Urgência e Emergência Pré-hospitalar Tarcizo Afonso Nunes Maria do Carmo Barros de Melo Cláudio de Souza Urgência e Emergência Pré-hospitalar Tarcizo Afonso Nunes Maria do Carmo Barros de Melo Cláudio de Souza folium BELO HORIZONTE - 2010 2a Edição Urgência e Emergência Pré-hospitalar Tarcizo Afonso Nunes Maria do Carmo Barros de Melo Cláudio de Souza Produção editorial: Folium © 2010 by Tarcizo Afonso Nunes Maria do Carmo Barros de Melo Cláudio de Souza Folium Editorial Av. Carandaí, 161 – Sala 702 30130-060 – Belo Horizonte – MG Tel.: (31) 3287-1960 [email protected] Ficha catalográfica N972u Nunes, Tarcizo Afonso Urgência e emergência pré-hospitalar / Tarcizo Tarcizo Afonso Nunes, Maria do Carmo Barros de Melo, Cláudio de Souza. - 2. ed. - Belo Horizonte: Folium, 2010. 332p. il.; 17.5x25cm ISBN: 978-85-88361- 32-4 1. Primeiros Socorros. 2. Emergências. I. Melo, Maria do Carmo Barros de. II. Souza, Cláudio de. I. Título. NLM: WB 105 CDU: 614-88 Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de fevereiro de 1998. É proibida a duplicação desta obra, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia ou outros) sem a permissão prévia, por escrito, do Autor. Apresentação O livro Urgência e Emergência Pré-hospitalar surgiu como resposta da academia à necessidade real de melhorar a qualificação de profissionais que, como verdadeiros "anjos da guarda", têm a nobre e difícil missão de prestar o primeiro atendimento àqueles que, por qualquer infortúnio, necessitam de socorro imediato. Guimarães Rosa, saudoso médico e escritor mineiro, formado na mesma escola que gestou este livro, sabiamente nos ensinou que "a vida não dá demora em nada". Nada mais real e concreto que esta assertiva. Infelizmente, o ser humano está exposto a inúmeros agravos subitâneos que lhe ameaçam a vida. Esses agravos podem ser de natureza clínica ou de origem externa, como violências acidentais ou intencionais. No Brasil, dados oficiais mostram que a principal causa de óbitos advém dos agravos externos à saúde. A violência no trânsito e a violência urbana, associadas à criminalidade, além de preocupantes, ferem nossa dignidade e maculam nossa imagem no exterior. No contexto dos atendimentos de urgência e emergência, não se podem desprezar situações surgidas por agravos clínicos, notadamente os problemas de origem cardiovasculares, respiratórios e metabólicos, entre outros. Para tornar mais eficiente o atendimento às urgências e emergências, é preciso dividir o problema em partes, e iniciar pelo atendimento pré-hospitalar. Essa abordagem é fundamental para aumentar as chances de sobrevida do paciente, permitindo que ele alcance e se beneficie do tratamento hospitalar. Para ampliar o trabalho iniciado na edição anterior, acrescentou-se à proposta inicial mais 15 capítulos e foram convidados novos autores experientes para compartilhar desta feliz aventura. Deste modo, espera-se que o livro totalmente revisado e ampliado esteja mais próximo de seus objetivos. Agradecemos aos profissionais que, com entusiasmo, competência e abnegação, nos ajudaram na elaboração desta obra, compartilhando suas valorosas experiências. Nossa gratidão também ao Dr. Gilberto Costa Valle Dornas, diretor da Folium Editorial, que desde o início confiou no projeto. Os organizadores Prefácio Desde que Hipócrates ou os sábios da Grécia, sob esse cognome ou antonomásia, transformaram a prática da Medicina xamanista em Medicina clínica, produto de observação holística, houve uma revolução cultural. O exercício clínico, agora clínico-cirúrgico, possui duas vertentes: a da urgência e a eletiva. A emergência, que era uma raridade, hoje, em muitas ocasiões e situações, é o mais frequente nos atendimentos quando se trata do trauma e da violência. O médico que recebe de sua Escola ou Faculdade a liberdade de clinicar e do Conselho Regional de Medicina a de exercer o mister, a qualquer momento, é chamado a intervir de forma preventiva, educativa ou terapêutica na urgência. Nessa disposição profissional, que chamo de plantão permanente, ou seja, plena disponibilidade para servir, há duas demandas: atendimento em serviço de urgência ou na situação crônica ou eletiva, que são os ambulatórios com atendimentos programados, tanto na consulta quanto na cirurgia de porte menor. O médico recém-formado não consegue mais exercer a profissão de maneira ampla, porque o desenvolvimento tecnológico mudou todos os valores, tanto profissionais quanto éticos ou ontoéticos. O curso médico, no máximo, consegue dar noções básicas das matérias e informação insuficiente sobre o especializado. Neste, não há retorno e só pode ser desenvolvido no nível de residência e especialização, ou seja, na pós-graduação senso-lato ou senso-estrito. Como a Medicina, por meio do médico - que é meio, que é condutor, que é educador -, não pode instruir a todos no mesmo nível, há que dissociar curso médico e curso de pósgraduação. No primeiro, aprendem-se as bases, os fundamentos e os princípios; e no segundo verticaliza-se para descobrir os segredos do difícil, do complicado e do novo. Fica claro que o jovem, hoje, deve cursar a Faculdade para se tornar um médico, um meio, um instrumento e, em sequência, querendo, cursar os recursos que lhe darão qualidade para resolver os problemas complexos, decorrentes do simples mal resolvido ou do mistério biológico que cria as doenças complexas de decifração desafiadora. Os currículos, pois, necessitam tomar atitudes de difícil aceitação e romper com o especializado. O currículo de graduação deve se primar por apenas estudar a epidemiologia, o prevalente, o comum e o que se resolve a despeito da tecnologia. Esta ofusca o raciocínio clínico verdadeiro e aplicável à solução dos problemas do dia-a-dia, e que são a maioria. Para tanto, há que enfrentar a tentação de não trabalhar com o especializado, que cuida do uso adequado e eficiente dos recursos tecnológicos, e passar a ensinar o singelo, o simples, o comum. O jovem formado nessa base de aprendizado será capaz, porque é um estudante culto e diferenciado, de resolver grande parte da solicitação do paciente sem dificuldade, sem iatrogenia e com custo mínimo para os órgãos pagadores. O currículo deve ter trabalho e estudo nas oito áreas fundamentais da Medicina: ações de saúde, clínica médica, cirurgia geral, medicina legal e ontoética, obstetrícia e ginecologia, pediatria, saúde mental e urgência. Trabalho e dedicação nessas áreas levam-nos ao diagnóstico e à solução preventiva ou terapêutica da maioria das solicitações da comunidade. Fica claro, então, que em currículo médico não pode haver qualquer especialidade. Esta é inserida na área básica comum e lá o especialista ensinará os princípios fundamentais para que no geral se resolva ou se bem encaminhe o problema especializado. O médico deve sair do curso com embasamento para trabalhar na comunidade rural, urbana ou periférica, dar soluções aos problemas do dia-a-dia e bem encaminhar, a destino certo, os casos complexos. Adquirindo essa competência, a sua atualização não fica difícil, porque a telemedicina suprirá essa necessidade, além dos encontros científicos. O médico tem que ser, antes de tudo, um cuidador, muito mais do que um profissional que intervém usando recursos imaginológicos ou invasivos. Para a graduação, os livros de textos, simples, claros e objetivos devem competir com os tratados. Estes, para os especialistas; aqueles para os aprendizes. Para a graduação, há que se buscar o básico, o fundamental e o princípio que introduzem o estudante no problema, com segurança. Para a graduação, os livros devem ser voltados para orientação no que existe de comum em Medicina. Neste comum está o primeiro atendimento que atinge todo o corpo humano, em todas as áreas, trazendo-nos problemas que se apresentam como unidades de fácil solução ou como sinais ou sintomas que apresentam