para infecções confirmadas, porém não é recomendado, devido ao tempo de tratamento e o contato entre pequenos animais e humanos. Infecções por M. bovis – gatos infectados podem ser tratados efetivamente através da retirada cirúrgica de lesões localizadas na pele, ou administração oral de rifampicina a 4mg/kg/dia por dois a cinco meses e protocolos por um longo tempo, que inclui fluoroquinolona, claritromicina ou azitromicina. O uso de rifampicina sozinha apresenta potencial para induzir resistência bacteriana (GREENE; GUNN-MOORE, 2006). Infecções por M. microti-like – gatos infectados podem ser tratados com sucesso com uma combinação de rifampicina, enrofloxacina, claritromicina e azitromicina. É necessário determinar se há presença de infecção disseminada antes de iniciar o tratamento, principalmente porque as lesões cutâneas únicas têm prognóstico mais favorável. Gatos com infecção disseminada necessitam de tratamento longo, maiores de que seis meses. Infecções por Complexo M. avium – estes microorganismos apresentam resistência às quinolonas e um grande número de outros antibióticos quando os testes são realizados in vitro. A literatura relata uso de combinação de antibióticos como ciprofloxacina, rifampicina, enrofloxacina e claritromicina, sempre com eficácia terapêutica variada (GREENE; GUNN-MOORE, 2006). 2.1.8 Prevenção: Tuberculose é o maior problema de saúde pública humana. Segundo a Organização Mundial de Saúde, estima-se que dois bilhões de pessoas estão infectadas pela tuberculose (UNI; MORI, 2007). As pessoas são suscetíveis ao M. tuberculosis, M. bovis, M. microti e aos organismos do MAC. Por isso, é necessário haver um controle sobre os animais. A identificação de infecção por M. tuberculosis em pessoas deve ser seguido por testes sorológicos ou avaliação clínica de pequenos animais contactantes, que podem ser possíveis reservatórios. No caso de infecção por M. bovis, após avaliação do rebanho, cães e gatos que têm contato com o mesmo também devem ser avaliados. Alimentos ou leite não pasteurizados devem ter ser consumo descontinuado. Vacina BCG pode ser administrada para proteger pessoas contra infecções por M. tuberculosis (GREENE; GUNNMOORE, 2006). Há também um relato de uma infecção acidental com M. tuberculosis durante procedimento de necropsia em um cão com infecção generalizada, ocorrida na Suíça, através de aerossóis gerados com equipamentos utilizados para abertura de caixa craniana (POSTHAUS et al., 2011) . Portanto, veterinários também não podem esquecer-se de tomar certas medidas, como uso correto de equipamentos de proteção individual, para evitar doenças ocupacionais. Quando comparada à outras bactérias patogênicas, a micobactéria é muito mais resistente à desinfecção, elevação de temperatura ou luz ultravioleta. A eficácia da desinfecção depende do agente químico utilizado, seu tempo de aplicação, concentração e duração do tempo de contato. Instrumentos que entram em contato com membranas mucosas, devem ser tratadas com muito cuidado para não transferir inadvertidamente os organismos para pacientes saudáveis (GREENE; GUNN-MOORE, 2006). A tabela a seguir mostra resumidamente os agentes utilizados, lembrando que não deve-se lavar com água os instrumentos após a desinfecção. Tabela 2. Comparação dos desinfetantes utilizados contra micobactéria Fonte: GREENE; GUNN-MOORE (2006) 3 INFECÇÕES CAUSADAS POR MICOBACTÉRIAS QUE NÃO SÃO CULTIVADAS USANDO-SE MÉTODOS PADRÃO 3.1 Síndrome da Lepra Felina 3.1.1 Etiologia: As doenças de pele em gatos relacionadas às micobactérias são complexas e confusas, primariamente devido ao número de espécies micobacterianas envolvidas, muitas das quais são difíceis ou impossíveis de cultivar, e devido à variedade de manifestações da doença. Lepra felina é, portanto, uma doença micobacteriana de gatos, identificada primeiramente na Austrália, no início da década de 1960 (HILLIER; MUNDELL, 2008). O termo lepra felina refere-se à infecção causada por agentes ácido-álcool resistentes, que apresentam difícil cultivo usando-se métodos