Confederação Nacional do Transporte – CNT SAUS Quadra 1 – Bloco “J” Entradas 10 e 20 Ed. Confederação Nacional do Transporte – 13º. e 14º. Andares Brasília – DF CEP: 70070-944 Telefone: (61) 3315-7000 Fale com a CNT: 0800 728 2891 Site: www.cnt.org.br Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transportes – ANPET Rua Marquês de São Vicente, 225 – sala 954L Ed. Cardeal Leme Gávea Rio de Janeiro – RJ CEP: 22453-900 Telefone: (21) 2562-8727 Site: http://www.anpet.org.br Transporte em Transformação XVI - Trabalhos Vencedores do Prêmio CNT Produção Acadêmica 2011. © 2012 - CNT - Confederação Nacional do Transporte / ANPET - Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transporte. Todos os direitos para a língua portuguesa reservados para CNT/ANPET. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, guardada pelo sistema retrieval ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, seja este eletrônico, mecânico, de fotocópia, de gravação, ou outros, sem prévia autorização, por escrito, da Editora. Impresso no Brasil ISBN: XX Tiragem: XX Coordenação Editorial: Gráfica e Editora Positiva Composição e Impressão: Gráfica e Editora Positiva Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Transporte em Transformação XVI: Trabalhos Vencedores do Prêmio CNT: produção acadêmica 2011 / Confederação Nacional do Transporte, Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transportes. -Brasília: Positiva, 2012. 216 p. Trabalhos apresentados durante o XXV Congresso da ANPET realizado em Belo Horizonte (MG) ISBN: 978-85-99082-13-3 1. Ensino e Pesquisa. 2. Soluções Tecnológicas. 3. Sustentabilidade em Transporte. 4. Transporte brasileiro I. Título. II. Confederação Nacional do Transporte (CNT). III. Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transportes (ANPET). IV. Congresso de Ensino e Pesquisa da ANPET (XXV: 2011: Belo Horizonte, MG) CDU: 656:001.891(042) Catalogação na fonte elaborada pela bibliotecária Cristina S. de Almeida CRB 1/1817 Autores dos Trabalhos Vencedores do Prêmio CNT Produção Acadêmica – 2011 Rafael Roco de Araújo Fernando Dutra Michel Luiz Afonso dos Santos Senna Allexandre Fortes da Silva Reis Gustavo Peixoto Silva Flávio José Craveiro Cunto Manoel Mendonça de Castro Neto Davi Sales Barreira Brenda Medeiros Pereira Luis Antonio Lindau Rodrigo Alberto de Castilho Mara Chagas Diógenes Ana Maria César Bastos Silva Álvaro Jorge da Maia Seco Carlos Manuel Magalhães Real Fernando Graeff Francisco Giusepe Donato Martins Leonardo Lopes Garcia Bruno Filipe Lopes dos Santos António José Pais Antunes Ilton Curty Leal Junior Marcio de Almeida D’Agosto Bruno Vieira Bertoncini Eiji Kawamoto Luciana Carina Soares Costa Francisco Giusepe Donato Martins Carla Garcia Protásio Confederação Nacional do Transporte – CNT CLÉSIO SOARES DE ANDRADE Presidente NEWTON JERÔNIMO GIBSON DUARTE RODRIGUES METON SOARES JÚNIOR JACOB BARATA FILHO JOSÉ FIORAVANTI Vice-Presidentes da CNT Presidente de Seção e Vice-Presidente de Seção MARCO ANTONIO GULIN OTÁVIO VIEIRA DA CUNHA FILHO Seção do Transporte de Passageiros FLÁVIO BENATTI PEDRO JOSÉ DE OLIVEIRA LOPES Seção do Transporte de Cargas JOSÉ DA FONSECA LOPES EDGAR FERREIRA DE SOUSA Seção dos Transportadores Autônomos, de Pessoas e de Bens GLEN GORDON FINDLAY PAULO CABRAL REBELO Seção do Transporte Aquaviário RODRIGO VILAÇA JÚLIO FONTANA NETO Seção do Transporte Ferroviário URUBATAN HELOU JOSÉ AFONSO ASSUMPÇÃO Seção do Transporte Aéreo Conselho Fiscal – Titulares DAVID LOPES DE OLIVEIRA ÉDER DAL’LAGO LUIZ MALDONADO MARTHOS JOSÉ HÉLIO FERNANDES Conselho Fiscal – Suplentes WALDEMAR ARAÚJO ANDRÉ LUIZ ZANIN DE OLIVEIRA JOSÉ VERONEZ EDUARDO FERREIRA REBUZZI Diretoria Seção do Transporte de Passageiros LUIZ WAGNER CHIEPPE ALFREDO JOSÉ BEZERRA LEITE LELIS MARCOS TEIXEIRA JOSÉ AUGUSTO PINHEIRO VICTORINO ALDO SACCOL JOSÉ SEVERIANO CHAVES EUDO LARANJEIRAS COSTA ANTÔNIO CARLOS MELGAÇO KNITTEL EURICO GALHARDI FRANCISCO SALDANHA BEZERRA JERSON ANTÔNIO PÍCOLI JOÃO REZENDE FILHO MÁRIO MARTINS Seção do Transporte Rodoviário de Cargas LUIZ ANSELMO TROMBINI URUBATAN HELOU IRANI BERTOLINI PEDRO JOSÉ DE OLIVEIRA LOPES PAULO SERGIO RIBEIRO DA SILVA EDUARDO FERREIRA REBUZZI OSWALDO DIAS DE CASTRO DANIEL LUÍS CARVALHO AUGUSTO EMILIO DALÇÓQUIO GERALDO AGUIAR BRITO VIANNA AUGUSTO DALÇÓQUIO NETO EUCLIDES HAISS PAULO VICENTE CALEFFI FRANCISCO PELÚCIO Seção dos Transportadores Autônomos, de Pessoas e de Bens EDGAR FERREIRA DE SOUSA JOSÉ ALEXANDRINO FERREIRA NETO JOSÉ PERCIDES RODRIGUES LUIZ MALDONADO MARTHOS SANDOVAL GERALDINO DOS SANTOS ÉDER DAL’LAGO ANDRÉ LUIZ COSTA DIUMAR DELÉO CUNHA BUENO CLAUDINEI NATAL PELEGRINI GETÚLIO VARGAS DE MOURA BRAATZ NILTON NOEL DA ROCHA NEIRMAN MOREIRA DA SILVA Seção do Transporte Aquaviário, Ferroviário e Aéreo HERNANI GOULART FORTUNA PAULO DUARTE ALECRIM ANDRÉ LUIZ ZANIN DE OLIVEIRA MOACYR BONELLI GEORGE ALBERTO TAKAHASHI JOSÉ CARLOS RIBEIRO GOMES ROBERTO SFFAIR LUIZ IVAN JANAÚ BARBOSA JOSÉ ROQUE FERNANDO FERREIRA BECKER RAIMUNDO HOLANDA CAVALCANTE FILHO JORGE AFONSO QUAGLIANI PEREIRA ALCY HAGGE CAVALCANTE ECLÉSIO DA SILVA Diretoria da ANPET ORLANDO FONTES LIMA JÚNIOR Presidente GLAUCO TÚLIO PESSA FABRI Diretor Executivo HELENA BEATRIZ BETTELLA CYBIS Diretora Científica ANÍSIO BRASILEIRO DE FREITAS DOURADO Diretor MARIA ALICE PRUDÊNCIO JACQUES Diretora JORGE BARBOSA SOARES Diretor MARCIO DE ALMEIDA D´AGOSTO Diretor ORLANDO STRAMBI Diretor Comissão Julgadora dos Artigos ALINE ELOYSE LANG - CNT VENINA DE SOUZA OLIVEIRA - CNT PROFª. HELENA BEATRIZ BETTELLA CYBIS - ANPET Sumário Prefácio...................................................................................................................................21 Capítulo 1 - Uma Abordagem de Resolução Integrada para os Problemas de ----------------Roteirização e Carregamento de Veículos.................................................23 Resumo..........................................................................................................23 Abstract..........................................................................................................24 1. Introdução..................................................................................................24 2. Descrição do Problema..............................................................................27 3. Proposta de um Modelo para a Resolução do 3L-CVRP .........................29 3.1 Apresentação e descrição do modelo.............................................30 3.2 Representação do carregamento....................................................30 3.3 Heurística de carregamento............................................................31 3.3.1 Procedimento para o agrupamento dos itens...............................31 3.3.2 Procedimento para construção do carregamento........................32 3.4. Busca Tabu aplicada na melhoria dos roteiros..............................32 4. Aplicação do Modelo ................................................................................36 4.1 Construção de instâncias para simulação de um caso real.............36 4.2 Instâncias propostas.......................................................................37 5. Experimentos Computacionais..................................................................37 5.1 Validação do modelo proposto.......................................................37 5.2 Aplicação do modelo em instâncias que simulam um caso real....39 6. Conclusões.................................................................................................40 Referências Bibliográficas.............................................................................41 Capítulo 2 - Um Estudo de Diferentes Métodos de Busca e a Meta heurística VNS para Otimizar a Escala de Motoristas de Ônibus Urbano.......... 45 Resumo..........................................................................................................45 Abstract ........................................................................................................46 1. Introdução .................................................................................................46 2. O Problema de Programação das Tripulações...........................................49 3. Método de Resolução do Problema...........................................................50 3.1 A Metaheurística VNS...................................................................50 3.2 Método de Busca Variable Neighborhood Descent - VND...........51 3.3 Estrutura de Vizinhança.................................................................52 3.4 Método de Busca VLNS................................................................53 3.5 Função de Avaliação......................................................................55 4. Resultados Obtidos..................................................................................56 4.1 Soluções com menor peso para as duplas pegadas........................56 4.1.1 Resultados considerando no máximo uma troca de veículo por jornada.................................................................57 4.1.2 Resultados considerando no máximo duas trocas de veículo por jornada ................................................................58 4.2 Soluções com maior peso para as duplas pegadas.........................59 4.2.1 Resultados considerando no máximo uma troca de veículo por jornada.................................................................60 4.2.2 Resultados considerando no máximo duas trocas de veículo por jornada.................................................................61 5. Conclusões...............................................................................................62 Agradecimentos.............................................................................................62 Referências Bibliográficas ............................................................................63 Capítulo 3 - Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em Interseções ----------------Semaforizadas de Fortaleza.........................................................................65 Resumo..........................................................................................................65 Abstract..........................................................................................................66 1. Introdução..................................................................................................66 2. Modelos de Previsão de Acidentes............................................................67 3. Metodologia para Estimação dos MPA.....................................................69 3.1 Escolha das variáveis e definição da amostra................................69 3.2 Coleta de dados e análise descritiva da amostra das interseções semaforizadas .............................................................72 3.3 Estimação dos parâmetros dos modelos investigados....................73 3.3.1 Modelos da categoria 01 – número total de acidentes de trânsito....74 3.3.2 Modelos da categoria 02 – número total de acidentes de ------.trânsito com vítimas feridas e fatais............................................76 3.4 Avaliação dos modelos da categoria 01 .......................................77 4. Conclusões.................................................................................................80 Referências Bibliográficas.............................................................................81 Capítulo 4 - Impacto de Elementos de Projeto no Desempenho Operacional de ----------------Sistemas BRT de Faixa Única Sem Ultrapassagem................................. 85 Resumo..........................................................................................................85 Abstract .........................................................................................................86 1. Introdução..................................................................................................86 2. Elementos de Projeto e Desempenho de Sistemas BRT............................87 3. Desempenho do BRT em Função de Elementos de Projeto......................90 3.1 Elementos fixos..............................................................................90 3.2 Elementos variáveis.......................................................................91 3.3 Elementos dependentes .................................................................92 4. Resultados.................................................................................................94 4.1 Análise qualitativa..........................................................................94 4.2 Análise quantitativa........................................................................99 5. Conclusões...............................................................................................101 Agradecimentos...........................................................................................102 Referências bibliográficas...........................................................................103 Capítulo 5 - Modelação da Velocidade Segura Recorrendo ao Julgamento de _-------------.........Especialistas..................................................................................................105 Resumo........................................................................................................105 Abstract........................................................................................................106 1. Introdução...............................................................................................106 2. Pressupostos Metodológicos e Metodologia Adoptada..........................109 3. Desenvolvimento de Modelos de Estimação da Velocidade Segura.............112 3.1 Identificação das variáveis...........................................................112 3.2 Modelo de regressão múltipla......................................................114 3.3 Avaliação da qualidade do ajuste.................................................119 4. Principais Conclusões..............................................................................120 Agradecimentos...........................................................................................121 Referências Bibliográficas...........................................................................121 Capítulo 6 - Uma Análise da Alocação de Riscos nos Contratos de Concessão para Prestação de Serviços Públicos de Infraestrutura........................123 Resumo........................................................................................................123 Abstract........................................................................................................124 1. Introdução................................................................................................124 2. Alocação de Riscos..................................................................................126 2.1 Definição de risco........................................................................126 2.2 Riscos comuns nos projetos de parceria público-privada............126 2.3 Princípio básico da alocação de riscos.........................................128 2.4 Teoria das áleas ordinária e extraordinária e alocação de riscos no Brasil......................................................................................128 2.5 Técnica e importância da alocação eficiente de riscos.................130 3. Metodologia.............................................................................................133 4. Alocação de Riscos nos Contratos de Serviço Público de Infraestrutura no Brasil..................................................................................................134 4.1 Contratos de concessão de rodovias federais...............................134 4.2 Minuta de contrato do trem de alta velocidade (TAV) ................136 4.3 Minuta de contrato de concessão do aeroporto de São Gonçalo do Amarante/RN..........................................................................137 4.4 Evolução da alocação de riscos....................................................138 5. Considerações Finais...............................................................................139 Referências Bibliográficas...........................................................................140 Capítulo 7 - Planeamento Sustentável de Redes Rodoviárias Interurbanas --------------.Através de uma Abordagem Multi-Objetivo..........................................143 Resumo........................................................................................................143 Abstract........................................................................................................144 1. Introdução...............................................................................................144 2. Abordagem proposta................................................................................146 3. Modelo de Otimização............................................................................149 4. Estudo de Caso........................................................................................151 4.1 Resultados para a maximização da eficiência..............................153 4.2 Impacto de adicionar um objetivo de equidade...........................154 4.3 Impacto de adicionar um objetivo de consumo energético..........155 4.4 Resultados para objetivos de eficiência, equidade e energéticos..........157 5. Conclusão................................................................................................158 Referências Bibliográficas...........................................................................159 Capítulo 8 - Melhoria da Ecoeficiência no Transporte Rodoviário de Produtos ----------------Perigosos........................................................................................................161 Resumo........................................................................................................161 Abstract........................................................................................................162 1. Introdução................................................................................................162 2. Transporte de Produtos Perigosos no Brasil e Escolha Modal................163 3. Procedimentos Empregados....................................................................165 3.1 Método de Escolha Modal e as medidas de ecoeficiência...........165 3.2 Análise Relacional Grey...............................................................167 4. Desenvolvimento.....................................................................................169 4.1 Estudo de caso..............................................................................170 4.2 Desempenho dos modos de transportes.......................................172 4.3 Ações de melhoria da ecoeficiência no transporte rodoviário de cargas........................................................................................173 5. Conclusão................................................................................................176 Referências Bibliográficas...........................................................................177 Capítulo 9 - Uma Proposta de Modelagem da Matriz OD Sintética a Partir dos Fluxos de Tráfego Observados nas Interseções...............................179 Resumo........................................................................................................179 Abstract........................................................................................................180 1. Introdução................................................................................................180 2. Informação Adicional na Modelagem da Matriz OD Sintética...............181 3. Consideração dos Movimentos de Conversão na Modelagem da Matriz OD Sintética.................................................................................183 4. Verificação da Proposta...........................................................................186 4.1. Análise de sensibilidade da matriz OD sintética em relação a “real”........................................................................................188 5. Considerações Finais...............................................................................194 Agradecimentos...........................................................................................195 Referências Bibliográficas...........................................................................195 Capítulo 10 - Mutabilidade nos Contratos de Arrendamento Operacional de Áreas e Instalações Portuárias de Uso Público................................197 Resumo........................................................................................................197 Abstract ......................................................................................................198 1. Introdução ...............................................................................................198 2. Referencial Teórico .................................................................................199 2.1 Serviço público: breve noção, regime jurídico e princípios ..........199 2.2 O setor portuário brasileiro .........................................................201 2.2.1 Contexto histórico e legal ........................................................201 2.2.2 Arrendamento operacional de áreas e instalações portuárias:---....................obrigatoriedade de licitação, natureza e regime jurídico do...... ....................contrato e das operações portuárias e alterações ....................203 3. Metodologia.............................................................................................206 4. Contratos de Arrendamento Operacional: Alteração do Perfil da Carga e Expansão de Área e Instalação Portuária..............................................207 4.1 Regras editalícias e contratuais sobre definição do objeto _______.e ampliação de áreas e instalações portuárias de uso público em ------------arrendamentos operacionais .......................................................207 4.2 Alteração do perfil da carga ........................................................208 4.3 Ampliação de áreas e instalações portuárias................................211 5. Considerações Finais ..............................................................................213 Referências Bibliográficas ..........................................................................214 Prefácio Incentivar a pesquisa acadêmica, buscar a inovação permanente e promover a constante modernização das empresas transportadoras, com esses fins a Confederação Nacional do Transporte criou, há 16 anos, o Prêmio CNT de Produção Acadêmica, em uma parceria bem sucedida com a Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transporte (ANPET). Os dez melhores trabalhos inscritos no último Prêmio estão publicados nesta edição do “Transporte em Transformação”. A qualidade dos trabalhos apresentados e o grande interesse que o Prêmio CNT de Produção Acadêmica desperta no meio atestam, respectivamente, a capacidade intelectual dos acadêmicos brasileiros e o sucesso do concurso. O que exige critérios rigorosos na seleção dos vencedores. Atributos como originalidade, relevância para o setor transportador, rigor científico e clareza na exposição das ideias determinam a escolha dos melhores estudos. A CNT apresenta sua 16ª edição do Transporte em Transformação, mantendo a tradição de publicar estudos indutores de uma reflexão sobre a necessidade da inovação constante e com possibilidade de aplicação prática nas rotinas das empresas. Ao longo de todos esses anos, esses trabalhos acadêmicos têm sido aproveitados por inúmeras empresas do setor, na busca de melhores e maiores níveis de produtividade, aumentando a capacidade de competitividade, em um mercado altamente especializado e globalizado. Trata-se, portanto, de estudos, análises e considerações com as aplicações mais diversas no setor de transporte, da infraestrutura de engenharia ao gerenciamento administrativo, do argumento ambiental ao embasamento econômico. A CNT cumpre, assim, papel de altíssima relevância ao apresentar aos transportadores soluções, reflexões e oportunidades de aperfeiçoamento de sua missão empresarial de realizar um transporte de qualidade à sociedade. Ao mesmo, tempo, a Confederação promove o incentivo à produção acadêmica, oferecendo possibilidades de desenvolvimento e aplicações práticas para projetos criados por pesquisadores, professores universitários e alunos de pós-graduação de universidades de todo o Brasil. Uma Abordagem de Resolução Integrada para os Problemas de Roteirização e Carregamento de Veículos 1 Rafael Roco de Araújo Faculdade de Engenharia/PUCRS Empresa Pública de Transportes e Circulação - EPTC Fernando Dutra Michel Luiz Afonso dos Santos Senna Lastran –Laboratório de Sistemas de Transportes Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção - Escola de Engenharia/UFRGS Resumo O problema da roteirização de veículos vem sendo intensamente estudado nos últimos 50 anos. Dado o grande potencial de aplicação prática deste problema no setor de transporte de carga, em especial, vários desenvolvimentos são propostos na literatura com o objetivo de alinhá-lo com as operações reais. Recentemente, uma nova abordagem vem sendo explorada pela literatura, que combina o problema da roteirização de veículos com o problema do carregamento em duas ou três dimensões. Este trabalho apresenta um modelo aproximado para resolução do 3L-CVRP que combina o uso de heurística construtiva para configuração dos carregamentos 24 Transporte em Transformação XVI com a Busca Tabu aplicada para melhoria dos roteiros. Além das restrições de carregamento, o modelo define so luções de mínima distância considerando restrições de distribuição de peso nos eixos do veículo e tempo máximo de jornada de trabalho. Nos testes computacionais, realizados com um conjunto proposto de 12 instâncias, são construídos cenários utilizando veículos leves e médios, de forma separada e combinada. Nestes cenários é avaliada também a possibilidade de um dado veículo ser alocado a mais de um roteiro e o custo operacional total da solução obtida. Testes adicionais foram realizados com um conjunto de 27 instâncias da literatura, mostrando resultados bastante satisfatórios. Abstract The problem of vehicle routing has been studied in the last 50 years. As a consequence of the potential practical application of this problem in the freight transport sector, several developments were proposed in the literature, aiming at adjusting it with real operations. Recently, a new approach combines the problem of vehicle routing with the problem of loading in two or three dimensions. This work presents a model to solve 3L-CVRP that combines the use of constructive heuristic for configuration of loading with Tabu Search applied to improving routings. Besides loading constraints, the model defines solutions of minimum distance considering constraints of weight distribution over the vehicle axles and maximum journey work times. Computational tests were conducted considering a set of 12 instances; taking into account separated and combined scenarios using light and medium vehicles. In these scenarios is also assessed the possibility of a vehicle being allocated to more than one routing and the total operational cost of the solution obtained. Additional tests were conducted considering 27 instances from the literature, showing good results. 1. Introdução Muitas empresas trabalham de forma intensa com o objetivo de tornar mais eficiente o processo de movimentação de seus produtos. Esta preocupação atinge não somente as empresas que atuam nos setores da indústria e do comércio, mas também aquelas que prestam os mais variados serviços. A entrega dos produtos demandados pelos clientes no local e tempo previamente estipulados e com a integridade preservada, é hoje um atributo básico para o estabelecimento da Uma Abordagem de Resolução Integrada para os Problemas de Roteirização e Carregamento de Veículos 25 vantagem competitiva. Visando atender a esta necessidade, empresas de transporte de cargas e prestadores de serviços logísticos que operam frotas de caminhões deparam-se diariamente com o problema de definir a melhor seqüência em que os pontos de entrega devem ser visitados e a forma como as respectivas cargas devem ser acomodadas nos veículos a fim de preservar sua integridade durante a transferência entre o depósito e o domicílio do cliente, bem como facilitar seu manuseio por parte da tripulação. Para gerar sustentabilidade e lucratividade para uma empresa que tem o transporte como competência central, tal atividade necessita de um planejamento adequado, nos níveis estratégico, tático e operacional. O planejamento operacional, em especial, apresenta certas características que tornam sua execução um tanto desafiante para o transportador. Na distribuição física realizada a partir de um depósito central, o curto intervalo de tempo disponível entre a chegada dos pedidos e o instante estipulado para as entregas faz com que as decisões sobre o embarque das cargas tenham que ser tomadas de forma rápida. Além disso, este processo decisório envolve muitas variáveis como o local das entregas, as características dos itens que serão transportados e a capacidade da frota disponível. Assim, o uso de modelos matemáticos adequados para apoio à decisão pode ser de grande utilidade para os planejadores das empresas. No contexto do transporte rodoviário de cargas, uma decisão operacional que vem já há algum tempo chamando a atenção dos pesquisadores da área de pesquisa operacional é o da roteirização de veículos. Laporte (2009) apresenta uma panorâmica dos métodos de resolução desenvolvidos nesta área nos últimos 50 anos. O Problema da Roteirização de Veículos Capacitado (Capacitated Vehicle Routing Problem – CVRP) pode ser definido segundo Toth e Vigo (1998), como o caso em que: todos os clientes correspondem aos pontos de entrega; as demandas são conhecidas antecipadamente e não podem ser divididas; os veículos são idênticos e alocados a um único depósito (que pode ser um centro de triagem ou distribuição); as restrições de capacidade (em peso e/ou volume) são consideradas de forma simplificada; o problema tem como objetivo minimizar o custo total, isto é, o número de roteiros e/ou sua extensão ou tempo de viagem. Vários desenvolvimentos apresentados na literatura buscam alinhar o CVRP às operações reais. Apesar da sofisticação de tais modelos, uma séria limitação 26 Transporte em Transformação XVI encontrada para implantação prática é a forma simplificada pela qual são consideradas as características dimensionais dos itens a ser carregados nos veículos, o que pode conduzir a soluções infactíveis na prática. O problema da acomodação das cargas nos veículos, ou problema de carregamento de veículos é descrito genericamente como um problema de corte e empacotamento (Dickhoff, 1990), e vem sendo tratado na literatura no contexto do carregamento de contêineres e de pallets. Desenvolvimentos para a resolução do problema de carregamento de contêineres são apresentados por Bortfeld e Gehring (2001), Eley (2002), Pisinger (2002), Bortfeld et al. (2003), Soak et al. (2008), Egeblad et al. (2010). Já o problema do carregamento de pallets é abordado por Pureza e Morabito (2006) e Martins e Dell (2008). Entretanto, quando este problema é aplicado ao carregamento de veículos, deve considerar certas particularidades como, por exemplo, a seqüência em que as entregas serão realizadas e a distribuição correta de peso nos eixos do veículo. Assim, levar em conta as restrições de carregamento dos itens a serem transportados em acordo com as dimensões e a capacidade de peso dos veículos, durante a resolução do problema de roteirização conduzirá a resultados coerentes com as operações reais. O tratamento integrado do problema de roteirização e do problema de carregamento de veículos é recente na literatura, sendo apresentado através de duas classes: o 2L-CVRP (Capacitated Vehicle Routing Problem with Two-dimensional Loading Constraints), introduzido por Iori et al. (2007); e o 3L-CVRP (Capacitated Vehicle Routing Problem with Three-dimensional Loading Constraints), introduzido por Gendreau et al. (2006). No que diz respeito às estratégias de resolução, para o 2L-CVRP dominam as abordagens aproximadas. Gendreau et al. (2008) empregam um algoritmo de Busca Tabu, Zachariadis et al. (2009) empregam um algoritmo de incorpora os princípios da Busca Tabu e da Busca Local Guiada, enquanto Fuellerer et al. (2009) empregam a Otimização por Colônia de Formigas. Mais recentemente Leung et al. (2011) propõem uma metodologia que incorpora as teorias da Busca Tabu e da Busca Local Guiada Estendida, enquanto Duhamel et al. (2011) propõem um algoritmo que combina o GRASP com uma Busca Local Evolutiva. Uma abordagem exata para o 2L-CVRP é proposta por Iori et al. (2007) aplicando um algoritmo de branch-and-bound. As abordagens aproximadas também dominam as propostas de resolução do 3L-CVRP. Gendreau et al. (2006) apresentam um procedimento que combina Uma Abordagem de Resolução Integrada para os Problemas de Roteirização e Carregamento de Veículos 27 heurísticas de carregamento com a Busca Tabu. Araújo (2006) propõe a resolução do problema combinando o uso de um procedimento baseado em cubóides inspirado na Busca em Vizinhança Variável para o Bin Packing Problem com a Busca Tabu. Portal et al. (2009) utilizam um procedimento de busca local para definição do carregamento associado a Busca Tabu para otimização das rotas. Uma versão do problema que incorpora janelas de tempo é resolvida por Moura e Oliveira (2009) através de uma abordagem seqüencial e de uma abordagem hierárquica que utilizam um algoritmo de busca local, o GRASP e Simulação Monte Carlo. Fuellerer et al. (2010) propõem o uso da Otimização por Colônia de Formigas para resolução do problema. Este trabalho propõe um modelo aproximado para resolução do 3L-CVRP que combina o uso de heurística construtiva para configuração dos carregamentos com a Busca Tabu aplicada para melhoria dos roteiros. Além das restrições de carregamento, o modelo define soluções de mínima distância considerando restrições de distribuição de peso nos eixos do veículo e tempo máximo de jornada de trabalho. Nos testes computacionais, realizados com um conjunto proposto de 12 instâncias, são construídos cenários utilizando veículos leves e médios, de forma separada e combinada. Nestes cenários é avaliada também a possibilidade de um dado veículo ser alocado a mais de um roteiro e o custo operacional total da solução obtida. O trabalho está organizado da seguinte forma. Na seção 2 é feita a descrição do 3L-CVRP. A seção 3 apresenta o modelo proposto neste trabalho. A seção 4 descreve a aplicação do modelo, enquanto a seção 5 apresenta os resultados dos experimentos computacionais. Por último, a seção 6 apresenta as conclusões do trabalho. 2. Descrição do Problema O 3L-CVRP pode ser descrito da seguinte forma, tendo por base a notação apresentada por Gendreau et al. (2006). Seja V = {0, 1, ..., n} um conjunto formado por n + 1 vértices que correspondem a um depósito (vértice 0) de onde os veículos são despachados, um grupo de clientes (vértices de 1, ..., n) destinatários das entregas e E um conjunto de arestas eij que representam ligações entre os vértices. Com estes elementos é definido um grafo não-orientado dado por G = (V, E). Um custo cij é associado a cada aresta eij em G representando o comprimento de cada aresta que liga dois vértices. Seja v o número de veículos idênticos que se encontram disponíveis junto ao depósito de onde partirão as entregas aos clientes. Cada veículo possui 28 Transporte em Transformação XVI uma capacidade D dada em peso e uma capacidade volumétrica do compartimento de carga dada por S. O compartimento de carga é definido pela largura W, altura H e comprimento L. Assim, o espaço de carga disponível é representado por S = W.H.L. Em cada cliente i (i = 1, ..., n) deve ser entregue um conjunto Iik de mi itens tri-dimensionais, sendo que cada item Iik (k = 1, ..., mi) possui largura wik, altura hik e comprimento lik. O peso total dos itens de um cliente é di. O espaço ocupado no m compartimento de carga por um cliente i é dado por si = ∑k =i 1 wik hik lik . A factibilidade do carregamento em cada veículo é obtida satisfazendo as seguintes restrições (GENDREAU et al., 2006; FUELLERER et al., 2010): • Quando carregados, os itens devem ser posicionados ortogonalmente aos eixos que representam as dimensões W, H e L do compartimento de carga segundo uma orientação fixa em relação à altura (em razão das regras de empilhamento), mas podem ser rotacionados em 90º no plano w-l; • Cada item Iik pode ser classificado como frágil ou não-frágil, sendo então atribuído um índice de fragilidade fik (i = 1, ..., n; k = 1, ..., mi), igual a 1 se Iik é considerado frágil ou 0 caso contrário. Nenhum item não-frágil pode ser colocado sobre um item frágil, mas é permitido que itens frágeis possam ser empilhados; • Quando um item Iik é colocado sobre outros itens, é necessário avaliar a área de suporte correspondente. O posicionamento é viável somente se a área de suporte não é menor do que um dado percentual limite a da base do item, isto é, A’ ≥ awiklik, onde 0 ≤ a ≤ 1 é um dado parâmetro que representa a fração mínima de área de Iik que deve estar apoiada. Esta restrição é sempre satisfeita quando um item é colocado diretamente sobre o piso do compartimento de carga. • No instante da descarga em um cliente i, todos os respectivos itens Iik devem estar acessíveis, podendo ser movimentados livremente sem que seja necessário manusear itens de outros clientes. Esta restrição de seqüência LIFO (last in first out) é também denominada de carregamento seqüencial. O 3L-CVRP consiste em determinar um conjunto de v roteiros (um por veículo) com início e fim no depósito onde cada cliente é atendido por exatamente um veículo, a carga alocada a um veículo não excede a sua capacidade em peso e volume, para cada veículo existe uma configuração de carregamento ortogonal tridimensional viável de todos os itens demandados por todos os clientes, satisfazendo orientação vertical fixa, fragilidade, área mínima de suporte e seqüência LIFO e o custo de trajeto ao longo do roteiro é mínimo. Uma Abordagem de Resolução Integrada para os Problemas de Roteirização e Carregamento de Veículos 29 3. Proposta de um Modelo para a Resolução do 3L-CVRP O modelo de resolução do problema de roteirização e carregamento de veículos proposto neste trabalho está diretamente relacionado com as atividades cotidianas das empresas de transporte rodoviário de cargas que operam o sistema de distribuição via centro de triagem e dos prestadores de serviços logísticos que efetuam entregas a partir de centros de distribuição. Maiores detalhes sobre este modelo são encontrados em Araújo (2010). Aspectos que trazem complexidade adicional para este trabalho de planejamento advém do uso de veículos com diferentes capacidades, do tempo de ciclo que pode ser definido para cada tripulação conforme a jornada de trabalho estabelecida, do aproveitamento de veículos em mais de uma rota e de metas relacionadas ao custo operacional do transporte. O modelo proposto apresenta as seguintes características: • Determina roteiros de percurso mínimo com início e fim no centro de triagem ou distribuição; • É caracterizado como um CVRP com restrições de carregamento tridimensional (3L-CVRP) que considera restrições de distribuição de peso nos eixos do veículo e de tempo máximo para jornada de trabalho; • Constrói roteiros e carregamentos de forma simultânea; • Determina somente soluções iniciais factíveis em termos de carregamento tridimensional e tempo máximo de ciclo; • As demandas são conhecidas antecipadamente (determinísticas); • Não é estipulado um número máximo de veículos para solução inicial, uma vez que na prática veículos extras podem ser agregados quando necessário; • Constrói rotas para veículos idênticos e também analisa a possibilidade de inserção de veículo de maior ou menor capacidade; • Lida com itens tridimensionais que apresentam restrições de fragilidade, área mínima de suporte e carregamento seqüencial; • Os clientes podem receber mais de um tipo de item e vários itens de um mesmo tipo; • Se houver possibilidade, um veículo é alocado a mais de uma rota por dia; • Calcula o custo operacional relativo a cada roteiro após a determinar a solução inicial e após executar a fase de melhoria. 