o início de uma afecção mais complexa. Nesta, é óbvio, se existir a cultura do geral e do simples, certamente a observação e a reflexão estudadas farão com que o bom senso julgue prudente não intervir, mas bem encaminhar. Pelas razões que tentei aqui expor com dificuldade e sem amadurecimento para reflexão, a conclusão é evidente no sentido de se recorrer a livros que tratam dos assuntos que nos surpreendem pela urgência ou nos cobram soluções rápidas e, se possível, definitivas. Esse objetivo está sendo cumprido na segunda edição deste livro básico, simples e cuidadoso, no que se refere a assuntos que se pode catalogar de primeiro atendimento. Os títulos são variáveis nos seus objetivos. Trazem problemas que devem ser abordados rapidamente e com eficiência. O leitor, tendo-o à mão no local de serviço, se o estudou e sabe com rapidez manipulá-lo, certamente terá um professor calado e eficaz para ajudá-lo na solução do que se requisita. Há recursos práticos para o primeiro atendimento; posições terapêuticas rápidas; compreensão hidrometabólica; medidas de reanimação; preparo bem feito de um problema que ficará a cargo do especialista; desobstruções e obstruções; orientações sobre medicamentos indispensáveis à emergência... Enfim, trata do comum e do simples com orientação prática e bem fundamentada. Vale a pena tê-lo, lê-lo, memorizá-lo e não abandoná-lo nas horas incertas e de angústia, pois o urgente tem que ser resolvido para preservação da vida e prevenção de sequelas. Aqui se aplica de forma adequada e justa o que o sábio ancestral deixou como legado cultural: “ Nunquam de manu et oculis tuis recedat liber” (Que nunca o livro fique longe de tua mão e de teus olhos. São Jerônimo). Alcino Lazáro da Silva Professor de Cirurgia e Emérito, UFMG Colaboradores Adebal de Andrade Filho Médico especialista em Clínica Médica. Plantonista do Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII (Fhemig). Alexandre Rodrigues Ferreira Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da FM-UFMG. Membro do grupo de terapia intensiva pediátrica do HC-UFMG. Instrutor do curso de suporte avançado de vida em pediatria (PALS). Instrutor do PHTLS. Ana Cecília Diniz Viana de Castro Mestre em Endodontia pela FO-UFMG. Doutoranda em Endodontia pela FO-UFMG. Andrea Moura Rodrigues Maciel da Fonseca Doutora em Ginecologia e Especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela UNIFESP. Professora substituta do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da FM-UFMG. Agnaldo Lopes da Silva Filho Professor Adjunto-Doutor do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da FM-UFMG. Especialista em Cirurgia Geral e em Ginecologia e Obstetrícia. Anselmo Dornas Moura Médico do SAMU de Belo Horizonte. Coordenador do Centro de Terapia Intensiva do Hospital Mater Dei. Carolina Trancoso de Almeida Cirurgiã geral e do trauma. Mestre em cirurgia geral pelo Programa de Pós-Graduação em Cirurgia da FM-UFMG. Cássio da Cunha Ibiapina Prof Adjunto-Doutor do Departamento de Pediatria da FM-UFMG. Christiano Andrade Souza Especialista em Oftalmologia pela Comissão Nacional de Residência Médica Conselho Brasileiro de Oftalmologia. Oftalmologista da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Preceptor do Serviço de Urgência do Hospital São Geraldo/UFMG. Especialista em Retina e Vítreo pela UFMG. Cláudio de Souza Prof. Adjunto-Doutor do Departamento de Cirurgia da FM-UFMG. Coordenador do Centro de Tecnologia em Saúde da FM-UFMG. Cristina Gonçalves Alvim Profa Adjunta-Doutora do Departamento de Pediatria da FM-UFMG. Daniel Xavier Lima Prof. Adjunto-Doutor do Departamento de Cirurgia da FM-UFMG. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Urologia. Membro do Serviço de Urologia do HC-UFMG. Ênio Roberto Pietra Pedroso Professor Titular do Departamento de Clínica Médica da FM-UFMG. Guilherme Moreira de Abreu e Silva Membro do Serviço de Ortopedia do HC-UFMG. Gustavo Cancela e Penna Mestre em Farmacologia Bioquímica e Molecular pela UFMG. Especialista em Endocrinologia e Metabologia pela Sociedade Brasileira de Endocrinoloigia e Metabologia. Médico do Serviço de Endocrinologia do HC-UFMG. Professor da Faculdade de Medicina da Unifenas-BH. Humberto Corrêa Silva Filho Prof. Titular do Departamento de Saúde Mental da FM-UFMG. Helena Maria Gonçalves Becker Profa. Adjunta-Doutora do Departamento de Otorrinolaringologia da FM-UFMG. Janaína Sarmento Lacerda Médica Anestesiologista. Plantonista do Hospital João XXIII. Joana Ruivo Valente Médica especialista em Clínica Médica. Plantonista do SAMU de Belo Horizonte. João Baptista de Rezende Neto Professor Adjunto. Doutor no Departamento de Cirurgia da FM-UFMG. Trauma Critical Care Fellowship - Boston University. Post Doctoral Fellow - University of Toronto. José Carlos Serufo Professor Adjunto-Doutor do Departamento de Clínica Médica da FM-UFMG. Membro da Academia Mineira de Medicina. Lêni Márcia Anchieta Profa. Ajunta-Doutora do Departamento de Pediatria da FM-UFMG. Coordenadora do Setor de Neonatologia do HC-UFMG. Luiz Fernando Ferreira Pereira Preceptor da Residência de Pneumologia do HC-UFMG. Chefe dos Serviços de Pneumologia dos Hospitais Biocor e LifeCenter. Maila Castro Neves Membro do Serviço de Psiquiatria do HC-UFMG. Doutoranda em Farmacologia, Bioquímica e Molecular. Márcio Bittar Nehemy Professor Titular do Departamento de Oftalmologia da FM-UFMG. Chefe do Serviço de Retina e Vítreo do Hospital São Geraldo/UFMG. Marco Antônio Percope de Andrade Prof. Adjunto-Doutor do Departamento do Aparelho Locomotor da FM-UFMG. Coordenador dos Serviços de Ortopedia e Traumatologia do HC-UFMG e do Hospital Universitário Risoleta Tolentino Neves. Marcos Carvalho de Vasconcellos Professor Auxiliar do Departamento de Pediatria da FM-UFMG. Instrutor do curso de suporte avançado de vida em pediatria (PALS). Marcus Vinícius Melo de Andrade Professor Adjunto-Doutor do Departamento de Clínica Médica da FM-UFMG. Doutor na área de Emergências Clínicas pela Universidade de São Paulo. Pós-doutorado em Imunologia Molecular - Laboratory of Molecular Immunology, National Heart Lung and Blood Institute, Estados Unidos. Maria do Carmo Barros de Melo Professora Associada do Departamento de Pediatria da FM-UFMG. Instrutora do curso de suporte avançado de vida em pediatria (PALS). Coordenadora do Laboratório de Simulação e membro do Núcleo de Telessaúde da FM-UFMG. Mario Pastore Neto Cirurgião torácico e do trauma do Hospital Universitário Risoleta Tolentino Neves. Monalisa Maria Gresta Enfermeira do Centro de Terapia Intensiva Pediátrica do HC-UFMG. Mestre em Enfermagem. Instrutora do curso de suporte avançado de vida em pediatria (PALS). Natalice Sousa de Oliveira Enfermeira. Especialista em terapia intensiva. Nara Lúcia Carvalho da Silva. Enfermeira. Instrutora do ACLS. Membro do Centro de Tecnologia em Saúde da FM-UFMG. Paula Martins Professora Adjunta-Doutora do Departamento de Cirurgia da FM-UFMG. Coordenadora do Serviço de Emergência da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. Membro da equipe de Cirurgia do Pronto-Socorro do HC-UFMG. Ricardo de Amorim Corrêa Prof. Adjunto-Doutor do Departamento de Clínica Médica da FM-UFMG. Coordenador da Disciplina de Pneumologia da FM-UFMG. Coordenador do Serviço de Pneumologia e Cirurgia Torácica do HC-UFMG. Ricardo Jayme Procópio Membro do Serviço de Cirurgia Vascular do HC-UFMG. Roberto Eustáquio Santos Guimarães. Prof. Adjunto-Doutor do Departamento de Otorrinolaringologia da FM-UFMG. Livre Docente pela USP/Ribeirão Preto. Rui Lopes Filho Doutor e Mestre em Cirurgia pelo Programa de Pós-Graduação em Cirurgia da FM-UFMG. Membro Titular e Especialista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Membro do Serviço de Cirurgia Plástica do HC-UFMG. Sizenando Vieira Starling Cirurgião do Hospital de Pronto-Socorro (João XXIII) de Belo Horizonte e