bacteriológicos de rotina (DAVIES et al., 2006). Historicamente, o agente causal da lepra felina é o Mycobacterium lepraemurium, organismo de crescimento lento, que causa também a lepra murina, uma infecção sistêmica em roedores. Gatos adquirem este microorganismo através de injúrias que causam aos roedores. M lepraemurium pode ser cultivado com muita dificuldade no meio enriquecido com gema de ovo (Ogawa), sob condições estritamente controladas ou em um meio enriquecido com pH restrito entre 6,0 e 6,2. Como poucos pesquisadores conseguiram isolar esta micobactéria, os conhecimentos sobre este agente devem-se à descrição transmitida, e resultados de hipersensibilidade tardia através de inoculações intradérmicas em tecidos (MALIK et al., 2006a). Injeções de M. lepraemurium não provocam lesões em gatos, mas produzem lesões características de lepra murina em ratos. As lesões locais aparecem em gatos de dois a cinco meses após as inoculações experimentais do tecido de lesões naturalmente ocorrentes. O longo período de incubação é consistente com a incidência mais alta de diagnóstico (50% dos casos) no Canadá (SCOTT et al., 1996). Atualmente, técnicas moleculares têm sido utilizadas para investigar supostos casos de lepra felina. Dados destes estudos revelaram um grande número de diferentes organismos responsáveis pelo que se chama de Síndrome da Lepra Felina. De oito casos de doença micobacteriana cutânea disseminada ou invasiva em gatos, quatro eram causadas por M. lepraemurium. Dos restantes, um gato apresentou infecção por M. avium, um apresentou causa indeterminada, e nos outros dois gatos a infecção foi atribuída à outras espécies de micobactérias já relatadas (MALIK et al., 2006a). Dentre estas, encontram-se Mycobacterium visibilis, M. szulgai e M. kansasii (GROSS et al., 2005). A lepra humana está estreitamente associada à imunodeficiência, mas o estado imunológico de gatos com lepra felina é desconhecido. Um gato de experimentação, que fora acometido naturalmente há vários anos, deixou de apresentar lesões quando inoculado por um homogenado de tecido infeccioso. Na lepra humana, o tipo de reação tecidual é conhecido como um reflexo do estado imune do hospedeiro. Tipos semelhantes de reação são vistos na lepra felina. Nos indivíduos refratários que podem montar uma resposta mediada por células, resulta uma reação granulomatosa tuberculóide, com poucos bacilos presentes. Os indivíduos suscetíveis, por outro lado, respondem com granuloma lepromatoso e um imenso número de bactérias presentes (SCOTT et al., 1996). 3.1.2 Epidemiologia: A lepra felina é mais comum em certos locais como o norte da Nova Zelândia, a Holanda e a Colúmbia Britânica (MALIK et al., 2006a), Austrália, Grã-Bretanha, França, Estados Unidos e Canadá (SCOTT et al., 1996), com climas costeiros, úmidos e frios (HILLIER; MUNDELL, 2008). 3.1.3 Achados clínicos: Gatos acometidos pela lepra felina são tipicamente adultos jovens (com menos de cinco anos de idade), com predominância de machos. Presumivelmente, estas características refletem animais que interagem com roedores e são infectados. A lesão inicial é um granuloma focal no subcutâneo, sendo que os proprietários geralmente percebem presença de nódulos solitários, ou mais comumente nódulos múltiplos, indolores, alopécicos (GROSS et al., 2005), que aumentam de tamanho, móveis, semelhantes à tumores, de poucos milímetros até 4 centímetros de diâmetro, e, segundo KIPAR et al. (2002), raramente estão associados à doença sistêmica. Quando estas lesões aumentam de tamanho, podem até ulcerar. A infecção pode se espalhar, atingindo áreas próximas e pode ser drenada pelos linfonodos regionais (MALIK et al., 2006a). As lesões são mais comuns na cabeça e extremidades (figura 1) mas também podem ser encontradas nas mucosas nasal, bucal e lingual (SCOTT et al., 1996). A doença raramente se dissemina ao baço, medula óssea, fígado, rim, pulmão ou músculo adjacente. Gatos com doença disseminada geralmente revelam sinais de enfermidade sistêmica, não constatada em gatos com