30 Transporte em Transformação XVI 3.1 Apresentação e descrição do modelo O modelo proposto é composto por duas etapas. Na primeira delas, os roteiros e a acomodação dos itens no compartimento de carga são definidos simultaneamente, respeitando as restrições de carregamento tridimensionais (fragilidade, área mínima de apoio e carregamento seqüencial) e do tempo máximo de jornada de trabalho. É definida assim a frota máxima de veículos que deverá ser empregada. Conhecidos os roteiros que formam a solução inicial e os seus respectivos tempos de percurso, é analisada a possibilidade de alocar mais de um roteiro a um dado veículo. Ao final desta etapa é calculado um valor inicial para o custo operacional total do transporte. Na segunda etapa busca-se uma melhoria da solução inicial através da aplicação de um algoritmo de Busca Tabu sobre os roteiros definidos na etapa anterior. Esta melhoria visa reduzir ainda mais a distância percorrida nos roteiros. As iterações realizadas nesta etapa consideram infactibilidades nas restrições citadas acima (exceto para aquelas de carregamento tridimensional), possibilitando uma exploração mais ampla do espaço de busca. Nesta etapa busca-se também factibilizar a distribuição de peso nos eixos. Uma vez atingido o critério de parada é escolhida a solução com melhor valor para a função objetivo e na qual todas as restrições são factibilizadas. Ao final desta etapa, é re-avaliada a possibilidade de alocar mais de um roteiro a um veículo, sendo calculado novamente o custo operacional total da solução. 3.2 Representação do carregamento Os problemas de carregamento que consideram o arranjo de itens tridimensionais requerem que seja adotada uma forma eficiente de representação em termos computacionais, pois existe a necessidade de um número significativo de iterações em que o procedimento de carregamento invoca a inserção e movimentação de itens. Tendo em vista esta necessidade foi adotada, a exemplo de Portal et al. (2009), como forma de representação do carregamento a matriz dinâmica proposta por Ngoi et al. (1994), na qual pode ser feita a representação do compartimento de carga em duas dimensões usando o menor número possível de células em cada dimensão da matriz. Cada item é representado pelas células ocupadas, sendo que no início uma célula representa todo o espaço livre no compartimento de carga. Na medida em que novos itens são inseridos, as células da matriz, vão sendo subdivididas de acordo com a necessidade. A matriz bidimensional gerada armazena ainda, para cada uma de suas células, a altura correspondente. Uma Abordagem de Resolução Integrada para os Problemas de Roteirização e Carregamento de Veículos 31 3.3 Heurística de carregamento O desenvolvimento de um procedimento específico para construção de carregamentos tridimensionais requer que sejam consideradas as características físicas dos itens (dimensões, pesos, fragilidade), bem como a diversidade e as quantidades solicitadas pelos clientes. Desta forma, estarão sendo representadas adequadamente as características reais dos carregamentos. A heurística de carregamento foi desenvolvida de modo a lidar com situações onde os itens são de tamanho real e representam a diversidade de dimensões; existe repetição de itens destinados a um único cliente; a organização dos itens destinados a um cliente no compartimento de carga é feita de modo a facilitar o manuseio e a conferência durante a descarga. Para atender esta necessidade possibilita-se a construção de agrupamentos de itens na forma cubos, pilhas e grupos de pilhas. Na heurística de carregamento o compartimento de carga é representado como um espaço cartesiano x-y-z que correspondem respectivamente as dimensões W-H-L. São descritos a seguir os dois procedimentos que formam a heurística de carregamento que são o agrupamento de itens e a construção do carregamento. 3.3.1 Procedimento para o agrupamento dos itens Este procedimento é acionado sempre que a carga destinada a um cliente que está sendo inserido em um roteiro for composta por um conjunto de itens idênticos. Como resultado tem-se agrupamentos de itens, organizados na forma de cubos, pilhas ou grupos de pilhas com largura de até 1,2 metros. Eley (2002) emprega a estratégia de agrupamento de itens idênticos na resolução de Problema do Carregamento de Contêineres. Além de providenciar uma melhor organização dos itens no compartimento de carga o agrupamento auxilia a reduzir o tempo de processamento do procedimento de construção do carregamento, já que vários itens passam a ser tratados como um único. No procedimento adotado, uma primeira análise é feita sobre a possibilidade dos itens formarem um cubo com largura que não ultrapasse a largura do compartimento de carga. Se não for possível a formação de cubos é avaliada a formação de pilhas. Em ambas as situações a altura resultante é comparada com a altura interna do compartimento de carga. À medida que os agrupamentos são formados, passam na seqüência a serem organizados no compartimento de carga pelo procedimento de construção do carregamento. 32 Transporte em Transformação XVI 3.3.2 Procedimento para construção do carregamento Para obter uma solução inicial para o carregamento foi empregado um procedimento que segue em linhas gerais a heurística construtiva utilizada inicialmente por Gendreau et al. (2006) (denominada BL3L-SV) e posteriormente por Portal et al. (2009) e Fuellerer et al. (2010). Entretanto, algumas mudanças foram introduzidas nesta heurística, especialmente na etapa de melhoria, objetivando adaptá-la a situação em que são permitidos somente carregamentos factíveis (a exceção da distribuição de peso nos eixos). Neste procedimento busca-se ocupar primeiramente o fundo do veículo e no sentido da esquerda para a direita e que tenha pelo menos dois apoios laterais disponíveis. Em caso de empate, considera-se o menor valor na largura e se ocorrer um segundo empate, o menor valor na altura. Quando um item é chamado da lista, a primeira posição a ser testada considera sua maior dimensão colocada paralela a dimensão do compartimento de carga. Se não for possível realizar esta inserção no espaço disponível é feita então a rotação de 90° em torno do eixo y. Na medida em que o carregamento é construído são verificadas as restrições de fragilidade, área mínima de apoio e carregamento seqüencial. Se, após uma primeira rodada, não existir ponto para inserção do item que respeite as restrições de carregamento e de dois apoios laterais disponíveis, a lista de pontos é verificada novamente sem verificação das laterais de apoios. Depois que os itens de um cliente da rota que está sendo construída são acomodados no veículo é executado pela primeira vez o procedimento de melhoria do carregamento. Este procedimento consiste em uma heurística do tipo primeira melhoria no qual é feita a troca da ordem em que os itens são inseridos conforme a leitura na lista. As trocas são realizadas duas a duas gerando novas soluções até que todos os itens sejam trocados. Este procedimento é repetido até que nenhuma das novas soluções geradas seja melhor do que a melhor solução. 3.4 Busca Tabu aplicada na melhoria dos roteiros Para gerar uma solução inicial foi empregada a versão paralela do método das economias de Clarke e Wright (1964) na qual roteiros são construídos de forma simultânea a partir da leitura de uma lista de economias si,j em ordem decrescente dos valores. A solução inicial define uma primeira seqüência de visita aos clientes conforme os critérios do CVRP, sem exceder o peso, o comprimento do Uma Abordagem de Resolução Integrada para os Problemas de Roteirização e Carregamento de Veículos 33 compartimento de carga, respeitando as restrições de carregamento tridimensionais e de jornada máxima de trabalho. O número de veículos (que corresponde ao número de rotas) é definido nesta etapa, sendo que este valor não poderá ser ultrapassado na fase seguinte de melhoria. Uma modificação pré-melhoria é executada sobre os roteiros resultantes da solução inicial. Este procedimento é idêntico ao movimento intra-rota que será detalhado posteriormente. O processo de melhoria da solução inicial foi realizado com a aplicação da Busca Tabu, uma metaheurística que, desde sua introdução por Glover (1986), vem sendo largamente empregada na resolução de problemas combinatoriais. Em primeiro lugar é feita a inicialização da Busca Tabu tornando a solução inicial (e a possível pré-melhoria) como solução corrente. Neste estágio a melhor solução encontrada, até o momento, assume o valor da solução corrente. É inicializado também o contador de tempo, uma vez que o critério de parada é um tempo limite de processamento. A aplicação da Busca Tabu requer inicialmente a definição de um espaço de busca e de uma estrutura de vizinhança. No modelo proposto o espaço de busca foi definido como o conjunto de rotas que satisfaz a todas as restrições, mas ele pode ser explorado considerando também as infactíveis a fim de favorecer a diversificação. Já a vizinhança é explorada através de dois tipos de movimento: inserção inter-rotas e trocas intra-rota respectivamente. Na inserção inter-rotas para cada rota j toma-se cada um dos i clientes na seqüência em que aparecem e insere-se cada um destes no final de cada uma das k outras rotas. O cliente enviado é inserido na rota k e testado em todas as posições adjacentes aos n/2 pares de melhores economias da rota (sendo n o tamanho da rota para onde foi enviado), o que já constitui um movimento intra-rota. O movimento intra-rota inicia quando um cliente é removido da rota j para a rota k (seguindo a lógica da inserção inter-rotas). Na rota original (j) procura-se trocar cada um dos clientes de posição, avaliando a distância final resultante. Neste tipo de movimento, caso tenha sido encontrada uma ordenação de menor distância que a inicial, é realizado o procedimento de avaliação do carregamento no veículo desta rota. Esta avaliação contempla também a verificação da factibilidade da distribuição de peso nos eixos do veículo (peso máximo por eixo). Tal distribuição é calculada para cada item considerando a concentração do peso em seu ponto central. O peso de cada item incidente no eixo traseiro é calculado através da Equação 1, derivada de Valente et al. (1997): 34 Transporte em Transformação XVI Cat = (Ddi x Pi)/Dee (1) onde: Cat é o peso de cada item incidente no eixo traseiro; Ddi é a distância entre o eixo dianteiro e o ponto central do item mi; Pi é o peso do item mi; Dee é a distância entre eixos. Ao final é feito o somatório dos valores de Cat calculados para todos os itens. O valor obtido é então comparado com o limite de carga conforme a especificação técnica do veículo. A carga sobre o eixo dianteiro será a diferença entre a carga total e a carga incidente no eixo traseiro. Caso a avaliação da nova solução pela função-objetivo tenha sido melhor que a inicial então esta nova solução da rota é retornada. Do contrário retorna uma resposta informando que há uma melhor solução possível da rota inicial. Uma segunda etapa é executada no movimento intra-rota se e apenas se o valor da solução que a etapa anterior encontrou não foi melhor que a inicial (probabilidade de uma ordenação diferente com distância menor gerar excessos no carregamento) e houve uma ordenação encontrada com menor distância. É efetuada a troca de posição dos clientes na rota dois a dois por proximidade (clientes adjacentes) avaliando a solução gerada. Para todas as trocas realizadas dois a dois verifica-se qual foi a melhor e se houve melhoria em relação à solução inicial. Caso contrário retorna a solução inicialmente enviada. Se uma melhoria (menor distância) é encontrada na troca do cliente que está sendo avaliado atualmente, então essa nova ordenação será escolhida como a melhor, e o procedimento é reiniciado. Quando não houver melhoria para a troca de posições realizada com todos os clientes, então o procedimento é encerrado. A inserção inter-rotas e as trocas intra-rotas são realizadas até que não ocorram mais melhorias na melhor solução. O número de veículos nesta etapa não pode ultrapassar o valor definido na solução inicial. Uma solução R gerada por um movimento é avaliada através da seguinte função-objetivo: f(R) = DT + α . Ept + β . Ec + δ1 . Eed + δ2 . Eet + π . Etc + γ f(i, j) onde: DT : representa a distância total do roteiro definido na solução; (2) Uma Abordagem de Resolução Integrada para os Problemas de Roteirização e Carregamento de Veículos 35 α : representa uma penalidade aplicada sobre a infactibilidade de peso total e seu valor é igual a 20ē/D onde ē representa o custo médio de uma aresta e D o peso máximo permitido para um veículo; Ept : representa o excesso de peso total; β : representa uma penalidade aplicada sobre a infactibilidade de comprimento da carga e seu valor 20ē/L onde ē representa o custo médio de uma aresta e L o comprimento máximo do compartimento de carga; Ec: representa o excesso de comprimento da carga em relação ao comprimento do compartimento de carga; δ1: representa uma penalidade aplicada sobre a infactibilidade de peso no eixo dianteiro e seu valor é igual a 20ē/P1 onde ē representa o custo médio de uma aresta e P1 o peso máximo permitido no eixo dianteiro; Eed : representa o excesso de peso no eixo dianteiro; δ2 : representa uma penalidade aplicada sobre a infactibilidade de peso no eixo traseiro e seu valor é igual a 20ē/P2 onde ē representa o custo médio de uma aresta e P2 o peso máximo permitido no eixo traseiro; Eet : representa o excesso de peso no eixo traseiro; π : representa uma penalidade aplicada sobre a infactibilidade de tempo de ciclo e seu valor é igual a 20ē/Tc onde ē representa o custo médio de uma aresta e Tc o tempo máximo de ciclo; Etc : representa o excesso no tempo de ciclo; γ : representa um parâmetro de diversificação dado por 2n × v onde n é o número de clientes da instância e v é o número de rotas (que provém da solução inicial); f(i, j) : a razão entre o número de vezes que um movimento designa o cliente i para o veículo j e o número de movimentos aceitos. Na Equação 2 foram adotados valores dinâmicos para α e β. Já os coeficientes δ1, δ2 e π são mantidos estáticos, o que produz melhores resultados conforme avaliado previamente em testes. A diversificação da busca é promovida pelo terceiro termo da expressão sendo γ = 2n × v (melhor valor demonstrado pelos experimentos computacionais) e f(i, j) a razão entre o número de vezes que um movimento designa o cliente i para o veículo j e o número de movimentos aceitos, estabelecido da mesma forma que em Gendreau et al. (2006). 36 Transporte em Transformação XVI Para restrição de vizinhança, foi adotado aqui um valor de p = min [n/4; 20]. A vizinhança de um ponto é estabelecida como os pares econômicos (si,j) que contém o ponto em consideração, ordenados conforme valores decrescentes das respectivas economias. Esta lista é percorrida até o valor p definido anteriormente. A Lista Tabu armazena o inverso de todos os movimentos feitos nas últimas iterações: se o cliente i passa da rota j para a rota k nas próximas iterações, é proibido mover o cliente i da rota k de volta para a rota j. O tabu tenure, que indica o número de iterações durante as quais um movimento deve permanecer com o status de tabu, foi definido experimentalmente como o mínimo valor entre n/2 e 15. Como critério de aspiração considera-se que um movimento tabu é permitido se este resulta em um valor melhor para a função-objetivo do que aquele encontrado para a melhor solução. Foi adotado também um critério de intensificação duplicando o valor de p nas 3 iterações seguintes quando a solução corrente melhora a melhor solução. 4. Aplicação do Modelo 4.1 Construção de instâncias para simulação de um caso real Para a aplicação do modelo proposto foram criadas instâncias que procuram simular as operações de entrega de produtos a partir de centros de triagem ou distribuição. A definição dos dados e parâmetros necessários para construção das instâncias concentrou-se em quatro aspectos principais: a configuração da rede de atendimento que representa o centro de triagem e os clientes; as cargas, formadas por caixas na forma de paralelepípedo com os respectivos pesos, dimensões e características de fragilidade; os veículos, com suas especificações técnicas; e a restrição de tempo as quais o problema está submetido. A rede de atendimento foi construída considerando o local para o centro de triagem (porto seco) e 300 pontos de entrega que correspondem aproximadamente ao número de clientes de uma empresa transportadora ou de um prestador de serviços logísticos de médio-grande porte. Foram coletadas as medidas reais de comprimento, largura e altura, além do peso, de uma série de caixas reais e as distâncias dos pontos ao centro de triagem e entre os pontos. Uma Abordagem de Resolução Integrada para os Problemas de Roteirização e Carregamento de Veículos 37 Foram considerados dois tipos de veículos: leve com Peso Bruto Total – PBT de 7850kg (custo fixo diário por veículo de R$339,10 e variável de R$ 0,58/ km) e médio com PBT de 13000kg (custo fixo diário por veículo de R$361,47 e variável de R$ 0,76/km). Ambos os modelos são equipados com carroceria fechada (compartimento de carga) do tipo furgão com acesso pelas portas traseiras, que é a mais utilizada nas operações de coleta e entrega urbana. Para definição do tempo de deslocamento (td) entre dois pontos é considerada a distância e a velocidade média de percurso (vm), estipulada em 40km/h. O tempo de parada leva em consideração a soma do tempo de espera, estipulado em 0,25 horas e, o tempo de descarga que depende da quantidade de itens manuseados e de sua respectiva classificação conforme o volume unitário: (a) tipo 1 (volume ≤ 0,2m3), 30 segundos; (b) tipo 2 (volume > 0,2m3), 40 segundos. Já o tempo de jornada de trabalho foi estimado em 8,5 horas. Como o modelo avalia também a possibilidade de um veículo realizar mais de um roteiro em uma jornada de trabalho, um tempo adicional foi estipulado em uma hora, resultando então em uma jornada de trabalho de 9,5 horas. 4.2 Instâncias propostas O modelo foi testado em um conjunto de 12 instâncias, configuradas de modo que a complexidade, expressa pelo número de clientes e número de itens, fosse incrementada de forma seqüencial. A Figura 1 apresenta as características das instâncias em termos de número de clientes, número total de itens, volume total dos itens e peso total dos itens. 5. Experimentos Computacionais Os testes computacionais foram realizados em um Intel Core 2 Duo 6300, com 1,86 GHz e 2 Gb de RAM. 5.1 Validação do modelo proposto A validação do modelo proposto foi feita com as 27 instâncias propostas por Gendreau et al. (2006), disponíveis em http://www.or.deis.unibo.it/research. html. Estas instâncias consideram somente itens de grande tamanho, não havendo 38 Transporte em Transformação XVI repetição de um mesmo tipo para um mesmo cliente (itens iguais). Além disso, o peso de cada item não é conhecido, mas somente o peso total da carga de cada certo cliente e as demandas dos clientes variam de 1 a 3 itens. Considerando a natureza determinística da Busca Tabu, foram adotados os mesmos tempos de processamento utilizados por Gendreau et al. (2006). Divididas em três grupos, foram estabelecidos tempos limites de processamento para as instâncias de 1800 segundos (para as instâncias de 1 a 9), de 3600 segundos (para as instâncias de 10 a 18) e de 7200 segundos (para as instâncias de 19 a 27). Tabela 1: Características das instâncias Instância N° de clientes N° de itens Volume total (m3) Peso total (kg) Instância 1 10 400 46,221 4.882,2 Instância 2 20 587 52,092 6.167,1 Instância 3 30 571 83,199 7.511,1 Instância 4 40 570 90,039 10.341,0 Instância 5 50 808 114,824 13.779,5 Instância 6 60 1.344 117,380 15.228,9 Instância 7 70 1.650 156,425 20.021,1 Instância 8 80 1.653 172,607 20.957,5 Instância 9 90 1.996 183,768 22.965,0 Instância 10 100 1.981 226,047 27.527,1 Instância 11 110 2.182 238,339 28.495,9 Instância 12 120 2.688 245,999 31.008,3 Na aplicação do modelo proposto a avaliação de uma dada solução foi feita através da Equação 2 sem considerar as parcelas de distribuição de peso nos eixos dianteiro e traseiro, bem como de tempo de ciclo. Os resultados do teste indicam um bom desempenho do modelo proposto quando aplicado a este conjunto de 27 instâncias, uma vez que em 21 delas atingiu melhores valores finais. Também em 21 instâncias apresenta um tempo de processamento sensivelmente inferior para determinação da melhor solução. Apesar do modelo proposto não considerar limitação no número de veículos, em 17 instâncias foi capaz de utilizar um número menor destes. Demonstra-se assim o bom desempenho do modelo proposto para tratar o 3L-CVRP. Uma Abordagem de Resolução Integrada para os Problemas de Roteirização e Carregamento de Veículos 39 5.2 Aplicação do modelo em instâncias que simulam um caso real O tempo de processamento adotado foi de 2 horas para as instâncias (Figura 1) 1, 2 e 3 e de 3 horas para as demais. Adotaram-se estes valores por serem aceitáveis na prática e possibilitarem um adequado número de iterações. Para as 12 instâncias propostas foram construídos 4 cenários. O primeiro que emprega somente veículos leves; o segundo que emprega veículos leves, mas com possibilidade de inserção de veículos médios; o terceiro que emprega somente veículos médios e finalmente o quarto que emprega veículos médios, mas com possibilidade de inserção de veículos leves. No primeiro cenário houve redução do número de roteiros em relação à solução inicial somente em 3 instâncias (1, 4 e 10). Este fato pode estar relacionado com as dimensões reduzidas do compartimento de carga do veículo leve que limitam de certa forma as opções de acomodação da carga na solução inicial. À medida que novas soluções são exploradas na Busca Tabu aumenta a probabilidade de encontrar uma melhor configuração dos roteiros e dos respectivos carregamentos. Com exceção da instância 3, houve melhora no valor da função-objetivo com a aplicação da Busca Tabu. Já para o segundo cenário observou-se na instância 1 redução no número de roteiros entre a solução inicial e a melhor solução factível da Busca Tabu. Em todas as instâncias a Busca Tabu propicia uma melhoria no valor da funçãoobjetivo quando comparado ao valor da solução inicial. Chama a atenção neste cenário o aumento no tempo de processamento requerido para obtenção da melhor solução quando comparado ao primeiro cenário. Isto se deve a maior capacidade do veículo médio que é inserido e por conseqüência, ao aumento número de opções de carregamento a serem avaliadas em cada movimento. Em nove instâncias houve inserção do veículo médio. No caso do terceiro cenário não houve redução no número de roteiros da solução inicial para a melhor solução factível definida na Busca Tabu. Este fato pode ser explicado pelas maiores dimensões do compartimento de carga do veículo médio, o que facilita o processo de acomodação dos itens na solução inicial. Neste caso, o aumento da capacidade de carga, apesar de possibilitar uma melhor ocupação do espaço, torna muito grande o número de opções a serem avaliadas, o que pode comprometer o desempenho em termos de tempo de processamento e, por conseqüência, o número total de movimentos que podem ser efetuados durante a Busca Tabu. 40 Transporte em Transformação XVI No quarto cenário não ocorreu redução do número de roteiros após a Busca Tabu. Houve melhora no valor da função-objetivo e inserção de veículo leve em 8 instâncias com a aplicação da Busca Tabu. A análise das variações percentuais dos valores do custo inicial e final mostra que somente no caso de duas instâncias (instâncias 1 e 6 quando são comparados o primeiro e o terceiro cenário) é que ocorre uma efetiva redução de custo. Nos demais casos da comparação feita entre o primeiro cenário e o segundo (a exceção das instâncias 2, 8, 9 e 12 onde o custo ficou inalterado) e entre o primeiro e o terceiro cenário notou-se que há um aumento dos custos. Isto pode ser explicado pelo fato de que a redução da distância percorrida é muito pequena e não consegue compensar o custo de um veículo médio (que é maior tanto na parcela fixa quanto na variável). Já na comparação do terceiro e quarto cenário há um aumento porque não é possível a alocação mais de um roteiro ao veículo leve, pois este não pode receber a carga que seria transportada por um veículo médio devido a sua menor capacidade. 6. Conclusões Este artigo propôs a resolução do 3L-CVRP através de abordagem aproximativa que combina uma heurística construtiva para acomodação dos itens no compartimento de carga de veículos e a Busca Tabu para melhoria dos roteiros. Além das restrições de carregamento tridimensionais foram consideradas restrições de distribuição de peso nos eixos do veículo e tempo máximo para jornada de trabalho da tripulação. O modelo considera ainda o uso de veículos de diferentes capacidades de forma separada ou combinada em uma mesma rota, a alocação de mais de uma rota a um mesmo veículo e o cálculo do custo operacional total da solução. A validação do modelo foi realizada com um conjunto de 27 instâncias da literatura, que mostrou o potencial do modelo em atingir ótimos resultados quando comparados com aqueles encontrados na literatura. O modelo foi testado num conjunto de 12 instâncias com dados que buscam simular da forma mais fiel as operações reais. Os testes computacionais realizados com este conjunto de instâncias demonstram a efetividade do modelo em atingir boas soluções em tempos de processamento aceitáveis em problemas nos quais o número de variáveis que devem ser analisadas é grande. Uma Abordagem de Resolução Integrada para os Problemas de Roteirização e Carregamento de Veículos 41 Para futuros desenvolvimentos podem ser agregados outros elementos à estratégia de resolução, especialmente no processo de busca no espaço de soluções que gerem uma maior diversificação das opções. Sugere-se para isso as estratégias híbridas da Busca Tabu. Além disso, o uso de metaheurísticas baseadas em busca global poderia ser testado. Referências Bibliográficas Araújo, O.C.B. (2006) Problemas de corte e empacotamento tridimensional e integração com roteamento de veículos. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação. Araújo, R. R. (2010) Uma abordagem de resolução integrada para os problemas de roteirização e carregamento de veículos. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção. Belfiore, P.; Yoshizaki, H.T.Y. 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Rafael Roco de Araújo ([email protected]) Faculdade de Engenharia – FENG Pontifícia Universidade Católica do RS Av. Ipiranga, 6681, Prédio 30 Bairro Partenon – Porto Alegre, RS CEP 90619-900 Um Estudo de Diferentes Métodos de Busca e a Metaheurística VNS para Otimizar a Escala de Motoristas de Ônibus Urbano 2 Allexandre Fortes da Silva Reis Departamento de Engenharia de Produção Universidade Federal de Ouro Preto Gustavo Peixoto Silva Departamento de Computação Universidade Federal de Ouro Preto Resumo Este trabalho explora diferentes métodos de busca associados à metaheurística Variable Neighborhood Search-VNS para resolver o Problema de Programação de Tripulações do Sistema de Transporte Público. Inicialmente a metaheurística VNS foi implementada utilizando o método clássico de busca Variable Neighborhood Descent-VND. Posteriormente foi utilizada a técnica Very Large-scale Neighborhood Search-VLNS como procedimento de busca. Esta técnica realiza uma busca em um espaço maior do que as buscas clássicas, permitindo a realocação de tarefas em uma série de diferentes tripulações. Consequentemente, suas soluções ótimas locais devem ser melhores do que aquelas obtidas pelo método clássico. As duas versões do VNS foram aplicadas a um conjunto de problemas de uma empresa que opera em Belo Horizonte, produzindo resultados melhores do que a solução adotada pela empresa. Os resultados mostram também que as soluções obtidas pelo método 46 Transporte em Transformação XVI VNS-VLNS são mais econômicas e apresentam características mais apropriadas à operação do que aquelas obtidas pelo método clássico. Abstract This paper explores different methods associated with Metaheuristic Variable Neighborhood Search-VNS to solve the Crew Scheduling Problem from Public Transportation Systems. Initially, the VNS was implemented using the classical Variable Neighborhood Descent-VND. Further, we used the Very Large-Scale Neighborhood Search-VLNS technique as local search procedure. This technique is able to search for better solutions in a larger space than the classic search, allowing tasks reallocation in a sequence of different crews. Consequently, local optimal solutions must be better than those obtained by classical search methods. Both versions of VNS have been applied to a set of problems from a company that operates in Belo Horizonte, producing better results than the solution adopted by the company. The results also show that the solutions obtained by the VNS-VLNS are more economical and present characteristics more appropriate to the operation than those obtained by the classical method. 1. Introdução Atualmente as empresas de todos os setores da economia buscam usar ao máximo as inovações tecnológicas para melhorar o desempenho de seus processos. Mas as empresas do sistema de transporte público brasileiro fazem pouco uso de softwares e modelos de otimização para alocar os seus equipamentos e a mão de obra necessária para a sua operação, isto é, os veículos e as tripulações (motoristas e cobradores). Isso se deve porque o uso de modelos de otimização requer: o levantamento de dados precisos; o cumprimento das regras especificadas; a flexibilização da operação do sistema, entre outras práticas ainda pouco difundidas no setor. Por outro lado, em sistemas mais exigentes, como no sistema de transporte aéreo, o uso de modelos de otimização para montar as escalas de suas tripulações, é uma prática quase obrigatória. Além de possibilitar a geração de escalas viáveis, os modelos conseguem reduzir os custos com esta mão de obra, que no caso do transporte aéreo, são muito elevados. Dessa forma, o estudo e a implementação de métodos eficientes para a resolução do problema de programação de tripulações Um Estudo de Diferentes Métodos de Busca e a Metaheurística VNS para Otimizar a Escala de Motoristas de Ônibus Urbano 47 do sistema de transporte público, assim como a sua difusão no meio, são tarefas importantes não somente para reduzir os custos operacionais, mas também para disseminar a utilização de sistemas de apoio à decisão pela alta gerência das empresas que atuam neste setor. O Problema da Programação das Tripulações (PPT) consiste em determinar o número mínimo de tripulações de forma a cobrir totalmente a programação de veículos realizada previamente. A solução deste problema envolve o sequenciamento das atividades dos motoristas, gerando um conjunto de jornadas de trabalho. As jornadas devem satisfazer diversas restrições devido às leis trabalhistas, acordos sindicais e ainda as regras operacionais das empresas. Desta forma, o problema se torna NP-hard, para o qual não existe algoritmo polinomial que obtenha a solução ótima (Fischetti et al. 1987). A abordagem clássica para tratar esse problema formula-o como um problema de programação linear inteira de recobrimento ou particionamento (set covering ou set partitioning model). Para resolver o problema é utiliza a estratégia de geração de colunas (Smith e Wren 1988, Desrochers e Soumis 1989, Fores et al. 1999, Barnhart et al 1998). Entretanto, modelos exatos são limitados quando aplicados a problemas de grande porte. Desta forma, torna-se fundamental a utilização de métodos heurísticos para resolver problemas práticos, os quais são normalmente de grande porte. Um grupo precursor nesta área, denominado Scheduling and Constraint Management Group da Universidade de Leeds, realizou uma série de implementações heurísticas utilizando Algoritmos Genéticos (Kwan et al, 1999; Li e Kwan, 2003), Busca Tabu (Shen e Kwan, 2001), Colônia de Formigas (Forsyth e Wren, 1997) entre outras. Os modelos desenvolvidos por este grupo são largamente utilizados no Reino Unido tanto para realizar a programação das tripulações quanto da frota em operação (Wren, 2004). Embora o Problema de Programação da Tripulação tenha sido largamente estudado e aplicado nos países mais desenvolvidos, suas técnicas de resolução são pouco difundidas e raramente aplicadas à realidade brasileira. Isso se deve, em parte, pela falta de dados e organização necessária, por parte das empresas do setor, como também pela carência de modelos que representem a realidade operacional brasileira. 48 Transporte em Transformação XVI Dentre os estudos voltados para a resolução do PPT na realidade brasileira, podemos destacar aqueles desenvolvidos por um dos autores deste trabalho, que utilizam as metaheuríticas Simulated Annealing, Busca Tabu, GRASP e VNS (Silva et al. 2002; Soares et al. 2006, Souza et al. 2004). Estas implementações foram testadas com dados de empresas que atuam no sistema brasileiro de transporte público e os resultados mostram que existem grandes possibilidades de redução dos custos em relação às soluções adotadas pelas empresas. Entretanto novas regras para o problema e modernas técnicas de busca surgiram nos últimos anos, e que podem ser utilizadas na resolução do problema. Desta forma, este trabalho explora a utilização de uma técnica recente de busca local baseada na representação em grafos e no uso de algoritmos de fluxo em redes para realizar buscas mais complexas do que aquelas inerentes aos procedimentos clássicos de busca local. A técnica de busca denominada Very Large-scale Neighborhood Search VLNS (Ahuja, 2000) foi empregada para resolver o PPT por Silva e Cunha (2010). O modelo desenvolvido utiliza a técnica VLNS como o procedimento de busca da metaheurística GRASP. Neste trabalho foi observado que o resultado de uma busca do tipo VLNS é fortemente dependente da solução inicial. Sendo assim, foi proposto adotar heurísticas construtivas que realizam perturbações periódicas na solução corrente através de movimentos diversos. Nesta classe destaca-se a heurística Variable Neighborhood Search (VNS), que consiste em explorar o espaço de soluções através de trocas sistemáticas de estruturas de vizinhança. Assim, este trabalho tem como objetivo resolver o Problema de Programação da Tripulação utilizando a metaheurística VNS, combinada com a técnica de busca VLNS. Para verificar a eficiência da combinação proposta, a metaheurística VNS também foi implementada em sua versão clássica, que usa o método Variable Neighborhood Descent (VND) tendo como procedimento de busca local subjacente o método da Primeira Solução de Melhora (First Improvement Method). As duas versões da metaheurística foram testadas com dados de uma empresa nacional que opera em um sistema de transporte público, e os diferentes resultados foram comparados permitindo uma avaliação quantitativa e qualitativa das soluções. Um Estudo de Diferentes Métodos de Busca e a Metaheurística VNS para Otimizar a Escala de Motoristas de Ônibus Urbano 49 2. O Problema de Programação das Tripulações Programar a realização de algum evento é uma atividade que se torna gradualmente mais difícil com o aumento da quantidade de itens a serem programados e também com o aumento das restrições do problema. Não diferente, a programação das tripulações do transporte urbano torna-se um problema cada vez mais difícil de resolver, devido às restrições trabalhistas e operacionais envolvidas. Assim, uma programação eficiente equivale à diminuição dos custos para a empresa, ao aumento da produtividade e à satisfação dos funcionários e dos usuários do sistema. A escala da tripulação é criada a partir de uma programação previamente definida para os veículos. Sendo assim, a programação dos veículos, as regras operacionais e a legislação trabalhista são os dados de entrada do problema. A maior parcela dos seus custos é composta pela remuneração das tripulações, dessa forma, definir uma programação de tripulantes com custo mínimo leva a uma grande economia para a empresa. A programação de uma tripulação é formada por um conjunto de tarefas e denominada de jornada, ou jornada diária da tripulação. Uma tarefa é um conjunto de viagens de um mesmo veículo que deve, necessariamente, ser realizado por uma mesma tripulação. O conjunto de todas as jornadas constitui numa escala para as tripulações, também dita programação das tripulações. As jornadas são divididas em dois tipos: Pegada Simples (PS) ou Dupla Pegada (DP). Na PS as tarefas são realizadas de uma única vez e os intervalos de tempo entre as tarefas são inferiores a duas horas. Caso ocorra um intervalo maior do que duas horas, a jornada é classificada como DP. Este tipo de jornada está associado aos picos de demanda por viagens existentes nos dias úteis e o intervalo maior do que duas horas não é remunerado. Para agrupar tarefas e formar uma jornada, inúmeras restrições operacionais e normas trabalhistas devem ser levadas em conta. Neste caso foram consideradas as seguintes restrições: i) as jornadas têm uma remuneração por 6 horas e 40 minutos de trabalho; ii) as jornadas do tipo PS devem ter uma pausa de pelo menos 20 minutos para descanso e refeição; iii) as jornadas não podem conter mais do que duas horasextras de trabalho; iv) o intervalo de tempo entre o final de uma jornada e o seu início no dia seguinte deve ser de pelo menos 11 horas; v) a troca de tripulações, durante a operação, só pode ocorrer em pontos e horas pré-determinados. 