do Hospital Life Center. Sérgio Alexandre da Conceição Prof. Adjunto-Doutor do Departamento de Cirurgia da FM-UFMG. Membro do Serviço de Coloproctologia do Instituto Alfa de Gastroenterologia e do Pronto-Socorro do HC-UFMG. Tales Henrique Ulhoa Membro do Serviço do Serviço de Neurocirurgia e plantonista do Pronto-Socorro do HC-UFMG. Tarcizo Afonso Nunes Professor Associado do Departamento de Cirurgia da FM-UFMG. Vice-Diretor da FM-UFMG. Médico do Pronto-Socorro do HC-UFMG. Tulio Pinho Navarro Doutor em Medicina pelo Programa de Pós-Graduação em Cirurgia da FM-UFMG. Coordenador dos Serviços de Cirurgia Vascular dos HC-UFMG e do Hospital Universitário Risoleta Tolentino Neves. Supervisor de Programa de Residência Médica em Cirurgia Vascular do Hospital Odilon Behrens. Wagner Henriques de Castro Professor Adjunto da FO-UFMG. Doutor em Patologia Odontológica e pela FM-UFMG. Mestre Especialista e em Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Facial pela FO-UFRJ. Coordenador do Serviço Especial de Diagnóstico e Tratamento em Odontologia do HC-UFMG. Sumário 1 Suporte Básico de Vida .................................................................................1 Maria do Carmo Barros de Melo; Monalisa Maria Gresta 2 Parada Cardiorrespiratória: Suporte Progressivo à Vida .................................. 11 Maria do Carmo Barros de Melo; Marcos Carvalho de Vasconcellos; Monalisa Maria Gresta; José Carlos Serufo; Natalice Sousa de Oliveira 3 Reanimação Neonatal .................................................................................. 19 Lêni Márcia Anchieta 4 Paciente Gravemente Enfermo ......................................................................29 Nara Lúcia Carvalho da Silva; Maria do Carmo Barros de Melo 5 Vias Aéreas .................................................................................................33 Alexandre Rodrigues Ferreira; Maria do Carmo Barros de Melo; Paula Martins; João Baptista de Rezende Neto; Monalisa Maria Gresta; Carolina Trancoso de Almeida 6 Insuficiência Respiratória Aguda ....................................................................47 Maria do Carmo Barros de Melo; Marcus Vinícius Melo de Andrade; Anselmo Dornas Moura 7 Afecções Respiratórias Agudas ................................................................... 55 Cássio da Cunha Ibiapina; Cristina Gonçalves Alvim; Ricardo de Amorim Corrêa; Luiz Fernando Ferreira Pereira 8 Choque ..................................................................................................... 73 Maria do Carmo Barros de Melo; Marcus Vinícius Melo de Andrade; Anselmo Dornas Moura; Monalisa Maria Gresta 9 Transporte do Paciente Grave ..................................................................... 83 Maria do Carmo Barros de Melo; Nara Lúcia Carvalho da Silva; Carolina Trancoso de Almeida 10 Atendimento Pré-Hospitalar no Trauma ........................................................89 Carolina Trancoso de Almeida 11 Abordagem Inicial ao Paciente Politraumatizado .......................................... 93 João Baptista de Rezende Neto; Paula Martins; Sizenando Vieira Starling; Alexandre Rodrigues Ferreira 12 Particularidades do Trauma na Criança ..................................................... 103 Alexandre Rodrigues Ferreira; Sizenando Vieira Starling 13 Trauma Torácico .......................................................................................109 Mario Pastore Neto 14 Dor Abdominal .........................................................................................117 Cláudio de Souza; Tarcizo Afonso Nunes 15 Trauma Abdominal ................................................................................... 131 João Baptista de Rezende Neto 16 Urgências Ortopédicas ............................................................................ 137 Marco Antônio Percope de Andrade; Guilherme Moreira de Abreu e Silva 17 Urgências Vasculares ............................................................................... 147 Tulio Pinho Navarro; Ricardo Jayme Procópio; Tarcizo Afonso Nunes 18 Distúrbios Hidroeletrolíticos ....................................................................... 159 José Carlos Serufo; Enio Roberto Pietra Pedroso 19 Arritmias Cardíacas Na Urgência ............................................................... 173 Ênio Roberto Pietra Pedroso; José Carlos Serufo 20 Urgências Endocrinológicas ..................................................................... 195 Gustavo Cancela e Penna 21 Urgências Neurológicas ...........................................................................211 Tales Henrique Ulhoa 22 Urgências Psiquiátricas ............................................................................227 Humberto Corrêa Silva Filho; Maila Castro Neves 23 Urgências Ginecológicas e Obstétricas .....................................................235 Andrea Moura Rodrigues Maciel da Fonseca; Tarcizo Afonso Nunes; Agnaldo Lopes da Silva Filho 24 Urgências Urológicas ...............................................................................247 Daniel Xavier Lima 25 Urgências Oftalmológicas .........................................................................257 Christiano Andrade Souza; Márcio Bittar Nehemy 26 Urgências Odontológicas .........................................................................267 Ana Cecília Diniz Viana de Castro; Wagner Henriques de Castro 27 Urgências Otorrinolaringológicas ............................................................... 275 Roberto Eustáquio Santos Guimarães; Helena Maria Gonçalves Becker 28 Lesões Superficiais Agudas......................................................................283 Tarcizo Afonso Nunes; Cláudio de Souza; Sérgio Alexandre da Conceição 29 Queimaduras ...........................................................................................297 Rui Lopes Filho; Tarcizo Afonso Nunes 30 Acidentes Provocados por Animais Peçonhentos ......................................303 Adebal de Andrade Filho; Joana Ruivo Valente 31 Intoxicações Agudas ................................................................................313 Adebal de Andrade Filho; Janaína Sarmento Lacerda 14 Dor Abdominal Aguda Cláudio de Souza Tarcizo Afonso Nunes A dor é a principal manifestação clínica Considerações gerais sobre dor das doenças agudas da cavidade abdominal. A abordagem correta do paciente com essa mani- A dor é o sintoma mais importante no ab- festação é fundamental para o diagnóstico das dome agudo e na maioria das vezes é o motivo afecções abdominais agudas. O primeiro desa- pelo qual o paciente procura assistência médica. fio é diagnosticar o abdome agudo e, o segun- Segundo MacBride, “a dor é uma sensação desa- do, definir se o tratamento deve ser clínico ou gradável transmitida ao corpo, que representa cirúrgico. Essa definição em tempo hábil evitará o sofrimento induzido pela percepção psíquica atraso na terapêutica, fator determinante para de uma agressão real, iminente ou fantasiada”. melhorar o prognóstico. É necessário, portanto, Portanto, diante da agressão, as respostas gerais avaliar criteriosamente o paciente com dor ab- à dor podem ser: dominal aguda e, para isso, é preciso conhecer ∏∏ Física – decorrente das reações fisiológicas suas características e sua relação com as prin- de processo inflamatório, infeccioso, neo- cipais afecções agudas ou crônicas que cursam plásico, etc. Para que a dor seja sentida, é com dor abdominal. É também essencial saber necessário que haja integridade anatômica examiná-lo corretamente e utilizar a propedêu- e funcional das vias aferentes responsáveis tica complementar necessária. Ao final deste capítulo deve-se estar apto a: pela condução dos estímulos. ∏∏ Intelectual – trata-se de resposta na qual a ∏∏ Relacionar a dor com as principais