infecção localizada (HILLIER; MUNDELL, 2008). A maior freqüência de lesões na cabeça leva-nos a pensar que o organismo pode ser transmitido através de mordida de ratos ou até mesmo outros gatos. Observou-se também que muitos casos acontecem em gatos que vivem em ambientes rurais ou semi-rurais. Os diagnósticos diferenciais para tais lesões incluem tuberculose, presença de corpos estranhos (SCOTT et al., 1996), criptococose e outras micoses sistêmicas, infecções fúngicas oportunistas, esporotricose, granuloma estéril e síndrome piogranulomatosa, e neoplasias (GROSS et al., 2005). FIGURA 1. Lepra felina em um macho jovem, que vive em ambiente externo, na região portuária de São Francisco, EUA. Notar a presença de dois nódulos ulcerados, bem demarcados na região do antebraço (GROSS et al., 2005). 3.1.4 Diagnóstico: O diagnóstico baseia-se na história, resultados de exame físico e o encontro de bacilos ácido-álcool resistentes nos esfregaços diretos e amostras de biopsia (coloração de Ziehl-Neelsen). Os homogeneizados de tecido devem ser cultivados na superfície de meio de Ogawa com gema de ovo à 1%, e também inoculados em cobaias para eliminar o diagnóstico de tuberculose (SCOTT et al., 1996). Na maioria dos casos, a cultura micobacteriana convencional pode apresentar um resultado negativo devido à natureza de difícil cultivo destes microorganismos. Então, a etiologia micobacteriana somente pode ser obtida usando técnicas moleculares como PCR e determinação seqüencial de nucleotídeos de fragmentos gênicos (MALIK et al., 2006a). A amostra a ser enviada para biopsia pode ser um nódulo intacto excisado cirurgicamente. Em lesões solitárias, a retirada de amostra para biopsia pode significar a cura através da cirurgia (GROSS et al., 2005). 3.1.5 Achados patológicos: Patologicamente, a lepra felina pode ser subdividida em duas formas, baseadas no número de bacilos ácido-álcool resistentes, correspondendo à resposta imunológica do hospedeiro (MALIK et al., 2006a). A primeira forma é a resposta tuberculóide com necrose caseosa e relativamente poucos microorganismos, e estes estão quase sempre em áreas de necrose apenas. Esses granulomas epitelióides geralmente estão rodeados por zonas de linfócitos, comumente agregados ao redor dos vasos sanguíneos. O segundo tipo de reação, chamada de lepromatosa, é um granuloma composto de folhas sólidas de grandes macrófagos espumosos, contendo números significativos de bacilos ácido-álcool resistentes (figura 2). As células gigantes histiocíticas multinucleadas freqüentemente contêm bacilos, e os linfócitos e os plasmócitos podem estar rodeando os vasos. Muitos leucócitos polimorfonucleares podem estar presentes e causar a lesão que lembra um piogranuloma (SCOTT et al., 1996). FIGURA 2. Fotomicrografia. Inúmeras células gigantes multinucleadas na forma lepromatosa da lepra felina. Coloração H.E. 50µm. (DAVIES et al., 2006). 3.1.6 Tratamento: A maioria dos autores recomenda a exérese cirúrgica como tratamento de escolha para lesões focais. Por outro lado, quando a cirurgia falha ou não pode ser praticada, a quimioterapia com dapsona, rifampicina ou clofazimina pode ou não ser bem sucedida. A clofazimina parece ser a mais promissora, está associada aos menores efeitos colaterais (SCOTT et al., 1996), é um corante iminofenazina com propriedades antimicobacterianas suspenso em óleo de oliva. Como possíveis efeitos colaterais, podem ser observados hepatopatia reversível, vômito e inapetência como fortes indicadores para que a dose seja reduzida. Também foram observados sinais como fotossensibilidade e edema de córnea (HILLIER; MUNDELL, 2008). A droga deve ser manipulada utilizando-se luvas de látex para evitar o contato do corante com as mãos e pode ser utilizada na dose de 2 mg/kg diariamente até que todos os sinais tenham desaparecido e, em seguida, por mais seis a doze semanas (SCOTT et al., 1996). Entretanto, a clofazimina não tem seu uso em animais aprovado pelo FDA (HILLIER; MUNDELL, 2008). Segundo MALIK et al. (2006a), o tempo de tratamento é difícil de ser determinado, já que algumas infecções micobacterianas são tratadas por muitos meses, com prolongamento por pelo menos dois meses após o desaparecimento das lesões. A literatura sugere que quanto mais precocemente ocorre o diagnóstico e a retirada cirúrgica, são maiores as chances de obtenção de cura. Técnicas de ressecção agressivas podem ser adotadas (MALIK et al., 2006a). 