50 Transporte em Transformação XVI O modelo heurístico implementado neste trabalho procura minimizar os custos fixos e variáveis da escala, satisfazendo todas as restrições mencionadas acima. Os custos fixos são representados pelo número de jornadas e os custos variáveis são computados em função do total de horas extras encontrado na escala. 3. Método de Resolução do Problema Para resolver o problema, foram implementadas duas versões da metaheurística VNS, proposto por Mladenović e Hansen (1997): o VNS Clássico, que utiliza como busca local a técnica Variable Neighborhood Descent – VND, e o VNS-VLNS, que utiliza a técnica Very Large-scale Neighborhood Search como procedimento de busca local. As duas versões da metaheurística foram testadas resolvendo problemas de grande porte da realidade brasileira. 3.1 A Metaheurística VNS A metaheurística VNS parte de uma solução inicial factível e de um conjunto de diferentes estruturas de vizinhança para realizar buscas locais. A partir da solução inicial, o procedimento gera um vizinho qualquer segundo uma estrutura de vizinhança e realiza uma busca local a partir deste vizinho. Se a busca local gerar uma solução melhor do que a solução corrente, esta é atualizada e o processo se repete a partir da primeira estrutura de vizinhança. Caso contrário, um novo vizinho é gerado considerando a próxima estrutura de vizinhança e a busca local é aplicada neste vizinho. Este processo se repete até que a condição de parada seja satisfeita. A melhor solução encontra neste processo é retornada pelo procedimento. O Algoritmo 1 sintetiza a metaheurística VNS. Um Estudo de Diferentes Métodos de Busca e a Metaheurística VNS para Otimizar a Escala de Motoristas de Ônibus Urbano 51 Algoritmo 1: Pseudo-código da Metaheurística VNS Procedimento VNS (solução s) Início: 1. Seja um conjunto de kmax estruturas de vizinhanças; 2. Encontre uma solução inicial s e determine uma condição de parada; 3. Enquanto a condição de parada não for satisfeita faça: 4. k ← 1; 5. Enquanto k ≤ kmax faça: 6. Gere um vizinho qualquer s’ de s na k-ésima vizinhança; 7. Encontre o melhor vizinho s” de s’ na vizinhança k; 8. Se f(s”) for melhor do que f(s) 9. então s ←s” e k ←1; 10. senão k ← k + 1; 11. Fim_enquanto; 12. Fim_enquanto 13. Retorna a solução s; Fim 3.2 Método de Busca Variable Neighborhood Descent - VND A heurística VNS clássica se caracteriza por tem o VND como o método de refinamento subordinado, utilizado para encontrar o melhor vizinho s” de s’ na linha 7 do Algoritmo 1. A busca aceita somente soluções melhores que a corrente, retornando à primeira estrutura de vizinhança se ocorrer uma melhora, senão vai para a próxima vizinhança. Uma síntese do procedimento é apresentada no pseudocódigo do Algoritmo 2. 52 Transporte em Transformação XVI Algoritmo 2: Pseudo-código do Procedimento VND Procedimento VND (solução s, vizinhança k) Início 1. Seja s uma solução corrente dada; 2. Seja k uma estrutura de vizinhança dada; 3. r ← 1; 4. Enquanto r ≤ k faça: 5. Encontre o melhor vizinho s’ de s na vizinhança r; 6. Se f(s’) for melhor do que f(s) 7. então s ←s’ e k ←1; 8. senão r ← r + 1; 9. Fim_enquanto 10. Retorna a solução s; Fim De acordo com o pseudocódigo do VNS, a busca VND é realizada a partir de um vizinho da solução corrente e uma vizinhança k, fornecida ao procedimento como limite de variação das diferentes estruturas. Para a resolução do PPT, este parâmetro define o número máximo de tarefas consecutivas que serão removidas de uma jornada e introduzidas em outra. Neste trabalho foi adotado k variando de uma a três tarefas. 3.3 Estrutura de Vizinhança Uma vez definida a quantidade máxima de tarefas movimentadas, é necessário estabelecer os diferentes tipos de movimento que caracterizam cada uma das vizinhanças de uma solução. Foram adotados dois tipos de movimentos: realocação e troca de tarefas entre duas jornadas, sem haver sobreposição. Estes movimentos são realizados para encontrar o melhor vizinho de uma solução corrente. Exemplificando, para um dado k ≤ 3, considere duas jornadas i e j, obtidas aleatoriamente. Então são sorteadas k tarefas consecutivas da jornada i a serem introduzidas na jornada j. Logo, pode ocorrer uma das seguintes situações: 1) As k tarefas de i podem ser introduzidas em j, sem a necessidade de remover qualquer tarefa de j. Neste caso o movimento é aceito e será avaliado. 2) A introdução das k tarefas em j exige a retirada de uma ou mais tarefas desta jornada. Neste caso, se as tarefas removidas de j puderem ser reinseridas na jornada i, sem haver qualquer Um Estudo de Diferentes Métodos de Busca e a Metaheurística VNS para Otimizar a Escala de Motoristas de Ônibus Urbano 53 sobreposição com as tarefas que permaneceram em i, então o movimento é aceito, caso contrário ele é descartado. Em ambos os casos, as modificações são aceitas se e somente se as jornadas resultantes respeitarem todas as restrições do problema. Para encontrar o melhor vizinho da solução corrente, dentro do VND, foi utilizado o método clássico de descida com Primeiro Movimento de Melhora Randômico (Mladenović e Hansen 1997), que além de evitar a exploração exaustiva da vizinhança, analisa as jornadas em uma ordem aleatória renovada a cada iteração. Isso evita que as primeiras jornadas da escala apresentem qualidade superior em detrimento da qualidade das últimas jornadas. 3.4 Método de Busca VLNS Um aspecto crítico em algoritmos de busca em vizinhança diz respeito à escolha da estrutura da vizinhança, isto é, na maneira como ela é definida. Essa escolha define, em grande parte, se a estratégia de busca permitirá obter soluções de boa qualidade ou não. Em geral, quanto maior a vizinhança, melhor deverá ser a qualidade das soluções ótimas locais. Porém, vizinhanças de grande porte requerem um tempo elevado de pesquisa. Por essa razão, uma vizinhança maior não implica numa heurística melhor, exceto se a vizinhança for explorada de maneira eficiente. Tais algoritmos são denominados Very Large-scale Neighborhood Search Methods, aplicáveis a problemas de particionamento (Ahuja et al, 2000). Esses algoritmos permitem explorar vizinhanças muito grandes, mantendo o tempo de busca em níveis bem reduzidos. Uma forma de alcançar tal eficiência é com a utilização de modelos de fluxo em rede para enumerar, de forma implícita, uma vizinhança, com a finalidade de encontrar soluções melhores. Os métodos clássicos de busca em vizinhança se baseiam em realocação e trocas aos pares, de elementos entre os dois subconjuntos aos quais pertencem. Uma troca cíclica pode ser definida por uma sequência de elementos i1-i2-i3-…ir-i1 pertencentes a diferentes subconjuntos do particionamente. Considerando S[ik] o subconjunto ao qual pertence o elemento ik, então a troca cíclica i1-i2-i3-…-ir-i1 representa a alteração onde o elemento i1 é movido de S[i1] para S[i2], o elemento i2 de S[i2] para S[i3], e assim por diante. Finalmente, o elemento ir é movido de S[ir] para S[i1]. Uma troca em caminho (path exchange) é definida por uma sequência de nós i1-i2-i3-…-ir e difere da troca cíclica pelo fato de que o último elemento ir não é movido de S[ir] para S[i1]. 54 Transporte em Transformação XVI Note que a vizinhança de troca cíclica e de troca em caminho contempla a troca aos pares e ainda explora uma infinidade de outras soluções não alcançáveis pela troca aos pares. Portanto, é de se esperar que soluções ótimas locais obtidas por meio de múltiplas trocas sejam, em média, superiores àquelas obtidas pela troca aos pares. Entretanto, uma vez que o tamanho da vizinhança em trocas múltiplas cresce exponencialmente com o tamanho do problema, torna-se necessário um método eficiente para encontrar um vizinho de menor custo na vizinhança. Este problema pode ser contornado utilizando o conceito de grafo de melhoria e algoritmos de fluxo em redes para explorar, de forma eficiente, uma dada vizinhança. Um grafo de melhoria (improvement graph) para uma vizinhança com múltiplas trocas é definido para uma solução viável S do problema, sendo representado por G(S). Seja S[aj] a jornada que contém a tarefa aj. O grafo G(S) é um grafo direcionado com n nós, onde cada nó i corresponde a uma tarefa ai ∈ S. Um arco direcionado (i, j) em G(S) significa que a tarefa ai deixa a sua jornada atual e é movida para a jornada que contém a tarefa aj, isto é, a jornada S[aj]. Simultaneamente, a tarefa aj deixa S[aj]. Para se construir G(S) são considerados todos os pares de tarefas ai e aj em S. O arco (i, j) é adicionado a G(S) se: i) as tarefas ai e aj pertencerem a diferentes jornadas; ii) a jornada {ai}∪S[aj]\{aj} for viável. O custo cij no arco (i, j) é definido como c({ai}∪S[aj]\{aj}) – c(S[aj]). Denomina-se um ciclo direcionado W no grafo de melhoria G(S) se as tarefas em S correspondentes aos nós em W pertencem a diferentes jornadas. Define-se um ciclo válido como um ciclo direcionado de custo negativo em G(S). Assim, um ciclo válido em G(S) corresponde a uma troca cíclica que leva a uma melhoria no valor da função objetivo do problema. Esta é uma forma eficiente de realizar buscas por soluções que melhoram o valor objetivo na vizinhança de S. Portanto, é necessário encontrar ciclos válidos no grafo de melhoramentos G(S). Nesse trabalho foi utilizado o algoritmo do rotulamento modificado com a disciplina de fila primeiro que entra – primeiro que sai para identificar um ciclo válido (Ahuja et al., 1993). Um Estudo de Diferentes Métodos de Busca e a Metaheurística VNS para Otimizar a Escala de Motoristas de Ônibus Urbano 55 Algoritmo 3: Pseudo-código do Procedimento VLNS Procedimento VLNS(solução s) Início 1. Seja s uma solução corrente dada; 2. Construa o grafo de melhoria G(s) referente a s; 3. Enquanto G(s) tiver ciclos negativos faça: 4. Identifique um ciclo negativo em G(s); 5. Melhore a solução s devido às trocas do ciclo negativo; 6. Atualize o grafo de melhoria G(s); 7. Fim_enquanto 8. Retorna a solução s; Fim A idéia dos algoritmos do tipo VLNS consiste em construir um grafo G(S) para uma dada solução S, e encontrar um ciclo direcionado em G(S) que forneça um vizinho melhor do que S. Após efetuar a troca cíclica, inerente ao ciclo válido, o grafo é atualizado e é procurado um novo ciclo válido. A busca termina quando o grafo de melhoria não apresentar qualquer ciclo válido. O pseudocódigo apresentado no Algoritmo 3 sintetiza a método. 3.5 Função de Avaliação O custo associado a uma solução do PPT é computado por meio da combinação linear do custo fixo e dos custos variáveis, que são: i) o total de horas extras e ii) número de jornadas do tipo dupla pegada. A expressão final para o custo de uma solução do PPT é: C ppt = tot _ trip ∑ Custo _ Fixo + w i =1 1 × hora _ extrai + w2 × dupla _ peg i (1) onde Custo_Fixo representa a remuneração fixa de uma tripulação, w1 é o peso por minutos de hora extra e hora_extrai o total de horas extras da jornada i, expresso em minutos. Finalmente, w2 é o peso por dupla pegada e dupla_pegi é igual a 1 se a tripulação i faz uma dupla pegada em sua jornada e 0 caso contrário. 56 Transporte em Transformação XVI 4. Resultados Obtidos Os algoritmos foram utilizados para resolver um conjunto de sete problemas referentes a uma semana de operação de uma empresa que atua no sistema de transporte público de Belo Horizonte. As duas heurísticas, VNS-Clássico e VNSVLNS, foram implementadas na linguagem C/C++ e os testes foram realizados em um computador pessoal com processador Core2 Duo e 3 GB de memória RAM. As heurísticas foram executadas por uma hora e foram realizadas 10 execuções para cada problema da empresa. Os resultados apresentados abaixo foram divididos em duas subseções em função dos pesos atribuídos ao total de duplas pegadas contido na solução. Este tipo de análise é fundamental para o problema, pois as empresas trabalham com o número de duplas pegadas variando entre 10 e 20 % do total de duplas. Por outro lado, os dois métodos de busca implementados neste trabalho produziram soluções com características significativamente diferentes em relação ao número de duplas pegadas. 4.1 Soluções com menor peso para as duplas pegadas A Tabela 1 contém as características das soluções adotadas pela empresa. Nas tabelas a seguir, a linha “HE” se refere o total de horas extras, “Jornadas” ao total de jornadas, “DP” o total de jornadas do tipo dupla pegada contidas na solução e a “FO” se refere ao valor total da solução. O primeiro conjunto de testes foi realizado considerando os seguintes pesos: 10.000 para o Custo_Fixo, 4 para w1, tendo as horas extras expressas em minutos. Ao peso w2, referente às duplas pegadas, foi atribuído o valor 600. Estes pesos foram obtidos empiricamente para se produzir soluções com características desejáveis. Eles foram aplicados às soluções da empresa para efeito de comparação com as soluções produzidas pelas heurísticas. Tabela 1: Dados da escala de mão de obra operada pela empresa HE Segunda Terça Quarta Quinta Sex ta Sábado Domingo 86:41 85:55 106:05 120:14 108:11 54:35 26:57 134 130 149 162 155 124 68 DP 6 3 5 4 1 0 0 FO 1.364.404 1.322.420 1.518.460 1.651.256 1.576.564 1.253.100 686.468 Jornadas Um Estudo de Diferentes Métodos de Busca e a Metaheurística VNS para Otimizar a Escala de Motoristas de Ônibus Urbano 57 4.1.1 Resultados considerando no máximo uma troca de veículo por jornada Para os pesos mencionados anteriormente, foram realizados testes considerando que as jornadas pudessem realizar no máximo uma troca de veículo durante a operação. A heurística VNS-Clássico produziu os resultados apresentados na Tabela 2 e na Tabela 3 estão os resultados do VNS-VLNS. As tabelas a seguir apresentam um resumo dos resultados obtidos nos quais os dados HE, Jornadas e DP se referem à solução com menor FO (FO Melhor). Além disso, são apresentadas as médias de todas as soluções obtidas, a FO Média, assim como o desvio médio dado por (FO Média – FO Melhor)/FO Média. Quanto menor for esta porcentagem, mais robusto é o método. Ou seja, a diferença entre as diversas soluções encontradas, que contam com um fator de aleatoriedade, não é significativa e a heurística tem a capacidade de produzir soluções muito parecidas. Tabela 2: Características das soluções obtidas pelo VNS-Clássico HE Jornadas DP FO Melhor FO Média Desvio Segunda 96:58 117 50 1.223.272 1.233.332 0,82% Terça 99:46 111 59 1.169.344 1.188.202 1,59% Quarta Quinta 122:37 132:06 133 141 71 93 1.402.028 1.497.504 1.410.726 1.529.976 0,62% 2,12% Sex ta Sábado Domingo 125:56 90:43 53:51 134 101 52 81 43 17 1.418.824 1.057.572 543.124 1.441.757 1.064.657 556.974 1,59% 0,67% 2,49% Tabela 3: Características das soluções obtidas pelo VNS + VLNS HE Jornadas DP FO Melhor FO Média Desvio Segunda 50:39 120 19 1.223.556 1.235.435 0,96% Terça 56:28 117 14 1.191.952 1.203.345 0,95% Quarta Quinta 77:30 70:42 135 149 19 17 1.380.000 1.517.168 1.409.582 1.534.114 2,10% 1,10% Sex ta Sábado 70:33 57:21 141 107 14 10 1.435.332 1.089.764 1.451.791 1.106.525 1,13% 1,51% Domingo 34:21 55 7 562.444 572.411 1,74% 58 Transporte em Transformação XVI Tabela 4: Melhorias alcançadas no número de jornadas em relação à solução da empresa Heurística Jornadas HE %DP FO Segunda Terça Quarta Quinta Sex ta 10,74% 12,96% 13,55% Sábado Domingo 18,55% 23,53% VNS-Clássico 12,69% 14,62% VNS-VLNS 10,45% 10,00% 9,40% 8,02% 9,03% 13,71% 19,12% VNS-Clássico -11,9% -16,1% -15,9% -9,8% -16,5% -66,3% -100,4% VNS-VLNS 41,6% 34,3% 26,9% 41,2% 34,8% -5,1% -27,5% VNS-Clássico 42,7% 53,2% 53,4% 66,0% 60,4% 42,6% 32,7% VNS-VLNS 15,8% 12,0% 14,1% 11,4% 9,9% 9,3% 12,7% VNS-Clássico 10,3% 11,6% 7,7% 9,3% 10,0% 15,6% 20,9% VNS-VLNS 10,3% 9,9% 9,1% 8,1% 9,0% 13,0% 18,1% As melhorias apresentadas na Tabela 4 mostram uma redução de até 13,55% e de 10,45% no número de jornadas obtidas pelo VNS-Clássico e pelo VNS-VLNS respectivamente para os dias úteis e de até 23,53% e 19,12% para o final de semana. As reduções de jornadas mais significativas foram obtidas pelo VNS-Clássico. Para tanto, houve um aumento no número de horas extras, que chega a 16,5% nos dias úteis e até 100,4% no final de semana. Por outro lado, o VNS-VLNS conta com uma redução de até 41,6% das horas extras nos dias úteis. As soluções obtidas pelo VNS-VLNS são de interesse prático pois estão dentro do limite de 20% do total de jornadas. O mesmo não ocorre com as soluções produzidas pelo VNS-Clássico. Como a empresa admite até duas trocas de veículo por motorista ao longo de sua jornada diária de trabalho, foram realizados testes segundo esta condição, o que representa uma flexibilização na operação da mão de obra. 4.1.2 Resultados considerando no máximo duas trocas de veículo por jornada Os resultados das Tabelas 5 e 6 consideram que as jornadas podem conter até duas trocas de veículo ao longo da operação. Esta é mais uma variação nas diferentes possibilidades operacionais admitidas pela empresa. Um Estudo de Diferentes Métodos de Busca e a Metaheurística VNS para Otimizar a Escala de Motoristas de Ônibus Urbano 59 Tabela 5: Características das soluções obtidas pelo VNS Clássico HE Jornadas DP FO Melhor FO Média Desvio Segunda 96:58 117 50 1.223.272 1.233.332 0,82% Terça 94:51 111 58 1.167.564 1.184.599 1,46% Quarta 113:45 132 69 1.388.144 1.404.902 1,21% Quinta 125:23 144 84 1.520.492 1.538.868 1,21% Sex ta 105:51 136 67 1.425.068 1.441.251 1,14% Sábado Domingo 88:02 43:35 101 52 43 17 1.057.572 543.124 1.064.102 556.974 0,62% 2,55% Tabela 6: Características das soluções obtidas pelo VNS-VLNS HE Jornadas DP FO Melhor FO Média Desvio Segunda Terça 50:39 55:52 120 117 19 10 1.223.556 1.189.408 1.235.435 1.203.465 0,97% 1,18% Quarta 62:10 137 15 1.393.920 1.411.193 1,24% Quinta Sex ta 53:36 56:18 149 141 17 17 1.515.196 1.437.060 1.527.566 1.448.626 0,82% 0,81% Sábado Domingo 43:12 36:21 107 55 10 7 1.089.764 562.444 1.106.525 572.557 1,54% 1,80% Os resultados obtidos mostram que o aumento no número de trocas de veículos realizadas pelas tripulações levam, em alguns casos, a uma economia significativa no número de horas extras. Este é o caso dos dados da quinta e da sexta-feira observados no método VNS-VLNS que chegam a 24,4% e 20,4% de redução entre o primeiro e o segundo cenário operacional. 4.2 Soluções com maior peso para as duplas pegadas A seguir são apresentados os resultados devido aos pesos escolhidos para produzir escalas com um número menor de duplas pegadas DP pela heurística VNS-Clássico. Nas tabelas a seguir foram considerando os seguintes pesos: 10.000 para o Custo_Fixo, 4 para w1, tendo as horas extras expressas em minutos. Ao peso w2, referente às duplas pegadas, foi atribuído o valor 5.000. Estes pesos são obtidos empiricamente, com o objetivo de reduzir o número de duplas pegadas e manter o número de jornadas em um valor próximo dos níveis dos valores obtidos anteriormente. 60 Transporte em Transformação XVI 4.2.1 Resultados considerando no máximo uma troca de veículo por jornada Considerando a possibilidade de cada tripulação realizar no máximo uma troca de veículo ao longo da operação e os novos pesos, foram geradas escalas com as duas versões da heurística VNS. Os resultados são apresentados nas Tabelas 7 e 8. Tabela 7: Características das soluções obtidas pelo VNS Clássico com novos pesos HE Jornadas DP FO Melhor FO Média Desvio Segunda 98:00 120 29 1.368.520 1.381.195 0,93% Terça Quarta Quinta 96:40 116:16 121:58 114 135 152 31 30 27 1.318.200 1.527.904 1.684.272 1.330.934 1.540.384 1.696.964 0,97% 0,82% 0,75% Sex ta 116:06 142 23 1.562.864 1.575.031 0,78% Sábado Domingo 95:02 46:12 104 54 24 9 1.182.808 596.088 1.198.170 609.063 1,30% 2,18% Tabela 8: Características das soluções obtidas pelo VNS-VLNS com novos pesos HE Jornadas DP FO Melhor FO Média Desvio Segunda 65:07 120 11 1.270.628 1.282.988 0,97% Terça 75:44 114 11 1.213.176 1.232.681 1,61% Quarta Quinta 67:24 77:41 140 148 11 17 1.471.176 1.583.644 1.484.256 1.602.478 0,89% 1,19% Sex ta 87:55 139 12 1.471.100 1.487.842 1,14% Sábado Domingo 52:18 27:35 109 57 10 5 1.152.552 601.296 1.164.025 606.620 1,00% 0,88% Com os novos pesos fica mais clara a superioridade das soluções produzidas pela heurística VNS-VLNS sobre o VNS-Clássico, não somente por meio da comparação da FO, como também pela comparação do número de jornadas, número de jornadas com duplas pegadas, mas principalmente pelo total de horas extras. Um Estudo de Diferentes Métodos de Busca e a Metaheurística VNS para Otimizar a Escala de Motoristas de Ônibus Urbano 61 4.2.2 Resultados considerando no máximo duas trocas de veículo por jornada Os resultados das Tabelas 9 e 10 consideram que as jornadas podem conter até duas trocas de veículo ao longo da operação. Tabela 9: Características das soluções obtidas pelo VNS Clássico HE Jornadas DP FO Melhor FO Média Desvio Segunda 93:36 120 29 1.348.720 1.370.574 1,62% Terça 89:25 115 28 1.306.088 1.316.318 0,78% Quarta Quinta 111:57 113:42 139 151 23 30 1.526.608 1.663.964 1.535.872 1.683.994 0,61% 1,20% Sex ta Sábado 110:20 98:03 143 102 24 26 1.547.540 1.148.672 1.562.788 1.178.420 0,98% 2,59% Domingo 34:06 54 11 595.472 612.465 2,85% Tabela 10: Características das soluções obtidas pelo VNS-VLNS HE Jornadas DP FO Melhor FO Média Desvio Segunda 51:34 121 12 1.264.724 1.281.180 1,30% Terça 58:25 118 8 1.220.112 1.233.742 1,12% Quarta Quinta Sex ta Sábado 58:19 58:33 66:05 49:39 139 150 139 110 11 14 10 11 1.449.952 1.580.160 1.461.288 1.141.916 1.465.691 1.589.927 1.478.001 1.155.537 1,09% 0,62% 1,14% 1,19% Domingo 27:12 58 6 597.496 605.801 1,39% Novamente foi verificada uma redução no valor da FO Melhor quando se permite que uma tripulação faça até duas trocas de veículo ao logo da operação. Esta redução se deve principalmente à redução das horas extras e no número de jornadas do tipo dupla pegada. 62 Transporte em Transformação XVI 5. Conclusões Os resultados obtidos mostram que a duas versões da metaheurística VNS produziram resultados que melhoram a solução da empresa em praticamente todos os testes efetuados. Comparando os resultados do VNS, a versão VNS-VLNS produz soluções melhores, segundo a função objetivo (FO), mantendo o número de jornadas do tipo duplas pegadas (DP) dentro dos limites aceitáveis do ponto de vista operacional, que é de no máximo de 20% do total de jornadas e reduzindo ao máximo o total de horas extras. Por outro lado, em alguns casos o VNS clássico produz escalas com um número menor de jornadas, como nos problemas de quarta, sábado e domingo. Mas como estas soluções apresentam um número maior de horas extras e de duplas pegadas, seus custos acabam sendo superiores. Este tipo de análise e escolha da melhor solução depende das características mais valorizadas na prática. O fato das soluções do VNS-VLNS produzirem um número menor de duplas pegadas mostra que o método de busca empregado não provoca modificações tão drásticas nas características da solução inicial, construídas com a mesma filosofia da empresa. Ainda assim, ela é capaz de reduzir os custos dados pelo número de jornadas e o total de horas extras. Os resultados mostram que a utilização da metaherística VNS na construção de escalas diárias de motoristas do sistema de transporte público pode levar uma economia considerável para as empresas do setor. Por outro lado, comparando os diferentes métodos de busca implementados, pode-se verificar que a técnica Very Large-scale Neighborhood Search – VLNS produziu soluções mais compatíveis com a prática adotada pela empresa e consequentemente mais econômicas, tendo em vista os parâmetros adotados. Agradecimentos Os autores agradecem ao CNPq, à FAPEMIG e à AUTUMN TI pelo apoio recebido durante o desenvolvimento deste trabalho. Um Estudo de Diferentes Métodos de Busca e a Metaheurística VNS para Otimizar a Escala de Motoristas de Ônibus Urbano 63 Referências Bibliográficas Ahuja, R. K.; Magnanti, T. L. e J. B. Orlin (1993). Network Flows: Theory, Algorithms, and Applications. Prentice Hall, N. J. Ahuja, R. K., Orlin, J. B. e Sharma, D., (2000) Very large-scale neighborhood search, International Transactions in Operational Research, v.7, p. 301–317. Alves, J. M. C. B., Silva, G. P. e Souza, M. J. F., (2002) Resolução do Problema de Programação Diária da Tripulação de Ônibus Urbano via Simulated Anneling, XVI Congresso de Pesquisa e Ensino em Transportes, Panorama Nacional de Pesquisa em Transportes, v. 2, p. 95-104. Barnhart, C.; Johnson, E. L.; Nemhauser, G. L.; Savelsbergh, M. P. e P. H. Vance (1998) Branch-and-price: column generation for solving huge integer programs. 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Gustavo Peixoto Silva ([email protected]) Departamento de Computação, Instituto de Ciências Exatas e Biológicas, Universidade Federal de Ouro Preto Campus Universitário do Morro do Cruzeiro, s/nº – 35.400-000 Ouro Preto, MG, Brasil Allexandre Fortes da Silva Reis ([email protected]) Departamento de Engenharia de Produção, Escola de Minas, Universidade Federal de Ouro Preto Campus Universitário do Morro do Cruzeiro, s/nº – 35.400-000 Ouro Preto, MG, Brasil Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em Interseções Semaforizadas de Fortaleza 3 Flávio José Craveiro Cunto Manoel Mendonça de Castro Neto Davi Sales Barreira Universidade Federal do Ceará Departamento de Engenharia de Transportes Resumo As interseções viárias urbanas concentram grande parte dos acidentes de trânsito em virtude do elevado grau de interação entre usuários, veículos e via. Os modelos de previsão de acidentes são modelos de regressão que relacionam a frequência dos acidentes de trânsito com atributos geométricos e operacionais da via e lidam, com relativo sucesso, com o elevado grau de aleatoriedade desse fenômeno. O objetivo deste trabalho é desenvolver modelos de previsão de acidentes de trânsito para interseções semaforizadas da cidade de Fortaleza, com ênfase na metodologia para a construção de modelos simples e confiáveis. Os modelos foram estimados com uma amostra de 101 interseções em função do volume médio diário anual, número de faixas, número de aproximações e tipo de separador central. O modelo 66 Transporte em Transformação XVI contendo o fluxo e número de faixas apresentou desempenho satisfatório para a predição do número total de acidentes de trânsito nas interseções semaforizadas avaliadas. Abstract Urban road intersections concentrate a significant portion of traffic accidents due to the high degree of interaction between users, vehicles and route. Accident prediction models are regression models that establish a relationship between the frequency of traffic accidents and geometric and operational attributes of the road, dealing, with relative success, with the high degree of randomness of this phenomenon. The objective of this work is to develop traffic accident prediction models for signalized intersections located in the city of Fortaleza, with emphasis on the methodology for the development of simple and reliable models. The models were estimated based on a sample of 101 intersections, having as prediction variables annual average daily volume (AADT), number of lanes, number of approaches, and type of central median. The model containing AADT and number of lanes showed satisfactory performance for the estimation of the total number of traffic accidents at the evaluated intersections. 1. Introdução Por ano, mais de um milhão de pessoas são mortas e entre 20 e 50 milhões são gravemente feridas (Dinn-Zarr, 2008). Acidentes de trânsito são a principal causa de mortes em jovens entre 15 e 29 anos. Do ponto de visto econômico, os custos dos acidentes de trânsito chegam a mais de 30 bilhões de reais por ano (valor atualizado para junho de 2008), o que corresponde a aproximadamente 1,2% do PIB brasileiro (Ferraz, 2008; IPEA, 2003). Deste montante, aproximadamente 7 bilhões referemse a acidentes em vias urbanas (IPEA, 2006). Com relação ao impacto causado na fluidez, colisões de tráfego são responsáveis por 25% do congestionamento nos EUA e na Inglaterra (Alkaabi et al., 2011). Um estudo feito em Riyadh, capital da Arábia Saudita mostrou que cerca de 50% dos acidentes ocorreram em interseções, e destas, mais da metade foram consideradas severas (Al-Ghamadi, 2003). Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em Interseções Semaforizadas de Fortaleza 67 O processo de tomada de decisão no gerenciamento da segurança viária depende de indicadores que possam expressar de forma objetiva o nível de segurança dos componentes de uma determinada rede de transportes (AASHTO, 2010). Nesse sentido, pesquisadores têm procurado relacionar séries históricas de acidentes de trânsito com atributos geométricos e operacionais da via com o uso de modelos estatísticos de regressão denominados modelos de previsão de acidentes (MPA) ou funções de desempenho de segurança viária. Um dos principais objetivos dos MPA é melhorar as análises de segurança viária através de um controle mais rigoroso das características inerentes ao processo estocástico dos acidentes de trânsito, como o fenômeno de regressão à média e a dispersão excessiva dos dados (Hauer, 2002). Se por um lado os MPA têm sido explorados há mais de duas décadas em países como Canadá, Estados Unidos, Inglaterra e Suécia, por outro lado, no Brasil, seu estágio de desenvolvimento ainda é incipiente. Os primeiros esforços de modelagem para o ambiente brasileiro podem ser atribuídos à pesquisa de doutoramento de Cardoso (2006) e sintetizados no trabalho posterior de Cardoso e Goldner (2007), nos quais foram analisados segmentos arteriais urbanos de Porto Alegre. Acreditase que essa discrepância possa ser atribuída em parte a problemas relacionados com a disponibilidade e qualidade e das informações sobre acidentes de trânsito associada à relativa escassez de procedimentos para a calibração e validação de modelos dessa natureza no âmbito nacional. Este trabalho tem por objetivo desenvolver de modelos de previsão de acidentes de trânsito para interseções semaforizadas da cidade de Fortaleza com ênfase nos aspectos necessários para a construção de modelos simples e confiáveis. 2. Modelos de Previsão de Acidentes A modelagem estatística da segurança viária baseia-se na premissa de que a partir da freqüência de acidentes em vários locais é possível, utilizando ferramentas estatísticas, determinar empiricamente como estratégias relacionadas ao projeto e operação do ambiente viário podem alterar as chances da ocorrência de acidentes de trânsito (Davis, 2004). Nesse sentido os MPA têm sido amplamente considerados como uma das ferramentas mais promissoras na modelagem da natureza aleatória rara associada aos acidentes de trânsito. 68 Transporte em Transformação XVI Inicialmente os MPA foram desenvolvidos a partir de modelos de regressão linear assumindo a normalidade dos erros e homoscedasticidade. Essas suposições foram consideradas inconsistentes com a natureza e freqüência dos acidentes de trânsito (Hauer et al., 1988). Pesquisas posteriores confirmaram resultados promissores com a aplicação de modelos assumindo a distribuição do número observado de acidentes do tipo Poisson, ou a distribuição binomial negativa em casos onde os acidentes apresentam um padrão consideravelmente disperso (variância superior a média) entre entidades similares (Bonneson e McCoy, 1993; Persaud e Mucsi, 1995). Uma alternativa possível para lidar com esse padrão excessivo de dispersão dos dados, incompatível com as suposições da regressão linear tradicional (distribuição normal) é o emprego dos modelos lineares generalizados (Cunto, 2008; Cardoso, 2006). A formulação geral mais comum para os MPA em interseções encontrada na literatura pode ser expressa por (Hakkert et al., 1996; Sawalha e Sayed, 2006; AASHTO, 2010): (1) em que: Y = número esperado de acidentes em um intervalo de tempo (ano); A e B = vetores de variáveis preditoras; α, β, γ = vetores de coeficientes do modelo. A estimação dos coeficientes do modelo é quase sempre feita com a utilização de rotinas e aplicativos estatísticos como o GENSTAT, GENMOD no SAS e GLM no R os quais aplicam o método da máxima verossimilhança e o algoritmo de otimização Newton-Raphson (Hauer, 2002; Lord, 2006). A Tabela 1 apresenta as principais características de MPA propostos para interseções. Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em Interseções Semaforizadas de Fortaleza 69 Tabela 1: Modelos de previsão de acidentes de acidentes de trânsito para interseções Entidade Autores Local #Anos # Int. Variáveis preditoras testadas Tipo de controle Bélanger (1994) Quebec/CA - 149 Não semaforizada VDMA total e por aproximação, distância de visibilidade, presença de faixas de conversão, limite de velocidade e indicação luminosa da interseção Bonneson e McCoy (1993) Nebraska/EUA 3 125 Não semaforizada VDMA da via principal e secundária Hauer et al. (1988) Toronto/CA 3 145 Semaforizada Fluxo veicular por hora e período do dia Persaud e Nguyen Ontário/CA (1998) 6 500 Semaforizada VDMA total, da principal e secundária Sayed e Vancouver/CA Rodrigues (1999) 3 419 Não semaforizada VDMA da via principal e secundária Georgia, Califórnia, Michigan/EUA 6 460 Sem./Não sem. 53 variáveis preditoras Oh et al. (2004) 3. Metodologia para Estimação dos MPA A metodologia adotada para o desenvolvimentos dos MPA nesse trabalho seguiu as seguintes etapas: definição dos objetivos da modelagem, escolha das variáveis e definição da amostra, coleta de dados, estimação dos parâmetros dos modelos investigados, avaliação e seleção do modelo mais adequado. O objetivo da modelagem é estimar o número total de acidentes de trânsito e o número de acidentes de trânsito com vítimas feridas e fatais em interseções semaforizadas a partir de seus atributos físicos e operacionais. 3.1 Escolha das variáveis e definição da amostra O processo de escolha das variáveis para os MPA não possui critérios objetivos e, na maioria das vezes depende, além dos objetivos do estudo, de fatores relacionados à experiência do modelador e à disponibilidade das informações sobre o 70 Transporte em Transformação XVI ambiente viário da entidade. Tomando por base os critérios descritos e considerando a freqüência com que certas variáveis aparecem na literatura, as quatro variáveis preditoras consideradas neste estudo foram volume diário médio anual (VDMA), número total de faixas da interseção, número total de aproximações e presença ou não de canteiro central. A seguir serão apresentados aspectos adicionais que justificaram a inclusão das variáveis acima: • VDMA: variável de exposição que usualmente explica a maior parte da variação dos acidentes de trânsito em interseções; • Número total de faixas: acredita-se que essa variável aumente a frequência de avanços de semáforo (colisões transversais) e freqüência de mudanças de faixas (colisões laterais); • Número de aproximações: Uma via com mais de um sentido pode gerar maior interação entre os veículos, inclusive com conversões proibidas além de exigir um grau maior de atenção dos condutores. • Presença de canteiro central: É possível que sua presença possa de alguma forma reduzir a quantidade de acidentes entre veículos em sentidos opostos. Assim como na escolha das variáveis, um método de definição da amostra para o desenvolvimento de MPA ainda não está satisfatoriamente estabelecido. De maneira geral procura-se controlar as variáveis com objetivo de criar grupos de entidades homogêneas para reduzir a influência de fatores desconhecidos (ou não controlados) que reduzam o poder preditor do modelo. Bonneson e McCoy (1993) e Lord (2006) observam, entretanto, que o modelador deve evitar a criação de grupos excessivamente homogêneos uma vez que isso pode culminar com amostras reduzidas comprometendo a obtenção de valores estatisticamente significativos dos parâmetros. Uma indicação mais objetiva do tamanho da amostra é apresentada por Lord (2006) o qual recomenda, em função da média dos acidentes de trânsito e do parâmetro de dispersão da distribuição binominal negativa, a utilização de amostras com mais de 100 observações. A amostra inicialmente planejada para este estudo tinha um total de 288 semáforos da rede viária com controle centralizado do CTAFOR-Controle de Tráfego em Área de Fortaleza. Essa amostra foi reduzida para 119 semáforos em virtude de problemas no armazenamento dos dados de fluxo veicular junto ao CTAFOR. Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em Interseções Semaforizadas de Fortaleza 71 Uma análise utilizando imagens aéreas do aplicativo Google Earth foi realizada para remover interseções com características consideradas atípicas e que poderiam influenciar negativamente os resultados. A seleção e remoção dessas interseções obedeceram aos seguintes critérios: •Interseções com mais de quatro aproximações; •Interseções defasadas; •Ângulo entre vias menor que 70 graus; •Espaçamento menor que 50 metros entre interseções; •Interseções com estágio para conversões à esquerda; Um exemplo de interseção retirada da amostra está ilustrado na Figura 1. Como resultado desse processo de seleção, 18 interseções foram eliminadas e, desta forma, a amostra utilizada no processo de modelagem foi composta por 101 interseções semaforizadas. Figura 1: Exemplo de interseção atípica removida da amostra 72 Transporte em Transformação XVI 3.2 Coleta de dados e análise descritiva da amostra das interseções semaforizadas Os dados brutos de acidentes foram coletados pelo Sistema de Informações de Acidentes de Trânsito de Fortaleza (SIATFOR), um banco de dados informatizado de gerenciamento de acidentes operando em Fortaleza desde o ano de 2000. Os dados utilizados neste estudo referem-se ao ano de 2009 e têm como variáveis de interesse o número de acidentes por aproximação categorizados de acordo com a severidade (sem vítimas, com vítimas feridas, e com vítimas fatais). Um aspecto importante sobre a coleta dos acidentes diz respeito à sua localização. O processo de coleta das informações do órgão gestor de Fortaleza conta com 10 fontes diferentes de informações e, apesar da existência de rotinas de consistência de dados, não existe um procedimento padronizado para delimitar a área de abrangência da interseção. Desta forma, a alocação de um determinado acidente como sendo de interseção dependeu diretamente da interpretação do agente público que atendeu a ocorrência e, portanto, não foi possível a aplicação de critérios espaciais objetivos como a utilização de coordenadas ou limites físicos para se estabelecer a área de abrangência da interseção. O VDMA foi estimado com dados de fluxo veicular armazenados no banco de dados do CTAFOR, cujo controle semafórico é feito pelo aplicativo inglês SCOOT (Split Cycle Offset Optimization Technique). Tal sistema estima e armazena fluxos horários em períodos de 15 minutos em todos os 650 links das 288 interseções semaforizadas da região controlada. Inicialmente uma amostra dos volumes de todos os links das interseções disponíveis (165) contendo os 31 dias do mês de maio de 2009 foi coletada para a estimação do volume diário médio mensal (VDMM). Realizou-se então uma verificação para retirar da amostra os dias com possíveis falhas nos dados com a utilização de ferramenta box plot . Para dispensar a necessidade da aplicação de fatores de expansão do volume de um dia para a média semanal, considerou-se que o VDMM deveria ser estimado pela média de pelo menos uma semana completa de observações. Desta forma ao final do processo, os links que não tivessem pelo menos uma semana de dados válidos eram excluídos da amostra. Vale ressaltar que a retirada de um link inválido provocou também a exclusão de sua respectiva interseção. Ao todo foram removidas da amostra 46 interseções. Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em Interseções Semaforizadas de Fortaleza 73 Finalmente o VDMM de maio foi expandido para o VDMA com a aplicação do fator de expansão médio de 0,991. Esse fator foi obtido com a utilização dos resultados de uma análise do padrão da variação espaço-temporal do volume veicular em Fortaleza apresentado no trabalho de Oliveira (2004). No tocante as variáveis preditoras relacionadas com a geometria das interseções, sua coleta foi realizada com a utilização de fotografias aéreas do aplicativo Google Earth, e também através de pesquisas em plantas com projetos geométricos das vias fornecidas pelo órgão gestor do trânsito de Fortaleza. A Tabela 2 apresenta uma análise descritiva das variáveis utilizadas nesse esforço de modelagem. Tabela 2: Descrição das variáveis Média(*) Desv. pad. Mínimo Máximo v1_vdma09 VDMA de 2009- via principal 23.583 7.850 8.047 44.312 v2_vdma09 VDMA de 2009 - via secundária 11.735 5.267 641 28.563 vdma09 VDMA de 2009 - interseção 35.319 10.438 15.887 65.618 ta09 Total de acidentes - interseção 7,5 7,7 0 48 taff09 Total de acidentes com feridos e fatais 1,5 1,6 0 7 nfx Número total de faixas - interseção 5,8 1,4 4 12 nap Número total de aproximações 2,7 0,6 2 4 0,7 0,6 0 cc 2 Canteiro central; 0=ausência, 1=em Variável Descrição uma via, 2=em duas vias (*) Amostra = 101 observações 3.3 Estimação dos parâmetros dos modelos investigados Com base nos objetivos da modelagem e nas variáveis coletadas foram investigadas duas categorias de modelos: a categoria 1 utilizando como variável resposta o número total de acidentes de trânsito (ta09), e a categoria 2 com o número total de acidentes de trânsito com vítimas fatais e feridas (taff09) como variável dependente. Para as duas categorias adotou-se como modelo de partida o que contém somente a variável vdma09 na parte multiplicativa da Equação 01 e a partir daí foram 74 Transporte em Transformação XVI sendo acrescentadas as outras variáveis preditoras no componente exponencial dessa equação. Desta forma, para se considerar todas as combinações das variáveis envolvidas, um total de oito modelos foram estimados para cada categoria de MPA. Um teste inicial foi realizado com os modelos de partida para se verificar, entre Poisson e binomial negativa, qual a distribuição mais adequada para os dados de acidentes de trânsito coletados. Os parâmetros de dispersão σd para os modelos da categoria 1 foram respectivamente iguais a 3,92 para a distribuição de Poisson e 1,04 para a binomial negativa. Nos modelos da categoria 2 estes foram de 1,78 e 1,13, respectivamente. Os resultados desses testes sugerem que a dispersão observada nos dados coletados é mais compatível com a premissa da distribuição para as duas categorias de modelos. binomial negativa Os parâmetros de cada modelo foram então estimados com a utilização da função glm.nb (binomial negativa) do aplicativo estatístico R, versão 2.13.0 adotando a função logarítmica como função de ligação (exemplo da sintaxe do R: <glm.nb(formula = ta09 ~ log(vdma09), init.theta = 2.566679449, link = log)>). 3.3.1 Modelos da categoria 01 – número total de acidentes de trânsito Os coeficientes de cada modelo estimado com os respectivos valores do erropadrão estão apresentados na Tabela 3. Essa tabela mostra ainda os parâmetros de “superdispersão” (φ) da distribuição binomial negativa e o valor do logaritmo da obtidos para cada modelo testado. verossimilhança Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em Interseções Semaforizadas de Fortaleza 75 Tabela 3: Parâmetros dos modelos investigados – Categoria 01 Modelos (*) Variável ln(α) α Coef. 01 02 03 04 05 06 07 08 -12,09 -5,13 -7,72 -5,65 -5,27 -7,49 -7,12 -7,23 5,61E-06 5,91E-03 4,44E-04 3,52E-03 5,16E-03 5,61E-04 8,09E-04 7,22E-04 2,59 2,52 3,06 2,85 2,65 2,68 2,89 2,61 1,34 0,52 0,90 0,59 0,53 0,70 0,60 0,55 0,23 0,26 0,30 0,14 0,28 0,26 0,29 0,26 - 0,28 - - 0,52 0,41 - 0,34 - 0,05 - - 0,14 0,08 - 0,08 - - 0,31 - - -0,39 -0,66 -0,90 - - 0,14 - - 0,27 0,31 0,28 - - - 0,52 -0,03 - 1,16 0,74 - - - 0,14 0,20 - 0,33 0,31 f 2,92 4,47 3,16 3,58 4,47 4,81 3,90 5,39 −-22 -575 -548 -570 -561 -548 -543 -556 -537 (∗∗) vdma_09 nfx cc nap (*) Coef. Coef. Coef. Coef. parâmetros estatisticamente significante (α=0,05) (**) erro-padrão Conforme mencionado anteriormente, a construção dos possíveis modelos seguiu um processo seqüencial de inserção de variáveis a partir do modelo com apenas a variável VDMA (modelo de partida). Esse processo baseia-se na comparação entre os valores do logaritmo da máxima verossimilhança ( − 2 ) do modelo mais simples com o modelo imediatamente mais complexo (com uma variável adicional). A variável que, ao ser acrescentada resulte no maior aumento no parâmetro − 2 será a próxima a ser incluída. O processo é repetido até que todas as variáveis significativas sejam incluídas no modelo. Observando-se os valores da Tabela 3, por exemplo, pode-se comparar o modelo 1 (vdma09) com os possíveis modelos de duas variáveis (modelos 2, 3 e 4). Observa-se que a inclusão da variável nfx acarreta o maior acréscimo no valor de − 2 (27), e portanto, esta variável deve ser incluída imediatamente. Seguindo esse raciocínio foram selecionados os modelos 1, 2, 6 e 8 para uma avaliação mais minuciosa com o emprego de indicadores estatísticos e ferramentas gráficas. 76 Transporte em Transformação XVI 3.3.2 Modelos da categoria 02 – número total de acidentes de trânsito com vítimas feridas e fatais Os parâmetros das variáveis testadas em todos os possíveis modelos para o número de acidentes de trânsito com vítimas feridas e fatais se mostraram estatisticamente não significantes (α=0,05). Uma análise visual da Figura 2 confirma que os acidentes da amostra apresentaram um comportamento disperso e sem um padrão aparente de variação com o fluxo. Essa mesma análise foi verificada para as outras variáveis. Figura 2: Gráfico de acidentes com feridos e vítimas fatais e exposição Em termos práticos, os resultados obtidos confirmam que, no ambiente das interseções onde predominam as colisões traseiras, a existência de uma maior exposição acarreta em maior probabilidade da ocorrência de acidentes de trânsito, não implicando, contudo, que os mesmos serão mais graves. A severidade dos acidentes nas interseções parece estar mais associada às colisões transversais que, para o ambiente semaforizado, tem forte ligação com o avanço semafórico (voluntário ou involuntário). Nesse contexto a consideração de outras variáveis como hora do dia, local da via, existência de fiscalização eletrônica pode representar melhor esta categoria de acidentes. Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em Interseções Semaforizadas de Fortaleza 77 3.4 Avaliação dos modelos da categoria 01 Após a verificação inicial da significância de cada coeficiente do modelo (valor-p) um número considerável de indicadores matemáticos e gráficos tem sido aplicado ao processo de escolha de modelos lineares generalizados. Busca-se o equilíbrio entre a complexidade (número de parâmetros) e a aderência aos dados. Para modelos com elevado número de parâmetros, a variância dos erros será baixa, entretanto o modelo será viesado para a amostra utilizada (overfitting); ou seja, o modelo se ajustará tão firmemente aos dados existentes que perderá a capacidade de previsão de acidentes em novas interseções. Por outro lado, modelos com menos parâmetros terão um menor viés, porém possuirão menor aderência, pois variáveis importantes para explicar o número de acidentes estarão ausentes. Este trabalho balizou a escolha do modelo mais adequado com a utilização dos seguintes indicadores: estatística generalizada Pearson χ2p, parâmetro de dispersão σd (overdispersion parameter), desvio escalonado Sp (scaled deviance), critério de informação de Akaike (AIC) e gráfico de resíduos acumulados (CURE plot) (McCullagh e Nelder, 1989, Bonneson e McCoy, 1993; Lord, 2000; Hauer, 2004). A Tabela 4 mostra os valores obtidos desses indicadores para cada um dos modelos selecionados. Tabela 4: Indicadores dos modelos selecionados – Categoria 01 Indicador -2l 1 Modelos 2 6 8 -575,46 -547,92 -542,85 -536,80 99 98 97 96 χ p,crítico;0,05 123 122 121 120 χ2p 135 129 119 108 Sp 103 102 101 101 581 556 559 549 1,04 1,04 1,04 1,05 gl (*) 2 AIC σd graus de liberdade (*) 78 Transporte em Transformação XVI O indicador χ2p é utilizado para avaliar o quanto a variância explicada pelo modelo difere da variância observada nos dados, ou seja, se o modelo proposto se ajusta aos dados. Para um determinado nível de significância α o modelo é considerado adequado se χ2p<χ2p, crítico,α. Os valores apresentados na Tabela 4 indicam que, de acordo com esse critério (α=0,05), os modelos 6 e 8 são os que melhor se ajustam aos dados. O modelo 2 entretanto teve um desempenho muito próximo ao aceitável não devendo ser totalmente descartado. Vale ressaltar que esse indicador tem seu desempenho questionado para amostras pequenas (Bonneson e McCoy, 1993), ou seja, aumentando-se a amostra o modelo 2 poderia ser considerado aceitável. Para o desvio escalonado (Sp), que é um outro indicador da falta de aderência do modelo proposto, conclui-se que os quatro modelos estão aproximadamente a uma mesma distância (abaixo) dos seus valores críticos (Tabela 4). Ou seja, quando comparado com modelos saturados (uma variável para cada observação), os modelos parecem aderir satisfatoriamente aos dados. O critério AIC compara diferentes modelos com base no equilíbrio entre o viés e a variância explicada pelos mesmos. Por sua formulação matemática o modelo mais equilibrado é aquele que apresenta o menor AIC. Segundo Simonoff (2003), uma diferença de AIC acima de 10 já pode ser considerada expressiva. O modelo 1 é o mais simples, porém seu valor de AIC é bem superior ao dos demais modelos. Já o modelo 2 oferece uma melhor aderência, com a redução de 25 pontos com relação ao modelo 1. A diferença do AIC do modelo 2 para os demais ficou abaixo de 10 pontos, favorecendo portanto a escolha do modelo 2 como a mais plausível alternativa. Para modelos satisfatórios, o gráfico de resíduos acumulados (CURE plot) deve apresentar uma oscilação moderada e aleatória em torno de zero (“random walk”) além de permanecer confinado na envoltória de dois desvios padrões (Hauer, 2004). A Figura 3 apresenta o CURE plot para o modelo 2 com as respectivas envoltórias de +2σd. Os mesmos gráficos foram produzidos para os outros modelos os quais tiveram comportamento similar. Em todos os casos os modelos estiveram entre os limites da envoltória e com oscilação em torno de zero. Um aspecto interessante do CURE plot é o indicativo de observações extremas (outliers). Esses pontos podem ser identificados no gráfico por “saltos” verticais. No caso da Figura 3, pode-se identificar dois possíveis outliers um aos 37.000vph e outro no extremo do modelo (aprox. 65.000vph). Nestes casos observaram-se 35 e 48 acidentes enquanto que o modelo previu 7 e 17 acidentes respectivamente. Esses pontos podem ser investigados de forma mais detalhada. Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em Interseções Semaforizadas de Fortaleza 79 +2σd -2σd Figura 3: Gráfico de resíduos acumulados do modelo 2 Outro importante aspecto a se considerar é a multicolineariedade existente entre as variáveis. A correlação entre as variáveis nfx e cc é de 0,86, entre nfx e nap é também de 0,86, e entre cc e nap é de 0,96. Portanto, os modelos 6 e 8 possuem alta multicolineariedade, podendo até possuir boa capacidade preditora, porém seus coeficientes não permitem qualquer interpretação sobre relações de causa e efeito das variáveis canteiro central e número de aproximações nos acidentes de trânsito. Essa multicolinearidade é confirmada pela mudança nos coeficientes das variáveis à medida que suas correlatas entram no modelo (Tabela 3). Pela análise global dos indicadores, conclui-se que, apesar de não haver uma preferência definitiva por um modelo específico, a expressão com as variáveis vdma e nfx (modelo 2) apresenta características mais adequadas dentre os analisados. Cabe ressaltar que em virtude da elevada dependência entre o fluxo e o número de faixas, o modelo deve ser encarado predominantemente como preditor. Relações de causa e efeito em virtude de alterações no número de faixas devem ser analisadas com cuidado. A Figura 4 representa graficamente o modelo proposto. Modelos de regressão, assim como qualquer outro tipo de modelo, precisam passar pelo processo de validação. Segundo Kutner et al. (2005), na ausência de uma amostra para se testar o desempenho do modelo, a validação também pode 80 Transporte em Transformação XVI ser feita por meio da verificação da consistência do modelo com os fundamentos teóricos acerca do fenômeno. Os parâmetros do modelo proposto neste trabalho estão condizentes com aqueles encontrados na literatura, como nos estudos de Persaud and Nguyen (1988) e AASHTO (2010). nfx=12 nfx=10 nfx=8 nfx=6 nfx=4 Figura 4: Representação gráfica do modelo 02 4. Conclusões Este trabalho apresentou o esforço de desenvolvimento de modelos de previsão de acidentes para interseções semaforizadas em Fortaleza. Mais especificamente, foram discutidos aspectos relativos à formulação geral do modelo, estrutura mais adequada para a representação dos erros do modelo, definição das variáveis e coleta dos dados, estimação dos parâmetros do modelo e escolha dos modelos mais adequados. A amostra utilizada no desenvolvimento do modelo foi composta por 101 interseções semaforizadas de onde foram coletados os dados sobre a freqüência total de acidentes para o ano de 2009. Como variáveis preditoras foram investigadas o volume diário médio anual, o número total de faixas da interseção, a presença de canteiro central e o número de aproximações. Os resultados da modelagem indicaram que, para a estimação do número total de acidentes de trânsito, o modelo com o VDMA e número de faixas apresentou Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em Interseções Semaforizadas de Fortaleza 81 desempenho mais adequado dentre aqueles analisados. Pela elevada dependência entre as variáveis explicativas o modelo serve mais ao propósito de predição do que ao propósito de estimar relações de causa e efeito. Para a estimação do número de acidentes de trânsito com vítimas feridas e fatais, entretanto, nenhuma das variáveis investigadas foi significativa. Acreditase que a severidade dos acidentes nas interseções possa estar ligada ao avanço semafórico que, por sua vez, sofre influência de variáveis como hora do dia, local da via e existência de fiscalização eletrônica, não contempladas nesse trabalho. A consolidação do uso dessa ferramenta estatística (MPA) no ambiente brasileiro carece entretanto de outros trabalhos no sentido de aprimorar os bancos de dados de acidentes de trânsito, integrar esses bancos de dados às outras possíveis variáveis utilizadas na modelagem, investigar a transferência espacial e temporal dos modelos e apresentar metodologias de validação mais robustas. 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Manoel Mendonça de Castro Neto ([email protected]) Departamento de Engenharia de Transportes, Universidade Federal do Ceará. Campus do PICI, s/n – Bloco 703 – CEP. 60455-760 – Fortaleza, CE, Brasil. Davi Sales Barreira ([email protected]) Departamento de Engenharia de Transportes, Universidade Federal do Ceará. Campus do PICI, s/n – Bloco 703 – CEP. 60455-760 – Fortaleza, CE, Brasil. Impacto de Elementos de Projeto no Desempenho Operacional de Sistemas BRT de Faixa Única Sem Ultrapassagem 4 Brenda Medeiros Pereira (1, 2) Luis Antonio Lindau (1, 2) Rodrigo Alberto de Castilho (2) Mara Chagas Diógenes (1) (1) LASTRAN, PPGEP, Escola de Engenharia, UFRGS (2) EMBARQ Brasil Resumo Neste artigo explora-se o desempenho de um corredor BRT com uma única faixa por sentido e sem ultrapassagem, em termos de capacidade e velocidade operacional, através da realização de um projeto de experimentos que envolveu a simulação de 324 cenários. Nas simulações variaram os níveis de demanda, as taxas de embarque e desembarque, a distância entre estações, o fator de carregamento dos veículos, o número de baias por estação, e o posicionamento do semáforo em relação às estações. A análise qualitativa revela que esse corredor BRT quando operado por ônibus articulado pode atingir uma capacidade de cerca de 15.000 pass/h/sentido ao longo de sua seção crítica e uma velocidade operacional de 23 km/h. Uma análise estatística preliminar permitiu a estimativa de um modelo de regressão que 86 Transporte em Transformação XVI representa o impacto de elementos de projeto na velocidade operacional de um BRT. Os resultados fornecem informações úteis para projetistas de corredores BRT de alto desempenho. Abstract In this paper we explore the performance of a single lane per direction noovertaking BRT corridor, in terms of capacity and operating speed, by conducting a design of experiments that comprised the simulation of 324 alternative scenarios. In the simulation runs we varied demand levels, boarding and alighting rates, spacing of stations, vehicle loadings, quantity of berths per station, and traffic signal positioning in relation to stations. The qualitative analysis reveals that this BRT corridor, when operated by articulated buses, can achieve a capacity around 15,000 pass/h/dir along its critical section and an operating speed of 23 km/h. Preliminary statistical analysis enabled the estimation of a regression model representing the impact of BRT design elements on the operating speed. Our findings provide useful insights for designers of high-performance BRT corridors. 1. Introdução Bus Rapid Transit (BRT) se caracteriza por ser “um transporte rápido de passageiros que apresenta a qualidade do transporte ferroviário e a flexibilidade do sistema ônibus” (FTA, 2009; Levinson et al., 2003; Wright e Hook, 2007). Porém, é justamente a flexibilidade intrínseca ao conceito que pode dar margem a um BRT com melhor ou pior desempenho. Os projetistas dispõem de diversos elementos de projeto e a combinação ou configuração estabelecida entre eles é determinante para o desempenho operacional de um corredor de BRT. Quanto à capacidade, o desempenho dos sistemas BRT varia de 2.000 passageiros por hora através de 50 ônibus/h/sentido no período de pico (Levinson et al., 2003), ao recorde do TransMilenio, sistema BRT de Bogotá, que transporta 45.000 passageiros/h/sentido (BRT Policy Center, 2004). A velocidade operacional também é determinada pela configuração do sistema e impacta diretamente na satisfação do usuário. Velocidades da ordem de 25 km/h estão associadas a sistemas BRT ofertando níveis de serviço aceitáveis (Wright e Hook, 2008). Impacto de Elementos de Projeto no Desempenho Operacional de Sistemas BRT de Faixa Única Sem Ultrapassagem 87 A experiência com sistemas de ônibus de alta capacidade resulta de um processo de tentativa e erro combinado com doses de pragmatismo e empirismo (Lindau e Willumsen, 1990). Tipicamente os projetistas tendem a tomar suas decisões com base no desempenho observado em sistemas já implantados com configurações físicas e operacionais que se assemelham ao proposto. A literatura tende a reportar o impacto de vários elementos físicos e operacionais no desempenho de um sistema BRT, porém pouco trata do efeito da interação entre eles. Poucos são as ferramentas que possibilitam o estudo da complexidade das interações entre os elementos de projeto de um BRT. A simulação microscópica computacional permite testar cenários alternativos. Este artigo enfoca, através do uso de micro-simulação computacional e de um projeto de experimento, o efeito da interação de elementos de projeto no desempenho de sistemas BRT de faixa única sem ultrapassagem, particularmente em termos de capacidade e velocidade operacional. 2. Elementos de Projeto e Desempenho de Sistemas BRT Diversos são os elementos físicos e operacionais que influem no desempenho de sistemas BRT. Elementos físicos incluem, por exemplo: a existência ou não de faixas de ultrapassagem, a distância entre estações, o posicionamento entre estações e interseções, o tipo de veículo escolhido. Elementos operacionais dizem respeito ao arranjo operacional adotado, entre eles: o ciclo semafórico, a coordenação entre semáforos, o número de serviços operando no corredor. A Tabela 1 apresenta os principais elementos de projeto e seus possíveis impactos no desempenho de um sistema BRT. Para o caso de sistemas de transporte coletivo de alta demanda, como o caso dos BRT, a capacidade e a velocidade operacional constam entre as principais medidas de desempenho. A capacidade de um sistema de transporte coletivo remete a diferentes classificações. Pode-se determiná-la a partir da capacidade limite de seu componente mais demandado como, por exemplo, um trecho da via, uma interseção ou uma estação (Fernandez e Planzer, 2002). Em geral, a capacidade é definida como o carregamento máximo transportado através da seção crítica em um intervalo de tempo (Vuchic, 2007). Quedas acentuadas na velocidade são fortes indicativos dos limites de capacidade de um corredor BRT. 88 Transporte em Transformação XVI Os atrasos em estações e interseções são os principais contribuintes para a redução da velocidade operacional dos sistemas tipo BRT (Gardner et al., 1991). Entre os elementos de projeto de um BRT que dizem respeito às estações e interseções constam: a programação semafórica (Janos e Furth, 2002); a distância entre estações; o volume de passageiros e as condições de embarque/desembarque; o número de interseções; o fluxo de ônibus e a possibilidade de ultrapassagem no corredor (Gardner et al., 1991). A Tabela 2 apresenta taxas de embarque/ desembarque para diferentes combinações de veículos e plataformas; estas taxas influenciaram os valores utilizados nas simulações. Em geral, um corredor BRT requer semáforos para travessias de pedestres e para o cruzamento de veículos. Em áreas urbanas de alta densidade de pedestres, recomenda-se uma incidência de travessias de pedestres entre 100 e 500 m (Kostanjsek e Lipar, 2007). Nos cenários modelados, os semáforos sempre foram posicionados com espaçamento de 250 m. Ainda, buscou-se determinar o efeito de posicionar os semáforos imediatamente antes e imediatamente depois das estações. O estudo considera tempos de ciclo fixos de 120 s, que são usuais para vias arteriais urbanas, com offset zero e 60 s de verde. Wright e Hook (2007) apontam que tempos de verde no corredor durando 50% do ciclo são usuais para corredores operados por sistemas BRT. A Figura 1 apresenta o posicionamento alternativo dos semáforos em relação à estação utilizados nas simulações. Impacto de Elementos de Projeto no Desempenho Operacional de Sistemas BRT de Faixa Única Sem Ultrapassagem 89 Tabela 1: Elementos que influenciam o desempenho de um sistema BRT Elemento Possível influência no desempenho Fonte Ultrapassagem A ultrapassagem permite a operação de serviços diferen- Gardner et al. (1991) ciados: locais, acelerados e expressos. Resulta em maior velocidade operacional e capacidade. Ciclo semafórico e Coordenação entre semáforos Redução do atraso nas interseções, aumento na confiabi- Gardner et al. lidade do sistema, aumento da velocidade operacional. (1991); Janos e Fur th (2002) Distância entre estações Quanto maior a distância entre estações, menor o tempo perdido com a aceleração e desaceleração dos veículos e maior a velocidade operacional do BRT. A distância média entre estações de sistemas de ônibus é de 400 metros, não devendo ser maior que 800 metros. Fur th e Rahbee (2000); Kit telson & Associates, Inc et al. (2003); Farewell e Mar x apud Ceder, 2007 Posicionamento da Inter fere no per fil de acelerações e velocidades do corre- Mercedes-Benz do estação em relação dor e no instante ideal para deixar a estação. Brasil S.A. (1987); à interseção Wright e Hook (2007) Vuchic (2007) Inter face do veículo A relação entre o veículo e a plataforma (diferença de com a plataforma nível, tempo de aber tura de por tas, docagem) influencia no tempo de embarque e desembarque por passageiro e, assim, na velocidade operacional do BRT. Tamanho do veículo Influi no dimensionamento e layout das estações, nas Wright e Hook frequências, no número de canais e na dirigibilidade. Em (2007); Ceder sistemas que almejam capacidades elevadas ocorre uma (2007) tendência pelo uso de veículos ar ticulados e biar ticulados. Número de baias por estação O número de baias influencia na capacidade da estação e Wright e Hook na saturação das plataformas. (2007) Fator de carregamento dos veículos Indica a relação entre a capacidade prática do veículo e a lotação máxima. Quanto menor o fator, maior a frota necessária. Vuchic (2007) Headway Quanto menor o headway (1/frequencia), menor é o tempo de espera dos passageiros nas estações. Vuchic (2007) Comboios Permitem que ônibus acelerem e desacelerem quase que simultaneamente. Podem aumentar tanto a capacidade quanto a velocidade operacional de um corredor de ônibus. Gardner et al. (1991) 90 Transporte em Transformação XVI 3. Desempenho do BRT em Função de Elementos de Projeto O efeito da interação de elementos no desempenho de sistemas BRT foi avaliado através de um projeto de experimentos que contemplou a simulação de 324 cenários. Utilizou-se o EMBARQ BRT Simulator cuja descrição, calibração e aplicações anteriores encontram-se reportados em Pereira et al. (2010). Este estudo adota a velocidade operacional como principal medida de desempenho do BRT em todos os cenários propostos. 3.1 Elementos fixos A capacidade de cada veículo BRT varia de acordo com o seu comprimento e layout interno (distribuição de assentos, localização de porta, etc.). Este estudo utiliza veículos articulados com capacidade para 170 passageiros, pois a literatura indica este como o mais recorrente. Figura 1: Posicionamento dos semáforos em relação à estação: antes (esquerda) e depois (direita) Impacto de Elementos de Projeto no Desempenho Operacional de Sistemas BRT de Faixa Única Sem Ultrapassagem 91 Tabela 2: Taxa de embarque/desembarque para diferentes combinações de veículos e plataformas (adaptado de Vuchic, 2001) Veículo Altura do veículo/ Altura da plataforma Passageiros por segundo por canal Canais por veículo Passageiros por segundo por veículo Ar ticulado Ar ticulado Ar ticulado Ar ticulado Ar ticulado Ar ticulado Ar ticulado* alto/baixa alto/baixa alto/alta baixo/baixa alto/alta baixo/baixa alto/alta 0,5 0,5 0,9 0,9 0,9 0,9 1,2 4 6 6 6 8 8 6 2,0 3,0 5,6 5,6 7,5 7,5 7,1 Ar ticulado* alto/alta 1,2 8 9,5 (*) esses casos utilizam taxas de embarque por canal semelhantes às encontradas no metrô. A simulação requer que a velocidade máxima que um BRT possa desenvolver em fluxo livre seja arbitrada; adotou-se 60 km/h para o corredor, de acordo com o Código Brasileiro de Trânsito (Brasil, 1997). A calibração do simulador apontou que a aceleração de veículos articulados é da ordem de 1,0 m/s² (Pereira et al., 2010), taxa também indicada por outros autores para sistemas ônibus (Vuchic, 2007) . A desaceleração dos veículos foi adotada como sendo o dobro da aceleração. Em todos os cenários a extensão do trecho simulado é de 10 km. 3.2 Elementos variáveis Seis são os elementos variáveis: a distância entre estações (D), a taxa de passageiros embarcando no veículo por segundo (Tx), o fator de ocupação dos veículos (FO), o número de baias na plataforma (NB), a posição dos semáforos em relação à estação (PS) e a demanda (Dem). Com base na literatura foram identificados os níveis de variação dos elementos que melhor representam as opções de projetos disponíveis para sistemas BRT. A combinação de elementos e níveis de variação resultou na simulação de 324 cenários. Todos os cenários consideram 3 horas como o período de simulação e uma injeção constante de veículos. Para que a fase preenchimento (warm-up) do sistema não afete os resultados da simulação, após a primeira hora as estatísticas foram zeradas e, então, começaram a ser coletadas novamente. 92 Transporte em Transformação XVI Com vistas a testar a influência da demanda no desempenho dos corredores, três foram os níveis adotados: 8.000, 12.000 e 15.000 passageiros/hora/sentido no trecho crítico, o que representa, respectivamente, 15.000, 22.500, e 28.500 embarques/h/sentido em todas as estações do corredor. A Tabela 3 apresenta os elementos e os valores adotados no estudo. Por ser uma variável qualitativa, a posição dos semáforos em relação à estação foi incluída ao estudo utilizando o recurso das variáveis dummy. Tabela 3: Elementos e valores adotados no estudo Distância entre estações [m] Taxa de embarques [pass/s/veic] Fator de ocupação [%] Número de baias Posição do semáforo Demanda [pass/h/ sentido] 250 500 2 5 60% 80% 2 3 antes (-1) depois (1) 8000 12000 750 8 100% 15000 3.3 Elementos dependentes Para estimar a quantidade de embarques e desembarques por estação distribuiu-se a demanda levando em conta a distância entre estações e a densidade de demanda por metro de corredor (Castilho, 1997; Pereira, 2011). Considerou-se que: (i) a maioria dos embarques e desembarques ocorre no início e fim do corredor; (ii) o número de embarques decresce linearmente ao longo do corredor, enquanto o de desembarques cresce, (iii) o número total de embarques/desembarques por estação depende da distância entre estações – quanto maior a distância, maior o número de passageiros por estação. A Figura 2 apresenta esta lógica. Impacto de Elementos de Projeto no Desempenho Operacional de Sistemas BRT de Faixa Única Sem Ultrapassagem 93 Figura 2: Distribuição de demanda ao longo do corredor A Figura 3 apresenta um exemplo do perfil de embarques e desembarques e do carregamento resultante ao longo de um corredor com 20 estações separadas por 500 m. Neste caso, há 8.000 pass/h/sentido na seção crítica, localizada no meio do corredor. Nas simulações, a chegada dos passageiros ocorre de forma aleatória de acordo com uma distribuição de Poisson. Figura 3: Exemplo de diagrama de carregamento: o caso de 8.000 pass/h/sentido 94 Transporte em Transformação XVI Para cada um dos cenários, o headway operacional no despacho é função da capacidade do veículo, da demanda a ser transportada no trecho crítico e do fator de carregamento utilizado no dimensionamento. Nos diferentes cenários simulados, as freqüências resultantes de despacho variaram entre 46 e 160 ônibus/hora. Porém perturbações inerentes aos sistemas simulados fazem com que o headway varie ao longo do corredor e ao longo do tempo. 4. Resultados Este estudo contemplou análises qualitativas e quantitativas. A animação da simulação proporcionada pelo software contribuiu para as análises qualitativas ao identificar filas de veículos no corredor e de passageiros nas estações, típicas de situações operacionais que beiram o limite de desempenho. As análises qualitativas também tomaram por base os valores de velocidade operacional encontrados para cada cenário. Na dimensão quantitativa, buscou-se estimar modelos que representassem o comportamento da velocidade operacional, com base nos elementos de projeto. 4.1 Análise qualitativa As Figuras 4, 5 e 6 representam, respectivamente, as velocidades operacionais resultantes de cada cenário para demandas de 8000, 12.000 e 15.000 pass/h/sentido na seção crítica. A Figura 7 apresenta uma representação comparativa de todos os cenários simulados. Cada ponto na figura representa, para um determinado cenário, a média da velocidade operacional de todos os veículos simulados durante um período de 2 horas-pico consecutivas. Para compensar a falta de repetição nas rodadas de simulação de cada cenário, simulou-se a operação ao longo do corredor por um período mais longo do que uma hora. Em muitos casos, a velocidade operacional resultou inferior a 15 km/h, indicando que os cenários que não foram capazes de atender a suas respectivas demandas. Como esperado, esses casos ocorreram com maior frequência quando o sistema foi submetido ao mais alto nível de demanda no trecho crítico, ou seja, 15.000 pass/h/sentido. Velocidades tão baixas quanto 5 km/h indicam condições de saturação do sistema. Impacto de Elementos de Projeto no Desempenho Operacional de Sistemas BRT de Faixa Única Sem Ultrapassagem 95 Para todos os níveis de demanda, 15 km/h foi a velocidade operacional predominante para distâncias entre estações (D) de 250 e 500 m. Para D = 750 m, foram alcançadas velocidades operacionais de até 23 km/h, mas também se notou uma variação considerável nas velocidades resultantes dos diferentes cenários. Esta variação nas velocidades aumentou com o crescimento da demanda. Figura 4: Resultados dos cenários baseados na demanda de 8.000 pass/h/sentido Figura 5: Resultados dos cenários baseados na demanda de 12.000 pass/h/sentido 96 Transporte em Transformação XVI Figura 6: Resultados dos cenários baseados na demanda de 15.000 pass/h/sentido Figura 7: Resultados de todos os cenários simulados Para todos os níveis de demanda, e independentemente da distância separando as estações BRT, o embarque e desembarque a uma taxa igual a 2 pass/s, o que equivale a um ônibus com duas portas com 2 canais cada uma, além do desnível entre a plataforma do ônibus e da estação, gerou grande variação na velocidade operacional. Quanto maior a demanda e maior distância entre as estações, mais perceptível foi este efeito. Para demandas elevadas, três baias nas estações proporcionaram melhor desempenho do que duas baias. A presença de semáforos a cada 250 m, em todos os cenários simulados, pode ter contribuído para limitar a velocidade operacional em 15 km/h quando D = 250 m e D = 500 m. Para D = 750 m, quando havia mais passageiros para embarcar e Impacto de Elementos de Projeto no Desempenho Operacional de Sistemas BRT de Faixa Única Sem Ultrapassagem 97 desembarcar nas estações e os veículos eram obrigados a parar por mais tempo, semáforos localizado antes das estações contribuíram, de forma consistente, para o aumento das velocidades, um efeito que não foi claramente observado para os outros níveis de distância entre estações. É provável que os aspectos associados aos semáforos não testados neste estudo, tais como a coordenação, offset, detecção dos veículos para extensão do verde, também tenham impacto na velocidade de operacional. Cenários com 8.000 pass/h/sentido na seção crítica (8k) apresentam a menor variação entre os valores das velocidades operacionais resultantes. A estabilidade dos valores de velocidade sugere que o sistema não atingiu a sua capacidade, exceto em alguns poucos cenários que apresentaram velocidades fora do esperado. Analisando a Figura 3: • nota-se que não há diferença de patamar de velocidade quando se aumenta a distância entre estações de 250 para 500 m, mas observa-se um ganho de cerca de 5 km/h quando a distância passa de 500 para 750 m; • para os cenários em que a distância entre estações é de 250 m (D = 250 m) e taxa de embarque/desembarque é de 2 pass/s (Tx = 2), a velocidade apresenta alguma variação, o que sugere a formação de pequenas filas em certos pontos do corredor; • os cenários 74, 86 e 98 destacam-se ao apresentarem valores de velocidade operacional aquém dos demais referentes à D = 750 m. Como elementos comuns a estes cenários despontam o número de baias na parada igual a 2, semáforo localizado após a estação e fator de ocupação do veículo igual a 0,6. Os cenários que utilizam o nível de demanda intermediário, de 12.000 pass/h/ sentido (12k), apresentam maior variação que os cenários com 8k. Nota-se este efeito principalmente nos cenários onde Tx = 2 para D = 250 m e D = 500 m; para D = 750 m a variação ocorre em todos os níveis de Tx. Essa variação sugere que o sistema simulado aproxima-se da capacidade. Da análise comparativa dos cenários de 12k constantes da Figura 4: • verifica-se que não há diferença no patamar de velocidade quando a distância entre estações aumenta de 250 para 500 m. Apesar da variação dos valores de velocidade quando D = 750 m, percebe-se um patamar mais elevado de velocidade, que tende aos 20 km/h. 98 Transporte em Transformação XVI • nos cenários em que Tx = 2 e D = 250 ou 500 m, nota-se uma variação nas velocidades maior que a observada para 8k, sugerindo a formação de filas mais longas ou de maior duração em pontos da rota do corredor. • os cenários 38, quando D = 500 m, e cenários 74 e 86, onde D = 750 m, revelam valores de velocidade operacional muito abaixo dos demais, mesmo considerando a variação dos valores de velocidade. Entre os fatores comuns a estes cenários estão: número de baias de parada igual a 2, semáforo localizado após a estação e fator de ocupação do veículo igual a 0,6. Os cenários que dizem respeito ao nível máximo de demanda avaliado neste estudo, 15.000 passageiros/hora/sentido (15k), apresentam as maiores dispersões da velocidade operacional entre todos os níveis de demanda avaliados. Poucos são os lotes de cenários em que se observa uma tendência de estabilidade da velocidade. Ainda, são vários os cenários que resultaram em velocidades operacionais da ordem de 5 km/h, o que indica a incapacidade em atender a este patamar de demanda dentro de padrões aceitáveis de desempenho, além de sugerir a formação frequente de filas. Da análise dos cenários constantes da Figura 5, verifica-se que: • assim como nos níveis anteriores de demanda, não há diferença de patamar de velocidade quando a distância entre estações aumenta de 250 para 500 m. Mesmo com uma variação maior nos valores de velocidade de forma geral, em especial quando D = 750 m, a velocidade operacional atinge um patamar médio mais elevado em relação a menores distâncias entre estações, chegando à faixa dos 20 km/h. • os pontos estáveis de velocidade têm em comum Tx = 5 e Tx = 8 para D = 250 m e D = 500 m. Nos cenários em que Tx = 2, independente da distância entre estações, a velocidade operacional é bastante afetada pelas filas. • como efeito da maior variação da velocidade, mais pontos mostram-se fora de uma tendência. Considerando os três valores mais baixos de velocidade, têm-se os cenários 2, onde D = 250, 38, onde D = 500 m e 74, onde D = 750 m. São fatores comuns a estes cenários a taxa de embarque/desembarque igual a 2, numero de baias de parada igual a 2 e semáforo localizado após a estação. A variação e os baixos valores de velocidades observados sugerem que, muito possivelmente, os valores de velocidade cairiam ainda mais caso a simulação durasse mais tempo, levando à estagnação do sistema. Os cenários simulados apresentaram velocidades operacionais entre 5 e 23 km/h. Para as frequências entre 46 e 160 ônibus/hora, valores avaliados neste estudo, estas velocidades resultantes mostram-se dentro do esperado para a literatura. Impacto de Elementos de Projeto no Desempenho Operacional de Sistemas BRT de Faixa Única Sem Ultrapassagem 99 4.2 Análise quantitativa Este estudo de simulação