afecções dor constitui experiência subjetiva ligada à agudas ou crônicas que cursam com dor percepção ou consciência, que é peculiar a abdominal. cada indivíduo em um contexto abrangen- ∏∏ Não medicar os pacientes com dor abdominal antes de diagnosticar e estabelecer a conduta. ∏∏ Indicar tratamento cirúrgico em tempo hábil. Dor Abdominal Aguda te, do qual participam numerosas variáveis. Não é, portanto, uma sensação isolada. ∏∏ Psicológicas – do ponto de vista emocional, a dor causa sensação de angústia, que pode 117 se manifestar psicologicamente por meio de As características da dor são importantes sentimentos de aversão e depressão, portan- e contribuem para o diagnóstico das afecções to, ligada à resposta intelectual. É importante abdominais agudas. A dor aguda tem tempo de lembrar que pode ocorrer o contrário, isto é, evolução curto e o paciente geralmente é capaz a dor ser a única manifestação nas chama- de informar com precisão, quanto aos aspectos das depressões “mascaradas” ou “depressão seguintes: sem depressão”. ∏∏ Início – a dor pode iniciar-se de maneira súbita ou gradual. Geralmente, é abrupta nas A dor pode se manifestar em quatro tipos, síndromes perfurativas, com irritação peri- conforme classificação a seguir: toneal maciça, e nas isquemias intestinais 1. Dor somática superficial – é bem localizada e agudas de origem arterial. Nos processos ocorre nas regiões mais superficiais como pele, inflamatórios, geralmente inicia-se de ma- subcutâneo, aponeurose, pleura parietal, peri- neira insidiosa, com aumento gradativo de ósteo, ligamentos e tendões; intensidade. É importante caracterizar a ati- 2. Dor somática profunda – é bem localizada e vidade exercida quando se instalou a dor. A intensa e é oriunda de agressão ao peritônio dor que desperta o paciente durante o sono parietal e raiz do mesentério, causada por se- nunca deve ser menosprezada, assim como creções gastrointestinais, sangue, urina, pus, aquela que se segue ao esforço físico; etc. Quanto mais acidez e concentração de po- ∏∏ localização – nem sempre é fácil, mas é tássio no agente irritante, maior é a intensidade importante tentar localizar a dor. Sabe-se da dor. Além da dor parietal, há acentuada con- que a dor somática ou parietal tende a cor- tratura muscular, local ou generalizada, depen- responder com precisão ao local afetado dendo da extensão da irritação peritoneal; e se acompanha de contratura muscular. 3. Dor visceral – é contínua, difusa, profunda e A dor visceral pura nem sempre guarda de localização imprecisa, sendo, na maioria das relação topográfica com a afecção que a vezes, periumbilical e não acompanhada de con- determina, sendo usualmente mal localiza- tratura muscular ou defesa. Essa dor é causada da pelo paciente e não está acompanhada por estiramento, distensão súbita, isquemia, tra- de contratura muscular e defesa. A dor das ção, contração rápida e violenta das vísceras; diferentes afecções abdominais agudas 4. Dor referida – manifesta-se em local distan- pode ser referida no tórax ou ombro, como te, mas que mantém relação com o estímulo ocorre nas afecções que causam irritação primário; frênica. A dor abdominal, por outro lado, 5. Dor irradiada – origina-se da estimulação dire- pode ser devida a doenças pleuropulmo- ta da raiz posterior de um nervo espinhal, sen- nares. Muitas doenças abdominais agudas do percebida no território correspondente ao cursam com manifestação da dor visceral da raiz nervosa estimulada. É, ao mesmo tem- e, posteriormente, parietal; po, superficial e profunda. Trata-se de dor agu- ∏∏ intensidade – a intensidade da dor tem grau da, muito intensa e quase sempre tem origem considerável de subjetividade e, para melhor central, próximo da coluna, e irradia-se para a caracterizá-la, é necessária a análise crítica extremidade inferior. das queixas do paciente. É importante pes- 118 Urgência e Emergência Pré-hospitalar quisar manifestações sistêmicas como sudorese profusa, fácies de pânico e taquicardia, Atendimento ao paciente com dor abdominal que são comuns nos indivíduos com dor. Deve ser valorizada, também, a diferença do Antes de iniciar um diálogo, deve-se observar limiar da dor de cada pessoa, ou seja, pes- o paciente por alguns segundos. Essa observação soas diferentes reagem de maneira diversa contribui para o raciocínio sobre determinados quando submetidas ao mesmo estímulo. Em grupos de afecções agudas, que induz o doente alguns pacientes pode ser tarefa difícil deter- a assumir fácies e atitude com características es- minar a intensidade da dor; e, às vezes, sua pecíficas. Na vigência de cólicas por obstrução diminuição não significa melhora da doen- intestinal, sistema urinário, vias biliares, etc., o in- ça. É necessário, portanto, o exame clínico divíduo deambula de um lado para outro e torna- geral, observação da evolução e reavaliação -se excessivamente impaciente. Em caso de peri- em momentos diferentes, no sentido de ca- tonite e sinais de irritação peritoneal, o paciente racterizar sua importância; encontra-se apreensivo, imóvel, evitando, inclusi- ∏∏ caráter – a dor pode ser caracterizada como ve, as incursões respiratórias profundas, tentan- contínua, em cólica, em queimação, latejan- do aliviar a dor, que se agrava com os mínimos te, excruciante, em punhalada, constritiva, movimentos. A hemorragia aguda causa palidez dilacerante, etc., conforme a capacidade de e sudorese profusa. Os doentes com síndrome imaginação do paciente e a analogia por ele inflamatória usualmente apresentam rubor facial estabelecida. Em geral, a mesma afecção com tendência à prostração e toxemia à medida causa sensação dolorosa semelhante em in- que a infecção progride. divíduos distintos; A faixa etária do paciente deve ser conside- ∏∏ mudança de características – as modifica- rada, porque algumas afecções abdominais agu- ções de localização, caráter e intensidade das são mais frequentes nas diferentes idades. da dor são comuns no decurso das diversas No recém-nascido, as malformações congênitas afecções abdominais agudas. A dor, em geral, constituem a principal causa do abdome agudo. correlaciona-se com o estágio evolutivo das Na criança abaixo de dois anos, a invaginação in- alterações anatomopatológicas. É indispensá- testinal primária predomina e a apendicite aguda vel, portanto, caracterizar com precisão todas é rara. A apendicite aguda pode ocorrer em todas as modificações que ocorreram até o momen- as idades, mas é mais frequente nos adolescentes to do exame e durante o período de observa- e adultos jovens. As complicações relacionadas à ção. A evolução da dor na apendicite aguda é litíase biliar, neoplasias, doença diverticular dos um exemplo clássico das modificações desse cólons e doenças cardiovasculares aumentam sintoma com a evolução da doença. A dor em frequência com o avançar da idade. da obstrução intestinal, que inicialmente se Algumas doenças abdominais agudas são es- manifesta como cólica, pode modificar a ca- pecíficas para diferentes gêneros. Na mulher, pen- racterística para dor contínua, em decorrên- sar nas doenças do trato genital feminino, da gra- cia do estrangulamento de alças intestinais videz e do puerpério, nas obstruções intestinais e peritonite. A alteração da dor, nesse caso, por bridas e na litíase biliar. No homem, merecem significa piora acentuada do quadro clínico. atenção as doenças relacionadas com ectopia ou Dor Abdominal Aguda 119 torção testicular, as complicações da úlcera clori- correlação com as queixas do paciente e, além dropéptica e das doenças da próstata. disso, colher subsídios quanto à indicação e à urgência do tratamento cirúrgico. Este, muitas Anamnese vezes, se impõe, mesmo diante de diagnóstico incerto. Como dado adicional, o exame pode re- A anamnese deve ser precisa e objetiva. O velar alterações não relacionadas com o quadro médico deve ouvir