Átomo de Lítio (Z=3) Joana Sousa Nº 65103 Márcia Santos Nº 65111 Física Quântica da Matéria Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica 19 de Abril de 2011 I. Resumo Resolveu-se o problema quatro da segunda série de problemas disponibilizada que se centra no estudo do átomo de Lítio, um sistema constituído por três protões e três electrões. Procurou-se representar os números quânticos que caracterizam o átomo de Lítio em notação espectroscópica, determinar o intervalo entre o qual varia a carga efectiva vista por um electrão deste átomo e ainda escrever a função de onda antissimétrica, no estado fundamental, para o sistema em estudo. II. Introdução Neste artigo pretende-se desenvolver os conceitos teóricos subjacentes à exploração de um exercício típico de análise de um átomo polielectrónico no âmbito da Física Quântica da Matéria e proceder à resolução detalhada de um exemplo particular – o átomo de lítio (Z=3) – e posterior exploração de pequenas variantes ao problema inicial. Partindo da resolução da equação de Scrödinger na sua forma mais generalizada surge a necessidade de se introduzirem números quânticos que caracterizam grandezas conservadas neste tipo de sistemas, e que se podem generalizar para situações de N partículas, como átomos polielectrónicos. O estudo detalhado dos electrões garante-nos que estes se tratam de fermiões, regendo-se por uma estatística de Fermi-Dirac e apresentando uma função de onda antissimétrica. Além disso, a utilização da aproximação dos electrões independentes num campo de Coloumb permite-nos verificar que a carga efectiva média vista por um electrão varia num dado intervalo que pode ser determinado intuitivamente. III. Desenvolvimento do problema Para um melhor entendimento do sistema em estudo é necessária uma breve contextualização. O átomo de Lítio [3] O Lítio, cujo símbolo químico é , é um metal alcalino, que ocupa o grupo 1 da Tabela Periódica (Fig. 1) e apresenta tendência à formação de iões. Números quânticos e Notação espectroscópica [1],[2] Da Mecânica Quântica sabemos que a equação de Schrödinger que descreve o comportamento estacionário de um electrão no átomo tem a forma (1): (1) onde representa a massa reduzida do sistema e a energia total do átomo num estado caracterizado pela função de onda . Vulgarmente é escrita na forma simplificada , onde é o operador Hamiltoneano dado por (2): (2) Se utilizarmos antes um sistema de coordenadas esféricas , apesar de obtermos uma equação mais complexa, conseguimos decompô-la em três outras, cada uma dependente apenas de uma coordenada, tomando a forma (3): (3) A sua resolução implica a introdução de constantes que só podem tomar valores discretos e que conduzem à quantificação da função de onda. Como consequência da orbital depender de três variáveis independentes (uma para cada coordenada espacial), aparecem então 3 números quânticos, que descrevem os valores das quantidades conservadas nos sistemas quânticos: Fig. 1 Tabela Periódica com o elemento Lítio destacado. 1 Número quântico principal, : que corresponde ao nível energético ocupado pelos electrões e especifica o tamanho da orbital, podendo tomar os valores ; Número quântico de momento angular, : que define o momento angular do electrão e, consequentemente, a forma da orbital tomando os valores . Por exemplo, para Fig. 2 Orientação das temos orbitais do tipo s e espacial orbitais s e p. para orbitais do tipo p (Fig. 2). Número quântico magnético, : que especifica a orientação permitida para a nuvem electrónica no espaço e toma os valores . Assim sendo, podemos reescrever a equação (3) na forma (4): (4) onde é a componente radial e a componente angular. A consideração de efeitos relativistas faz com que a equação de Schrödinger, dita clássica, passe a conter uma nova dimensão, o tempo, e da sua solução generalizada aparece a necessidade de introdução de um novo número quântico: Número quântico de spin, : que define a orientação dos electrões, podendo tomar os valores , já que estes seguem a Estatística de Fermi-Dirac. No caso de átomos polielectrónicos, com N electrões, interessa-nos antes definir os valores totais das grandezas anteriores, que conhecemos da Mecânica Quântica: Momento angular orbital total: ; Spin total: ; Momento angular total: ; (5) (6) (7) E a equação de Schrödinger passa a ser (8): (8) com sendo (9) o operador permuta que obedece à relação .Usualmente condensam-se estas grandezas totais numa notação denominada espectroscópica: . Para camadas fechadas, ou seja, totalmente preenchidas por electrões e para o estado fundamental toma sempre o aspecto , uma vez que o spin total é nulo – os electrões anulam-se dois a dois – e o momento angular orbital total também é nulo , uma vez que os momentos angulares relativos são iguais a zero para que ocorra um menor efeito de screening. Carga efectiva ( [1] A carga efectiva (Z*) corresponde à carga sentida por um electrão