compreende um conjunto de 324 cenários resultantes da combinação completa de 6 elementos de projeto. Assim, a proposta inicial de modelagem foi calibrar um modelo de regressão linear múltipla, um procedimento comum em projetos de experimentos, mesmo entendendo que os efeitos dos elementos de projeto na velocidade operacional não sejam necessariamente lineares. No modelo, todas as combinações possíveis dos seis elementos de projeto foram potencialmente consideradas como variáveis explicativas para a velocidade operacional do corredor BRT. Combinações não representativas, do ponto de vista estatístico, foram retiradas uma a uma. Foram aceitas as combinações com valor p de Pearson igual ou inferior a 0,05 para o nível de significância de 5% (equivalente a 95% de confiança estatística). A Equação 1 apresenta o modelo mais representativo. É importante mencionar que esta equação é válida somente para as faixas de valores testados dos elementos de projeto. Assim, usar o modelo de regressão em extrapolações pode levar a estimativas erradas. Onde, V = velocidade operacional [km/h]; D = distância entre estações [m]; Tx = taxa de embarque/desembarque [passageiros/s]; FO = fator de ocupação dos veículos [decimal]; NB = número de baias na plataforma [unidade]; PS = posição dos semáforos em relação à estação [antes = -1 e depois = 1]; Dem = número de passageiros transportados na seção crítica por hora por sentido [(pass/h/sentido)/1000]. O modelo representado pela Equação 1, com combinações de até 3 elementos, foi o que apresentou o maior coeficiente de determinação (R ² = 0,82) entre todos 100 Transporte em Transformação XVI os modelos gerados. Também foi o que apresentou a menor variação dos pontos em relação à reta no gráfico de resíduos (Pereira, 2011). Modelos com combinações de elementos levam a dificuldades de interpretação. Nesses casos, técnicas gráficas podem fornecer meios mais úteis para a realização de análises de sensibilidade. A Figura 8 apresenta o caso onde todos os elementos, com exceção da demanda e da distância entre as estações, foram mantidos com valores fixos. Aumentar a distância entre as estações resultou mais eficaz para o aumento da velocidade operacional quando Dem = 8k. Velocidade operacional [km/h] 25 20 15 10 Dem = 8 k Dem = 12 k 5 Dem = 15 k 0 150 250 350 450 550 650 750 Distância entre estações [m] Figura 8: Influência da distância das estações e da demanda na velocidade operacional (Tx = 8; FO = 0,6; NB = 3; e PS = -1) A Figura 9 revela que o posicionamento do semáforo antes da estação quando Dem = 8k permite velocidades operacionais mais elevadas quando as distâncias entre as estações forem maiores do que 500 m. Para distâncias menores entre as estações, a posição relativa dos semáforos apresentou pouco ou nenhum efeito sobre a velocidade operacional resultante. Impacto de Elementos de Projeto no Desempenho Operacional de Sistemas BRT de Faixa Única Sem Ultrapassagem 101 Velocidade operacional [km/h] 25 20 15 10 antes 5 depois 0 150 250 350 450 550 650 750 Distância entre estações [m] Figura 9: Influência da distância das estações e da posição do semáforo na velocidade operacional (Tx = 8; FO = 0,6; NB = 3; e Dem = 8) 5. Conclusões Cresce tanto o interesse quanto a quantidade de sistemas BRT implantados em todo o mundo. Já o conhecimento prático sobre os limites do desempenho operacional de corredores BRT encontra-se limitado aos sistemas implantados, especialmente no que se refere às velocidades operacionais e capacidades. Ainda, no mundo real nem todas as configurações dos sistemas BRT foram submetidas ao seu desempenho limite, já que as demandas reportadas variam de 2k a 45k pass/h/ sentido na seção crítica. Como cada corredor é quase único em termos de configurações e que é praticamente infinita a quantidade de combinações entre elementos de projeto, não é razoável esperar que o desempenho de um determinado corredor de BRT possa ser replicado em condições distintas. Nesse contexto, estudos baseados em microsimulação computacional oferecem uma oportunidade única ao propiciar, através da análise de cenários, a determinação dos limites de desempenho operacional de corredores BRT. A revisão da literatura e a compreensão do estado-da-prática levaram à identificação dos elementos de projeto considerados determinantes para o desempenho dos sistemas de ônibus de alta demanda, em particular os sistemas 102 Transporte em Transformação XVI de BRT implantados na América Latina. Com base em uma combinação de seis elementos críticos (níveis de demanda, taxas de embarque e desembarque, distância entre estações, fator de carregamento de veículos, número de baias por plataforma, e posicionamento do semáforo em relação às estações) 324 cenários foram criados para determinar o desempenho limite, em termos de velocidade operacional e capacidade, de um corredor BRT. Os resultados apontam que um corredor BRT com uma única faixa por sentido e sem ultrapassagem pode alcançar uma capacidade de 15.000 pass/h/sentido ao longo de sua seção crítica com uma velocidade operacional de 20 km/h. Sob combinações ideais de elementos de projeto (estações separadas por 750 m, taxas de embarque e desembarque da ordem de 5 pass/s ou mais, semáforos posicionados antes das estações, e três baias por estações) foram observadas velocidades operacionais de até 23 km/h. Do estudo também constou a calibração um modelo de regressão multilinear, que é convencionalmente usado em projetos de experimentos, para representar a velocidade operacional como resultado de uma combinação de elementos. Testouse a consistência do modelo e a sua utilidade foi caracterizada através da realização de uma análise de sensibilidade. Esse estudo demonstra que a simulação computacional microscópica é uma ferramenta adequada para recriar um ambiente de estudo detalhado do desempenho operacional de corredores BRT. Este artigo destaca a importância de se levar em conta, em fases que antecedem a implantação, os efeitos dos elementos críticos de projeto que determinam a velocidade operacional e a capacidade de um corredor de BRT. Agradecimentos Os autores agradecem o apoio do CNPq, do WRI, da rede EMBARQ e do ALAC, o Centro de Excelência em BRT. Impacto de Elementos de Projeto no Desempenho Operacional de Sistemas BRT de Faixa Única Sem Ultrapassagem 103 Referências bibliográficas Brasil. (1997) Código de Transito Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil/leis/L9503.htm>. Acesso em: 12 dez 2010. BRT Policy Center. (2004) Transmilenio. Disponível em: <http://www.gobrt.org/ dbfront.html>. Acesso em: 02 out 2009. Ceder, A. (2007) Public transit planning and operation: theory, modelling and practice. Reino Unido: Elsevier. Castilho, R.A. (1997) Análise e simulação da operação de ônibus em corredores exclusivos. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção). PPGEP, UFRGS, Porto Alegre, Brasil. Federal Transit Administration (2009). Characteristics of Bus Rapid Transit for Decision-Making. Disponível em: < http://www.nbrti.org/CBRT.html>. Acesso em: 20 nov 2010. Fernandez, R.; Planzer, R. (2002) On the capacity of bus transit system. Transport Reviews, v. 22, n. 3, p. 267-293. Furth, P.; Rahbee, A. B. 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Bastos Silva Álvaro Seco Universidade de Coimbra Departamento de Engenharia Civil Carlos Magalhães Real Instituto Politécnico de Leiria Departamento de Engenharia Civil Resumo As estradas de importância secundária caracterizam-se por atravessar diferentes ambientes rodoviários os quais justificam a imposição de diferentes limites de velocidade máxima. Muitos países continuam sem definir critérios lógicos ou de ferramentas capazes de sustentar tecnicamente essa definição. Nessa óptica, o presente artigo centra-se no desenvolvimento de um modelo estatístico capaz de suportar objectivamente o processo de definição da velocidade segura para um determinado trecho viário, tendo por base as suas características geométricas e funcionais prevalecentes. O desenvolvimento do modelo é baseado em técnicas de correlação e de regressão múltipla, suportado por uma base de dados real construída para o efeito. Essa base de dados integra a opinião de um conjunto de especialistas, 106 Transporte em Transformação XVI a quem foi pedida a especificação do perfil de velocidade segura ao longo de um conjunto de itinerários, sendo o seu julgamento baseado no nível de conflituosidade local e nas condições de funcionamento prevalecentes. Abstract Secondary roads are characterized by different cross-section road environments that justify the imposition of different legal speed limits. Many countries still lack the definition of logical criteria or tools capable of technically supporting this definition. In this line of action, this article focuses on the development of a mathematical model capable of supporting the process of objectively defining the legal maximum safe speed for a given road section, based on their main geometric and functional prevailing characteristics. The model development was based on correlation techniques and multiple regressions which were supported by the creation of a real database. This database includes the opinions of a group of specialists, who were asked to evaluate the safe speed profiles over a set of different stretches of routes, based on their judgments about the level of conflict and local prevailing operating conditions. 1. Introdução A rede secundária de estradas de um país serve normalmente de apoio à rede primária na distribuição do tráfego pelas regiões, pelo que uma preocupação de base que lhe assiste é promover uma circulação contínua e segura. É por isso planeada e projectada para assegurar fluxos contínuos e níveis de fluidez elevados, sendo os trechos de estradas frequentemente sujeitos a limites de velocidade máxima pouco restritivos. Por essa razão e até à década de 80, as recomendações técnicas valorizavam a definição de soluções geométricas e funcionais baseadas fundamentalmente em preocupações operacionais sem terem em consideração a sua integração no meio rodoviário envolvente (Neuman, et al., 2002). Contudo, o aparecimento e crescimento de povoações de forma espontânea ao longo das vias, têm obrigado a repensar essa filosofia de concepção e de gestão das redes de estradas. Actualmente essas vias caracterizam-se por atravessar ambientes rodoviários que passam desde o puro rural, pela habitação dispersa envolvente, até ao domínio urbano consolidado. Modelação da Velocidade Segura Recorrendo ao Julgamento de Especialistas 107 A definição dos locais de fronteira apropriados à imposição de alterações ao regime de circulação e, por consequência, à alteração dos limites de velocidade máxima, revela-se particularmente complexa. A agravar, muitos países confrontamse ainda com a inexistência de disposições técnicas ou normativas objetivas, que apoiem a atribuição dessa velocidade de forma coerente. A infraestrutura rodoviária é assim caracterizada por uma falta de uniformidade e de rigor nos tratamentos, induzindo à geração de problemas de segurança rodoviária e ao tendencial descrédito da sinalização local. Em consequência, os níveis de sinistralidade neste tipo de estradas mantêm-se elevados sendo a velocidade apontada como uma das principais causas dos acidentes e da sua gravidade (TRB, 1998; ANSR, 2010; Stuster e Coffman, 1998). Nessa linha de acção, alguns países Europeus, Estados Unidos, Canada e Austrália, ao longo das três últimas décadas têm vindo a defender a necessidade de impor limites de velocidade concordantes com as expectativas naturais dos condutores numa óptica integrada de construção de estradas auto-explicativas (Stamatiadis, 2001; DfT, 2006; Neuman et al., 2002; Mackey, 2004; Fitzpatrick et al, 2003). Numa evolução desta perspectiva, hoje em dia, é consensualmente aceite que apenas uma avaliação integrada é capaz de ter em consideração de forma coerente e lógica os interesses e necessidades associados aos diferentes utilizadores da estrada. Os primeiros exemplos de aplicação deste tipo de abordagem centraram-se na definição dos limites de velocidade concordantes com a prática corrente local, e portanto baseados na medição do percentil 85 da distribuição das velocidades. Mas a integração de outras preocupações para além da normal corrente de tráfego, esteve, assim, na base do desenvolvimento de outros conceitos e de iniciativas de gestão da velocidade em diversos países, salientando-se (Mackey, 2004): “Ville plus sûre, quartiers sans accidents”, em França; “Environmentaly adaptet through roads”, na Dinamarca; “Village Speed Control Working Group”, no Reino Unido; “Environmental Adaptation of the Main Street in Rural Towns”, na Austrália e, mais recentemente o projecto (TRB’s NCHRP 20-05 - Topic 40-08) “Effective Speed Reduction Techniques for Rural High to Low Speed Transitions”, nos USA. Estas estratégias de gestão da velocidade justificaram a redefinição dos limites de velocidade, seleccionando valores adequados às características próprias de cada trecho e da sua envolvente, equilibrando as necessidades de garantir simultaneamente condições de segurança e de mobilidade (DfT, 2006). 108 Transporte em Transformação XVI A partir de 2000 surgem novas metodologias de abordagem, baseadas na definição de ferramentas e de modelos de cálculo suportados por fatores físicos e operacionais. São exemplos deste tipo de ferramentas a família de aplicações Xlimits de origem australiana (e posteriormente adaptados para os EUA e Nova Zelândia), os quais permitem estimar o limite máximo de velocidade em função de um conjunto alargado de variáveis ligadas à infraestrutura, ao uso do solo, condições de operação e sinistralidade local. Estes modelos para além de adaptados às características dos países de origem exigem a disponibilização de um conjunto alargado de informação, nem sempre disponível. É o caso do histórico de acidentes locais ou da distribuição das velocidades que, de forma geral, é difícil ou economicamente insustentável de obter para cada trecho em análise. Em Portugal a definição da velocidade máxima continua a ser baseada no regime de circulação estabelecido no Código da Estrada, podendo esse limite ser reduzido em situações onde o grau de conflituosidade e risco o justifique. A inexistência de critérios técnicos, lógicos e coerentes leva a que essa redução seja feita de forma casuística, ficando maioritariamente dependente dos critérios pessoais de cada decisor. Em consequência o país está pautado por uma falta de uniformidade no tratamento das situações, sendo comum encontrar limites de velocidade desajustados às exigências locais, resultando nomeadamente em claras violações às expectativas dos condutores. Os eixos inter-urbanos univias, pela diversidade de ambientes que atravessam e, consequentemente, pelas diversas funções que desempenham, apresentam-se como a tipologia ideal para a implementação de estratégias de gestão de velocidades capazes de atender às particularidades e especificidades de cada trecho. Nessa linha de ação a presente comunicação centra-se no desenvolvimento de um modelo matemático para apoio à definição dos limites da velocidade segura em trechos de estrada com duas vias, com uso misto, ou seja que atravessem diferentes ambientes rodoviários e envolvam a presença de outros utilizadores. O modelo foi desenvolvido no âmbito do projecto de investigação SAFESPEED, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia de Portugal. São identificadas as variáveis e factores considerados como os mais relevantes na definição desses limites, tendo por base a experiência internacional nesta matéria. O modelo desenvolvido assenta na aplicação de técnicas de regressão múltipla e revelou-se capaz de estimar, de forma lógica e coerente, a velocidade segura mais adequada a cada trecho, tendo por base um conjunto de variáveis explicativas facilmente mensuráveis ligadas à estrada e sua envolvente. Modelação da Velocidade Segura Recorrendo ao Julgamento de Especialistas 109 2. Pressupostos Metodológicos e Metodologia Adoptada O desenvolvimento do presente trabalho assenta na premissa de que a velocidade máxima a estabelecer em cada trecho de estrada deverá resultar da quantificação independente de duas componentes fundamentais: (i) a conflituosidade local relacionada com o uso do solo e com a interactividade e atrito associados às actividades que se desenvolvem marginalmente à estrada estabelecida através da aqui denominada velocidade segura (Vs) e, (ii) as características físicas prevalecentes do traçado e da sua envolvente, aqui representadas através do percentil 85 da velocidade (V85). A velocidade máxima legal em cada trecho deverá corresponder ao menor destes dois valores (Figura 1). Características do traçado e envolvente V85 em regime livre Interacção da estrada com o meio envolvente e outros utilizadores Vs - Velocidade segura VELOCIDADE MÁXIMA LEGAL (MENOR ENTRE V85 E VS) Figura 1: Metodologia para identificação da velocidade máxima legal em cada trecho Importa ainda ter presente que a procura de traçados auto-explicativos deverá exigir a definição de soluções globais combinadas devidamente ajustadas e concordantes com as expectativas naturais dos condutores, pelo que idealmente este processo deverá integrar indicadores de controlo. De facto, quando se compara o valor estimado ou medido da V85 com o da Vs, duas situações podem ocorrer (Figura 2): (1) sempre que a V85 é inferior à Vs, significa que a velocidade máxima é imposta pelas condicionantes do traçado (por exemplo um traçado muito sinuoso, ou com inconsistências), estando salvaguardas as expectativas dos condutores; (2) 110 Transporte em Transformação XVI sempre que a V85 é superior à Vs, verifica-se que a velocidade máxima é estabelecida em função do nível de conflituosidade local, contudo o traçado geral da estrada potencia a prática de velocidades superiores o que, em termos práticos, se traduz na geração de situações incongruentes e em problemas sérios de segurança. Neste tipo de situações importa promover a adaptação das características físicas do traçado, designadamente através da aplicação de medidas de controlo físico da velocidade compatíveis com a velocidade pretendida para o local. As medidas de acalmia de tráfego encontram aqui um dos seus domínios privilegiados de aplicação. V85 < Vs A velocidade máxima é imposta pelas condicionantes físicas do traçado EXPECTATIVAS V85 > Vs A velocidade máxima é imposta por conflitos locais EXPECTATIVAS DO CONDUTOR RESPEITADAS DO CONDUTOR VIOLADAS Figura 2: Avaliação da qualidade do ajuste das características da infraestrutura com a velocidade máxima estabelecida A implementação deste processo metodológico pressupõe, em termos globais, a quantificação/estimação de 2 variáveis: a V85 e a Vs. O presente artigo centra-se na estimação da velocidade segura (Vs), podendo a V85 ser estimada por recurso a modelos matemáticos existentes ou ser medida directamente na secção em estudo. De facto, a estimação da velocidade em regime livre, face às características físicas do traçado da estrada (traçado em planta, perfil longitudinal e perfil transversal) tem vindo a ser objecto de diversos estudos de investigação, sendo possível contar com alguns modelos para a sua estimação (ver a título de exemplo, Cardoso, 1996; Fitzpatrick et al., 1997; 2003). Por sua vez, a velocidade segura não tem sido muito estudada (Donald, 1994; Correia e Bastos Silva, 2011), pelo que continua a merecer investigação no sentido de se definir um modelo suficientemente robusto que, com base em variáveis fáceis de obter ou de medir, seja capaz de apontar de forma coerente e lógica qual a velocidade mais adequada a cada trecho de estrada. Modelação da Velocidade Segura Recorrendo ao Julgamento de Especialistas 111 A metodologia adoptada neste trabalho assentou no julgamento daquela que é a velocidade segura apontada por um conjunto de 4 observadores especialistas. Todos os especialistas são docentes do ensino superior na área da segurança rodoviária, apresentando complementarmente experiência profissional relevante nessa área. Aos especialistas foi solicitada a identificação da velocidade máxima adequada a cada trecho tendo unicamente por base o nível de interactividade da estrada com o meio envolvente, desprezando aquelas que são as características prevalecentes do traçado, designadamente a existência de um traçado sinuoso ou acidentado. Através desse julgamento especializado foi construída uma base de dados real a qual foi complementada pelo levantamento in situ de um conjunto alargado de variáveis relacionadas com a infra-estrurura e com o meio envolvente e que caracterizaram cada um dos trechos estudados. Foram seleccionados três itinerários de estradas nacionais, todos caracterizados pela disponibilização de uma única faixa de rodagem com uma via em cada sentido de circulação e que no seu conjunto totalizaram 45 km de extensão. Todos os itinerários apresentavam em comum uma grande variedade de ambientes rodoviários, integrando designadamente vários atravessamentos de localidades. Cada um destes itinerários foi posteriormente subdividido em trechos de análise com 200 metros de comprimento de modo a, por um lado, constituir uma dimensão suficientemente curta para garantir homogeneidade das características físicas e de ocupação e, por outro lado, suficientemente longo para permitir ao especialista avaliar, de forma global, as características gerais do trecho. Os 200 metros constituíram ainda uma solução de compromisso para que o observador, sem se esquecer das características do troço imediatamente anterior, pudesse percecionar as alterações no troço consecutivo, garantindo assim uma visão integrada entre os trechos consecutivos. De modo a simplificar a análise optou-se por considerar que os atravessamentos de localidades são subdivididos em 3 trechos fundamentais (Figura 3): (i) o trecho rural e de aproximação ao espaço urbano, caracterizado pela inexistência de actividade urbana e ao qual se atribuiu a velocidade máxima estabelecida pela lei Portuguesa (90km/h); (ii) o trecho de transição localizado entre os trechos de aproximação e o urbano, caracterizado pelo surgimento de algumas edificações nos espaços marginais de forma dispersa, mantendo algum afastamento em relação à faixa de rodagem. Foi-lhe atribuída a velocidade de referência de 70km/h; e (iii) o trecho urbano caracterizado pela existência de uma densidade edificatória elevada e por uma atividade marginal significativa relacionada com a presença de outros 112 Transporte em Transformação XVI utilizadores (tais como peões ou ciclistas), de movimentos de acesso local (acessos a propriedades, inversões de marcha, estacionamento, etc.). A velocidade máxima atribuída a estes trechos segue, mais uma vez, a velocidade estabelecida pelo Código da Estrada Português em regime urbano, ou seja 50 km/h. Figura 3: Divisão do trecho de atravessamento em zonas de actuação Nesta base, foi solicitado a cada um dos especialistas que apontasse o valor da velocidade máxima considerada como adequada em cada trecho, limitando a gama de opções aos seguintes 3 patamares: 90, 70 e 50 km/h. Os dados recolhidos em cada uma das sessões foram posteriormente introduzidos numa base de dados, tendo-se seleccionado a aplicação estatística Statistica da Statsoft como ferramenta de apoio ao desenvolvimento dos modelos matemáticos, os quais foram desenvolvidos tendo por base técnicas de correlação e de regressão múltipla linear. 3. Desenvolvimento de Modelos de Estimação da Velocidade Segura 3.1 Identificação das variáveis A seleção das variáveis a adoptar mereceu uma análise detalhada e criteriosa particularmente apoiada pela análise de estudos publicados, designadamente no âmbito do desenvolvimento da família de aplicações Xlimits. Verifica-se que, ao longo do tempo, o aperfeiçoamento desses modelos tem vindo a exigir um número cada vez maior de variáveis e de factores, os quais nem Modelação da Velocidade Segura Recorrendo ao Julgamento de Especialistas 113 sempre são fáceis de medir ou de obter. Essas variáveis procuram caracterizar não só a estrada e as suas condições de operação, mas também a sua envolvente próxima, abrangendo as seguintes áreas fundamentais (Austroads, 2005; Greibe et al., 1999): • Condições de operação (volumes de tráfego, percentis 50 e 85 da distribuição da velocidade de operação); • Características físicas prevalecentes da estrada (hierarquia da via, caracterização do perfil transversal, traçado em planta e perfil longitudinal, violações à homogeneidade do traçado, existência de passeios, inclinação dos taludes, faixa livre de obstáculos, etc.); • Características da envolvente (densidade habitacional; distância das habitações à faixa de rodagem, etc.); • Conflitos relacionados com acessos e intersecções (densidade e tipo de acessos e de intersecções); • Presença de outros utilizadores ou actividades locais (peões, ciclistas, estacionamento, travessias pedonais, paragens de BUS, etc.); • Historial de acidentes (evolução no tempo dos acidentes e sua tipologia e gravidade); • Outras variáveis (velocidades máximas impostas; iluminação pública, etc.). Como se pode constatar, a lista de variáveis reportadas nesses trabalhos é extremamente longa e exigente, o que, por vezes, torna impraticável a aplicação deste tipo de modelos a outros países, onde muitas destas variáveis são inexistentes ou difíceis de obter, como é caso de Portugal. Importa contudo ter presente que uma aplicação do tipo Xlimits, ou USlimits inclui a estimação da V85 e da Vs assim como integra critérios de avaliação da sua adequação às expectativas do condutor, tal como apresentados na Figura 2. Importa contudo ter em consideração que a facilidade e aplicabilidade generalizada do modelo depende substancialmente da capacidade do mesmo justificar a variância observada, por recurso a um número reduzido de variáveis, as quais devem ainda ser robustas, acessíveis ou fáceis de obter. Assim e tendo presente os pressupostos metodológicos apresentados nas Figuras 1 e 2, o presente trabalho apoia-se no princípio de que a maioria das variáveis relacionadas com a operacionalidade e com as características prevalecentes do traçado estão incorporadas na estimação da V85 ou no processo de controlo do ajuste das características da infraestrutura ao grau de conflituosidade local, o que permitiu reduzir substancialmente o número de variáveis integradas na análise. 114 Transporte em Transformação XVI Assim, e tendo por base a bibliografia da especialidade consultada (Austroads, 2005; Greibe et al., 1999) e a realidade nacional, foram consideradas 14 variáveis caracterizadoras das vias e da sua envolvente (tabela 1). Apesar de ser um conjunto limitado, considera-se que as variáveis seleccionadas respondem aos objectivos do trabalho, salvaguardando ainda a facilidade de aplicação do modelo. As variáveis V1 a V11 foram registadas variáveis discretas (número de acessos, número cruzamentos, número de postos de combustível, etc.). Por sua vez, as variáveis V12, V13 e V14 foram tratadas como variáveis binárias, assumindo o valor 1 sempre que é verificada a ocorrência da variável ou, de 0 se a mesma não é verificada. No caso das variáveis V13 e V14 a sua definição assentou no julgamento de uma equipa independente que avaliou o nível de restrições laterais, tendo por base a densidade edificatória e proximidade das edificações em relação à estrada, sendo adoptada uma especificação baseada em três níveis. A recolha de dados foi realizada de forma desagregada por sentido de circulação, pelo que à excepção da variável V8, todas as variáveis foram desdobradas em direita (representando as condições do lado da estrada relativo ao sentido de circulação) (D) e esquerda (do lado oposto) (E). Tabela 1: Variáveis consideradas na análise Simbolo Descrição Símbolo Descrição V1 V2 V3 V4 V5 V6 V7 V8 V9 V10 V11 V12 V13 V14 Nº de cruzamentos; Nº de acessos a garagens; Nº de acessos motorizados a terrenos; Nº de acessos a lugares de estacionamentos; Nº de acessos a caminhos pedonais; Nº de acessos pedonais a casas; Nº de paragens BUS; Nº de atravessamento pedonais formais; Nº de postos de abastecimento de combustível; Nº de semáforos de controlo velocidade; Nº de acesso a parques; Existência/ausência de passeios; Nível médio de restrições laterais; Nível elevado de restrições laterais 3.2 Modelo de regressão múltipla O desenvolvimento do modelo baseou-se na aplicação de técnicas de regressão estatística múltipla linear. O modelo de regressão convencional (equação 1) descreve uma relação entre as k variáveis independentes (ou regressores) xi e a variável dependente. Neste trabalho a velocidade segura (Vs) apontada pelos observadores especialistas foi considerada como a variável dependente do modelo, sendo introduzidas as 14 variáveis caracterizadoras do trecho e sua envolvente como variáveis independentes. Vs= Β0 +Β1 x1 +Β2 x2 +….+Βκxk +ε (1) Modelação da Velocidade Segura Recorrendo ao Julgamento de Especialistas 115 Onde: Vs: Velocidade segura estimada [km/h] B0: Coeficiente independente Βj,: com j = 1,…, k são os coeficientes de regressão (parciais) associados às variáveis xj xi : variáveis independentes, com j = 1,…,k, ε: é o erro aleatório. Os parâmetros βj , j = 1,…,k, representam a variação esperada na resposta Vs para cada unidade de variação em xj quando todos os restantes regressores xi (i ≠ j) são considerados constantes em termos experimentais. Como medida de avaliação da qualidade do ajuste do modelo foi considerado o valor do coeficiente , o qual representa um indicador mais robusto de determinação ajustado que o coeficiente de determinação dando uma melhor ideia da proporção da variação da variável de resposta Vs que é explicada pela equação de regressão já que tem em conta o número de regressores envolvidos. Os trabalhos de modelação iniciaram-se através da introdução de todas as variáveis no modelo, sendo posteriormente avaliado o efeito associado à eliminação combinada de algumas das variáveis. A amostra global integrou 450 casos por condutor (correspondentes aos 45k m x 5 (segmentos de 200m) x 2 (2 sentidos de circulação)) o que totalizou 1800 casos de estudo. Os resultados obtidos e a robustez da relação foram sendo avaliados progressivamente tendo por base os indicadores de ajustamento do modelo e da coerência dos resultados designadamente através da análise do sinal associado aos coeficientes de regressão parciais. Para além do coeficiente de determinação ajustado, foram ainda tidos em consideração o peso assumido por cada variável (β - parâmetro com os dados normalizados) e o correspondente nível de significância (p-value). O modelo final seleccionado representa o modelo que, sem perda significativa da capacidade de ajuste aos , inclui unicamente as variáveis mais valores observados (diminuição do robustas e que se revelaram estatisticamente significativas, de forma consistente, na maioria dos modelos desenvolvidos. Os primeiros modelos de regressão linear múltipla tiveram por base a informação na forma mais desagregada possível, ou seja incluíram a totalidade das variáveis independentes recolhidas, segregadas em função do sentido de circulação (Tabela 2). 116 Transporte em Transformação XVI Tabela 2: Modelos I – Resultados da modelação com as variáveis desagregadas por sentido de circulação Modelo Modelo I.A Modelo I.B Modelo I.C Modelo I.D Especialista A B C D Coef. Determinação (R2) R2=0,6284 R²=0,6078 R²=0,6591 R²=0,5163 R2=0,6191 R²=0,5989 R²=0,6505 R²=0,5105 B0 = 86,17 B0 = 84,13 B0 = 89,54 B0 = 82,82 B β B β B β B β V1D -4,25 -0,15 -4,65 -0,16 -2,53 -0,11 -4,48 -0,19 V1E -3,21 -0,11 -2,38 -0,10 -5,33 -0,22 Coef. Independente V2D -1,51 -0,08 V3D -1,45 -0,13 -1,09 -0,09 -1,22 -0,13 -1,70 -0,18 V3E V4E -1,35 -0,12 -1,40 -0,12 -1,33 -0,15 -1,85 -0,20 -0,48 -0,06 -3,02 -0,08 -5,77 -0,16 -5,25 -0,14 V7E -5,00 -0,10 V8 V10D -5,15 -0,10 V10E -6,31 -0,13 V12D -4,99 -0,11 V12E -4,77 -0,11 V13D -7,64 -0,18 -13,57 -0,31 -4,87 -0,14 V13E -5,18 -0,13 -9,10 -0,21 -4,25 -0,13 V14D -7,43 -0,16 -11,42 -0,23 -7,29 -0,19 V14E -5,51 -0,12 -5,85 -0,12 -7,80 -0,21 -7,44 -0,20 -3,80 -0,11 O modelo desagregado foi desenvolvido para cada um dos quatro especialistas (A, B, C e D) tendo por base o método regressivo, o que permitiu ir rejeitando progressivamente as variáveis que não apresentaram significância estatística ao nível de confiança de 95%. Os resultados obtidos (tabela 2) mostram uma grande consistência entre os modelos relativos aos 4 especialistas. À excepção do observador D, os coeficientes de determinação ajustados de cada modelo são bastante próximos e compreendidos entre 0,6 e 0,65. Também a proximidade entre os valores dos coeficientes de determinação e o ajustado revela que todas as variáveis introduzidas nos modelos são estatisticamente significativas e trazem benefícios à qualidade Modelação da Velocidade Segura Recorrendo ao Julgamento de Especialistas 117 final do modelo. Foi ainda possível verificar que, independentemente do modelo, todos os coeficientes associados às variáveis eram negativos, demonstrando que o efeito de cada variável no valor da Vs do trecho, é penalizador. De facto, o coeficiente independente varia entre os 82,82 e os 89,54, valores bastante próximos dos 90 km/h, assumidos como a velocidade máxima em zona rural, demonstrando que esse valor foi considerado pelo modelo como valor de referência. O modelo relativo ao observador D foi o que obteve menor coeficiente de determinação. Contudo, é notória a consistência das variáveis independentes nos quatro modelos, o que releva a robustez dessas variáveis enquanto variáveis explicativas da Vs. As variáveis relativas aos diferentes tipos de acessos revelaram-se, de forma geral, estatisticamente significativas, assim como as relativas ao grau de restrição lateral e a existência de passeio. Um outro aspecto que importa salientar prende-se com o facto de, maioritariamente, as variáveis consideradas estatisticamente significativas o serem em relação aos 2 sentidos de circulação. Optou-se assim por testar o ajustamento do modelo tendo por base as variáveis explicativas introduzidas de forma agregada em termos de sentido de trânsito (tabela 3). Tabela 3: Modelos II - Resultados da modelação com as variáveis agregadas por sentido de circulação Modelo Modelo II.A Modelo II.B Modelo II.C Modelo II.D Especialista A B C D Coef. de determinação R²=0,6250 R²=0,6030 R²=0,6508 R²=0,5162 R²=0,6228 R²=0,5967 R²=0,6469 R²=0,5114 B0 = 86,19 B0 = 84,33 B0 = 89,65 B0 = 82,95 Coef. Independente Coeficientes de Regressão V1 B β B β B β B β -3,62 -0,21 -3,54 -0,20 -2,88 -0,20 -4,85 -0,33 V2 -0,72 -0,07 -0,84 -0,08 V3 V9 -1,38 -0,21 -1,38 -0,20 -1,38 -0,25 -1,73 -0,31 V10 -3,30 -0,12 V12 V13 -4,71 -0,19 -4,33 -0,22 -6,24 -0,30 -6,46 -0,24 -10,68 -0,37 -4,11 -0,18 -2,69 -0,12 V14 -5,50 -0,21 -8,01 -0,29 -7,11 -0,33 -11,44 -0,10 -2,66 -0,09 118 Transporte em Transformação XVI Os resultados evidenciam uma simplificação do modelo através da redução significativa do número de regressores, sem perda significativa em termos de qualidade do ajuste. Mais uma vez, todos os coeficientes de regressão parciais se apresentam negativos, sendo que os coeficientes independentes dos modelos se aproximam de 85. Também nesta série de modelos (tabela 3) se sublinha a grande consistência dos regressores integrados nos modelos dos 4 especialistas, sendo que as variáveis relativas às condições de restrição lateral e ao número de acessos, são as variáveis que, de forma consistente, se mantêm em todos os modelos. Os resultados evidenciam uma simplificação do modelo através da redução significativa do número de regressores, sem perda significativa em termos de qualidade do ajuste. Mais uma vez, todos os coeficientes de regressão parciais se apresentam negativos, sendo que os coeficientes independentes dos modelos se aproximam de 85. Também nesta série de modelos (tabela 3) se sublinha a grande consistência dos regressores integrados nos modelos dos 4 especialistas, sendo que as variáveis relativas às condições de restrição lateral e ao número de acessos são as variáveis que, de forma consistente, se mantêm em todos os modelos. O passo final do trabalho consistiu na agregação e na eliminação de outras variáveis que, do ponto de vista prático, se consideraram pouco fiáveis no seu processo de medição procurando assim obter um modelo final robusto e extremamente simples. Optou-se assim por agregar todos os tipos de acessos, independentemente da sua tipologia e por anular as variáveis V8 (existência de passeios) e V10 (número de semáforos de controlo de velocidade), por se considerar que em Portugal a sua implementação não segue critérios objectivos, aumentando assim a componente do erro aleatório. A agregação e eliminação destas variáveis traduziu-se complementarmente pela rejeição de outras que deixaram de se relevar estatisticamente significativas ao nível de confiança de 95%. O modelo final revelouse extremamente simples, sem contudo perder significativamente em termos de qualidade do ajuste (Tabela 4). Saliente-se que a variável “nível médio/elevado de restrições laterais” foi a que mais influência assumiu na estimativa do valor da Vs (maior valor de β e menor p-value). Modelação da Velocidade Segura Recorrendo ao Julgamento de Especialistas 119 Tabela 4: Modelos III - Resultados da modelação com as variáveis agregadas por sentido de circulação. Modelo final simplificado Modelo Modelo III.A Observador Coef. de Determinação Coef. Independente Coef. de Regressão Modelo III.B Modelo III.C Modelo III.D A B C D R²=0,6015 R²=0,5813 R²=0,6269 R²=0,4812 R²=0,5979 R²=0,5804 R²=0,6245 R²=0,4799 A = 85,82 β B A = 83,56 β B A = 89,44 β B A = 82,15 β B V1 – Número de cruzamentos -3,52 -0,21 -3,26 -0,18 -2,20 -0,16 -3,94 -0,27 V2 – Número de acessos Motorizados -0,83 -0,24 -0,64 -0,17 -0,79 -0,28 -0,69 -0,23 V8 – Atravessamentos Pedonais -2,35 -0,10 -0,12 -2,35 -1,97 -0,10 V13 – Nível Médio a Elevado de Restrições Laterais -8,50 -0,44 -0,44 -7,00 -5,06 -0,31 -10,64 -0,52 3.3 Avaliação da qualidade do ajuste A análise dos resíduos relativos aos diferentes modelos desenvolvidos mostrou que, de forma geral, a sua distribuição segue de perto a distribuição normal, não tendo sido detectada uma forma padrão muito evidente na análise individualizada entre os valores dos resíduos e os valores das variáveis independentes. Também a análise da colineariedade entre as variáveis independentes mostrou que as correlações encontradas não são muito significativas (inferiores a 0,8 normalmente considerado como valor limite). Optou-se complementarmente por avaliar a qualidade do ajuste dos resultados estimados aos observados nos diferentes itinerários. Veja-se a titulo de exemplo a Figura 4 a qual representa essa comparação para dois dos especialistas (A e B) quando aplicados os modelos II (tabela 3). Considera-se que os valores estimados seguem de muito perto os valores resultantes do julgamento dos especialistas, sendo os afastamentos máximos obtidos pontualmente. Sublinhe-se o km 1+400 onde o modelo consistentemente aponta para 30km/h em ambos os sentidos de circulação, ao mesmo tempo que os dois especialistas apontaram para o valor mínimo estabelecido na análise – 50km/h. 120 Transporte em Transformação XVI Figura 4: Comparação entre velocidades apontadas por dois dos especialistas e velocidades correspondentes velocidades seguras estimadas 4. Principais Conclusões A rede secundária de estradas, pelo facto de envolver uma grande variabilidade de ambientes rodoviários, evidencia a necessidade de se estabelecerem critérios lógicos ou ferramentas de cálculo que suportem a definição dos limites de velocidade máxima. Este trabalho apresentou o desenvolvimento de modelos matemáticos, onde a velocidade segura é estimada tendo em consideração as condicionantes locais que tendem a condicionar o comportamento dos condutores. Mais do que o desenvolvimento de um modelo validado, o trabalho procurou definir uma metodologia de trabalho capaz de produzir um modelo robusto para apoio à definição da velocidade segura, tendo por base um conjunto limitado de variáveis caracterizadoras da estrada e do ambiente rodoviário envolvente. Os resultados obtidos mostraram-se bastante consistentes, quer entre os diferentes especialistas quer ao longo do processo de simplificação do modelo, evidenciando a importância associada às variáveis representativas das “restrições laterais” à via (proximidade ou afastamento edificações ou outro tipo de ocupações) e do número de intersecções e de acessos à faixa de rodagem. Apesar de promissores, os resultados obtidos evidenciam algumas fragilidades metodológicas que importa ultrapassar e que devem justificar o desenvolvimento de investigação complementar futura, designadamente assente na procura de outras Modelação da Velocidade Segura Recorrendo ao Julgamento de Especialistas 121 técnicas de modelação alternativas. De facto, a aplicação de técnicas de regressão múltipla resulta no desenvolvimento de modelos contínuos enquanto que a selecção da velocidade segura se apresenta como um processo de escolha discreta. Nessa óptica perspectiva-se que a aplicação de modelos discretos assentes na avaliação da utilidade associada a cada uma das alternativas se possa revelar uma técnica de modelação mais adequada. Por outro lado, o facto da modelação atribuir uma importância relevante associada às restrições laterais (variável qualitativa cujo processo de avaliação introduz subjectividade ao modelo), leva a que se deva procurar substituir esta variável por outra(s) quantitativa(s), de modo a eliminar qualquer grau de subjectividade no seu registo. Importa, contudo, enfatizar que a metodologia proposta deve ser tomada apenas como uma referência de base, já que a decisão final sobre qual a velocidade máxima a adoptar pode depender de outros fatores locais relevantes e que não são considerados neste modelo, designadamente o histórico de acidentes, presença de escola, etc. Também a procura de uma metodologia que permita aferir a velocidade ao longo do itinerário justifica trabalhos futuros. Finalmente, importa ainda referir que independentemente da qualidade do modelo final dificilmente se conseguirá definir um procedimento de aplicação suficientemente simples que responda à diversidade e complexidade das situações reais existentes. Importa reconhecer que os modelos de gestão da velocidade se afiguram como ferramentas essenciais e centrais à definição de uma estratégia coerente e fidedigna de imposição de limites legais adaptados as exigências e características locais, não devendo, contudo, dispensar de forma complementar e crítica, a avaliação e a intervenção directa humana. Agradecimentos Este estudo foi desenvolvido no âmbito do projeto SAFESPEED - Speed management strategies: an instrument for the implementation of safe and efficient road management solutions, projecto de investigação financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia e Ensino Superior. 