Implicações do Envelhecimento na Terapêutica Farmacológica Maria Augusto1, Pedro Colaço1, Tânia Guerreiro1, André Coelho2, Ana Margarida Costa2 1. Estudantes da Licenciatura em Farmácia, Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa, Instituto Politécnico de Lisboa 2. Área Científica de Farmácia, Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa, Instituto Politécnico de Lisboa Introdução: O envelhecimento demográfico crescente é o fenómeno mais relevante do século XXI devido às suas implicações na esfera socio-económica, com modificações que se reflectem ao nível individual e na adopção de novos estilos de vida. E se por um lado, as mudanças fisiológicas relacionadas com o envelhecimento propiciam um aumento da vulnerabilidade do idoso aos medicamentos, decorrente de marcadas alterações ao nível da sua farmacocinética e farmacodinâmica, por outro lado, este é o grupo populacional que mais os consome, fenómeno justificável pelo aumento da prevalência de doenças crónicas.[1-6] Objectivo: Descrever de que forma as modificações fisiológicas intrinsecamente relacionadas com o processo de envelhecimento influenciam a efectividade terapêutica. Metodologia: Foi realizada uma pesquisa nas bases de dados International Pharmaceutical Abstracts, Medline, EMBASE e B-on de artigos, artigos de revisão e meta-análises, até 2010, inclusive, com enfoque especial nos últimos cinco anos. Foram utilizadas as seguintes palavras-chave: alterações fisiológicas, farmacocinética, farmacodinâmica, idoso, (elderly people, pharmacodynamics, pharmacokinetics e physiological changes). Foram seleccionados todos os artigos cujo título ou resumo foi considerado relevante no contexto da revisão em causa, tendo-se incluído assim 20 artigos. Resultados e Discussão Alterações na Farmacocinética A Farmacocinética refere-se à absorção, distribuição, metabolização e excreção dos fármacos no organismo.[1-4,5-8] Metabolização Alterações na metabolização hepática de múltiplos fármacos devido a: diminuição do tamanho do fígado Absorção diminuição do fluxo sanguíneo hepático (em cerca de 40%) diminuição da actividade das enzimas hepáticas Quadro I Possíveis alterações na absorção de fármacos decorrentes do processo de envelhecimento POSSÍVEIS ALTERAÇÕES NA FARMACOCINÉTICA ALTERAÇÕES FISIOLÓGICAS Alterações na metabolização realizada por processos oxidativos [3,5,9-13,15-17] EXEMPLOS Quadro III Impacto na actividade das enzimas microssomais hepáticas do processo de envelhecimento Cavidade oral Redução da quantidade de saliva produzida Diminuição da absorção de fármacos que são absorvidos sublingualmente nitroglicerina olanzapina Estômago Diminuição da secreção ácida, do esvaziamento gástrico e do aporte sanguíneo Diminuição da absorção de fármacos absorvidos a pH ácido e diminuição ou atraso na dissolução de formas orais sólidas ácido acetilsalicílico Intestino Delgado Epiderme e Derme ISOFORMA ENZIMÁTICA (Citocromo P450) IMPACTO NA ACTIVIDADE EXEMPLO CYP-3ª4 diminuição amiodarona CYP-2D6 aumento fluoxetina diminuição no efeito de primeira passagem: aumento da biodisponibilidade de fármacos com um marcado efeito de primeira passagem (e.g. propranolol) Diminuição do aporte sanguíneo, atrofia do epitélio intestinal, diminuição da motilidade gastrointestinal e diminuição do transporte activo transmembranar Redução da área de absorção intestinal com consequente diminuição da capacidade de absorção Atrofia e redução do aporte sanguíneo a estas camadas cutâneas Absorção errática de medicamentos administrados transdermicamente A maioria dos fármacos é absorvida no intestino delgado diminuição da activação de pró-fármacos (e.g. enalapril).[9-13,16] Excreção A excreção para a maioria dos fármacos ocorre, fundamentalmente, ao nível renal. nitroglicerina fentanilo No idoso Redução da filtração glomerular: redução da clearance de muitos fármacos polares como os diuréticos, o lítio e os anti-inflamatórios não esteróides. [12- 13,15,17-19] A manutenção estrutural e funcional do aparelho gastrointestinal implica que a diminuição na absorção de fármacos não tenha significado clínico, especialmente nos que são absorvidos por difusão passiva. [2-4,7,9-11] Alterações na Farmacodinâmica A Farmacodinâmica refere-se à resposta do organismo a uma determinada concentração Distribuição de fármaco. A distribuição pode ser afectada por alterações nas concentrações de proteínas plasmáticas ou no volume de distribuição: α-1 glicoproteína ácida: sem alterações significativas com o avançar da idade; Densidade Alterações nos receptores fisiológicos Afinidade Mecanismo de ligação [3-6,12-13] albumina: concentrações geralmente diminuídas no idoso, particularmente em doentes com insuficiência renal ou hepática crónica. [4-6,12,14] Diminuição na resposta aos agonistas β-adrenérgicos Quadro II Alterações no volume de distribuição de fármacos decorrentes do processo de envelhecimento ALTERAÇÕES FISIOLÓGICAS Sarcopenia redução da água corporal total aumento do tecido adiposo POLARIDADE IMPACTO NO VOLUME DE DISTRIBUIÇÃO moléculas polares aumento moléculas não-polares diminuição EXEMPLOS digoxina gentamicina sedativos, hipnóticos e tranquilizantes Alterações na resposta aos fármacos Diminuição da sensibilidade do miocárdio às catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) O número de receptores dopaminérgicos D2 e colinérgicos diminui, diminuindo também a produção de AMPc (molécula essencial à transmissão de um sinal celular).[9,11,14-15,18-19] Considerações Finais As variadas alterações fisiológicas que ocorrem no idoso e que tendem a alterar a farmacocinética e a farmacodinâmica da maioria dos fármacos resultam de mecanismos complexos, uma vez que apesar de serem comuns na população idosa em geral, dependem igualmente de variáveis individuais como co-morbilidades, terapêutica concomitante, bem como de factores ambientais. Como tal, é imprescindível adaptar a dose, dosagem, posologia e forma farmacêutica do medicamento, e por vezes até alterar o mesmo, tendo em conta não só as variações que ocorrem na população idosa em geral, mas também os factores individuais, de forma a alcançar a efectividade terapêutica pretendida.[3,17,20] Referências Bibliográficas [1]Wynne H. Drug metabolism and ageing. J Br Menopause Soc. Junho 2005; volume 11 (2); 51-6; ; [2]Armour, David; Cairns Chris. Medicines in the Elderly. 1º Edition. London: Pharmaceutical Press. 2005; [3] Bsoul SA, Terezhalmy G. Drugs and the elderly patient. Gen Dent. Maio/Junho 2007; Volume 55 (3); 238-43. [4] Kaufman, Jean M.; Vermeulen, Alex. The Decline of Androgen Levels in Elderly Men and Its Clinical and Therapeutic Implications. Endocrine Reviews. 2005; Volume: 26 (6); 833-876. [5]Stephen LJ. Drug treatment of epilepsy in elderly people: focus on valproic acid. Drugs Aging. 2003; Volume 20(2); 141-52. [6] Flammiger A, Maibach H. 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