3.2 Síndrome do Granuloma Lepróide Canino (Lepra Canina) 3.2.1 Etiologia: Em 1998, MALIK et al. descreveram uma síndrome de granulomas nodulares micobacterianos afetando o subcutâneo e a pele de cães. Os autores decidiram utilizar o termo Síndrome do Granuloma Lepróide Canino devido à condição que na opinião deles era causada por uma ou mais micobactérias saprófitas (CHARLES et al., 1999). A designação “lepróide” deve-se ao fato de que o agente pode ser facilmente evidenciado em exames bacterioscópico e histopatológico, corados pelo Ziehl-Neelsen, embora não sendo cultivável nos meios clássicos de semeadura de micobactérias, guardando facetas distintas da histopatologia da lepra humana e felina (LARSSON; MARUYAMA, 2008). O agente causal desta síndrome é uma micobactéria, ainda inominada, de baixas patogenicidade e virulência, com melhor crescimento em áreas corpóreas de temperatura mais reduzida. Este microorganismo é filogeneticamente relacionado às espécies Mycobacterium tilburgi, M. simiae e M. genavense. Estudos comparativos por PCR e seqüência gênica de cepas isoladas comprovam que aquelas provindas da Austrália, da Nova Zelândia e dos EUA não tinham qualquer variabilidade e apresentavam homologia de 99%. À partir de análises pela PCR de material biopsiado, identificou-se, em casos australianos, uma mesma seqüência de bases, indicando que a espécie micobacteriana assim caracterizada é, muito provavelmente, o agente causal principal do Granuloma Lepróide Canino. Durante o trabalho citado, observou-se que esta espécie ainda não havia sido evidenciada em granulomas tegumentares ou paniculares de carnívoros, herbívoros e homem, acreditando-se, portanto, que o contato com os cães doentes não acarreta risco de contágio humano (GROSS et al., 2005). 3.2.2 Epidemiologia: Esta síndrome é a doença micobacteriana mais comum em cães na Austrália. O organismo causal apresenta distribuição mundial, apesar de serem descritos poucos casos na literatura, sendo primeiramente relatada em um Boxer e um Bullmastiff do Zimbábue em 1973, com relatos similares em outros países, como Nova Zelândia, Brasil e EUA (Califórnia, Geórgia, Flórida e Nova York). Em 1984, a enfermidade foi evidenciada em São Paulo, primeiramente considerado como um caso de tuberculose cutânea, e após o diagnóstico histopatológico, confirmado como Granuloma Lepróide Canino (LARSSON; MARUYAMA, 2008). A doença tem aspectos de predisponência bem caracterizados e similares em todas as latitudes: foi relatada em cães com pêlos curtos, porte grande, raça definida, geralmente Boxer, Staffordshire terrier, Dobermann, Mastiff, Pastor Alemão. A faixa etária dos acometidos é ampla, tendo como média cinco anos. No Brasil, não se pode caracterizar, dentre os casos relatados, qualquer tendência sazonal de ocorrência. Já na Austrália, relaciona-se o surgimento de maior número de casos no outono e no inverno (LARSSON; MARUYAMA, 2008). Apesar da doença ter sido relatada há quase 40 anos, ainda se sabe muito pouco sobre a sua etiopatogenia. Quando Richard Smith relatou a doença, observou que “as lesões aparecem de repente, em cães que foram mordidos por insetos”. Esse achado sugere que algum inseto, mosquito ou outro artrópode mordedor inocula a micobactéria em hospedeiros suscetíveis. A predileção para crescimento das lesões em locais possíveis de ataque de insetos, como região da cabeça, particularmente orelhas, confirma esta hipótese; e também devido ao fato destas lesões desenvolverem-se em animais de médio a grande porte, que usualmente são criados em ambiente externo, sendo mais suscetíveis à picadas de insetos (MALIK et al., 2006b). 