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([email protected];) Instituto Politécnico de Leiria, Departamento de Engenharia Civil Uma Análise da Alocação de Riscos nos Contratos de Concessão para Prestação de Serviços Públicos de Infraestrutura 6 Fernando Graeff Francisco Giusepe Donato Martins Leonardo Lopes Garcia Tribunal de Contas da União Resumo A ocorrência de um evento desfavorável (risco) pode vir a onerar os encargos contratuais de uma ou de ambas as partes, afetando, por conseguinte, a rentabilidade e a eficiência do projeto. A literatura indica várias técnicas e procedimentos para a alocação eficiente dos riscos, reduzindo, assim, incertezas e, por conseguinte, diminuindo custos de transação. Este artigo analisa pontual e comparativamente, com a finalidade de verificar a evolução da alocação de riscos no Brasil, as respectivas cláusulas em contratos de serviços públicos de infraestrutura. Os resultados sinalizam que a alocação de riscos nos contratos administrativos para a delegação de serviços públicos tem recebido tratamento distinto em função da especificidade do empreendimento e da legislação aplicável, e que técnicas, procedimentos e 124 Transporte em Transformação XVI modelos para alocação eficiente de riscos, em especial, o instrumento denominado matriz de riscos, podem subsidiar a elaboração dos contratos. Abstract The occurrence of an adverse event (risk) might burden the contractual rates of one or both parties, affecting therefore the project’s profitability and efficiency. Literature suggests several techniques and procedures for the efficient risk allocation, thereby reducing uncertainty and therefore reducing transaction costs. This article examines these clauses individually and comparatively in public infrastructure contracts, in order to ascertain the risk allocation trends in Brazil. The results indicate that risk allocation in contracts for public services administrative delegation has received different treatment depending on the enterprise´s specificities and the applicable law, and that techniques, procedures and models for efficient risk allocation can support the drafting of contracts, in particular the instrument called risk matrix. 1. Introdução As delegações de serviços públicos no Brasil, nos termos do art. 23 da Lei 8.987/95, denominada Lei das Concessões (Brasil, 1995), e do art. 5º da Lei 11.079/2004, conhecida como Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei das PPPs) (Brasil, 2004), são instrumentalizadas por contratos administrativos desenhados para contemplar a previsão dos elementos essenciais necessários à prestação adequada do serviço e ao estabelecimento de uma relação jurídica estável ao longo do período de sua execução. Esses contratos, por natureza, são instrumentos complexos, pois envolvem a realização de um negócio jurídico que têm por objeto empreendimentos de grande vulto e partes com interesses antagônicos, e incompletos. Ademais, normalmente, são feitos por um prazo longo, necessário para que as receitas advindas do projeto sejam suficientes para amortizar o investimento e ainda proporcionar o retorno justo ao particular. Assim, cabe ao Poder Concedente elaborá-los da forma mais completa possível, contendo todos os elementos mínimos necessários para minimizar problemas futuros que possam impedir a prestação adequada do serviço ou causar dúvidas quanto ao equilíbrio econômico-financeiro da avença. Uma Análise da Alocação de Riscos nos Contratos de Concessão para Prestação de Serviços Públicos de Infraestrutura 125 Nesse sentido, encontram-se as cláusulas relativas à alocação de riscos. Os riscos, de acordo com a literatura técnica, podem ser conceituados como a ocorrência de eventos desfavoráveis, imprevistos ou de difícil previsão, que oneram os encargos contratuais de uma, ou de ambas as partes (Irwin et al., 1997; Partnerships Victoria, 2001). A alocação representa, por sua vez, à repartição objetiva desses riscos entre as partes. Quando feita de forma clara e eficiente tem o condão de diminuir as incertezas quanto ao futuro, proporcionando maior segurança jurídica e reduzindo o custo global do projeto (Comissão Europeia, 2003). Na literatura internacional, encontram-se diversos trabalhos que cuidam da classificação e de alocação objetiva dos riscos, por exemplo, Kerf et al. (1998) e Partnerships Victoria (2001), voltados para as chamadas Private Finance Iniciative (PFI), ou seja, para parcerias entre o setor público e o privado no desenvolvimento de infraestrutura. Na literatura nacional, a outro turno, a doutrina jurídica clássica brasileira, com respaldo legal no art. 65, II, “d”, da Lei 8.666/1993, baseia a alocação dos riscos de acordo com a teoria das áleas ordinária e extraordinária, ideia essa que deve ser conciliada, no caso da execução de serviços públicos, com o disposto no art. 2º da Lei das Concessões (Brasil, 1995), segundo o qual as delegações são exploradas por conta e risco do contratado (Di Pietro, 2008; Justen Filho, 2003; Aragão, 2008). É possível, contudo, encontrar trabalhos recentes, contemporâneos à promulgação da Lei das PPPs (Brasil, 2004), que questionam referida teoria ao tratar da alocação objetiva dos riscos (Perez, 2006; Aragão, Orrico Filho e Câmara, 2009). A alocação objetiva de riscos é fundamental em qualquer contrato de delegação de serviços públicos, contudo, toma maior significância na medida em que cresce a complexidade do empreendimento. Assim, este trabalho busca analisar pontual e comparativamente a alocação de riscos efetuada no âmbito de contratos de serviços de infraestrutura. Este trabalho, a fim de atingir seu objetivo, está estruturado em cinco seções contando com a presente introdução.Asegunda trata do referencial teórico, enfatizando a definição e importância da alocação de riscos; a identificação e categorização dos riscos relevantes; e as técnicas utilizadas para uma alocação eficiente. A terceira apresenta a metodologia adotada. A quarta analisa qualitativamente a alocação de riscos nos contratos de concessões rodoviárias federais e na minuta de contrato de concessão do Trem de Alta Velocidade (TAV) e do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante no Rio Grande do Norte (Asga) e avalia comparativamente a evolução da alocação dos riscos nesses contratos. A quinta e última seção apresenta as considerações finais. 126 Transporte em Transformação XVI 2. Alocação de Riscos 2.1 Definição de risco O risco em projetos de infraestrutura, nas palavras de Irwin et al. (1997), representa os acontecimentos que podem reduzir a expectativa de retorno do investidor. Já, para Partnerships Victoria (2001), o risco é a possibilidade da ocorrência de circunstâncias que possam causar diferenças entre os encargos assumidos no projeto e o efetivamente ocorrido quanto ao lucro e à previsão de custos. Para a Comissão Europeia (2003), o risco é definido como qualquer fator, evento ou influência que ameace a conclusão bem sucedida de um projeto, em termos de prazo, custo ou qualidade. Assim, podemos caracterizar o risco, em síntese, como a ocorrência de um evento desfavorável, imprevisto ou de difícil previsão, que onere demasiadamente os encargos contratuais de uma ou de ambas as partes, e que está no cerne da rentabilidade do projeto (parte privada) e da eficiência na realização dos objetivos (parte pública). 2.2 Riscos comuns nos projetos de parceria público-privada Esses eventos desfavoráveis, conforme se depreende da literatura internacional (v.g. Kerf et al., 1998; Partnerships Victoria, 2001), e da literatura nacional (v.g. Aragão, Orrico Filho e Câmara, 2009; Perez, 2006), dependendo da ótica sob a qual são analisados, do setor de atividade em que estão inseridos e das peculiaridades de cada projeto, podem ser classificados de diversas maneiras. A Tabela 1 apresenta comparativamente a classificação feita pelos mencionados autores. Uma Análise da Alocação de Riscos nos Contratos de Concessão para Prestação de Serviços Públicos de Infraestrutura 127 Tabela 1: Categorias de riscos Partnerships Victoria Perez Aragão, Orrico Filho e Câmara A B C D Custos operacionais X X X X Demanda X X X X Financiamento X X X X Caso for tuito e força maior X X Especificação do contrato X Construção X Políticos X Tipos de Riscos Kerf et al. X X X X Rede X Trabalhistas X X X Licitatórios X X Interno dos operadores X X Regulatórios X Fatos do Príncipe e da Administração X X = Tipos de riscos considerados por cada um dos autores. Fonte: Adaptado de Kerf et al. (1998), Partnerships Victoria (2001), Perez (2006) e Aragão, Orrico Filho e Câmara (2009). A Tabela 1 permite alguns comentários. Inicialmente, destaque-se que as classificações encontradas na literatura internacional (colunas A e B) estão voltadas para as chamadas Private Finance Initiative (PFI). Por sua vez, as classificações encontradas na literatura nacional (colunas C e D) referem-se a projetos de prestação de serviços públicos. Percebe-se, também da Tabela 1, que as categorias não são exaustivas, Perez (2006), por exemplo, além de categorizar os riscos, alerta que cada um desses rótulos encobre uma série de áleas sob sua formulação genérica e não revelam a priori uma divisão de riscos entre as partes contratuais, porque essa divisão deve se dar caso a caso, segundo o perfil e as especificidades de cada concessão. Pode-se concluir, ainda, que apesar das especificidades de cada projeto, muitas categorias são semelhantes quanto ao seu conteúdo e, muitas vezes, até na denominação dada. É possível afirmar, desta forma, que a classificação dos riscos na maior parte é comum a qualquer tipo de delegação de serviço público, por exemplo, os riscos de demanda, de financiamento e de custos operacionais. 128 Transporte em Transformação XVI Contudo, a relevância de cada um vai depender substancialmente da especificidade de cada delegação, e é nesse ponto que reside a maior dificuldade da modelagem contratual. 2.3 Princípio básico da alocação de riscos Uma vez identificados os riscos relevantes é necessária a sua alocação, ou seja, a clara e objetiva responsabilização de cada parte na hipótese de sua ocorrência. Nesse sentido, Irwin et al. (1997) afirmam que a desestatização somente irá realizar o seu potencial se a administração alocar adequadamente os riscos enfrentados pelo parceiro privado. Indo um pouco mais adiante, Allen (2001) afirma que, nos projetos de parceria em que o setor público é parte, o “Value for Money”, isto é, o aumento da eficiência da gestão pública, é atingido através da transferência dos riscos. Ainda, segundo Allen (2001), uma vez que os riscos inerentes ao projeto tenham sido identificados, eles devem ser alocados entre os parceiros públicos e privados, seguindo o princípio básico de que o risco deve ser atribuído a quem tem melhor condição para administrá-lo. Esse princípio é largamente difundido na literatura técnica internacional, por exemplo, Kerf et al. (1998) afirmam que os critérios para a alocação dos riscos são bem simples: os riscos devem ser suportados pela parte que tem as melhores condições para avaliar, controlar e gerenciar ou a parte com melhor acesso a instrumentos de cobertura, a maior capacidade para diversificar, ou o menor custo para suportá-los. Ainda, nessa linha de raciocínio, Irwin et al. (1997) reconhecem que existem dois fatores que devem ser levados em consideração na alocação dos riscos: primeiro, o grau em que o agente pode influenciar ou controlar o resultado sujeito a riscos; segundo, a capacidade do agente em suportar o risco com menor custo. 2.4 Teoria das áleas ordinária e extraordinária e alocação de riscos no Brasil Apesar de consolidado na literatura internacional, o princípio básico da alocação de riscos não é tão difundido no Brasil. Devido à nossa herança positivista, a doutrina jurídica clássica brasileira baseia a alocação dos riscos de acordo com a teoria das áleas ordinária e extraordinária (Di Pietro, 2008; Justen Filho, 2003; Aragão, 2008). Uma Análise da Alocação de Riscos nos Contratos de Concessão para Prestação de Serviços Públicos de Infraestrutura 129 As concessões, de acordo com essa teoria, são contratos de natureza tipicamente administrativa pelos quais a Administração – Poder Concedente – transfere a um particular – concessionário – a realização e exploração, por sua conta e risco, de uma obra ou serviço público. A doutrina administrativista brasileira considera os contratos de delegação como atos jurídicos bilaterais, que preveem, em regra, igualdade de direitos e obrigações. Todavia, nos contratos administrativos, a Administração busca o atendimento do interesse geral, enquanto que o contratado está buscando o atendimento do seu interesse privado. Daí se justificar, nos contratos de delegação de serviço público, a desigualdade de tratamento e a regência dos contratos administrativos pelo direito público (Souto, 2005). Perez (2006) afirma, por isso, que de uma forma bastante simplista a leitura tradicionalmente feita da expressão por sua conta e risco divide os riscos na concessão de serviço, como nos contratos administrativos em geral, em ordinários e extraordinários e conclui que o concessionário assume os riscos ordinários do empreendimento. A excessiva rigidez da teoria das áleas impõe limitações à alocação eficiente dos riscos e, por conseguinte, põe em risco a própria prestação adequada do serviço, pois, nas palavras de Di Pietro (2008), o problema é saber como se concilia a ideia de equilíbrio econômico-financeiro com a ideia de que a execução do serviço, na concessão, se faz por conta e risco do concessionário. Atento a esse fato, como uma forma de atenuar o problema adaptando nossa teoria ao princípio básico de alocação dos riscos, Perez (2006) defende que a expressão ‘por sua conta e risco’ não importa em transferência ao concessionário de todos os riscos inerentes ao empreendimento. Importa, sim, transferência ao concessionário dos riscos de acordo com o que foi estabelecido no contrato, ou seja, são por conta e risco do concessionário aqueles riscos que o contrato, expressa e explicitamente, transferir-lhe. Com o objetivo de minimizar o efeito danoso da interpretação literal da expressão ‘por sua conta e risco’ expressa no art. 2º, II, III e IV, da Lei de Concessões (Brasil, 1995), bem como da rigidez da teoria das áleas consubstanciada no art. 65, II, “d”, da Lei nº 8.666/1993, parte da doutrina e a própria legislação têm evoluído para uma repartição mais equânime dos riscos entre as partes. A Lei Federal das PPPs (Brasil, 2004), por exemplo, entre outras medidas mitigadoras do risco do parceiro privado, estabeleceu regra explícita de repartição de riscos (art. 4º, VI e art. 5º, III) entre a administração pública e o contratado, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária. Ainda no âmbito federal, segundo Perez (2006), a própria Lei das Concessões foi alterada pela Lei 11.196/2005, com a inclusão de duas novas regras de atenuação do risco financeiro 130 Transporte em Transformação XVI nas concessões, criando o direito de as instituições financeiras assumirem o controle da concessionária para promoção de sua reestruturação financeira e possibilitou, nas concessões em geral, a cessão, em caráter fiduciário dos créditos operacionais futuros do concessionário. Esse novo modelo de repartição, inaugurado no Brasil pela Lei das PPPs, já encontra eco em alguns estudos no Brasil (Franco e Pamplona, 2008; Aragão et al., 2005) e, em maior proporção, na produção internacional (Queiroz, 1999; Partnerships Victoria, 2001; Allen, 2001; Lewis, 2001; Comissão Europeia, 2003; Oudot, 2005). Contudo, ainda é pouco explorada a possibilidade da alocação dos riscos nos contratos de concessão comum (Aragão et al., 2005). Percebe-se, portanto, que a doutrina e a legislação caminham juntas no sentido de atenuar a rigidez da teoria das áleas. 2.5 Técnica e importância da alocação eficiente de riscos Não há que se olvidar, portanto, da importância da alocação eficiente dos riscos em projetos de longa duração. Segundo a Comissão Europeia (2003) a alocação eficiente do risco tem um impacto financeiro direto sobre o projeto, já que resultará em menor custo global e, dessa forma, propiciará melhor vantagens socioeconômicas em comparação com os métodos tradicionais. A identificação dos riscos de uma concessão é essencial não só para a verificação de sua viabilidade econômica e financeira, como também deve conduzir, do ponto de vista estritamente jurídico, a previsão expressa dos riscos contratuais, dos mecanismos de atenuação contratual dessas áleas e dos mecanismos contratuais de solução de eventuais conflitos entre as partes (divisão do ônus, inclusive), que sejam relacionados à superveniência de situação fática identificada com os riscos previstos nos estudos prévios à contratação. Para tanto, é necessário que essa alocação seja feita de forma racional, seguindo técnicas pré-definidas, pois deve haver coerência entre a alocação eficiente do risco e o estudo de viabilidade econômico-financeiro do projeto, e entre esses e o edital e as cláusulas contratuais. A estruturação de qualquer projeto de longa duração consiste na elaboração de um modelo que contemple as projeções de parâmetros básicos, e toda projeção, por melhor que seja, está cercada de riscos. Para o planejamento e desenvolvimento do processo licitatório é essencial que esses riscos sejam identificados, analisados e tratados dentro do modelo e, quando possível, quantificados. Desta maneira, o primeiro passo, dentro de um processo de gestão de riscos, é mapeá-los. A sistematização torna o processo de alocação mais fácil. Consoante Partnerships Victoria (2001), o processo de gestão de riscos segue um ciclo que visa identificar, prevenir, conter e mitigar os riscos de um projeto, dividido em cinco etapas: Uma Análise da Alocação de Riscos nos Contratos de Concessão para Prestação de Serviços Públicos de Infraestrutura 131 identificação dos riscos; avaliação de risco; alocação de risco; mitigação de risco; e monitoramento/revisão. A partir das informações obtidas, é montada a matriz de riscos. Dependendo do escopo do projeto essa matriz poderá ser mais ou menos detalhada e ter mais ou menos tipos e desdobramento de riscos. Esse instrumento é construído com base no princípio da alocação ótima de riscos e visa assegurar maior eficiência no processo de contratação pública evitando que o concessionário assuma determinados riscos que podem ser melhores geridos pela Administração Pública e vice-versa. A assunção demasiada de riscos pelo concessionário, por exemplo, é precificada pelo particular, onerando ao Poder Concedente ou ao usuário do serviço. Assim, todos os riscos relevantes devem ser indicados de forma genérica nessa matriz, para orientar a elaboração dos estudos e, no momento da elaboração do contrato de concessão, ter a sua mitigação regulamentada de forma clara e precisa. A viabilidade do negócio, assim, é avaliada com certo grau de segurança levando-se em conta estudos sobre o potencial de geração de receitas do empreendimento; sobre os investimentos, os custos e as despesas necessários para gerar essas receitas; sobre a taxa mínima de atratividade; sobre as formas de financiamento do projeto (% capital próprio / % de terceiros); tudo isso projetado para um longo espaço de tempo. O resultado desse estudo irá apontar aspectos como: viabilidade do projeto; necessidade de aporte público; caracterização do modelo como PPP ou concessão comum; e o parâmetro de julgamento da licitação. Constatada a viabilidade do empreendimento, consubstanciada no potencial do projeto para atrair investidores em número suficiente para que seja garantida a concorrência em um certame que resulte na melhor proposta para o Poder Público, e definido o parâmetro de julgamento da licitação, os dados do modelo e as informações da matriz de risco irão subsidiar a formulação das cláusulas do edital de licitação e da minuta do contrato. Os licitantes irão apresentar suas propostas, sendo que a vencedora servirá de base para caracterizar a equação econômico-financeira inicial da avença respeitada a repartição de riscos estabelecida contratualmente. É fácil perceber, portanto, que a alocação eficiente dos riscos tem o condão de subsidiar a modelagem do projeto, criar um ambiente seguro para os possíveis licitantes, proporcionar um gerenciamento eficiente do contrato, delimitar o processo de reequilíbrio, aumentando significativamente a probabilidade de a proposta vencedora ser a mais vantajosa para a administração e do serviço ser prestado adequadamente nos termos da Lei das Concessões. 132 Transporte em Transformação XVI A matriz elaborada pela Partnerships Victoria (2001), por exemplo, possui um rico detalhamento dos riscos incidentes nos projetos de PFI, divididos em diversas categorias e subcategorias. Na Tabela 2, é apresentado o tratamento adotado para dois tipos de riscos: de financiamento; e de alteração do projeto original. Tabela 2: Exemplo de matriz de riscos de financiamento e de alteração do projeto original Categoria do Risco Alocação Preferencial Descrição Consequencia Medidas Mitigadoras Risco de Financiamento Risco de que não esteja disponível financiamento, nos montantes e nas condições previstas, quando a dívida e / ou o capital é exigido da entidade privada. Não haverá recursos para o progresso ou complemento do projeto. Exigência de que todas as propostas contenham garantias quanto aos compromissos financeiros com condições mínimas e facilmente realizáveis. Parceiro Privado Risco de alteração do projeto original Risco de que o projeto seja alterado pela administração após a assinatura do contrato. A alteração no projeto pode aumentar em demasia os custos da par te privada. A administração deve minimizar a chance de mudar as especificações do projeto e, para o caso de mudança, deve incluir cláusulas claras no contrato que garantam a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro inicial. Parceiro Público Fonte: Adaptado de Partnerships Victoria (2001). Visualizando a Tabela 2, nota-se que o princípio básico da alocação dos riscos foi considerado na confecção da matriz, na medida em que o risco de financiamento foi alocado preferencialmente ao parceiro privado, enquanto que o risco de alteração do projeto original coube ao parceiro público, por reunirem, teoricamente, as melhores condições de administrá-los no âmbito do projeto. Outro ponto de destaque é a existência da previsão das consequências e das medidas mitigadoras, essas colunas, nem sempre presentes nas matrizes de riscos, têm por finalidade auxiliar o desenho das cláusulas contratuais. Em suma, a matriz de riscos deve ser elaborada de acordo com as peculiaridades de cada projeto, podendo ser mais ou menos detalhada, levando-se em consideração o custo versus benefício de sua confecção. Uma Análise da Alocação de Riscos nos Contratos de Concessão para Prestação de Serviços Públicos de Infraestrutura 133 3. Metodologia Realizou-se neste trabalho pesquisa empírica do tipo documental aplicada nos contratos de concessão rodoviárias federais e nas minutas de contrato do TAV e do Asga. As respectivas cláusulas contratuais sobre alocação de riscos foram tabuladas e analisadas qualitativamente de forma pontual, para em um segundo momento, ser feita a análise comparativa. Impende destacar que as concessões rodoviárias federais encontram-se consolidadas dentro de um processo amplo de desestatização desse serviço, visto que atualmente está em curso a 3ª fase, ao contrário do que ocorre com projetos do tipo greenfield, como o TAV e o ASGA. Não seria possível, por exemplo, fazer entre esses empreendimentos uma comparação em termos absolutos, pois são modais distintos, cada um com demanda e níveis de investimento e financiamento próprios. Cabe lembrar, ainda, que a relevância da alocação do risco para o sucesso da concessão depende substancialmente da especificidade de cada empreendimento. Contudo, procedeu-se à comparação entre o processo de alocação de riscos, pois este é válido para todos os tipos de empreendimentos, independentemente das características próprias de cada um. Nos contratos de concessão rodoviárias federais, analisou-se um contrato antes e três posteriores à criação da ANTT que coincidem com a 1ª, a 2ª e a 3ª Etapa do Procofe. No entanto, a 2ª Etapa é dividida em duas fases. Assim, optou-se pela inclusão de dois contratos da 2ª Etapa do Procofe. Entende-se, ainda, que não haverá necessidade de analisar todos os documentos uma vez que para cada etapa do Procofe os contratos são idênticos, exceção às fases da 2ª Etapa. De acordo com o critério adotado, foram analisados os seguintes contratos: (a) Contrato de Concessão da Rodovia Osório-Porto Alegre S.A. (ANTT, 1997) – 1ª Etapa; (b) Contrato de Concessão da Rodovia BR-116/PR/SC Trecho Curitibadivisa SC/RS (ANTT, 2007) – Fase I da 2ª Etapa; (c) Contrato de Concessão da Rodovia Via Bahia Concessionária de Rodovias S.A. (ANTT, 2008a) – Fase II da 2ª Etapa; (d) Minuta de Contrato de Concessão da Rodovia BR-040/MG Trecho Brasília – Juiz de Fora (ANTT, 2008b)– Fase I da 3ª Etapa; (e) Minuta de Contrato de Concessão Trem de Alva Velocidade (TAV) (ANTT, 2010); e (f) Minuta de Contrato de concessão do aeroporto de São Gonçalo do Amarante/RN (Asga) (Anac, 2010). 134 Transporte em Transformação XVI 4. Alocação de Riscos nos Contratos de Serviço Público de Infraestrutura no Brasil 4.1 Contratos de concessão de rodovias federais O setor de rodovias, segundo Vasconcelos (2008), no início dos anos 90, foi um dos primeiros setores no Brasil a experimentar a concessão de serviço público à iniciativa privada. Antes mesmo da edição da Lei das Concessões, foi criada, em 1993, a primeira versão do Programa de Concessão de Rodovias Federais. A primeira etapa de concessões, ocorrida antes da criação da ANTT, foi realizada pelo Ministério dos Transportes. Posteriormente, a ANTT assumiu a responsabilidade pelas rodovias já concedidas e promoveu a segunda etapa de concessões, fases I e II, ambas concluídas. Atualmente, encontra-se em andamento a 3ª etapa de concessões federais (fases I e II). Na primeira etapa de concessão, por determinação contratual, as concessionárias assumiam integral responsabilidade por todos os riscos inerentes à concessão, exceto nos casos em que o contrato expressamente ressalvasse (Vasconcelos, 2008). De acordo com esse autor, dentre esses riscos estão os inerentes ao negócio, ou seja, aqueles que dependerão da forma de gestão da concessão, pois, ao concessionário são atribuídos os riscos normais de mercado, como qualquer empreendedor comercial ou industrial estaria submetido. Em outras palavras, a concessão se dá por ‘conta e risco do concessionário’. Os contratos da 2ª etapa, fase I, de concessões de rodovias federais repetiram a fórmula da etapa anterior, ou seja, não alocaram objetivamente grande parte dos riscos e o tratamento aos poucos alocados está disperso por todo o contrato. Agrava essa situação o fato de que esses contratos não continham cláusulas com a previsão de revisão periódica a fim de manter o inicial equilíbrio econômico-financeiro da concessão (revisão ordinária da tarifa). Nesse caso, na prática ocorre que os eventos que oneram a concessionária são objeto de solicitação de reequilíbrio por parte da concessionária, mas o contrário não acontece, ou seja, ganhos de produtividade, redução de custos, e outros, não são repassados à modicidade tarifária. Nota-se, contudo, ainda na 2ª etapa de concessões, fase II, uma evolução na alocação de riscos. Trata-se do contrato de concessão da BR 116/324 no Estado da Bahia (ANTT, 2008a), que inicialmente havia sido modelado como uma PPP patrocinada, todavia, acabou por ser concedida na forma de concessão comum. Ressalte-se que esse contrato é o Uma Análise da Alocação de Riscos nos Contratos de Concessão para Prestação de Serviços Públicos de Infraestrutura 135 primeiro a prever cláusula específica de alocação de riscos, os quais são exaustivamente alocados ao parceiro público e exemplificativamente ao parceiro privado, ficando os riscos residuais a cargo deste último. Além disso, nesse contrato foi incluída cláusula de revisão periódica da tarifa (TCU, 2008). Esse modelo de alocação de riscos foi replicado nos contratos da 3ª etapa em andamento de concessões de rodovias federais. A Tabela 3 demonstra um esquema comparativo da evolução do modelo de alocação dos riscos adotado nas concessões de rodovias federais. Tabela 3: Modelo de alocação adotado nas concessões de rodovias federais Etapa Parte Pública 1ª etapa e 2ª etapa (fase I) 2ª etapa (fase II) e 3ª etapa Parte Privada Riscos explícitos Riscos implícitos a) força maior, caso for tuito, fato do príncipe, fato da Administração; b) modificações estruturais nos preços relativos dos fatores de produção; c) desapropriação ou imposição de servidão administrativa. a) tráfego; b) erros na determinação de quantitativos; c) danos seguráveis na rodovia; d) variação nos custos; e e) passivo ambiental após assinatura contrato. Todos os riscos inerentes a concessão, exceto nos casos em que o risco seja explicitamente assumido pela par te pública e não sejam passíveis de seguro. a) manifestações sociais e/ou públicas acima de 15 dias; b) decisão arbitral, judicial ou administrativa; c) caso for tuito ou força maior; d) implantação de novas rotas ou caminhos alternativos livres de pagamento de Tarifa de Pedágio. a) tráfego b) obtenção de licenças, permissões e autorizações; c) desapropriações; d) aumento de custos; e) tecnologia; f) aumento do custo de capital; g) variação das ta xas de câmbio; h) passivo ambiental. Todos os riscos relacionados à Concessão, a exceção dos riscos assumidos pela par te Pública que não sejam passíveis de seguro. Fonte: Adaptado de ANTT (1997, 2007, 2008a e 2008b). Percebe-se, da Tabela 3, mesmo nos contratos mais antigos, uma preocupação com o risco de demanda, sendo explicitamente alocado à parte privada. Tal preocupação encontrava justificativa na assimetria de informações, pois o Poder Público não tinha controle sobre a demanda real e dependia dos dados do próprio prestador do serviço para conhecê-la. Assim, o licitante poderia ofertar uma demanda mais alta do que a efetivamente projetada, e uma vez ganha a concorrência, pleitear reequilíbrio do contrato no provável caso da frustração da demanda ofertada. Nesse sentido, parece que na 1ª etapa e na 2ª etapa, fase I, das concessões de rodovias federais, foi utilizado o método de alocação de riscos baseado na teoria das áleas, a despeito de à época já existirem trabalhos como os de Irwin et al. (1997) 136 Transporte em Transformação XVI e Kerf et al. (1998) que tratavam da alocação objetiva. Nessa linha, depreende-se que não houve uma análise pormenorizada dos riscos inerentes à atividade, a fim de identificá-los, classificá-los e alocá-los de forma mais eficiente à parte que tenha melhor condição de minimizar os efeitos danosos na hipótese de sua ocorrência, tal como preconiza a literatura consultada. Percebe-se, ainda, um avanço na alocação a partir do contrato da BR 116/324 na Bahia (ANTT, 2008a), constante da 2ª etapa, fase II, e contemporâneo à Lei de PPP. Ou seja, até então, parece que se fazia o que a Lei das Concessões literalmente previa, considerando que a concessão corria por conta e risco da parte privada. 4.2 Minuta de contrato do trem de alta velocidade (TAV) A ANTT replicou a experiência obtida com as concessões rodoviárias da 2ª etapa, fase II, na concessão do TAV (ANTT, 2010). Nesse sentido, a minuta do contrato estipula que, com exceção dos casos expressa e nomeadamente previstos, a concessionária é integral e exclusivamente responsável por todos os riscos relacionados à concessão. A Tabela 4 demonstra, resumidamente, essa alocação. Tabela 4: Alocação de riscos na minuta de contrato do TAV Parte Pública a) desapropriações (até cer to limite); b) decisão arbitral, judicial ou administrativa que impeça ou impossibilite a concessionária de cobrar a tarifa; c) custos adicionais ou prejuízos decorrentes de atrasos causados pelo Poder Concedente; d) caso for tuito ou força maior que não possam ser objeto de cober tura de seguros; e) interrupção do fornecimento de energia elétrica ensejada por falha no sistema que não seja de responsabilidade da concessionária ou de seu fornecedor; f) custos socioambientais que ultrapassem cer to valor. Parte Privada a) demanda; b) obtenção de licenças; c) investimentos; d) custos; e) atraso no cumprimento dos cronogramas; f) metodologia de execução e do projeto executivo; g) tecnologia; h) aumento do custo de capital; i) variação das ta xas de câmbio; j) contratação e aquisição da energia elétrica; k) caso for tuito e força maior, objeto de seguro. Fonte: Adaptado de ANTT (2010). Pode-se observar na Tabela 4 que, apesar de a concessão, conforme reza a minuta do contrato, se dar por conta e risco da concessionária, há riscos bem específicos a cargo do Poder Concedente, em contrapartida, detalhados alguns riscos de responsabilidade exclusiva da concessionária. Se comparado com os contratos de concessões estudados até o momento, verifica-se que a minuta do TAV é o que aloca os riscos com maior precisão. Uma Análise da Alocação de Riscos nos Contratos de Concessão para Prestação de Serviços Públicos de Infraestrutura 137 Tome-se, por exemplo, o risco de contratação e fornecimento de energia, inferese que por trás dessa alocação, parte pública / parte privada, foi utilizado método para alocação de riscos que resultou em um instrumento similar à matriz de riscos demonstrada na Tabela 2, para identificar esse risco como relevante nesse tipo de empreendimento e prever formas para sua mitigação por meio do seu compartilhamento. 4.3 Minuta de contrato de concessão do aeroporto de São Gonçalo do Amarante/RN Pode-se perceber que o processo de alocação evoluiu desde os primeiros contratos de concessões rodoviárias até a minuta do contrato do TAV. Só recentemente, contudo, os processos de concessão no Brasil começaram a ser estruturados com a formulação e apresentação de matriz de riscos conforme orienta a literatura analisada. Tome-se, por exemplo, o projeto do Asga, conduzido pela Anac, cujo estudo de viabilidade disponibilizado na consulta pública foi instruído com o relatório denominado Matriz de Risco (ANAC, 2010). Nessa matriz, a Anac classificou os riscos da concessão nas seguintes categorias: projeto de engenharia; construção; performance; operacionais; demanda; término antecipado; ambientais e outros. Cada categoria, por sua vez, é subdivida nos riscos que a Anac entendeu relevantes para esgotá-la. Importante notar que a matriz elaborada pela Agência Reguladora é muito semelhante ao modelo apresentado na Tabela 2, com apenas uma diferença, o acréscimo da coluna denominada Probabilidade, que tem por função orientar o gestor sobre a frequência em que o risco ocorre. Devido à extensão e ao detalhamento da referida matriz, optouse por exemplificar na Tabela 5 o tratamento dado para o risco de demanda. Verifica-se na Tabela 5 que a Anac, ao contrário do que ocorria até então nos contratos de concessão de serviços públicos de infraestrutura, nos quais toda a responsabilidade sobre a demanda recaía na parte privada, tratou detalhadamente esse risco, inclusive, alocando parte ao Poder Público. No caso, quanto ao risco alocado à parte privada, a Agência pode ter avaliado que o empreendimento é um indutor de demanda, ou seja, que o concessionário tem meios para atrair demanda para o aeroporto e detém o controle das informações necessárias para administrar o risco, o que poderia dificultar a regulação por parte da Agência. Já, quanto à demanda desviada para o Aeroporto Augusto Severo, não resta dúvida que se trata de um risco do Poder Concedente, uma vez que é ele quem o administra. 