mais do que perguntar. É ino- agudo, que não devem ser negligenciadas por portuno sobrecarregar o paciente com perguntas ocasião do tratamento. desnecessárias. Ao contrário, ele deve ser incen- Inspeção – inicialmente, faz-se a ectoscopia tivado a relatar espontaneamente suas queixas. geral, para a qual não se deve hesitar em despir Na criança menor, a fonte de informação é o o doente. A pele, as mucosas, os orifícios natu- adulto responsável. Em todas as circunstâncias, rais e os pontos fracos da parede abdominal de- o relacionamento médico-paciente ou médico- vem ser rigorosamente examinados. Os achados -informante deve ser o melhor possível. O profis- positivos têm mais valor do que as queixas vagas sional não pode deixar se envolver pelo clima de ou alterações laboratoriais discretas. A inspeção tensão existente nessas situações. A dor, o estres- do abdome inicia-se com a exposição do tron- se, o medo e a inabilidade constituem sérios obs- co entre os mamilos e o púbis. Observam-se o táculos. Depois da observação inicial, fazem-se contorno geral, a forma e as características da os questionamentos sobre a idade, gênero, pro- parede abdominal e, posteriormente, o exame fissão, estado civil, naturalidade, procedência pormenorizado. As assimetrias do abdome são e condição social, história pregressa, incluindo mais bem identificadas quando o examinador se intervenções cirúrgicas, uso de medicamen- posiciona atrás da cabeceira do doente ou dian- tos, hábitos e história familiar. Algumas vezes a te de seus pés. As alterações da expansibilidade anamnese bem orientada sugere o diagnóstico, respiratória abdominal permitem distinguir as mas em outras isso não é possível. Nesse caso, é afecções torácicas das abdominais. Nas doen- preferível repetir o interrogatório algumas horas ças torácicas agudas predominam os movimen- mais tarde, quando o paciente estiver mais tran- tos abdominais e nas afecções do andar supra- quilo. A insistência na primeira avaliação pode mesocólico ou da transição toracoabdominal, causar ansiedade e prejudicar o diagnóstico. os movimentos torácicos. Os fatos relacionados com a dor devem ser A expansibilidade assimétrica sugere afec- pesquisados e anotados em ordem cronológica ção do lado em que há restrição. Tanto a con- de aparecimento, tais como: início, localização, tratura muscular como a distensão, localizadas intensidade, caráter, se houve mudança de ca- ou difusas, são facilmente identificadas e, poste- racterísticas, relação da dor com outras manifes- riormente, confirmadas pela palpação e percus- tações e a ordem de aparecimento. são. Ocasionalmente, observa-se a configuração anatômica das alças intestinais e os movimentos Exame físico peristálticos nos pacientes com obstrução intestinal baixa, principalmente se a musculatura pa- As principais metas do exame físico são iden- rietal é flácida e o panículo adiposo escasso. As tificar alterações e sua localização, extensão e hérnias ventrais e a diástase dos retos se tornam 120 Urgência e Emergência Pré-hospitalar mais evidentes quando o paciente aumenta a peritônio e, se acompanhado de aumento de dor, pressão abdominal elevando o tronco ou fazen- constitui parâmetro para a indicação cirúrgica. do qualquer esforço. A inspeção tangencial faci- Palpação – a palpação constitui o tempo mais lita a identificação de tumores ou abaulamentos importante no exame físico do paciente com dor e o próximo passo consiste em identificar a lo- abdominal aguda. Assim como a anamnese pode calização, o volume, a mobilidade com a respi- sugerir o diagnóstico etiológico, a palpação é ração, a existência de pulsação e, finalmente, se capaz de fornecer elementos objetivos e seguros desaparece quando a musculatura da parede é para indicar ou não o tratamento cirúrgico, inclu- contraída. Se o tumor desaparecer é porque se sive orientando quanto ao grau de urgência. trata de processo intracavitário e, caso contrá- Antes de tocar o paciente, o médico deve rio, parietal. O umbigo e cicatrizes decorrentes verificar a temperatura das suas mãos, porque de intervenções cirúrgicas merecem atenção se estiverem muitos frias podem induzir ao fal- especial, pois não raro têm relação com o qua- seamento do exame. A posição ideal do doente dro agudo. A circulação colateral, escoriações, para o exame é o decúbito dorsal com a cabe- hematomas e equimoses na parede abdominal ceira ligeiramente fletida, apoiada sobre traves- são sempre relevantes. No homem, observam-se seiro baixo. Os braços devem estar paralelos ao os genitais externos à procura de hérnia, criptor- tronco e as pernas distendidas ou ligeiramente quidia e tumores relacionados ou não com as fletidas. Antes de palpar, solicite ao paciente queixas do paciente. que aponte com o dedo o local exato da dor. Em Ausculta – a ausculta abdominal é impres- caso de dúvida, o estímulo produzido pela tosse cindível tanto na abordagem inicial como no pode facilitar a localização. A primeira palpação acompanhamento a pacientes. As alterações do contribui para o reconhecimento tático e sem- peristaltismo são comuns e se manifestam por pre deve ser iniciada fora da área mais sensível. aumento, redução ou desaparecimento dos ruí- O paciente é orientado a respirar com a boca se- dos intestinais. A ausculta, para ser conclusiva, miaberta, para permanecer mais relaxado. deve ser realizada durante três minutos, no míni- Nas afecções abdominais agudas, as três mo. Somente depois desse período pode-se afir- informações mais importantes fornecidas pela mar que não há peristaltismo. Como o processo palpação referem-se à parede, à tensão e ao é dinâmico, reavaliações periódicas são neces- conteúdo abdominal. A indicação cirúrgica qua- sárias para orientar quanto à evolução e forne- se sempre se fundamenta nas alterações desses cer elementos para a definição do diagnóstico parâmetros. Diante de contratura muscular, é e tratamento. De modo geral, a exacerbação do imprescindível distinguir se é voluntária ou invo- peristaltismo no abdome agudo é menos preocu- luntária. Para tal, procura-se distrair o paciente à pante do que a redução, uma vez que esse evento medida que seu abdome vai sendo palpado. Na pode significar complicações da afecção inicial, contratura voluntária consegue-se aprofundar a tais como: exaustão das alças intestinais, perfura- palpação e na involuntária não é possível, mes- ção de vísceras ocas, inflamações generalizadas, mo usando esses artifícios. hemorragias peritoneais e isquemia intestinal. Irritação peritoneal e a defesa muscular Nestas circunstâncias, o silêncio abdominal in- são informações importantes colhidas por dica, comumente, comprometimento difuso do meio da palpação e têm muito significado no Dor Abdominal Aguda 121 abdome agudo. A irritação peritoneal é pesquisada mediante a compressão da parede abdominal até o máximo tolerado e, a seguir, Relação da dor com outras manifestações nas diversas afecções agudas abdominais faz-se a descompressão abrupta. Se houver aumento súbito da dor, sugere irritação peri- A maioria das doenças abdominais agudas toneal (sinal de Blumberg). Para evitar interfe- tem história natural típica e não apresenta dificul- rência emocional, deve-se distrair o paciente dade para o diagnóstico, pelo menos sindrômico. por ocasião da descompressão. A defesa mus- Os problemas surgem nos indivíduos com mani- cular é outro sinal importante e ocorre quan- festações atípicas de doenças comuns. E, neles, do a compressão da parede abdominal toca a dor pode ser discreta ou não existir, mas não a víscera doente, o que não deve ser confun- representa a gravidade real da doença. Apesar dido com contratura involuntária. A irritação da importância da contratura muscular involun- peritoneal acrescida de contratura muscular tária no diagnóstico do abdome agudo, ela pode involuntária representa forte subsídio para