3.2.3 Achados clínicos: O quadro sintomático é pouco alarmante, não se denota nenhum sofrimento aparente ao animal (LARSSON; MARUYAMA, 2008). São encontradas lesões de pele nodulares solitárias ou múltiplas, bem circunscritas. Estas lesões podem aparecer em qualquer lugar do corpo do cão, mas geralmente são encontradas na cabeça e superfície dorsal das orelhas (figura 3). Os nódulos são firmes, indolores, com tamanhos que variam de 2 mm a 5 cm de diâmetro. Nos locais de apresentação dos nódulos, pode ser observado alopecia, e, nas lesões maiores, pode haver ulceração. Os granulomas são confinados ao subcutâneo e pele, não envolvendo linfonodos regionais, nervos ou órgãos internos. As lesões podem ser desfigurantes e causar irritação, especialmente quando ocorre infecção secundária por Staphylococcus intermedius (MALIK et al., 2006b), podendo-se evidenciar lambedura localizada, menear de cabeça, roçadura da área e auto-traumatismo. Os diagnósticos diferenciais para tal enfermidade incluem nódulos neoplásicos, quérions dermatofíticos e piogranulomas (LARSSON; MARUYAMA, 2008). FIGURA 3. Granuloma Lepróide Canino em orelha de um Boxer. Notar a presença de um nódulo solitário, bem demarcado, alopécico e ulcerado (GROSS et al., 2005). 3.2.4 Diagnóstico: De acordo com LARSSON; MARUYAMA (2008), o diagnóstico é facilmente obtido, face à predisposição por animais de pêlo curto, grande porte, de raça definida (geralmente Boxer), com lesão evidente em locais de temperatura corpórea mais baixa. O diagnóstico pode ser confirmado pela obtenção de amostras de lesões representativas para exame citológico ou histopatológico (MALIK et al., 2006). O material aspirado das formações sólidas ou decalcado das superfícies erosadas deve ser submetido à coloração (tipo Romanovsky) pelo Giemsa modificado (Diff Quick®), na tentativa de evidenciar a presença de macrófagos, linfócitos, plasmócitos e neutrófilos (LARSSON; MARUYAMA, 2008). Histologicamente, as lesões do subcutâneo e derme consistem de piogranulomas de macrófagos epitelióides, células gigantes tipo Langerhans, neutrófilos, plasmócitos e pequenos linfócitos. O número de bacilos ácido-álcool resistentes encontrados varia de caso a caso. A confirmação do diagnóstico por meio de cultura micobacteriana é impossível devido ao seu insucesso já anteriormente relatado, mas uma cultura negativa, entretanto, pode excluir outra espécie de micobactéria como agente etiológico. 3.2.5 Tratamento: Existem poucos relatos referentes ao tratamento de casos de Granuloma Lepróide Canino. Muitos casos são auto-limitantes, com lesões nodulares de pele regredindo espontaneamente com o tempo, geralmente entre um e três meses após o aparecimento inicial (MALIK et al., 2006b). Porém, segundo LARSSON; MARUYAMA (2008), tal constatação não tem se mostrado verdadeira na casuística brasileira, além do fato de serem poucos os proprietários que aceitam esperar por este tempo, pois o aspecto lesional preocupa os mesmos. Em casos nos quais há poucas lesões, a exérese lesional pode ser curativa, retirando-se material também para verificação através de exame histopatológico para confirmação do diagnóstico. Em outros casos, entretanto, a infecção progride para a cronicidade e lesões desfigurantes podem persistir indefinidamente. Alguns autores sugerem que o tratamento convencional utilizando antibióticos como β-lactâmicos, doxiciclina ou quinolonas somente apresentam benefícios por tratar as infecções bacterianas secundárias, não tendo impacto no curso da infecção micobacteriana, que é a principal (MALIK et al., 2006b). LARSSON; MARUYAMA (2008) relatam que há 24 anos, quando da evidenciação do primeiro caso de Granuloma Lepróide Canino, preconizou-se no Brasil, por sugestão de dermatologista humano, o emprego de antibióticos da classe dos ansamicínicos, representados pela rifampicina (VO) e rifamicina (tópica). Esse protocolo, denominado protocolo brasileiro por autores estrangeiros, tem demonstrado sucesso. A dosagem recomendada é de 5 a 15 mg por kg de peso, SID, VO, por quatro a oito semanas. A resposta é observada dentro de 30 a 90 dias após o início do tratamento. Devido à sua metabolização e excreção hepática, deve ser usada com muita cautela em cães hepatopatas. Os protocolos referidos na bibliografia internacional envolvem o emprego de combinação antibiótica, com o uso da claritromicina (7,5-12,5 mg/kg BID VO por um ou dois meses), doxiciclina (5-7,5 mg/kg BID VO por 4 a 8 semanas), rifampicina (10-15 mg/kg SID VO por um a dois meses). Dentre estas associações, a combinação mais barata é a da doxiciclina com rifampicina (LARSSON; MARUYAMA, 2008). 