138 Transporte em Transformação XVI Tabela 5: Alocação do risco de demanda no projeto do Asga Risco Definição Alocação Impacto Prob. Mitigação Aumento/ Redução da Demanda Redução/aumentos inesperados de receita devido à demanda causada pelo desempenho econômico. Privado Médio / Alto Ocasional Vinculação de novos investimentos com base em gatilhos associados à demanda. Demanda e dimensão da Infraestrutura aeropor tuária Responsabilidade pela manutenção/ampliação dos componentes da infraestrutura de acordo com a demanda. Privado Alto Ocasional Previsão de aplicação de Demanda desviada Redução da demanda permanente por desvio para novo modal concorrente (Aeropor to ou trem). Privado Médio / Alto Ocasional Implantação pela Conces- Demanda desviada para o Aeropor to Internacional Augusto Severo Concorrência com o Aeropor to Internacional Augusto Severo em Natal/RN, no tocante a voos comerciais. Público Alto Improvável Obrigação de a Anac encer- penalidades para os casos de não realização dos investimentos necessários. sionária de mecanismos que visem o aumento da competitividade. rar a operação do Aeropor to de Augusto Severo quando do início da operação do ASGA, associada à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro. Prob. = Probabilidade. Fonte: Adaptado de Anac (2010). Portanto, pode-se concluir que a configuração da matriz de riscos é um instrumento valioso para subsidiar a alocação eficiente de riscos e redigir as respectivas cláusulas contratuais. 4.4 Evolução da alocação de riscos A alocação de riscos é um processo dinâmico, na medida em que riscos antes suportados por uma parte, podem em outra oportunidade ser compartilhados ou mesmo atribuídos totalmente à parte contrária, de forma a diminuir as incertezas e, consequentemente, os custos de transação. A Tabela 6 sintetiza essa evolução. Uma Análise da Alocação de Riscos nos Contratos de Concessão para Prestação de Serviços Públicos de Infraestrutura 139 Tabela 6: Evolução da alocação dos riscos concessão de serviços públicos de infraestrutura Fator Concessão Rodoviária (etapas) TAV ASGA 1ª e 2ª (fase I) 2ª (fase II) e 3ª Usa matriz de riscos Não Não Sim Sim Cláusulas específicas de alocação de riscos Não Sim Sim Sim Utilização da teoria das áleas Sim Não Não Não Revisão periódica Não Sim Sim Sim Constata-se da Tabela 6 que o contrato de concessão rodoviária da 2ª etapa, fase II, representa a quebra de paradigma quanto à alocação de riscos. Isso pode ser explicado, pois inicialmente essa concessão havia sido modelada como uma PPP patrocinada, nos termos da Lei 11.079/2004, no entanto, acabou sendo delegada na forma de concessão comum, de acordo com a Lei 8.987/1995. Apesar disso, o contrato manteve as cláusulas específicas de alocação de riscos, mitigando a teoria das áleas ordinária e extraordinária, deixando a delegação de ser por conta e risco do concessionário, para ter seus riscos razoavelmente alocados entre as partes. Outra evolução no referido contrato foi a inclusão da revisão periódica das tarifas com o intuito de instrumentalizar a alocação dos riscos contratuais, principalmente em se tratando dos riscos suportados pelo Poder Público. Extrai-se, ainda, que nos contratos que se seguiram os riscos foram alocados de forma mais precisa, mais detalhada, pois contaram com o auxílio de matriz de riscos. Conclui-se, portanto, que a utilização de instrumentos indicados pela literatura consultada, como por exemplo, Kerf et al. (1998) e Partnerships Victoria (2001), auxilia ao Poder Concedente no desenho adequado dos contratos, e isso pode ser replicado em contratos futuros de concessão de serviços públicos. 5. Considerações Finais O objetivo deste trabalho foi analisar qualitativamente cláusulas contratuais de alocação de riscos constantes de contratos de concessão de serviços públicos de infraestrutura no Brasil, com o intuito de verificar a evolução da alocação dos riscos e identificar boas práticas para serem replicadas em contratos futuros. 140 Transporte em Transformação XVI O risco representa a ocorrência de um evento desfavorável, imprevisto ou de difícil previsão, que onera demasiadamente os encargos contratuais de uma ou de ambas as partes. Grande parte deles é comum a qualquer projeto de delegação de serviço público (v.g. riscos de demanda, financiamento e custos), todavia, não é possível fazer generalizações, cada empreendimento apresenta peculiaridades que irão influenciar na relevância de cada um desses riscos. Da literatura internacional, depreende-se que esses riscos, uma vez identificados, devem ser alocados de acordo com o princípio básico de alocação que propugna que o risco deve ficar a cargo da parte que melhor tenha condições de suportá-lo. Para tanto, a alocação de riscos deve estar assentada em técnicas e métodos em instrumentos consistentes e robustos, como por exemplo, na formulação de uma matriz de riscos detalhada, considerando-se a complexidade de cada empreendimento, dentro de um processo de gestão de riscos que: preveja e descreva o risco; avalie sua consequência; e defina a parte que o suportará e as medidas para sua mitigação. A análise dos contratos de serviços públicos de infraestrutura de concessões de rodovias federais, da minuta de contrato de concessão do Trem de Alta Velocidade e do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante indicou que o princípio básico de alocação de riscos ainda não é tão difundido no Brasil, devido à tradição da teoria das áleas consubstanciada na Lei das Concessões. Essa cultura, entretanto, vem aos poucos sendo superada, doutrinária e legalmente, principalmente após a edição da Lei Federal das PPPs que determina a alocação objetiva dos riscos, o que pode favorecer a prestação adequada dos serviços em função da dinamicidade afeta ao processo de gestão de riscos. Referências Bibliográficas Allen, G. (2001) The Private Finance Initiative (PFI): Economic Policy and Statistics Section. House of Commons Library. Research Paper 01/117. Disponível em: <http://www.parliament.uk/documents/commons/lib/research/rp2001/rp01-117. pdf>. Acesso em: 14 jul. 2010. 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Planeamento Sustentável de Redes Rodoviárias Interurbanas Através de uma Abordagem Multi-Objetivo 7 Bruno Filipe Lopes dos Santos António Pais Antunes Departamento de Engenharia Civil Universidade de Coimbra, Portugal Resumo Neste artigo apresenta-se uma abordagem multi-objetivo para o planeamento de longo prazo de redes rodoviárias interurbanas. A abordagem é coerente com a estrutura de planeamento do manual americano Highway Capacity Manual, recorrendo ao conceito de nível de serviço para avaliar as condições de tráfego. Os eixos rodoviários são classificados de acordo com uma hierarquia e as soluções podem ser encontradas com recurso a dois tipos de ações: a construção de um novo eixo de determinado nível hierárquico e o melhoramento de eixos existentes para um nível hierárquico superior. A rede rodoviária principal do Estado do Paraná, Brasil, é usada para demonstrar a aplicabilidade da abordagem e para ilustrar as diferenças entre soluções de planeamento que tenham por objetivo apenas a eficiência da rede e soluções que visem um planeamento mais sustentável ao incluírem objetivos de equidade e de consumo energético. 144 Transporte em Transformação XVI Abstract This article presents a multi-objective approach to long-term interurban road network planning. The approach is consistent with the planning framework of the Highway Capacity Manual, using the concept of level of service for assessing traffic flow conditions. Road segments are classified according to a hierarchy and, in the search of solutions, two types of action are considered: the construction of a new link of a given hierarchic level; and the upgrading of an existing link to a higher level. The main road network of the State of Paraná, Brazil, is used to show the applicability of the approach and to illustrate the differences between efficiency-oriented solutions and more sustainable solutions where equity and energy consumption objectives are also taken into account. 1. Introdução As economias modernas são fortemente dependentes dos sistemas de transporte. As redes rodoviárias interurbanas, na medida em que constituem uma componente importante daqueles sistemas, desempenham um papel essencial no respectivo desenvolvimento. Enquanto nos países mais desenvolvidos a principal preocupação é com a conservação das redes existentes, em países como a China, Índia, Brasil e na maioria dos países da Europa do Leste as redes necessitam de ser substancialmente melhoradas. Com efeito, as elevadas taxas de crescimento económico que caracterizaram estes países nos últimos anos dificilmente poderão ser mantidas sem um forte investimento nas redes rodoviárias. Dadas as significativas implicações sociais e os elevados custos financeiros envolvidos, as decisões a tomar pelas autoridades de transporte no que diz respeito à construção de novas estradas e ao melhoramento de estradas existentes devem ser planeadas com todo o cuidado. Na prática, o planeamento de redes rodoviárias interurbanas é habitualmente feito com recurso a abordagens de tentativa-e-erro, recorrendo a técnicas de simulação baseadas no modelo clássico dos transportes para a avaliação de cada tentativa (ver Daly, 2000). As abordagens de tentativa-e-erro não permitem, no entanto, uma exploração completa das soluções de planeamento possíveis. Tal pode apenas ocorrer com a utilização de abordagens de otimização. Contudo, a aplicação de tais abordagens em casos reais é ainda problemática, pois os modelos correspondentes – frequentemente considerados como sendo dos modelos de otimização mais complexos – são extremamente exigentes em termos computacionais. Esta situação Planeamento Sustentável de Redes Rodoviárias Interurbanas Através de uma Abordagem Multi-Objetivo 145 está actualmente a mudar graças a evoluções recentes tanto ao nível do software como ao nível do hardware. Apesar de existirem escassas aplicações práticas reportadas na literatura, nos últimos 30 anos têm sido dedicados esforços importantes ao desenvolvimento de modelos de otimização para o planeamento (e dimensionamento) redes rodoviárias. A grande maioria destes esforços foi direcionada para dois modelos: o modelo de planeamento discreto de redes rodoviárias (DRND) e o modelo de planeamento contínuo de redes rodoviárias (CRND). O primeiro tem por objeto a adição de novos eixos a uma rede rodoviária, enquanto o último se dedica à expansão (contínua) da capacidade dos eixos existentes. Um modelo relacionado que aparece na literatura é o modelo de planeamento misto (MRND), que resulta da combinação do modelo DRND com o modelo CRND. Entre os artigos mais conhecidos que tratam destes modelos estão LeBlanc (1975) e Boyce e Janson (1980) em relação ao modelo DRND e Abdulaal e LeBlanc (1979) e Friesz et al. (1992) em relação ao modelo CRND. Uma aplicação interessante deste tipo de modelos a uma rede rodoviária nacional encontra-se em Ben-Ayed et al. (1992). Para uma revisão desta literatura, ver Yang e Bell (1998). Independentemente do modelo em causa, os objetivos mais frequentes para este problema de otimização são os de eficiência, tais como a minimização de custos para os utilizadores ou a maximização dos benefícios (medidos, por exemplo, pelo excedente do consumidor). Outros objetivos importantes que foram tratados em estudos anteriores incluem a robustez (Lo e Tung 2003) e a equidade (Meng e Yang, 2002). Diversos artigos tratam de modelos multi-objetivos. O primeiro modelo deste tipo referido na literatura é o de Friesz e Harker (1983). Mais recentemente, Friesz et al. (1993) e Tzeng e Tsaur (1997) contemplaram simultaneamente os custos de utilização e de construção como objetivos de minimização (o primeiro também considerou a minimização da distância de viagem e a minimização da área de expropriações). Ukkusuri et al. (2007) consideraram um objetivo de robustez para além de um objetivo de eficiência (minimização do tempo de viagem), enquanto Feng e Wu (2003) consideraram objetivos de equidade horizontal e vertical e Cantarella e Vitetta (2006) incluíram objetivos ambientais (minimização de emissões de CO2). Apesar de serem extremamente apelativos do ponto de vista teórico, nenhum dos modelos anteriormente referidos trata de um aspecto muito importante no planeamento de redes rodoviárias reais: a natureza discreta das expansões de capacidade. De facto, a capacidade aumenta significativamente quando uma estrada é melhorada para um nível superior (ou substituída por uma estrada melhor, ou complementada com uma nova estrada). Quando uma estrada é melhorada de um perfil 2x1 para um perfil 2x2 146 Transporte em Transformação XVI (autoestrada), a sua capacidade mais do que duplica. Este tipo de factor raramente tem sido contemplado nos modelos de otimização para o planeamento de redes rodoviárias. Para além do trabalho que tem sido desenvolvido pelos autores deste artigo (e.g., Antunes et al., 2003 e Santos et al., 2009), o único exemplo de modelos de níveis múltiplos do qual temos conhecimento é Janson et al. (1991). A abordagem de otimização multi-objetivo para o planeamento das redes rodoviárias interurbanas apresentada neste artigo foi desenvolvida com o intuito de apoiar as autoridades de transporte na definição de estratégias de desenvolvimento a longo prazo (20 anos) de uma rede nacional ou regional. Trata o melhoramento dos eixos viários de acordo com uma hierarquia e considera a procura elástica, isto é, dependente das decisões tomadas. A aplicabilidade da abordagem é demonstrada através de uma aplicação à rede principal do Estado do Paraná, Brasil. Este estudo de caso é também usado para ilustrar as diferenças entre soluções de planeamento envolvendo apenas um objetivo de eficiência, o objetivo primordial na avaliação de investimentos, e soluções que atendam também a objetivos mais sustentáveis, como é o caso da maximização da equidade e da minimização do consumo energético. De facto, através do melhoramento das estradas as autoridades de transporte desejam utilizar o seu orçamento da melhor forma para aumentar a acessibilidade. No entanto, as mesmas autoridades também desejam (ou deviam desejar) que os benefícios sejam distribuídos de forma justa pelas diferentes partes de um país ou região, de acordo com os princípios do desenvolvimento sustentável. Além disso, o aumento da dependência do petróleo nas sociedades modernas e os compromissos assumidos internacionalmente em relação às emissões de gases com efeito de estufa levam (ou deviam levar) a que as autoridades de transporte se preocupem cada vez mais com o consumo de petróleo. O presente artigo está organizado da seguinte forma. Na próxima secção são descritas as características essenciais da abordagem de planeamento proposta. Depois, é apresentado o modelo no qual se baseia a abordagem. Posteriormente, a abordagem é testada com o estudo de caso e são analisados os impactes de se adoptarem objetivos mais sustentáveis no planeamento de redes rodoviárias. Na secção final são tiradas algumas conclusões. 2. Abordagem proposta A abordagem ao planeamento a longo prazo de redes rodoviárias que se propõe no presente artigo é baseada nos seguintes princípios: Planeamento Sustentável de Redes Rodoviárias Interurbanas Através de uma Abordagem Multi-Objetivo 147 − Os eixos viários são definidos de acordo com uma hierarquia (e.g., eixos 2x1 lentos, eixos 2x1 rápidos, autoestradas). − As decisões de planeamento envolvem a construção de novos eixos de um determinado tipo (ou nível) ou o melhoramento de eixos existentes. − As decisões de planeamento consideram simultaneamente vários objectivos (eficiência, equidade, consumo energético). − O nível dos eixos rodoviários existentes ou a construir em áreas ambientalmente sensíveis pode estar sujeito a limitações. − A despesa total associada às decisões de planeamento não pode exceder o orçamento disponível. − A procura de viagens é elástica, dependendo das alterações na rede rodoviária. − As decisões de planeamento são consistentes com a estrutura de planeamento adoptada no Highway Capacity Manual - HCM (TRB, 2000). Este manual, publicado pelo United States Transportation Research Board, é uma referência importante para os engenheiros de transportes em todo o mundo, e as soluções de planeamento que sejam consistentes com a estrutura de planeamento do HCM serão, em princípio, mais facilmente aceites e adoptadas em situações reais. Para a implementação destes princípios, desenvolvemos uma abordagem que involve um processo iterativo com sete passos em cada iteração (Figura 1). Figura 1: Representação esquemática da abordagem 148 Transporte em Transformação XVI Em primeiro lugar, gera-se um conjunto de soluções para o melhoramento da rede rodoviária consistente com as preocupações ambientais e as restrições orçamentais. Cada solução especifica os eixos a construir ou a melhorar, bem como os níveis rodoviários a atribuir a esses eixos. A cada nível rodoviário está associado um nível de serviço (NS) que tem de ser garantido. O nível de serviço é uma medida qualitativa das condições operacionais de uma infraestrutura rodoviária (TRB, 2000) e é caracterizado por um volume máximo de tráfego, uma densidade máxima de tráfego e uma velocidade média máxima. Entre outras alternativas, o NS de uma estrada pode ser medido através do rácio volume-capacidade, que é dado pelo quociente entre o volume de tráfego e a capacidade da estrada. Para a geração de soluções pode-se recorrer a algoritmos de procura local ou evolucionários (ou à combinação de ambos). Em segundo lugar, aplica-se um modelo gravitacional sem restrições para estimar a matriz O/D da rede melhorada (Ortúzar e Willumsen, 2001). Aquele modelo define o número esperado de viagens entre dois centros populacionais como sendo proporcional à dimensão desses centros (e.g., população, emprego) e inversamente proporcional ao custo (generalizado) de viagem entre os dois centros. Assume-se que os condutores optam pelo percurso de menor custo e que viajam à velocidade média máxima associada aos NS definidos para os eixos pertencentes ao percurso. Em terceiro lugar, atribui-se a matriz O/D à rede rodoviária melhorada. Tal pode ser feito assumindo o princípio do equilíbrio do utilizador. No entanto, muitos dos condutores que circulam numa rede rodoviária interurbana não têm conhecimento das alternativas de percurso existentes – seguindo apenas os sinais de trânsito e/ou, cada vez mais frequentemente, instruções de navegação por GPS. Assim sendo, optouse por considerar (do lado da segurança) que os condutores escolhem o percurso de menor custo considerando a velocidade média máxima correspondente ao NS imediatamente inferior ao dos eixos incluídos no percurso (Santos et al., 2009). Em quarto lugar, avaliam-se as soluções em relação aos objetivos considerados. No caso da aplicação ao Paraná, avaliaram-se as soluções em relação a objetivos de eficiência, equidade e consumo energético. Em quinto lugar, efectua-se uma avaliação multi-objetivo utilizando o método da ponderação. De acordo com este método, o valor global de uma solução é calculado através da aplicação de pesos (ou prioridades) aos valores normalizados das soluções para os diferentes objetivos. Os valores das soluções têm de ser normalizados porque o grau de satisfação dos objetivos é avaliado em unidades e/ou escalas diferentes. Planeamento Sustentável de Redes Rodoviárias Interurbanas Através de uma Abordagem Multi-Objetivo 149 Em sexto lugar, verifica-se se os NS requiridos em cada eixo (que dependem do nível hierárquico do eixo) são satisfeitos. Se assim não for, a solução é não admissível e é aplicada uma penalidade ao valor da solução. A penalidade a aplicar é proporcional à soma das diferenças entre o volume máximo de tráfego e o volume de tráfego estimado para os eixos nos quais o NS não é satisfeito. Em sétimo lugar, comparam-se as soluções avaliadas na iteração corrente com a melhor solução obtida anteriormente – a solução incumbente. Se a melhor das novas soluções for melhor do que a solução incumbente, a nova solução torna-se a solução incumbente e uma nova iteração é iniciada. Caso contrário, depois de um determinado número de iterações em que se não verifiquem melhorias na solução incumbente, o processo iterativo termina. 3. Modelo de Otimização A aplicação da abordagem de planeamento descrita pressupõe a resolução de um modelo de otimização em cada iteração. Os ingredientes essenciais desse modelo d são: sujeito a, 150 Transporte em Transformação XVI Em que (por ordem de aparência) V é o valor normalizado da solução; wi são os pesos associados a cada objetivo considerado; ηi é a o valor da solução de acordo com o objetivo i; ηi0 é o valor da solução inicial de acordo com o objetivo i; ηiB é o valor da melhor solução de acordo com o objetivo i; Tjk é o volume de tráfego estimado entre o centro j e o centro k; θ é um parâmetro de escala; Pj é a população do centro j; Cjk é o custo (generalizado) de viagem entre os centros j e k; y = {ylm} é uma matriz de variáveis binárias que tomam o valor um se o eixo l for do nível hierárquico m, e o valor zero em caso contrário; β é um parâmetro de calibração (normalmente denominado por fator de impedância); N é o conjunto de centros populacionais; Ql é o fluxo estimado no eixo l; xljk são variáveis binárias que tomam o valor um se o eixo l pertencer ao percurso de menor custo entre os centros j e k, e igual a zero em caso contrário (que é obtido resolvendo o problema de nível inferior do modelo de otimização - ver Yang e Bell, 1998); L é o conjunto de eixos; Ml é o conjunto de níveis hierárquicos possíveis para o eixo l; Qmaxm é o volume máximo de serviço para um eixo de nível hierárquico m; elm são os custos de melhorar um eixo do tipo l para o tipo m; e b é o orçamento disponível. A função objetivo (1) deste modelo de otimização combinatória não linear representa a maximização do valor normalizado da solução de planeamento. A normalização é feita de forma a reflectir a importância de cada objetivo em consideração. Os valores da solução para os vários objetivos, e da mesma forma os valores normalizados, dependem das decisões adoptadas para o nível hierárquico dos eixos (que é representado pela variáveis y). A procura de viagens é calculada de acordo com as restrições (2) e o número de viagens em cada eixo é calculado de acordo com as restrições (3). As restrições (4) são usadas para garantir que a cada eixo será associado um, e apenas um, nível hierárquico. Para alguns eixos, por razões de proteção ambiental, poderá ser desejável limitar os níveis hierárquicos admissíveis. Por esse motivo o conjunto de níveis admissíveis (Ml) encontra-se indexado ao eixo. As restrições (5) são incluídas para assegurar que o fluxo de tráfego em cada eixo não ultrapassa o volume máximo de serviço associado ao Planeamento Sustentável de Redes Rodoviárias Interurbanas Através de uma Abordagem Multi-Objetivo 151 nível hierárquico do eixo. A restrição (6) é usada para garantir que o orçamento disponível não é ultrapassado. As expressões (7) e (8) definem o domínio das variáveis de decisão. O modelo de otimização descrito é extremamente difícil de resolver até a um ótimo global. Com exceção de instâncias de dimensão reduzida, terá de ser resolvido com recurso a métodos heurísticos. Existe uma grande variedade de heurísticas disponíveis referidas na literatura (ver, e.g., Gendreau e Potvin, 2005 e Michalewicz e Fogel, 2004). Para resolver o modelo proposto foram desenvolvidas três heurísticas diferentes: um algoritmo greedy; um algoritmo de pesquisa em vizinhança variável; e um algoritmo genético melhorado em vários aspectos relativamente à versão clássica. Foi este último o algoritmo que apresentou o melhor desempenho quando comparado com os restantes num conjunto de problemas-teste gerados aleatoriamente. Em Santos et al (2005) é facultada informação pormenorizada sobre os algoritmos, a sua calibração e o seu desempenho. Os resultados apresentados neste artigo foram obtidos com recurso ao algoritmo genético melhorado. 4. Estudo de Caso O tipo de resultados que se pode obter com a abordagem proposta será ilustrado com uma aplicação académica à rede rodoviária principal do Estado do Paraná, Brasil. Com base em dados disponibilizados pelo Ministério dos Transportes Brasileiro (DNIT, 2010), estimou-se que em 2007 esta rede tinha uma extensão total de 5965 km (441 km de estradas não pavimentadas, 3183 km de estrada 2x1 lentas, 1971 km de estradas 2x1 rápidas e 370 km de autoestradas 2x2). Adicionalmente, foram considerados 817 km de estradas planeadas (não existentes) que poderão ser construídas no futuro. Para a aplicação da abordagem, a rede foi representada por 76 nós (39 centros populacionais no Estado de Paraná, 11 centros populacionais fora deste estado e 26 intersecções) e 133 eixos (100 internos e 33 externos). A Figura 2 apresenta uma representação esquemática da rede. 152 Transporte em Transformação XVI Figura 2: Rede principal do Estado do Paraná, Brasil, em 2007 A aplicação consistiu em determinar a melhor forma de aplicar um orçamento de 40 mil unidades monetárias (que representa um orçamento equivalente a construir 1000 km de autoestradas) para melhorar a rede existente. As características dos vários tipos de estrada são descritas na Tabela 1. Os custos relativos de melhoramento das estradas são apresentados na Tabela 2. Estes custos são referentes a zonas de orografia plana. Em zonas montanhosas foi considerada uma penalização de 30 a 60 porcento. O custo generalizado de viagem foi calculado tendo por base a distância de viagem e o tempo de viagem entre cada par de centros. Foi considerado um fator de impedância β igual a 1,4. Tabela 1: Caraterísticas dos diferentes tipos de estrada (TRB, 2000) Planeamento Sustentável de Redes Rodoviárias Interurbanas Através de uma Abordagem Multi-Objetivo 153 Tabela 2: Custos relativos de melhoramento das estradas 4.1 Resultados para a maximização da eficiência Como solução de referência, considerou-se apenas o objetivo de eficiência correspondente à maximização da acessibilidade agregada de todos os centros (Keeble et al. 1982): (9) em que η1 é a acessibilidade agregada (objetivo de eficiência) e Aj é a acessibilidade do centro j. A solução obtida para este objetivo é apresentada na Figura 3 (esq.). Em comparação com a rede de 2007, a extensão total de autoestradas (AE) aumenta de 370 km para 1892 km, enquanto a extensão das estradas 2x1 rápidas e lentas decresce de 1971 km para 1304 km e de 3183 km para 2442 km, respectivamente (Tabela 3). As principais mudanças seriam: uma AE a ligar Curitiba a Londrina e Maringá; uma nova AE fazendo a ligação entre Curitiba e a fronteira sul do Estado do Paraná; uma ligação por AE entre Foz do Iguaçú e Cascavel; uma estrada rápida atravessando o estado pela zona oeste, passando por Cascavel e Maringá; e a construção de 115 km de estradas planeadas, todas na zona este de Curitiba. Em resultado destes melhoramentos da rede quem mais beneficia são os centros populacionais mais próximos de Curitiba (Figura 3 - dta.). Por contrário, as localidades mais periféricas, junto às fronteiras norte e sul, são as que menos beneficiam do investimento efectuado. A cidade de Curitiba também beneficia pouco com esta solução dada a sua já boa acessibilidade na situação inicial, em 2007. O aumento verificado na acessibilidade agregada foi de 4,1% (de 2,406 para 2,505). 154 Transporte em Transformação XVI Figura 3: (esq.) Solução 1 – maximização da acessibilidade agregada; (dta.) Ganhos de acessibilidade na Solução 1 em comparação com a rede inicial 4.2 Impacto de adicionar um objetivo de equidade De seguida adicionou-se ao objetivo de eficiência um objetivo de equidade, de maneira a ter em conta a distribuição geográfica dos benefícios introduzidos com o melhoramento da rede. Para avaliar a equidade, foi utilizado um indicador muito usado em estudos económicos e sociais – o índice de Gini. Este índice mede a diferença relativa entre uma dada solução e uma solução de perfeita equidade, definindo-se da seguinte forma (Santos et al., 2008): (10) em que η2 é o índice de Gini (objetivo de equidade); N é o número de centros populacionais; e Ā é a acessibilidade média. Este valor assume valor entre [0,1] e quanto menor for o valor obtido mais próxima a solução se encontra da solução de perfeita equidade. Quando considerados os objetivos de eficiência e de equidade simultaneamente, com um peso de 2/3 para a eficiência e 1/3 para a equidade, obteve-se a solução apresentada na Figura 4 (esq.). Em comparação com a Solução 1, a extensão total de AE diminui ligeiramente (menos 39 km), enquanto a extensão das estradas 2x1 rápidas aumenta de 1304 km para 1651 km e a extensão de estradas lentas diminui de 2442 km para 2134 km (Tabela 3). São ainda construídas mais 166 km de vias Planeamento Sustentável de Redes Rodoviárias Interurbanas Através de uma Abordagem Multi-Objetivo 155 planeadas. Em termos da distribuição de acessibilidade por centos populacionais, nota-se um aumento significativo dos ganhos nos centros da zona oeste do estado em detrimento da zona leste, nomeadamente dos centros próximos de Curitiba (Figura 4 - dta.). Com esta solução, o valor do índice de Gini obtido é igual ao valor para a rede inicial. Isto significa melhorar a equidade em 5,4% relativamente à Solução 1 (o índice de Gini passa de 0,147 para 0,139). Em resultado disso, a acessibilidade agregada baixa de 2,505 para 2,493, significando uma redução de 4,8%. Figura 4: (esq.) Solução 2 – maximização da acessibilidade agregada e minimização do índice de Gini; (dta.) Comparação da Solução 2 com a Solução 1 4.3 Impacto de adicionar um objetivo de consumo energético Posteriormente, substituiu-se o objetivo de equidade por um objetivo de consumo energético (e, consequentemente, de emissões de CO2), definido da seguinte forma: (11) em que η3 é o consumo energético médio na rede, medido em g/km de equivalente de petróleo (objetivo de consumo energético); Fl é o consumo médio no eixo l; e Ll é o comprimento do eixo l. O cálculo do consumo médio em cada eixo foi calculado com recurso ao software COPERT (European Commission, 1999) tendo em conta a frota do Estado do Paraná. A função quadrática resultante foi a seguinte: 156 Transporte em Transformação XVI (12) onde Sl é a velocidade no eixo l. Quando considerados os objetivos de eficiência e de consumo energético simultaneamente obteve-se a solução apresentada na Figura 5 (esq.). Em comparação com a Solução 1, nota-se que esta solução apresenta bastante mais estradas 2x1 rápidas, pois são estas que permitem gamas de velocidades mais económicas em termos energéticos. Na verdade, há um aumento da extensão desta vias de 1304 km para 2800 km (Tabela 3). Para compensar os gastos nestas vias, há uma redução na extensão das AE, de 1892 km para 1061 km, e na extensão das estradas 2x1 lentas, de 2442 para 2108. Em termos da distribuição de acessibilidade por centros populacionais, há alguns centros populacionais que beneficiam nesta solução relativamente à Solução 1, pois como há uma maior rede de estradas 2x1 rápidas alguns centros vêem a sua acessibilidade às cidades vizinhas melhorada (Figura 5 - dta.). Com esta solução o valor do consumo médio de energia diminui em 9,5% relativamente à Solução 1 (de 58,08 g/km para 52,58 g/km). Em termos de acessibilidade verifica-se apenas uma ligeira redução de 0,4% (de 2,505 para 2,495). Figura 5: (esq.) Solução 3 – maximização da acessibilidade agregada e minimização do consumo de energia; (dta.) Comparação Solução 3 com a Solução 1 Planeamento Sustentável de Redes Rodoviárias Interurbanas Através de uma Abordagem Multi-Objetivo 157 4.4 Resultados para objetivos de eficiência, equidade e energéticos Por último, consideraram-se os três objetivos ao mesmo tempo – podendo dizer-se que incorporando um objetivo económico (eficiência), um objectivo social (equidade) e um objectivo ambiental (consumo energético, emissões de CO2), a solução obtida será mais sustentável do que as soluções anteriores, em particular, do que a Solução 1. Admitindo um peso de 2/3 para a eficiência, 1/6 para a equidade e 1/6 para o consumo energético, obteve-se a solução apresentada na Figura 6 (esq.). Esta solução é, como se poderia esperar, uma combinação das soluções anteriores. Comparativamente à Solução 1, esta solução tem uma ligação por AE entre Curitiba e a cidade de Foz do Iguaçú. Por sua vez, a ligação entre Curitiba e a zona de Londrina e Maringá efectua-se por estrada 2x1 rápida. Há uma redução da extensão de AE, passando de 1892 km para 1805 km, e de estradas 2x1 lentas, passando de 2442 km para 2105 km (Tabela 3). Pelo contrário, verifica-se um aumento de estradas 2x1 rápidas, (1729 km em vez de 1304 km) e de estradas planeadas que são construídas (662 km em vez de 561 km). Relativamente à distribuição dos ganhos de acessibilidade, verifica-se uma melhoria da acessibilidade dos centros a oeste e sudoeste do estado (Figura 6 - dta.). Relativamente à Solução 1, esta solução resulta num melhoramento do índice de Gini em 4,1% (assumindo o valor de 0,141) e de uma diminuição do consumo médio de energia em 4.5% (assumindo o valor de 55,47). A acessibilidade sofre uma redução de apenas 0,24% (assumindo o valor de 2,499). Figura 6: (esq.) Solução 4 – maximização da acessibilidade agregada e da equidade e minimização do consumo de energia; (dta.) Comparação Solução 4 com a Solução 1 158 Transporte em Transformação XVI Tabela 3: Sumário dos resultados para as diferentes soluções (variações em comparação com a situação inicial) 5. Conclusão Neste artigo apresenta-se uma abordagem multi-objetivo para o planeamento de redes rodoviárias interurbanas. A abordagem é aplicável a redes de múltiplos níveis, assumindo a procura de viagens como elástica e considerando as indicações do manual americano Highway Capacity Manual, nomeadamente com o recurso ao conceito de nível de serviço para avaliar as condições de tráfego. A abordagem tem como objetivo apoiar os decisores nas suas reflexões estratégicas relativamente ao planeamento de longo prazo de redes rodoviárias nacionais ou regionais. A rede principal do Estado do Paraná foi usada para demonstrar a aplicabilidade da abordagem. Este estudo de caso foi ainda usado para ilustrar as diferenças entre soluções de planeamento envolvendo apenas um objetivo de eficiência, o objetivo primordial na avaliação de investimentos, e soluções que atendam também a objetivos mais sustentáveis, como é o caso da equidade e do consumo energético (e consequentemente de emissões de CO2). Os resultados obtidos ilustram bem as diferenças introduzidas com uma perspectiva mais sustentável. Embora ambas as soluções apresentem uma extensão semelhante de autoestradas, na solução com a perspectiva mais sustentável existe uma menor concentração de autoestradas junto das maiores cidades, em particular junto a Curitiba. Verifica-se ainda nesta solução uma maior rede de estradas 2x1 rápidas e a construção de um maior número de estradas projetadas (não existentes inicialmente). Em resultado destas diferenças, a solução mais sustentável é 4,1% mais equitativa e 4,5% menos consumidora de energia. Em troca, é apenas 0,24% menos eficiente do que a solução que maximiza a eficiência da rede. Planeamento Sustentável de Redes Rodoviárias Interurbanas Através de uma Abordagem Multi-Objetivo 159 Referências Bibliográficas Abdulaal, M. e Leblanc, L. J. (1979) Continuous Equilibrium Network Design Models. Transportation Research Part B-Methodological, 13(1), 19-32. Antunes, A., Seco, A. e Pinto, N. (2003) An Accessibility-Maximization Approach to Road Network Planning. Computer-Aided Civil and Infrastructure Engineering, 18(3), 224-240. Ben-Ayed, O., Blair, C. E., Boyce, D. E. e LeBlanc, L. J. (1992) Construction of a RealWorld Bilevel Linear Programming Model of the Highway Network Design Problem. Annals of Operations Research, 34, 219-254. Boyce, D. E. e Janson, B. N. (1980) A Discrete Transportation Network Design Problem with Combined Trip Distribution and Assignment. Transportation Research Part BMethodological, 14(1-2), 147-154. Cantarella, G. E. e Vitetta, A. 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([email protected]) Departamento de Engenharia Civil, Universidade de Coimbra, Portugal. António Pais Antunes. ([email protected]) Departamento de Engenharia Civil, Universidade de Coimbra, Portugal. Melhoria da Ecoeficiência no Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos 8 Ilton Curty Leal Junior Marcio de Almeida D’Agosto Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Engenharia de Transportes Resumo O modo rodoviário é o mais utilizado para a movimentação de etanol no Brasil e seu desempenho, se comparado aos demais modos, é inferior em termos de ecoeficiência para o produto em questão. Diante disto, este trabalho propõe a avaliação da implantação de ações que melhorem os resultados econômicos e ambientais do transporte rodoviário. Inicialmente comparou-se o desempenho entre as várias alternativas modais com base no cenário atual. Após isso, foi realizada uma nova avaliação considerando ações para a melhoria de ecoeficiência como utilização de biodiesel, redução do número de acidentes e melhorias nos valores de frete. Os resultados mostram que o modo rodoviário, se comparado com outras nove alternativas intermodais, pode sair do último lugar em desempenho para o quarto lugar. 162 Transporte em Transformação XVI Abstract The road transport is the most widely used for the movement of ethanol in Brazil and its performance compared to other modes, is lower in terms of eco-efficiency for this product. Based in this problem, this paper proposes the evaluation of the implementation of actions to improve the economic and environmental outcomes of road transport. We initially compared the performance considering ten alternatives, including the road transport, based on current scenario. After that, a new evaluation was performed considering actions to improve eco-efficiency and use of biodiesel, reducing the number of accidents and improvements in freight values. The results show that the road transport, if compared with nine other intermodal alternatives, can improve its performance, leaving the last position to the fourth position in the eco-efficiency ranking.. 