a estar ausente, mesmo em enfermidades cirúrgi- indicação cirúrgica. cas graves. Habitualmente, não apresentam dor Percussão – pode-se considerar a per- e contratura muscular os indivíduos idosos, debi- cussão como complemento da palpação. Por litados, em intubação orotraqueal, desidratados, meio dela é possível identificar a presença de toxemiados, com distúrbios mentais, imunossu- ar livre, líquidos e tumores. Além disso, é útil primidos, inconscientes, as crianças menores, também para pesquisar e localizar diferentes as gestantes e aqueles com lesão medular e afec- graus de irritação peritoneal. A percussão ções raras. Além disso, o uso de antibacterianos, deve ser iniciada sempre fora da área de mais analgésicos e corticoides pode atenuar os sinto- sensibilidade, estendendo-se a todo o abdo- mas e sinais e prejudicar o diagnóstico. me com a mesma intensidade. Timpanismo Geralmente, a dor não é o único sintoma do no abdome pode significar distensão de alças paciente. Correlacioná-la com vômitos, febre, intestinais, parcial ou generalizada. Quando alterações intestinais, micção e menstruação, encontrado sobre a área hepática e na linha sobretudo quanto à cronologia, o intervalo e as axilar média, sugere ar livre na cavidade peri- características, é importante para o diagnósti- toneal, o que indica quase sempre perfuração co etiológico do abdome agudo e a decisão de víscera oca (sinal de Jobert). É importante terapêutica. Sabe-se que, no abdome agudo investigar se o paciente não foi submetido a cirúrgico, a dor geralmente surge em primeiro laparotomia, laparoscopia ou punção abdo- lugar ou os eventos são simultâneos. Em geral, minal nos dias que antecederam ao exame. quanto mais intensa a dor, mais precoces são Punho-percussão lombar dolorosa sugere in- os vômitos, por exemplo. A diarreia é frequen- fecções retroperitoneais, sobretudo do trato te em vários tipos de abdome agudo inflamató- urinário alto (sinal de Giordono). Macicez à rio, como na apendicite em criança, abscessos percussão ocorre na vigência de líquido na paracecais, apendicite retroileal, peritonites cavidade abdominal (quando acima de 1,5 em geral e doenças inflamatórias pélvicas agu- litro), distensão de bexiga, cistos e tumores, das. Algumas doenças clínicas se manifestam aumento do fígado e do baço. por dor e alterações da função intestinal, mas 122 Urgência e Emergência Pré-hospitalar estão ausentes outros sinais das doenças de clínico típico inicia-se com dor abdominal mal tratamento cirúrgico. definida, que surge na região periumbilical e epi- A dor pode se acompanhar de transtor- gástrica (dor visceral) e, em algumas horas, mi- nos da micção, tais como disúria, polaciúria, gra para a fossa ilíaca direita, devido ao compro- anúria e retenção urinária. Esses sintomas metimento do peritônio parietal (dor somática). decorrem, comumente, de doenças primárias Depois de iniciada a dor, surgem, frequentemen- das vias urinárias ou de afecções contíguas. te, anorexia e náuseas. Os vômitos são menos As doenças inflamatórias pélvicas, tais como frequentes e em poucos episódios. Na fase ini- apendicite, abscesso, diverticulite do sigmoi- cial é comum a ausência de febre e, quando de e afecções do trato genital feminino, quase presente, não ultrapassa 38º. Podem ocorrer sempre estão acompanhadas de sintomas uri- alterações do funcionamento intestinal. Quando nários. O toque retal e/ou vaginal presta ines- o quadro clínico se inicia com vômitos e febre timável colaboração no exame do paciente elevada, deve-se pensar em outro diagnóstico. com dor abdominal e sintoma urinário, assim Ao exame físico constatam-se dor acentuada na como o cateterismo vesical. A cólica nefréti- fossa ilíaca direita, sinais de defesa involuntária ca, a pielonefrite aguda e até a retenção uriná- e de irritação peritoneal. ria podem, à primeira vista, traduzir afecção com indicação cirúrgica. O quadro clínico pode não ser típico nas situações já relatadas e quando o apêndice No atendimento a mulheres com dor abdo- vermiforme estiver em posição retrocecal ou minal em fase reprodutiva, é necessário inves- pélvica. Nesses casos, não há o comprometi- tigar sobre o ciclo menstrual. A menstruação mento do peritônio parietal, portanto, está au- pode ser precedida de dor intensa devido à sente a migração da dor. dismenorreia, mas não se pode afastar o diag- Os exames complementares têm pouca im- nóstico de afecção aguda. Por isso, e importante portância quando as manifestações clínicas são colher informações sobre a data exata da última típicas, sobretudo no paciente jovem do gênero menstruação, as características da mesma e as masculino. Nas situações atípicas, entretanto, eventuais irregularidades nos três últimos ciclos. eles podem ser determinantes, tanto para a con- A dor abdominal associada à perda de sangue firmação do diagnóstico como para o diagnósti- coagulável, que se segue a um período de ame- co diferencial. São eles: hemograma, exame de norreia, preconiza gravidez ectópica ou aborta- urina, radiografia simples de abdome e ultrasso- mento. Na ovulação dolorosa, a dor acontece no nografia. Esse exame depende do examinador meio do ciclo. No refluxo menstrual, surge na e o índice de acerto do diagnóstico varia pouco vigência da menstruação e está acompanhada mais de 50 a 90%. Não raro, o índice de acer- de sinais de irritação peritoneal. to do exame clínico é mais alto. A tomografia computadorizada é outro exame que pode ser Apendicite aguda utilizado em situações especiais. A ressonância magnética é útil na gestante, sobretudo no últi- É a causa mais comum de abdome agudo mo trimestre, porque, além de ser mais precisa não-traumático, cujo diagnóstico, na maioria na avaliação de partes moles do que a ultrasso- das vezes, baseia-se no exame clínico. O quadro nografia, não emite irradiação ionizante como a Dor Abdominal Aguda 123 tomografia. A laparoscopia é ótima opção para momento da inspiração profunda (sinal de Mur- definir os casos inconclusivos, uma vez que é ca- phy). Entre os exames laboratoriais, o hemogra- paz de diagnosticar e tratar, seja a apendicite ou ma é o que apresenta mais relevância. Nas fases outras causas do abdome agudo. iniciais da doença, os leucócitos podem estar É muito importante ressaltar que, frente ao normais ou com alterações discretas, mas nas paciente com dor abdominal e suspeita de apen- complicações se elevam na maioria das vezes. dicite aguda, não se pode contemporizar, pois o Outros exames são importantes também para o tratamento cirúrgico deve ser realizado sem per- diagnóstico diferencial, são eles: transaminase, da de tempo, mesmo que os exames complemen- fosfatase alcalina, bilirrubinas, amilase, lípase tares contrariem o diagnóstico clínico. Vale lem- e PCR. A ultrassonografia é o exame que irá ca- brar que no tratamento precoce da apendicite racterizar o diagnóstico mediante os sinais de aguda, geralmente, o paciente recebe alta hospi- espessamento da parede da vesícula, presença talar em 24 horas e sem complicações. Por outro de cálculos, coleção perivesicular ou abscesso. lado, quando o diagnóstico é tardio, o paciente Diante do diagnóstico de colecistite aguda, pode permanecer hospitalizado por tempo pro- está indicada a colecistectomia para a maioria longado, necessitar de várias operações, interna- dos pacientes. Poucas são as justificativas para ções no UTI, uso prolongado de antibacterianos o tratamento clínico, como outras doenças des- e, às vezes, culminar com o óbito. Além disso, compensadas, com aumento do risco cirúrgico. no pós-operatório tardio, podem ser necessárias A idade nunca deve ser incluída nessas exce- várias operações para tratamento de obstrução ções, pelo contrário, no idoso as alterações na intestinal, devido a aderências formadas por oca- vesícula biliar, como isquemia da parede, per- sião da peritonite local