considerando a atracção nuclear e as repulsões provocadas pelos restantes electrões do sistema. Por outras palavras, a carga efectiva trata-se da carga positiva sentida por um electrão espectador, sendo, em geral, inferior à carga nuclear total (Z). Isto porque a carga negativa dos electrões de camadas interiores neutraliza parcialmente a carga do núcleo. Este efeito é designado por efeito de screening e é o motivo pelo qual os electrões mais afastados do núcleo têm uma carga efectiva menor que os electrões interiores, muito próximos do núcleo. O efeito de screening justifica que orbitais com maior número quântico de momento angular, l, tenham maior energia. De facto, um l maior implica que os electrões dessa orbital estejam mais afastados do núcleo. Consequentemente, a carga efectiva destes electrões é inferior, razão pela qual a sua estabilidade é menor e maior a sua energia. A carga efectiva sentida por um electrão muito afastado do núcleo corresponde à carga total do núcleo subtraída da carga de cada um dos electrões entre o núcleo e o electrão espectador. Por conseguinte, para um electrão a uma distância infinitesimal do núcleo, a sua carga efectiva é aproximadamente a carga do núcleo. Sintetizando, num átomo, um electrão espectador a uma distância r do núcleo tem uma carga efectiva dada por: Z* ≈ (10) Princípio de Exclusão de Pauli e Determinante de Slater[1],[2] O Princípio de Exclusão de Pauli foi formulado pelo físico suíço Wolfgand Pauli em 1925. A sua elevada importância na Física Quântica valeu a Pauli o Prémio Nobel da Física em 1945. Segundo este princípio, dois fermiões não podem encontrar-se simultaneamente no mesmo estado quântico. Isto corresponde a afirmar que a função de onda de um sistema constituído por fermiões tem de ser antissimétrica. Os fermiões 2 são partículas de spin semi-inteiro que obedecem à Estatística de Fermi-Dirac, como por exemplo os electrões. A fim de se perceber como se chega ao Princípio de Pauli, consideremos um sistema de apenas duas partículas, por uma questão de simplificação, uma no estado e outra no estado . Escrevemos a função de onda da seguinte forma: (11) Tendo em conta que o átomo de Lítio é constituído por 3 electrões , a sua distribuição electrónica é dada por . Considerando as repulsões entre os electrões, sabemos teoricamente que quanto maior o , mais energética é a orbital e, portanto, o terceiro electrão vai ocupar a orbital e não a , no estado fundamental. Assim, o spin total, tendo em conta (6), é e o momento angular orbital A teoria admite que para fermiões a expressão . Para dois fermiões no mesmo estado quântico, , escreve-se: total, a partir de (5) é , já que se tratam de orbitais do tipo . Tendo em conta (7), vem e, (12) Vimos ainda que por aplicação da aproximação dos electrões independentes num campo de Coloumb, surgia a noção de carga efectiva cujo valor variava em função da distância do electrão espectador ao núcleo de acordo com a expressão (10). Assim, particularizando para o caso do átomo de Lítio temos: (11) se escreve usando o sinal menos Ficamos sem função de onda, confirmando assim o Princípio de Exclusão de Pauli. Este não se trata de um pressuposto válido apenas para electrões mas antes uma consequência das regras de construção da função de onda para um sistema de duas partículas, válido para todos os fermiões. Para a construção de funções de onda de sistemas de N fermiões (funções de onda antissimétricas) recorre-se ao determinante de Slater, dado por: (13) O cálculo algébrico do determinante garante que a função de onda resultante é antissimétrica. O determinante de Slater tem também a particularidade de assegurar que duas partículas nunca se encontram no mesmo estado, factor crucial no caso de fermiões. em notação espectroscópica: . Por fim, podemos ainda escrever a função de onda para este sistema com a simetria adequada. No estado fundamental, os estados possíveis para cada electrão são . Uma vez que os electrões são fermiões têm uma função de onda antissimétrica. Para assegurarmos esta antissimetria na troca de quaisquer dois electrões é útil construirmos o determinante de Slater, tendo em conta (13): IV. Resultados e Discussão O problema em estudo é dado pelo seguinte enunciado: Considere os electrões do átomo de lítio (Z=3) e utilize a aproximação dos electrões independentes num campo de Coloumb de uma carga Z* efectiva média. a) Quais são os números quânticos no átomo no estado fundamental, em notação espectroscópica . Porquê? b) Entre que limites se encontra o valor de Z*, a carga efectiva média vista por um electrão? c) Escreva, com a simetria adequada, a função de onda dos três electrões no estado fundamental, incluindo o spin. onde cada linha corresponde aos três estados possíveis para um dado electrão. Resolvendo o determinante obtém-se: Podemos ainda rearranjar os termos anteriores colocando em evidência o electrão que é espectador no