4 INFECÇÕES CAUSADAS POR MICOBACTÉRIAS DE CRESCIMENTO RÁPIDO 4.1 Etiologia: As micobactérias de crescimento rápido, antigamente denominadas micobactérias oportunistas ou atípicas, pertencem a um grupo de organismos heterogêneos que produzem colônias em meios sintéticos dentro de sete dias, quando cultivados em temperatura entre 24º a 45ºC. Eles têm distribuição mundial e podem ser isolados no solo, sujeira, cadáveres e água. As micobactérias de rápido crescimento incluem as espécies Mycobacterium fortuitum, M. peregrinum, M. chelonae, M. abscessus, M. smegmatis, M. goodii, M. wolinskyi, M. phlei e M. thermoresistibile (MALIK et al., 2006c). Em um estudo realizado nos Estados Unidos envolvendo 10 gatos com infecção por micobactéria atípica, observou-se predominância das infecções por M. fortuitum (HORNE; KUNKLE, 2009). Já em um estudo realizado na Austrália envolvendo 49 gatos, houve predominância de animais acometidos por M. smegmatis (40 animais), sendo que o restante dos animais deste estudo foi acometido pelo crescimento de M. fortuitum (MALIK et al., 2000). Por suas características de saprobiedade, mostram-se dotadas de altas patogenicidade e virulência tanto em pessoas como em animais com grave imunocomprometimento (natural ou iatrogênico). Portanto, após a entrada do agente no organismo, geralmente por via percutânea, estes acessam tecidos propícios à multiplicação, sendo restringidos por uma resposta imunológica vigorosa que pode ou não retirá-los dos tecidos, quando da existência de sistema imune competente. Nos imunocomprometidos, disseminam-se pelas vias hematógena ou linfática (LARSSON; MARUYAMA, 2008). As micobactérias de rápido crescimento produzem três diferentes síndromes em cães e gatos: paniculite micobacteriana, pneumonia piogranulomatosa e doença sistêmica disseminada. Paniculite micobacteriana refere-se à uma síndrome caracterizada por infecção crônica do subcutâneo e pele. Esta condição é mais comum em gatos do que em cães. Segundo LARSSON; MARUYAMA (2008), no Brasil há poucos relatos destas infecções crônicas do panículo. O primeiro relato foi realizado por LARSSON et al. no ano de 2006, no qual descreve-se a infecção causada pelo organismo Mycobacterium fortuitum-peregrinum em uma gata, sem raça definida, com cinco anos de idade. A preferência destes organismos por tecido adiposo deve-se à presença de triglicérides, favorecedores de sua perpetuação, e à proteção das ações fagocitárias e imune. Infecções experimentais realizadas em gatos comprovaram tais informações, já que nestes estudos não houve indução da doença em animais que não possuíam depósitos subcutâneos de gordura suficientes (MALIK et al., 2006c). Uma vez penetrando, por lesões traumáticas, iatrogênicas (como incisões cirúrgicas e paracenteses) e contaminadas (solo, fômites sujos ou não devidamente esterilizados), migram para o panículo adiposo do tegumento ou de áreas de pele especializada (coxins palmo-plantares). Em pessoas, as infecções por micobactérias de crescimento rápido ocorrem após as manipulações cirúrgicas (mamoplastias, lipoesculturas, liposucção) e as aplicações de esteróides anabólicos dispostos em frascos/ampolas com veículos oleosos, contaminados por agulhas não bem esterilizadas, quando de sucessivas retiradas. O ambiente climático, úmido quente, favorece a ocorrência das paniculites, embora em países de clima temperado o quadro também tenha sido assinalado (LARSSON; MARUYAMA, 2008). 