ou generalizada. furação e abscesso, são mais frequentes e geralmente não há correspondência entre a gravi- Colecistite aguda dade da doença com as manifestações clínicas. Outro aspecto importante é que o idoso não É uma das principais causas de dor abdomi- suporta complicações, portanto, o tratamento nal e, na maioria das vezes, a obstrução do cís- cirúrgico imediato quase sempre reflete o me- tico pelo cálculo é a causa principal. A dor é do lhor prognóstico. Deve ser considerado, ainda, tipo persistente, inicia-se na região epigástrica, que o procedimento cirúrgico na fase inicial devida à distensão da vesícula e migra para o hi- da colecistite aguda é mais fácil e com menos pocôndrio direito, quando acomete o peritônio risco do que no caso de fibrose e aderências. parietal. Outro aspecto que caracteriza a dor da Portanto, a conduta de “esfriar o processo” deve colecistite é a sua irradiação para o dorso e es- ser evitada na maioria dos casos, uma vez que cápula do lado direito. A temperatura corpórea, o paciente corre mais riscos de complicações que inicialmente não ultrapassa 38º, pode elevar- e, na maioria dos casos, não irá prescindir da -se frente às complicações como necrose e perfu- necessidade de colecistectomia. Por outro lado, ração da parede da vesícula e abscesso. Náuseas realizando o tratamento cirúrgico imediato, na e vômitos são comuns e, às vezes, concomitantes maioria das vezes usam-se antibacterianos por à dor. Ao exame físico, pode-se constatar dor no um dia e o paciente recebe alta no dia seguinte hipocôndrio direito à palpação, sobretudo no à colecistectomia laparoscópica. Dessa forma, 124 Urgência e Emergência Pré-hospitalar a atitude correta no atendimento pré-hospitalar anastomoses biliodigestivas, mas a principal é o encaminhamento do paciente para um hos- causa é a litíase do colédoco. A manifestação pital que tenha condições de realizar o trata- clínica usual é a dor persistente no quadrante mento cirúrgico. superior direito, associada a icterícia e febre, às vezes acompanhada de calafrios (tríade de Char- Cólica biliar cot). Essa afecção, no entanto, pode evoluir com poucos sintomas ou manifestações com muita A cólica biliar é caracterizada pela dor em gravidade, denominada colangite aguda supura- cólica na região epigástrica e hipocôndrio di- tiva, embora nem sempre seja encontrado pus reito, às vezes com irradiação para o tórax. nas vias biliares. Nesses casos, acrescentam-se Náuseas e vômitos são comuns e, geralmente, à tríade de Charcot confusão mental e choque concomitantes à dor. Ao exame físico o pacien- (pêntade de Reynold). Além dos sintomas e si- te relata dor à palpação na região epigástrica e nais relatados, pode-se constatar desidratação, hipocôndrio direito, mas sem outras alterações, colúria e acolia fecal. Dentre os exames labora- tanto no exame clínico como laboratorial. A ul- toriais, deve-se incluir hemograma, protrombina, trassonografia diagnostica cálculos na vesícula fosfatase alcalina, bilirrubinas, transaminases, biliar e, eventualmente, no infundíbulo. Se hou- amilase e lípase. A ultrassonografia é capaz de ver deslocamento do cálculo, a crise de cólica diagnosticar dilatação e litíase nas vias biliares, desaparece, caso contrário, pode evoluir para além de possibilitar o diagnóstico diferencial colecistite aguda. O tratamento se faz por meio com pancreatite, tumores da cabeça do pâncre- de analgésicos intravenosos ou via oral nos ca- as, etc. Se esse exame não esclarecer o diagnós- sos mais leves. Os gestores de saúde não con- tico, indica-se a tomografia computadorizada e, sideram a cólica biliar uma urgência cirúrgica. eventualmente, a colangiorressonância. A conduta mais acertada, entretanto, deve ser a A conduta inicial deve ser a hidratação vi- colecistectomia nos primeiros episódios de cóli- gorosa, uso de vitamina K e avaliação da ne- ca, porque trata a doença em definitivo e, princi- cessidade de antibacterianos. No atendimento palmente, evitar-se-iam os transtornos seguintes: pré-hospitalar de casos graves, além do uso de retornos frequentes às unidade de atendimento antibacterianos, o paciente deve ser encaminha- de urgência, colecistite aguda, coledocolitíase, do para um hospital que tenha condições de colangite, pancreatite aguda, necessidade de realizar a drenagem da via biliar, preferencial- papilotomia endoscópica, colecistectomia mais mente por meio da papilotomia endoscópica ou difícil e sujeita à iatrogenia, uso prolongado de colocação de stent ou por via trans-hepática ou, antibacterianos, internações prolongadas em ainda, por laparotomia. CTI e número considerável de óbitos. Pancreatite aguda Colangite aguda É uma afecção relativamente frequente, A colangite aguda surge em decorrência seja de etiologia alcoólica ou devida a cálculos de obstrução das vias biliares, devido a tumor, biliares. A dor abdominal é intensa e persisten- próteses biliares, procedimentos endoscópicos, te, localiza-se na região epigástrica, em faixa e Dor Abdominal Aguda 125 com irradiação para o dorso. Náuseas e vômitos intestinais ou peritonite generalizada. A dor é são frequentes e tendem a ocorrer precocemen- caracterizada como persistente, localizada no te. Dependendo da gravidade e da etiologia da quadrante inferior esquerdo do abdome, co- pancreatite, o paciente pode manifestar icterícia, nhecida também como apendicite à esquerda. taquipneia, taquicardia, pulso fino e rápido, oli- Pode associar-se a sintomas urinários quando o gúria, hipotensão arterial e choque. Ao exame sigmoide inflamado adere à bexiga e a altera- físico pode-se constatar dor acentuada à palpa- ções intestinais como constipação ou diarreia ção da região epigástrica com sinais de defesa e, às vezes, à hematoquezia. Ao exame físico, involuntária, íleo funcional, distensão abdomi- constata-se dor à palpação sobre o processo nal, equimose nos flancos (sinal de Gray-Turner) inflamatório com sinais de defesa involuntária e equimose periumbilical (sinal de Cullen), cujos se este estiver localizado. Na peritonite genera- sinais caracterizam sangramento retroperitoneal. lizada, o quadro clínico manifesta-se com dor Os exames laboratoriais para o diagnóstico abdominal generalizada, sinais de irritação pe- e caracterização da gravidade são amilase, lípa- ritoneal (Blumberg) e repercussões sistêmicas se, hemograma, fibrinogênio, plaquetas, PCR, relacionadas ao processo inflamatório grave. O dosagem de cálcio, transaminases, fosfatase diagnóstico pode ser complementado por meio alcalina, glicemia, sódio e potássio. Os exames de ultrassonografia ou tomografia computadori- de imagem contribuem para o diagnóstico da zada, que é a melhor opção. doença e das complicações, assim como para o acompanhamento ao paciente, sendo a tomografia computadorizada o método de escolha. As condutas na diverticulite aguda dependem do estágio de evolução e são as seguintes: ∏∏ Processo infeccioso acometendo somen- No atendimento pré-hospitalar, constatado te a parede do cólon – tratamento com o diagnóstico de pancreatite, o paciente deve antibacterianos, por meio da associação de ser encaminhado para o hospital. O tratamento fármacos que atuam em gram-negativos e da pancreatite aguda não complicada é clínico. anaeróbios. Nessa fase o tratamento pode A papilotomia endoscópica pode ser indicada ser realizado em regime ambulatorial. quando houver cálculos impactados na papila. ∏∏ Abscesso localizado e tamponado – an- Os procedimentos cirúrgicos estão indicados na tibacterianos e drenagem do abscesso forma necro-hemorrágica, quando se fazem ne- guiado por ultrassonografia. Nessa fase é cessários necrosectomia, tratamento de cistos, necessária a hospitalização para observar abscesso e sangramento. a evolução, mesmo que por curto período. ∏∏ Peritonite generalizada – o paciente deve Diverticulite colônica aguda ser hospitalizado e