estado : 3 Assim, é claramente visível antissimétrica da função de onda. Neste modo visualizamos claramente a forma antissimétrica da função de onda e a sua estrutura, como um produto do estado do electrão espectador no estado por um estado com . É ainda interessante considerarmos pequena variância do problema anterior. uma O Lítio não é um elemento estável. A sua camada de valência ( ) está semi-preenchida pelo que tem tendência a perder ou ganhar um electrão de modo a formar-se uma camada fechada. Neste sentido é pertinente considerarmos os casos dos iões e para os quais o átomo de Lítio perde e ganha, respectivamente, um electrão. Resolveu-se então o exercício para estes dois casos. Caso Li+ A distribuição electrónica é agora pelo que temos uma camada totalmente preenchida. Os spins individuais dos dois electrões vão anular-se de forma que vamos ter um spin total nulo, , tendo em conta (6). Como os electrões se distribuem, mais uma vez, por uma orbital do tipo s, . Então, pela expressão (7) temos e daí vem que a notação espectroscópica que caracteriza o catião é , como se esperava. Relativamente à carga efectiva, temos que para um electrão espectador muito próximo do núcleo, a carga efectiva se vai manter, mas que para grandes distâncias ao núcleo apenas pode haver um electrão entre o electrão espectador e o núcleo e, então, vamos ter agora: Os estados possíveis para cada electrão podem ser agora ou . Construindo o determinante de Slater (13), ficamos com: Resolvendo o determinante, a forma Caso Li Desta vez, a distribuição electrónica é formando novamente uma camada fechada, agora a . Os spins individuais dos dois electrões de cada camada vão anular-se pelo que vamos ter um spin total nulo, , por (6). Como os electrões se distribuem, mais uma vez, por uma orbital do tipo s, vem . Então, , tendo em conta (7), e daí vem que a notação espectroscópica que caracteriza o anião é . À semelhança do que vimos para o catião, para uma pequena distância entre o electrão espectador e o núcleo, este electrão visualiza toda a carga nuclear. Em contrapartida, para uma grande distância, o electrão espectador visualiza a carga do núcleo subtraída da dos restantes três electrões: Os estados possíveis para cada electrão são agora . O determinante de Slater, (13), escreve-se da seguinte forma: Seria agora exaustiva a resolução do determinante, para se verificar, mais uma vez, a antissimetria esperada. Por comparação dos casos dos dois iões ( e ) com o átomo de Lítio, verificamos claramente que os iões são mais estáveis do que o átomo, como desde logo se esperava. Esta estabilidade é sobretudo evidenciada pela representação dos números quânticos de cada um destes sistemas em notação espectroscópica, em que os iões apresentam a notação correspondente a uma camada fechada, associada a menor energia e, consequentemente, maior estabilidade. 4 Entre e , é um sistema mais estável. Isto porque existem menos electrões no sistema, verificando-se um menor efeito de screening. Os quatro electrões de desencadeiam repulsões consideráveis entre si contribuindo para o aumento da energia do sistema. Este facto é evidenciado pelos intervalos entre os quais varia a carga efectiva nos dois casos: o valor mínimo da carga efectiva de é superior ao valor mínimo associado à carga efectiva de (sendo que o valor máximo se mantém constante em todos os casos). V. [3] Química Geral - Teoria, Departamento Engenharia Química e Biológica-IST, Volume I, 2007/2008. Conclusões A exploração deste problema permitiu definir algumas estratégias a adoptar no estudo de sistemas de N partículas, que englobam o relacionamento de conceitos simples e, por vezes, intuitivos. Através da utilização de números quânticos conseguiu-se descrever os valores das quantidades conservadas no sistema quântico e ainda se agruparam estas grandezas numa notação característica, que toma uma forma particular e constante quando referente a camadas fechadas, como explicitado. Verificou-se ainda que devido ao efeito de screening a carga sentida por um dado electrão é, na realidade, uma carga efectiva que resulta de um balanço entre a carga nuclear e a carga das outras partículas que integram o sistema, em função da distância ao núcleo. Tendo em conta não só o Princípio de Pauli, mas também o facto de os electrões seguirem a Estatística de Fermi-Dirac, determinou-se a função de onda característica do sistema, averiguando-se a justificação para a sua antissimetria e explicitando o seu significado. Por fim, tendo em conta a tendência que o átomo estudado apresenta à formação de iões, numa tentativa de aumento da sua estabilidade, estudaram-se os aspectos anteriores para estes dois novos sistemas. VI. Referências [1] Quantum Physics, 3rd Edition, Stephen Gasiorowicz, 2003, John Wiley & Sons; [2] Introduction to Quantum Mechanics, 2nd Edition, David Griffiths, 2005, Pearson International Edition, Pearson Prentice Hall; 5