4.2 Achados clínicos: Em gatos, as lesões usualmente são predominantemente assintomáticas, com presença de abscessos subcutâneos. Podem-se desenvolver múltiplas fístulas, mas com mínima drenagem, e quando visível, o líquido tem aspecto aquoso (GROSS et al., 2005). As infecções tendem a iniciar na região inguinal, usualmente após contaminação de injúrias ocorridas pós-brigas. A infecção pode se espalhar contiguamente no tecido subcutâneo da parede abdominal ventral e lateral e períneo. Injúrias penetrantes causadas por barras, objetos metálicos e traumas veiculares também podem aumentar o risco para tal infecção, assim como mordidas contaminadas pelo solo ou sujeira. Algumas vezes, a infecção começa nas axilas, flancos ou dorso, espalhando-se aos tecidos adjacentes. No começo do quadro clínico, as infecções podem apresentar-se como abscessos, mas sem odor fétido característico e presença de pus. No local da injúria, podem ser observadas placas circunscritas ou nódulos aparentes, áreas alopécicas, e com a evolução do quadro, fístulas pelas quais ocorre drenagem de exsudato aquoso (MALIK et al., 2006c). Há uma rápida progressão, em extensão e profundidade, por vezes envolvendo todo o abdome e os membros. Entretanto, não há relação entre a extensão lesional e o quadro sintomático. Somente em animais com quadro generalizado, a doença pode manifestar também disorexia, perda de peso, relutância à deambulação, febre e depressão. Como diagnósticos diferenciais incluem-se paniculites esporotricóticas, paniculites criptococócicas, quadros abscedativos por bactérias anaeróbicas, ou reações farmacodérmicas nos pontos de aplicação (LARSSON; MARUYAMA, 2008). Em cães, geralmente suspeita-se de infecção por micobactérias de crescimento rápido quando o paciente apresenta feridas crônicas não cicatrizantes, não responsivas à drenagem e tratamento antibacteriano convencional, com histórico de injeção, procedimentos cirúrgicos ou mordidas por outros animais. As lesões geralmente apresentam-se como nódulos firmes ou flutuantes no subcutâneo, ou nódulos ulcerados drenantes, com aparecimento de outras feridas ao redor de lesões mais antigas, alopecia, exsudação (figuras 4 e 5). As lesões tendem a ser indolores, não pruriginosas e localizadas em regiões onde geralmente ocorrem mordidas ou aplicações de injeções, como pescoço, escápula, flanco ou dorso (MALIK et al., 2006c). FIGURA 4. Infecção micobacteriana severa causada por Mycobacterium fortuitum. Notar a presença de úlceras não cicatrizadas, com margens bem demarcadas em uma pele com aparência normal (GROSS et al., 2005). FIGURA 5. Gata, sem raça definida, cinco anos de idade. Micobacteriose tegumentar – região meso e hipogástrica ventral. Presença de alopecia, fístulas, úlceras, exsudação (LARSSON et al., 2006). 4.3 Diagnóstico: O diagnóstico é obtido através de dados de anamnese, achados lesionais do exame dermatológico, resultados de exames complementares, como citologia, bacterioscopia, cultivo e histopatologia. Entretanto, um diagnóstico histológico é geralmente desnecessário se forem coletadas amostras apropriadas para citologia e cultivo (MALIK et al., 2006c). O exame citológico e bacterioscópico é precedido por agulha calibrosa montada em seringa, colhendo-se o material contido no subcutâneo. O local a ser biopsiado deve ser desinfetado previamente com álcool 70%, visando a destruição de possíveis micobactérias contaminantes sapróbias dispostas na superfície. Executam-se esfregaços em lâminas, coradas pelo Giemsa modificado (Diff Quick®), pelo Gram ou Ziehl-Nielsen. Citologicamente, o quadro é de inflamação piogranulomatosa, com a presença do agente (Gram positivo ou ácido-álcool resistente), nem sempre tão evidente. Ao contrário dos quadros de lepra felina, ou granuloma lepróide canino, o número de agentes visualizados é bem menor. O cultivo micobacteriano se dá em placas de Ágar sangue 5%, meios de Löwestein-Jensen ou de Ogawa, incubados a 37ºC ou 25ºC, respectivamente. O crescimento de colônias, não hemolíticas e puntiformes, acontece geralmente entre 48 e 72 horas. A