submetido ao tratamento clínico do processo infeccioso grave e Essa afecção acomete principalmente o sigmoide de pacientes com idade mais avançada. Na fase inicial, ocorre apenas o proces- tratamento cirúrgico, que consiste em: ∏∏ Laparotomia e limpeza exaustiva da cavi- dade abdominal; so inflamatório na parede do cólon. Nas fases ∏∏ extirpação do segmento do cólon acome- avançadas, pode haver perfuração do divertícu- tido, com anastomose intestinal primária lo com tamponamento pelo epiploom e alças com ou sem colostomia à montante, depen- 126 Urgência e Emergência Pré-hospitalar dendo do tempo de evolução da peritonite, seguintes: interromper a fonte contaminadora, das condições da cavidade abdominal e do proceder à limpeza exaustiva da cavidade abdo- paciente, além da experiência do cirurgião; minal e avaliar a necessidade de drenagem por ∏∏ extirpação do segmento do cólon aco- meio de drenos ou por laparostomia. A necessi- metido e colostomia em duas bocas ou à dade da laparotomia imediata se justifica para re- Hartman (colostomia do coto proximal, duzirem-se os efeitos de síndromes inflamatórias. fechamento do coto distal e reconstitui- A contaminação da cavidade peritoneal por ção do trânsito em segundo tempo). bile (coliperitônio) e sangue (hemoperitônio) não repercute de maneira tão acentuada como relata- Peritonite aguda generalizada do anteriormente. Coleperitônio ocorre devido à perfuração da vesícula biliar ou no pós-operatório A peritonite aguda secundária consiste em das vias biliares. A dor abdominal e as repercus- inflamação aguda do peritônio, decorrente prin- sões sistêmicas são menos exuberantes e evoluem cipalmente de contaminação secundária à per- de maneira gradual, em comparação com a pe- furação de vísceras ocas, isquemia de órgãos, ritonite por contaminação bacteriana e química. disseminação de infecção localizada, trauma, O tratamento deve incluir a interrupção do fluxo entre outras. Trata-se de afecção de extrema de bile para a cavidade peritoneal e a drenagem gravidade, para qual o médico tem pouco tem- da vias biliar e/ou da cavidade abdominal. He- po para atuar e salvar a vida do paciente e, por moperitônio ocorre nas síndromes hemorrágicas, isso, este deve ser imediatamente encaminhado portanto, prevalecem as manifestações clínicas ao hospital. A manifestação clínica caracteriza- relacionadas à hipotensão arterial e o choque hi- -se pela dor acentuada, persistente em todo o povolêmico. A dor abdominal é menos intensa se abdome, acompanhada de distensão abdomi- comparada com a que ocorre na peritonite secun- nal, vômitos, sinais de sofrimento acentuado, dária. Trata-se de emergência e o paciente deve palidez, desidratação, taquipneia e respiração ser laparotomizado para estancar o sangramento. superficial, taquicardia, pulso fino e oligúria. A peritonite primária é outra causa de dor Ao exame físico, o que chama a atenção é a dor abdominal, sobretudo em pacientes com asci- acentuada à palpação, contratura generalizada te e cirrose hepática. O quadro clínico é menos e sinais de irritação peritoneal em todo o abdo- exuberante e a evolução mais prolongada em me (Blumberg). Os exames laboratoriais devem comparação com a peritonite aguda secundária. contemplar a avaliação geral do paciente. Nos A dor é generalizada e de intensidade moderada casos de extrema urgência não se justifica a so- e sem sinais evidentes de irritação peritoneal. O licitação de exames de imagem, uma vez que o diagnóstico se faz pela paracentese e o exame diagnóstico sindrômico e a necessidade de trata- laboratorial do líquido ascítico. Constatada a in- mento cirúrgico se impõem. fecção, o tratamento é feito com antibacterianos. A conduta deve ser a rápida reposição hidroeletrolítica, antibacterianos, solicitação de exa- Doença inflamatória pélvica mes laboratoriais, solicitação de derivados do sangue e encaminhamento do paciente à laparo- É uma doença frequente nos ambulatórios tomia em caráter de urgência, com os objetivos e unidades de atendimento de urgência geral e Dor Abdominal Aguda 127 de ginecologia. Essa afecção merece atenção raios horizontais e em ortostatismo. Por meio especial, também, porque está incluída no diag- desse exame pode-se constatar distensão, ede- nóstico diferencial com apendicite aguda, diver- ma na parede e nas pregas da mucosa das alças ticulite, infecção urinária, etc. (capítulo 23 – Ur- intestinais e níveis hidroaéreos. O diagnóstico gências Ginecológicas e Obstétricas). sindrômico é geralmente fácil. Outros exames complementares como hemograma, ionograma, Infecção das vias urinárias glicemia e avaliação de função renal devem ser realizados para a avaliação geral do paciente. A infecção urinária frequentemente causa A conduta frente à obstrução intestinal é o dor abdominal, seja na região suprapúbica (in- tratamento cirúrgico precoce para evitar isque- fecção urinária baixa) ou no abdome e região mia de alça, ruptura e perfurações. O tratamen- dorsal (infecção urinária alta). É afecção com to da obstrução intestinal na fase inicial resulta, alta frequência nas unidades de atendimento quase sempre, em evolução sem complicações. de urgência e faz parte do diagnóstico diferen- Por outro lado, em fase tardia, a evolução pode cial com a maioria das afecções abdominais ser desastrosa. Portanto, uma vez estabelecido o que causam dor (capítulo 24 – Transporte do diagnóstico de obstrução intestinal, o paciente Paciente Grave). deve ser imediatamente encaminhado para um hospital e submetido a tratamento cirúrgico. Obstrução intestinal As causas mais frequentes de obstrução in- Pontos essenciais testinal são hérnias da parede abdominal, aderências ou bridas e tumores. A dor abdominal ∏∏ A dor abdominal é o sintoma mais impor- é do tipo cólica, associada a náuseas, vômitos, tante no diagnóstico de abdome agudo; distensão abdominal, parada na eliminação ∏∏ o paciente com dor abdominal não deve de gases e fezes. Na obstrução alta, os vômitos ser medicado com analgésicos, antibacte- são precoces, a distensão abdominal é menos rianos e corticoesteroides nas circunstân- acentuada e a eliminação do conteúdo intestinal cias seguintes: pode persistir por mais tempo. Por outro lado, ∏∏ quando o diagnóstico (pelo menos sindrô- na obstrução baixa os vômitos são tardios, a dis- mico) e as condutas não estiverem definidas; tensão abdominal mais acentuada e a elimina- ∏∏ quando for encaminhado para a residência; ção de gases e fezes cessa mais precocemente. ∏∏ nas proximidades de transferência de Ao exame físico constatam-se distensão abdo- plantão; minal, peristaltismo exacerbado caracterizado ∏∏ nos casos de dúvidas quanto ao diagnóstico como “luta”. Na fase mais avançada da doença, de abdome agudo cirúrgico, uma vez esgota- o peristaltismo pode desaparecer, significando das todas as possibilidades propedêuticas, a piora do quadro clínico. O exame complemen- laparoscopia ou laparotomia estiver indicada; tar mais importante é a radiografia simples de ∏∏ o atraso no diagnóstico e tratamento cons- abdome nas incidências ântero-posterior em de- titui o fator que mais favorece as complica- cúbito dorsal, em decúbito lateral esquerdo com ções no abdome agudo; 128 Urgência e Emergência Pré-hospitalar ∏∏ a laparotomia ou laparoscopia “branca” é nagement of chronic non-specific abdominal com- sempre menos maléfica ao paciente do que plaints in general 3practice. Br J Gen Pract. 2000; o atraso no tratamento. 50(454):375-9. 8. López Zárraga F, Saenz De Ormijana J, Diez Orive M, Añorbe E, Aisa P, Aguirre X, Arteche E, Catón Santaren B. Abdominal pain in a young woman. Eur Ra- REFERÊNCIAS diol. 2009;19(11):2783-6. 9. Neufeld D, Vainrib M, Buklan G, Gutermacher M, Paran 1. Abrantes, WL. Abdome Agudo. In: Lopez, M. Emer- H, Werner M, Rathause V, Zissin R, Lazar L, Erez I. 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