sensibilidade da cepa isolada deve ser testada frente a quinolonas (cipro e enrofloxacina), sulfonamídicos potencializados, aminoglicosídios (gentamicina), macrolídeos (claritromicina) e tetraciclínicos (doxiciclina). No exame histopatológico observa-se a derme usualmente acantótica ou ulcerada. Tipicamente, estão presentes dermatite piogranulomatosa multinodular a difusa e paniculite; a inflamação extende-se até o subcutâneo mais internamente. Nódulos subcutâneos isolados podem ser observados (GROSS et al., 2005). A infecção, portanto, caracteriza-se por processo inflamatório piogranulomatoso, pandérmico, envolvendo o tecido subcutâneo, a derme e até as fáscias musculares, quando não o próprio tecido muscular. Os bacilos, mesmo com a técnica histológica clássica e indicada de Ziehl-Nielsen, não são de fácil evidenciação. São, por vezes, detectados no interior de vacúolos lipídicos extracelulares (LARSSON; MARUYAMA, 2008). FIGURA 6. Alta magnificação de filamentos de micobactéria atípica ácido-álcool resistente em um gato (GROSS et al., 2005). FIGURA 7. Gata, sem raça definida, cinco anos de idade. Micobacteriose tegumentar – Micobactérias intramacrofágicas (Ziehl-Neelsen 400x) (LARSSON et al., 2006). 4.4 Tratamento: A variação da severidade e extensão das lesões é grande de paciente a paciente. A dificuldade para se estabelecer um rápido diagnóstico deve-se principalmente à cronicidade e à severidade (MALIK et al., 2006c). Geralmente, os protocolos antimicrobianos apresentam muito sucesso, exceto naqueles casos extremos e bastante crônicos, que são infelizmente frequentes, graças ao desconhecimento da existência do quadro por alguns clínicos. Empiricamente, enquanto são aguardados os resultados de antibiogramas, pode-se recorrer à doxiciclina, à claritromicina e à enrofloxacina (MALIK et al., 2000). Em casos graves, há indicação de associação de exérese e debridamento cirúrgico. Uma vez obtido o resultado dos testes de sensibilidade micobacteriana, deve-se recorrer aos antibióticos adequados, isoladamente ou em associação, enfatizando a necessidade de tratamento por um período de muitos meses (LARSSON; MARUYAMA, 2008). Segundo um estudo realizado por HORNE; KUNKLE (2009), nos gatos em que o tratamento utilizado obteve êxito, a média de tempo para tanto foi de sete meses. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do atual avanço da medicina veterinária, e com a quantidade de profissionais no mercado, com especial destaque para clínica médica de pequenos animais, é necessário que os profissionais se diferenciem, e para isso, a informação e atualizações constantes tornam-se extremamente importantes. Principalmente, para saber diagnosticar e tratar enfermidades consideradas raras, e que na verdade são subdiagnosticadas, como é o caso das micobacterioses. As micobacterioses têm relativa importância clínica, já que podem apresentar sinais diversos e em muitos sistemas orgânicos, como respiratório, gastrintestinal, tegumentar, linfático, muscular e ósseo. O veterinário, portanto, deve sempre estar atento ao histórico, principalmente quando tratamentos anteriores não obtiveram sucesso; realizar uma anamnese completa; e pensar em possíveis diagnósticos diferenciais para o caso em questão. E também, não deve esquecer-se de realizar exames complementares, como cultura e histopatológico, já que estes muitas vezes tornamse o elemento que falta para que o diagnóstico definitivo seja estabelecido. Não esquecendo que no caso desta enfermidade, é necessário que haja uma relação de confiança e comprometimento entre proprietário e veterinário, já que o tratamento sempre é de longo curso, e que reconsultas periódicas são imprescindíveis durante todo este período. 6 REFERÊNCIAS CALFEE, T.; MANNING, T.O. Nonhealing subcutaneous wounds in the cat and proposed surgical management techniques. In: Clinical Techniques in Small Animal Practice. vol. 17. Elsevier, n. 4, p. 162-167, 2002. CHARLES, J.; MARTIN, P.; WIGNEY, D.; MALIK, R.; LOVE, D.N. 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