1. Introdução O transporte de carga no Brasil concentra-se no modo rodoviário que pode não ser o mais adequado do ponto de vista econômico e ambiental, se comparado com os demais. O transporte de produtos perigosos acompanha a distorção na matriz contribuindo para redução de competitividade do setor e para maiores impactos no meio ambiente. O Método de Escolha Modal – MEM, proposto por Leal Jr e D’Agosto (2011), aborda diferentes conceitos considerados pela literatura relativos à avaliação de desempenho em transportes para auxiliar a tomada de decisão quanto à escolha do modo de transporte. O MEM permite o emprego de uma estrutura que utilize as medidas de ecoeficiência que apresentam um diferencial para as empresas que valorizam as questões ambientais (Leal Jr e D’Agosto, 2011). Para produtos como o etanol produzido na região centro-sul do Brasil predomina o transporte rodoviário e uma análise efetuada por meio do MEM mostra o baixo desempenho em termos de ecoeficiência deste modo. Por outro lado, as alternativas modais apresentadas pelo autor, como de melhor ecoeficiência não possuem infra-estrutura suficiente para atender a demanda por transporte de etanol, forçando aos embarcadores a utilização de veículos rodoviários para distribuir seus produtos. Melhoria da Ecoeficiência no Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos 163 Neste contexto, o presente trabalho baseia-se na seguinte pergunta para seu desenvolvimento: Dada a grande utilização do modo rodoviário no transporte de etanol e as limitações para utilização de alternativas modais, é possível a melhoria da ecoeficiência daquele modo por meio de ações factíveis de implementação? Para responder a esta questão, este trabalho tem por objetivo aplicar o Método de Escolha Modal (MEM), considerando medidas de ecoeficiência considerando o caso do transporte de etanol produzido na região centro-sul do Brasil com destino a um porto para exportação. Com base no desempenho atual do modo rodoviário, ações que influenciam na ecoeficiência são utilizadas para verificar a melhoria frente às demais alternativas modais. Para a análise dos dados foi utilizada uma técnica de apoio multicritério à decisão, sendo possível ranquear o desempenho das alternativas analisadas. Os resultados mostram que ao incluir ações ecoeficientes na análise o desempenho das alternativas o transporte rodoviário, com o pior desempenho no cenário atual, apresenta melhorias em relação aos demais. 2. Transporte de Produtos Perigosos no Brasil e Escolha Modal Conforme CETESB (2009), os produtos perigosos são transportados em todos os modos disponíveis (ferroviário, rodoviário, aquaviário, dutoviário e aéreo) e o mais adequado varia com as atividades da rede logística, devendo ser determinado por atributos específicos para a avaliação de desempenho do transporte e pela disponibilidade de cada modo e da infra-estrutura necessária. No Brasil e no mundo, o transporte de produtos perigosos está concentrado nos líquidos inflamáveis, principalmente no petróleo, seus derivados e combustíveis líquidos de fontes renováveis (Leal Jr, 2010). Outro fator é que o modo rodoviário é responsável por grande parte da movimentação de carga, seja pela falta de infraestrutura ou pelas próprias características da atividade de transporte que envolvem a distribuição física em áreas urbanas e a necessidade de integração com outros modos. No Brasil, a movimentação de produtos perigosos concentra-se na Região Sudeste, no que diz respeito à produção e ao consumo (CETESB, 2009). Já que a única estatística nacional disponível refere-se ao Estado de São Paulo, maior produtor 164 Transporte em Transformação XVI e consumidor da região citada, admite-se que esses dados sejam representativos para o restante do país. A quantidade de leis, normas e parâmetros técnicos nacionais e internacionais para o transporte de produtos perigosos o tornam mais complexo, do ponto de vista operacional e gerencial, o que pode intervir em questões econômicas e financeiras para os produtores e transportadores. No caso de produtos perigosos, além dos impactos ambientais tradicionais ocasionados pelos transportes (consumo de energia não-renovável, emissão de gases de efeito estufa, poluição atmosférica, descarte de lubrificantes etc) existem os acidentes que interferem em questões ambientais, uma vez que um produto derramado pode poluir solo, água e ar e causar danos as pessoas e propriedades. Atualmente as organizações buscam excelência em suas atividades, objetivando a conquista de novos mercados e a qualidade em seus produtos e serviços. Nesses termos, é destacável a contribuição da avaliação de desempenho para as organizações. Os sistemas de avaliação de desempenho, nas organizações, pretendem estabelecer maneiras de acompanhar os processos ou as atividades para verificar se os mesmos estão atendendo às necessidades e expectativas dos interessados e para fornecer informações adequadas, a fim de que sejam tomadas decisões relativas a ações de prevenção e manutenção ou correção de tais processos ou atividades, de forma que se atinjam objetivos organizacionais. Antoniolli (2003) cita que a necessidade do gerenciamento de um desempenho cada vez mais efetivo tem impulsionado as empresas a desenvolverem formas de monitorar e avaliar o desempenho. De acordo com Quintão et al. (2003), a avaliação de desempenho é considerada complexa e quando mal conduzida não apresenta resultado concreto quando o objeto de análise é o desempenho de uma atividade ou um processo específico como o transporte. Com o intuito de melhor atender à demanda, as organizações avaliam novas formas de transportar, o que pode envolver a escolha de diferentes modos de transporte ou suas combinações, na forma de transporte intermodal ou multimodal. Essa escolha pode interferir fortemente na forma como a organização atuará no mercado, devendo estar alinhada com uma visão estratégica e de longo prazo. O desenvolvimento de ferramentas que auxiliem nessa escolha é fundamental para a estratégia organizacional, sendo que a avaliação de desempenho do serviço de transporte pode ser empregada para isso (Ballou, 2001; Novaes, 2004; Manheim, 1980; Morlok, 1980; D´Agosto, 1999). Melhoria da Ecoeficiência no Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos 165 3. Procedimentos Empregados Para o estudo proposto neste artigo são aplicadas duas ferramentas cominadas. O Método de Escolha Modal, que se baseia em medidas de ecoeficiência, e uma técnica de auxílio multicritério conhecida como Análise Relacional Grey. 3.1 Método de Escolha Modal e as medidas de ecoeficiência O Método de Escolha Modal – MEM (Leal Jr e D’Agosto, 2011) detalha o processo de tomada de decisão em transportes e sua concepção se aplica à escolha modal de transporte de uma forma geral. Este método é essencialmente dinâmico e seus resultados podem ser revistos ao longo do tempo, pois o resultado final pode ser utilizado para alimentar um novo ciclo de avaliação. O MEM é composto de 7 etapas conforme figura 1 e todos os detalhes do método podem ser acessados em Leal Jr e D’Agosto (2011). Neste trabalho o MEM utiliza como base o conceito de ecoeficiência para o estabelecimento de medidas. Essa abordagem enfoca a utilização adequada de recursos materiais e energéticos, com o sentido de se reduzir custos e/ou de se maximizar lucros. A ecoeficiência pode ser entendida como a habilidade de simultaneamente atingir os objetivos de produção e custo com qualidade e desempenho, reduzir impactos ambientais e conservar recursos naturais. A ecoeficiência permite às empresas tornarem-se mais responsáveis do ponto de vista ambiental e mais lucrativas no âmbito econômico, incentivando-as à inovação e à competitividade (WBCSD, 2000). A necessidade de se mensurar e quantificar a ecoeficiência resulta na necessidade de se utilizar medidas de ecoeficiência. Os indicadores de ecoeficiência podem ser gerais e usados para todas as atividades de negócios, ou específicos para um determinado setor (WBCSD, 2000). No estabelecimento de indicadores têm-se aqueles relacionados a produtos e/ou serviços produzidos ou vendidos e os referentes às influências ambientais globais. Da mesma forma, ainda podem ser estabelecidos indicadores específicos, onde cada empresa avalia o seu próprio negócio e determina indicadores próprios a sua empresa. Estes são menos abrangentes na sua aplicabilidade, porém, não são necessariamente menos importantes que os de aplicação geral. 166 Transporte em Transformação XVI ETAPA 1 DEFINIÇÕES INICIAIS ETAPA 2 ATRIBUTOS E PONDERAÇÕES Nível 1 Carga - Produto transportado e suas características Nível 2 Transporte - Rede de transporte utilizada - Modos a serem avaliados Nível 3 Desempenho - Categorias e aspectos de avaliação - Ponto de vista da avaliação - Nível de análise - Abrangência da avaliação Nível 1 Escolha - Pesquisa bibliográfica e documental para levantamento de atributos a serem considerados Nível 2 Ponderação - Pesquisa de campo para ratificação, escolha e ponderação (pesos) dos aspectos e atributos SAÍDA Descrição dos parâmetros básicos para orientar a avaliação de desempenho SAÍDA Lista de aspectos, atributos e suas respectivas ponderações ETAPA 3 INDICADORES E MEDIDAS ETAPA 4 PADRÕES DE DESEMPENHO Nível 1 Indicadores - Pesquisa bibliográfica e/ou de campo para seleção dos indicadores Nível 2 Medidas - Determinação de medidas com base nos indicadores selecionados SAÍDA Tabela com indicadores e medidas associadas aos atributos - Levantamento dos níveis de desempenho referenciais para cada medida SAÍDA Tabela com níveis de desempenho referenciais para cada medida ETAPA 5 COLETA DE DADOS - Pesquisa bibliográfica, documental e/ou de campo para apurar os valores dos indicadores SAÍDA Tabela com resultados das medições ETAPA 7 AGREGAÇÃO ETAPA 6 ENQUADRAMENTO Nível 1 Apuração - Apuração do nível de desempenho global Nível 1 Medidas - Cálculo das medidas Nível 2 Comparação - Comparação com níveis de referência; Nível 3 Desempenho - Hierarquização das alternativas Nível 2 Desempenho Individual - Apuração dos resultados individuais de desempenho por modo SAÍDA Conjunto de alternativas hierarquizadas por desempenho SAÍDA Quadro com resultado individual das avaliações por modo Fonte: Leal Jr e D’Agosto (2011) Figura 1: Método de Escolha Modal com procedimento de avaliação de desempenho em transporte Melhoria da Ecoeficiência no Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos 167 O WBCSD (2000) apresenta uma metodologia para avaliação da ecoeficiência que pode ser usado por alguns negócios para medir a sustentabilidade econômica e ambiental. Para determinar a ecoeficiência em transportes, este trabalho propõe uma estrutura, baseada em WBCSD (2000). A utilização dos indicadores de ecoeficiência gera medidas específicas baseadas na relação de valor do produto ou serviço com a influência ambiental e que são representadas pela equação 1, conforme WBCSD (2000). (1) Com base neste conceito podem ser propostas medidas de ecoeficiência para o transporte de carga, para serem utilizadas no processo de avaliação de desempenho e escolha modal. Sugere-se que o avaliador escolha apenas um indicador de valor do serviço como numerador, combinando-o com as influências ambientais mais representativas. 3.2 Análise Relacional Grey A teoria de sistemas grey foi proposta por Julong Deng em 1982 com o intuito de evitar os problemas inerentes dos métodos estatísticos e requer uma quantidade limitada de dados para estimar o comportamento de um sistema incerto (Wen, 2004). A teoria grey tem sido aplicada nos mais variados campos de pesquisa, como produção, sistemas sociais, ecologia, economia, geografia, tráfego, gerenciamento, educação etc. Foca em situações em que há a incerteza, variedade de dados de entrada, dados discretos e informações insuficientes para a tomada de decisão. A teoria grey parte do princípio que existem informações a respeito de um sistema que são “claras” e podem ser medidas e encontradas facilmente e outras que são cinzentas ou não são bem definidas e são incompletas. A análise relacional grey (GRA) integra a teoria de sistemas grey (Deng, 1989; Liu e Lin, 2006). É um método utilizado para determinar o grau de relacionamento entre uma observação referencial com observações levantadas, objetivando estabelecer um grau de proximidade com o estado meta, ou seja, o resultado desejado. 168 Transporte em Transformação XVI Segundo Bischoff (2008), a GRA utiliza a informação do sistema grey para comparar dinamicamente cada fator quantitativamente, baseado no nível de similaridade e de variabilidade entre todos os fatores para estabelecer a sua relação. É um método para analisar o grau de relacionamento para seqüências discretas. Seja um conjunto de observações {x0(o), x1(o), ..., xm(o)}, onde x0(o) é uma observação referencial e x1(o), x2(o), ..., xm(o) são observações originais a serem comparadas. Cada observação xi possui n medidas que são descritas sob a forma de séries xi(o) = {xi(o)(k), ..., xm(o)(n)}, onde cada componente dessa série, antes de qualquer operação, é normalizado da forma a seguir. Se quanto maior melhor (equação 2). para i: 0..m, k: 1..n (2) para i: 0..m, k: 1..n (3) Se quanto menor melhor (equação 3). Onde: xi′(k ) é o valor normalizado de uma medida k para uma observação (o) original xi . A série cujos atributos normalizados são os melhores possíveis e representa o estado desejado para qualquer série é representada por x0, sendo os valores da mesma igualados a 1. Essa é uma abordagem que propõe um contorno para os muitos casos em que a medida de referência não é facilmente encontrada ou difícil de ser calculada. Após a normalização dos dados de cada série, calculam-se os coeficientes relacionais grey γ (equação 4). Melhoria da Ecoeficiência no Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos 169 (4) Onde ζ ∈ [0,1] assume, em geral, o valor 0,5, sendo útil somente para diferenciar os elementos da série e não influenciando na ordenação final das séries (Deng, 1989). Segundo Wen (2004), dentro do intervalo de ζ, pode-se atribuir qualquer valor entre 0 e 1, mas usualmente adota-se 0,5. É possível demonstrar que a mudança no valor de ζ não altera o ranking dos graus de relacionamento grey (Zuo, 1995). Se o valor de ζ for próximo de zero, haverá um maior distanciamento das alternativas em termos de desempenho, porém, a ordem de desempenho não mudará. Se o valor de ζ se aproximar de 1, as distâncias entre as alternativas diminuirá, não alterando a ordenação das mesmas quanto ao desempenho. Os coeficientes relacionais expressam a similaridade entre as respectivas medidas associadas à série padrão e às séries comparativas e refletem o quanto cada uma está distante de sua respectiva na série padrão. Depois de estabelecidos os coeficientes relacionais grey, é necessário que se estabeleçam os graus de relacionamento grey (Γi) para cada série (Deng, 1989), conforme equação 5, que é a média aritmética simples dos coeficientes relacionais grey para cada alternativa. (5) Onde βk é o peso de cada atributo e . 4. Desenvolvimento Para o desenvolvimento deste artigo foi realizado um estudo de caso que compara o desempenho dos modos de transporte no cenário atual e posteriormente o desempenho do modo rodoviário com a implementação de ações de melhoria de ecoeficiência. 170 Transporte em Transformação XVI 4.1 Estudo de caso Propõe-se a escolha entre os vários modos de transportes e suas combinações utilizadas para o etanol produzido na região centro-sul do Brasil e que se destina à exportação. A partir de TRANSPETRO (2008) identificou-se a rede para transporte do etanol e as alternativas modais (figura 2) onde se encontram os terminais existentes e projetados, a hidrovia Tietê-Paraná e o projeto do alcoolduto que liga Senador Canedo em Goiás ao Porto de São Sebastião em São Paulo. Foram consideradas as redes ferroviária e rodoviária atuais, com base em ANTT (2008). Para exportação considera-se o porto de São Sebastião, pois possui um terminal da TRANSPETRO e deverá ser o principal terminal exportador de etanol (Rodrigues, 2007). Notas: Veículos rodoviários bitrem tanque com capacidade para 45m3. Composição ferroviária com 100 vagões-tanque com capacidade de 103m3 cada. Comboio hidroviário com 4 chatas com capacidade de 1270m3 cada. Alcoolduto com capacidade de 33.000m3/dia. Fonte: Elaborado pelo autor a partir de Rodrigues (2007), Odebrecht (2007), CETESB (2009) Lopes e Ferreira (2004), TRANSPETRO (2008a), ANTT (2008) Figura 2: Rede para escoamento de etanol do centro-sul do Brasil para exportação Melhoria da Ecoeficiência no Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos 171 Para aplicação o ponto de origem é a cidade de Turvelândia – GO, que está entre as 10 maiores produtoras de etanol do Brasil (Rodrigues; 2007). Sua escolha se deve à posição geográfica que permite a utilização das várias alternativas modais para aplicar o MEM. Foi estabelecido que todo o etanol produzido é coletado via modo rodoviário até a chegada em um terminal da rede apresentada, por ser a prática adotada pela maioria dos produtores. O modo rodoviário é o mais utilizado para o transporte de etanol respondendo por 96% da movimentação (Rodrigues, 2007). Conforme prevê o MEM foram selecionados os aspectos, atributos e indicadores para o estabelecimento das medidas de acordo com Leal Jr e D’Agosto (2011) que foram calculadas conforme equação 1, sendo que como numerador foi utilizado o indicador receita de frete recebida pelos transportadores (em US$) e no denominador os indicadores de influência ambiental: (i) custo total de acidentes (em US$), (ii) consumo total de energia, (iii) emissão de gases de efeito estufa, (iv) emissão de poluentes atmosféricos e (v) óleo lubrificante descartado. Com base em Rodrigues (2007), Odebrecht (2007), CETESB (2008), Gama (2008), Lopes e Ferreira (2004) e TRANSPETRO (2008) foram obtidos dados para os indicadores e foram calculadas as medidas de ecoeficiência para cada alternativa, conforme tabela 1. Neste caso ainda não se consideram as ações de melhoria da ecoeficiência no transporte rodoviário. 172 Transporte em Transformação XVI Tabela 1: Medidas de ecoeficiência Indicadores Medidas M1 M2 M3 M4 M5 RFR [US$] CTA [US$] RFR [US$] CTE [MJ] RFR [US$] CO2E [kg] RFR [US$] PAE [g] RFR [US$] QOMD [l] RFR/CTA [Adimensional] RFR/CTE [US$/MJ] RFR/CO2E [US$/kg] RFR/PAE [US$/g] RFR/QOMD [US$/l] (0) (0) (0) (0) (0) Alternativas x (1) x (2) x (3) x (4) x (5) A1 32,03 0,19 3,49 41,27 5404,63 A2 50,17 0,06 0,82 10,38 1272,26 A3 107,07 0,12 1,70 20,70 2401,47 A4 103,90 0,14 1,98 23,81 2733,34 A5 73,12 0,16 2,30 28,14 2214,44 A6 97,30 0,10 1,37 17,18 1633,57 A7 121,37 0,16 2,21 26,77 2630,57 A8 124,14 0,13 1,83 22,51 2307,42 A9 82,21 0,15 2,12 25,42 2941,54 A10 x0(0)(j) 97,74 0,11 1,56 19,19 2251,63 124,14 0,19 3,49 41,27 5404,63 i i i i i Indicadores de performance: RFR – Receita de Frete Recebida; CTA – Custo total de acidentes; CTE – Consumo total de energia; CO2E – Emissão de dióxido de carbono; PAE – Poluentes Atmosféricos Emitidos; QOMP –Quantidade de óleo de motor descartado. 4.2 Desempenho dos modos de transportes Para a normalização da tabela 1 utilizou-se a equação 2, pois todas as medidas adotas prevêem que quanto maiores forem os resultados das medidas melhor será a ecoeficiência para o sistema. Considerou-se as séries normalizadas, x`i(k), com i = 0,...,10 e k = 1,...,5, como sendo representantes das alternativas i e de suas medidas de ecoeficência k. Para se estabelecer uma hierarquia entre as séries calcula-se os coeficientes relacionais, por meio da equação 4 admitindo ζ = 0,5 e o grau de relacionamento grey (equação 5). Para esta aplicação considerou-se pesos iguais para todas as medidas. A Figura 3 apresenta o resultado da aplicação da técnica, já considerando a hierarquia das alternativas. Melhoria da Ecoeficiência no Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos 173 Figura 3: Classificação das alternativas de transporte Graus de relacionamento grey Desempenho das alternativas 1,00 0,90 0,80 0,70 0,60 0,50 0,40 0,30 0,20 0,10 0,00 Ecoef iciência Superior Ecoef iciência Moderada Ecoef iciência Inf erior A1 A7 A8 A4 A5 A9 A3 A10 A6 A2 Observando a figura 3 constata-se o pior desempenho em termos de ecoeficiência da alternativa que utiliza o transporte rodoviário (A2). 4.3 Ações de melhoria da ecoeficiência no transporte rodoviário de cargas No caso de melhoria no desempenho de A2, considerou-se inicialmente apenas a utilização de biodiesel (B100) proveniente de soja em uma frota dedicada ao transporte de etanol. A Tabela 2 mostra que, com a utilização desse combustível, é possível a redução da emissão de CO2 e dos poluentes atmosféricos, com exceção do NOx, que apresenta um aumento de aproximadamente 10%. Tabela 2: Alterações nas emissões de poluentes atmosféricos e CO2 com a utilização de biodiesel proveniente de soja Fonte(1) NOx MP SOx CO CO2 13,0% -50,0% -98,0% -78,0% -32,0% -100,0% -78,5% USDA and USDOE (1998) 8,9% -68,1% -100,0% -46,2% -78,5% Pacific Biodiesel (2000) 10,0% -68,0% -67,0% Oliveira e Costa (2001) Silva (2007) EPA (2002) 10,0% -47,0% -100,0% -48,0% Média 10,5% -53,0% -99,5% -53,7% -78,3% Nota: (1) todas as fontes tratam de B100 e biodiesel à base de soja. Fonte: Elaboração Própria (2011) 174 Transporte em Transformação XVI Observa-se que todas as fontes consultadas tratam de B100 de rota metílica. Uma parte do CO2 não é evitada (só reduz 78%), pois ele utiliza metanol produzido por craqueamento do carvão ou por síntese do gás natural. A redução do enxofre aparece como 100% em três das quatro fontes utilizadas. Os 2% a menos de enxofre citados por Oliveira e Costa (2001) podem estar relacionados a resíduo de catalisador ou a metanol (ruim) de carvão, que contém muito enxofre. Como o biodiesel é éster (oxigenado) e não hidrocarboneto (como é o diesel) há uma tendência da queima oxidar melhor o CO, gerando menos CO e mais CO2. Esse último é 78% de origem vegetal (óleo de soja), logo não contribui tanto quanto o óleo diesel para o efeito estufa (aquecimento global). Por oxidar melhor os resíduos da combustão e não conter enxofre há uma tendência de redução de MP. Por ser de um único tipo de óleo (soja) e ser produzido na mesma rota (metílica), esse combustível tende a apresentar uma composição homogênea entre as experiências, o que possibilita a sua comparação. Aplicando as alterações nos poluentes e nos gases em A2, observa-se uma melhoria de desempenho nessa alternativa. O grau de relacionamento grey passa de 0,34 para 0,48, saindo do último lugar em desempenho para a oitava posição no ranking. Outras ações individuais, como redução nos acidentes, redução no consumo de energia e aumento de receita, foram utilizadas sendo a que mais se destacou individualmente foi a utilização do biodiesel. Considerando um transportador rodoviário que possa ter uma frota mais eficiente, foi avaliada a adoção dessas ações em conjunto, considerando as seguintes alterações: utilização de biodiesel (B100), aumento de 3% na receita (de forma que esta se iguala à alternativa de maior receita – A10) e redução no índice de acidentes, tomando-se como referência o Pacto Rodoviário Mineiro que prevê a redução de 40% nos índices de acidentes com veículos de carga no Estado de Minas Gerais (Pamcary, 2010). Com essas ações apenas em A2 tem-se novos valores das respectivas medidas conforme tabela 3. Melhoria da Ecoeficiência no Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos 175 Tabela 3: Medidas de ecoeficiência com a implementação de ações de ecoeficiência Indicadores Medidas M1 M2 M3 M4 M5 RFR [US$] CTA [US$] RFR [US$] CTE [MJ] RFR [US$] CO2E [kg] RFR [US$] PAE [g] RFR [US$] QOMD [l] RFR/CTA [Adimensional] RFR/CTE [US$/MJ] RFR/CO2E [US$/kg] RFR/PAE [US$/g] RFR/QOMD [US$/l] (0) (0) (0) (0) (0) Alternativas x (1) x (2) x (3) x (4) x (5) A1 32,03 0,19 3,49 41,27 5404,63 A2 86,12 0,06 3,85 17,83 1310,42 A3 107,07 0,12 1,70 20,70 2401,47 A4 103,90 0,14 1,98 23,81 2733,34 i i i i i A5 73,12 0,16 2,30 28,14 2214,44 A6 97,30 0,10 1,37 17,18 1633,57 A7 121,37 0,16 2,21 26,77 2630,57 A8 124,14 0,13 1,83 22,51 2307,42 A9 82,21 0,15 2,12 25,42 2941,54 A10 x0(0)(j) 97,74 0,11 1,56 19,19 2251,63 124,14 0,19 3,49 41,27 5404,63 Indicadores de performance: RFR – Receita de Frete Recebida; CTA – Custo total de acidentes; CTE – Consumo total de energia; CO2E – Emissão de dióxido de carbono; PAE – Poluentes Atmosféricos Emitidos; QOMP –Quantidade de óleo de motor descartado. Os resultados da aplicação do MEM e GRA com os novos valores dos indicadores, proveniente da implementação de ações de melhoria da ecoeficiência estão na Figura 4. 176 Transporte em Transformação XVI Graus de relacionamento grey Desempenho das alternativas com melhorias em A2 Ecoef iciência Superior 0,90 0,80 0,70 Ecoef iciência Moderada 0,60 0,50 0,40 Ecoef iciência Inf erior 0,30 0,20 0,10 0,00 A1 A7 A8 A2 A4 A5 A9 A3 A10 A6 Figura 4: Desempenho das alternativas com a adoção de ações para melhoria de A2 Analisando a Figura 4, é possível constatar uma melhoria no desempenho de A2, que saltou do último lugar na avaliação original para o quarto lugar, tendo o desempenho muito próximo de A7 e A8. 5. Conclusão Os resultados mostram que mesmo a alternativa de pior desempenho pode ser melhorada se ações relacionadas à gestão (redução de acidentes e aumento de receita) ou melhoria de tecnologia (adoção do B100) forem implementadas. Observa-se que as ações propostas são factíveis de adoção, cabendo aos transportadores, governo e embarcadores realizarem parcerias para viabilização das mesmas. Cita-se, por exemplo, um grupo investidor que queira desenvolver uma transportadora com as características de melhorias simuladas para competir no mercado de transporte de etanol. Seria possível testar também a inclusão de redução de consumo de óleo lubrificante com melhoria de manutenção e também redução no consumo de energia para aumentar o desempenho, o que não foi feito neste trabalho por falta de dados adequados. A melhoria de desempenho do modo rodoviário poderia ser potencializada, considerando que essa alternativa é a que possui menor número de transbordo, o que corresponde a menor tempo de percurso e possibilita melhor atendimento ao cliente que valoriza esse atributo. Melhoria da Ecoeficiência no Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos 177 Existem algumas limitações no trabalho relacionadas aos dados utilizados, sendo a maioria levantada por meio de estimativas. Outra limitação refere-se a quantidade de biodiesel disponível no mercado que pode, atualmente, ainda não ser suficiente para utilização do B100. Como proposição para novos estudos recomenda-se a implementação de ações como melhoria nos veículos para redução do consumo de energia. Poderiam ser utilizados outros indicadores e medidas incluindo outras influências ambientais não contempladas neste estudo. Por fim, a utilização da análise relacional grey com a utilização de pesos nas medidas poderia trazer outros resultados na avaliação, representando a realidade de um grupo decisor. Referências Bibliográficas Antoniolli, P. D. (2003) Medidas de Desempenho em Gerenciamento da Cadeia deSuprimentos. Anais do XXIII Encontro Nacional de Engenharia de Produção, Ouro Preto, Minas Gerais: ABEPRO. 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Ilton Curty Leal Junior ([email protected]); Marciod e Almeida D’Agosto ([email protected]. ufrj.br) Programa de Engenharia de Transportes, COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Tecnologia Bloco H - Sala 106 Cidade Universitária - RJ – Brasil - CEP 21949-900 Uma Proposta de Modelagem da Matriz OD Sintética a Partir dos Fluxos de Tráfego Observados nas Interseções 9 Bruno Vieira Bertoncini Eiji Kawamoto Universidade de São Paulo Escola de Engenharia de São Carlos Departamento de Engenharia de Transportes Resumo O objetivo deste trabalho é propor e verificar a hipótese de que a contagem de tráfego nas interseções da rede de transportes, ao invés de contagem de tráfego nos arcos, reduz o grau de indeterminação e torna mais precisa a matriz OD estimada pelo modelo sintético. Após detalhamento da proposta, foram realizados testes experimentais a fim de comprovar a hipótese formulada. TransCAD foi o software comercial usado na realização de testes. A principal conclusão foi que a matriz obtida ao considerar contagem de tráfego nas interseções apresenta melhor desempenho que a matriz obtida ao considerar contagens apenas nos arcos. 180 Transporte em Transformação XVI Abstract The aim of this work is to propose and verify the hypothesis that traffic counts collected at network intersections, instead of traffic counts collected on network links, reduce indeterminacy and make more accurate the OD matrix estimated by the synthetic model. After describing the method, experiments were carried out in order to verify the hypothesis. TransCAD was the commercial software used to perform the tests. The main conclusion was that the OD matrix estimation based on traffic counts collected at network intersections presents a better performance in contrast to the estimation based on traffic counts collected on network links. 1. Introdução A modelagem da matriz origem-destino (OD) a partir das contagens de tráfego é uma alternativa ao método tradicional de modelagem da demanda, tem o intuito de reduzir custos de coleta de dados em entrevistas domiciliares e superar dificuldades inerentes à obtenção de uma matriz representativa do comportamento das viagens. Este problema pode ser interpretado como inverso das técnicas de alocação de tráfego, quando se busca reconstituir um conjunto de fluxos entre pares de zonas OD que, uma vez alocados na rede, reproduzam os volumes observados nos seus arcos. Todavia, Willumsen (1981) chama atenção para o fato de que os dados de fluxos observados em campo além de serem normalmente inconsistentes, apresentam também algum grau de dependência entre si, com algumas contagens se tornando redundantes, sem acrescentar informação para a obtenção da matriz OD sintética. Ademais, o principal desafio teórico para a solução do problema da reconstrução da matriz OD sintética em contextos reais diz respeito ao fato de o número de viagens OD ser normalmente bastante superior ao número de arcos com volumes conhecidos, tornando o sistema de equações sub-especificado, isto é, constituindo um problema indeterminado. Em suma, na prática não é possível determinar apenas uma matriz OD somente com base em dados de contagem de tráfego nos arcos. Timms (2001) elenca os seguintes tipos de informação adicional normalmente utilizada na obtenção de matrizes sintéticas: a) matriz antiga; b) matrizes parciais obtidas, por exemplo, a partir de pesquisas de placas; c) contagens diretas de fluxos entre pares OD; d) contagens dos totais de viagens entrando e saindo de cada zona; e) modelos que expliquem o comportamento da demanda, do tipo gravitacional, de escolha Uma Proposta de Modelagem da Matriz OD Sintética a Partir dos Fluxos de Tráfego Observados nas Interseções 181 modal ou de demanda direta. Portanto, como definido por Cascetta e Nguyen (1988), o objetivo na formulação deve ser obter a matriz OD de viagens por meio da combinação eficiente dos dados de contagem de tráfego nos arcos e de toda e qualquer outra informação a priori disponível, ou ainda partindo de suposições sobre o comportamento dos usuários (modelagem). Mas a obtenção de informações adicionais geram custos, inerentes a coleta de dados, e o uso de matrizes semente constitui uma realidade distante para a grande maioria dos planejadores e municípios brasileiros. Reduzir a indeterminação do problema da modelagem sintética é um desafio e quando resolvido possibilitará a reconstrução de uma matriz OD com qualidade. A questão que se levanta é como contornar esse problema sem fazer uso de procedimentos de coleta de dados, que não sejam contagens de tráfego, ou uso de matrizes conhecidas a priori, difíceis de serem obtidas e que estão longe da realidade do planejamento. Assim, o objetivo do trabalho é propor e verificar a hipótese de que contagem de tráfego nas interseções da rede de transportes, ao invés de contagem de tráfego nos arcos, reduz o grau de indeterminação e torna mais precisa a modelagem da matriz OD sintética. Como objetivos específicos e a correspondente organização no texto têm-se: (i) apresentar as considerações da literatura sobre uso de informação adicional na modelagem da matriz OD sintética (item 2); (ii) demonstrar matematicamente a ideia proposta pelo presente trabalho (item 3); (ii) verificar a possibilidade de a mesma ser utilizada por um modelo de reconstrução da matriz OD sintética que possua aplicação comercial (item 3 e 4); (iii) testar a proposta através de um experimento controlado (item 4); (iv) verificar os efeitos causados pelo número de interseções com contagem (item 4); (v) analisar a eficiência da proposta em função dos resultados obtidos (item 4); e (vi) obter conclusões e questões que motivem surgimento de novas pesquisas (item 5). A hipótese de partida é que, ao considerar os fluxos observados nas interseções, será possível aumentar a quantidade de informações, o que poderá reduzir a indeterminação e os erros, contribuindo para a obtenção da matriz OD sintética mais precisa, em comparação com a obtida considerando apenas contagens nos arcos. 2. Informação Adicional na Modelagem da Matriz OD Sintética Van Zuylen (1978) foi o primeiro a reconhecer que apenas contagens de tráfego nos arcos não seriam suficientes para obter a matriz OD, que seria necessário 182 Transporte em Transformação XVI inserir um mínimo de informação adicional. A saída, proposta por Van Zuylen, foi considerar a probabilidade de ocorrer uma viagem entre o par OD ij, informação essa que estaria acessível desde que se dispusesse de uma matriz semente, uma matriz de viagens previamente conhecida. Em 1980, Van Zuylen e Willumsen propuseram um modelo de reconstrução baseado na maximização da entropia e no uso da minimização da informação. Nielsen (1993), seguindo esta linha, incorporou no método um termo referente à expectativa da demanda, calculada a partir da informação contida em uma matriz OD semente e este modelo está implementado no TransCAD. Em 1999, Paramahamsan apresenta um comparativo entre modelagens que não consideram matriz semente, com as que consideram. De acordo com Paramahamsan, ao informar os valores prévios de uma viagem, o número de respostas possíveis capazes de satisfazer as restrições reduz, aumentando a probabilidade de a resposta obtida estar correta. O uso de matriz OD conhecida a priori é notoriamente a principal fonte de informação adicional na modelagem sintética da matriz OD. No entanto, Van Zuylen e Willumsen (1980) utilizaram contagens de tráfego nas interseções como fonte de informação adicional para corrigir o problema da falta de continuidade volumétrica nos nós, ou seja, garantir a manutenção da lei de Kirchoff, fluxos que entram em um nó, devem ser iguais aos que saem, desde que este nó seja apenas de passagem. Porém, na proposta de Van Zuylen e Willumsen os volumes contados na interseção não foram utilizados diretamente como fonte de informação adicional à reconstrução da matriz sintética, serviram para corrigir falhas nos dados de entrada. Hellinga (1994) propôs estimar viagens levando em consideração a manutenção da conservação dos volumes nos nós, baseado na proposta de Van Zuylen e Willumsen. A diferença é que Hellinga utilizou os volumes contados nas interseções para reconstruir a matriz OD. Para tal, bastaria saber a quantidade de fluxo que entra em cada arco, bem como a porcentagem de conversão. Aplicando essa ideia a todas as interseções, seria possível determinar a matriz de viagens, com a vantagem de não utilizar técnicas de alocação para definir as rotas de viagem. De acordo com Hellinga, se a continuidade existir, existirá ao menos uma solução exata. Ainda assim, continua sendo um problema em que o número de incógnitas é superior ao de informações. O modelo de Hellinga foi desenvolvido e testado considerando uma via arterial, com poucas entradas e saídas. A aplicação do método seria inviável para redes de grande porte com formato de grelha. Alibabai e Mahmassani (2008) propuseram um método para estimação da matriz OD dinâmica, baseado na alocação dinâmica do tráfego. O método consiste Uma Proposta de Modelagem da Matriz OD Sintética a Partir dos Fluxos de Tráfego Observados nas Interseções 183 em um processo iterativo bi-nível (1º nível alocação e 2º reconstrução da matriz), cuja principal proposta seria minimizar a função objetivo ponderada entre a diferença quadrática do volume alocado e do volume observado, e a diferença entre matriz OD reconstruída e matriz OD semente. Para alocar o volume, o método leva em consideração a manutenção dos percentuais de conversão observados em campo. A crítica que se faz à proposta é que os pesos da função objetivo ponderada tem maior incidência na demanda, fazendo com que o aumento na diferença entre demandas favoreça o resultado. Somado a isso, a função objetivo não foi formulada de acordo com um conjunto de restrições, o que cria o problema de saber se a matriz reconstruída é, de fato, a esperada. Ademais, o método é condicionado ao conhecimento de uma matriz OD semente. As propostas de Hellinga (1994) e Alibabai e Mahmassani (2008) não surtiram o efeito esperado. Via de regra, os volumes de conversão ainda não fazem parte diretamente do processo de reconstrução da matriz OD. Há ainda um paradigma de que volumes de conversão devem ser utilizados para corrigir os problemas da não continuidade volumétrica nas interseções, ou contribuir à escolha de rota, em que as proporções (taxas) de conversão em cada cruzamento são restrições a serem respeitadas no processo de alocação. Acredita-se que a utilização de informações referentes ao movimento de conversão no processo de reconstrução da matriz OD poderá trazer benefícios, entretanto alguns paradigmas devem ser quebrados, a começar por não limitar o uso deste tipo de informação apenas para garantir continuidade volumétrica nas interseções, ou que o produto da alocação seja condizente com as taxas de conversão observadas em campo. É preciso ter uma proposta menos limitada e que incida diretamente no processo de reconstrução, como uma informação adicional ao problema. 3. Consideração dos Movimentos de Conversão na Modelagem da Matriz OD Sintética Conceitualmente, a proposta apresentada neste artigo é que os volumes contados nas aproximações de uma interseção, de acordo com seus respectivos movimentos, façam parte do conjunto de restrições de um processo para reconstrução da matriz OD sintética, aumentando o número de informações e, consequentemente, reduzindo a indeterminação. Neste item é apresentada a descrição da proposta deste trabalho. 184 Transporte em Transformação XVI Considere Rd (N,A) uma rede de transporte composta por um conjunto N de nós e um conjunto A de arcos orientados (com origem em no e final em nf). Considere também que Mz representa o conjunto de movimentos permitidos em uma aproximação (z) [Mz = (ez, rez, dz) – esquerda, reto, direita]. Dependendo da configuração da interseção, é possível haver 2, 3, 4, 5, ou mais aproximações em uma mesma interseção (nó). Na Figura 1 é apresentada a configuração de interseção tipo cruz, na qual é possível observar a representação do arco orientado a, do nó final, de uma aproximação z, qualquer, e os respectivos movimentos possíveis em z (Figura 1(b)). Figura 1: (a) Interseção tipo cruz; (b) Movimentos permitidos para aproximação z Seja N c ⊂ N o conjunto contendo nós cujos fluxos foram observados e o conjunto de fluxos observados no nó , conforme o movimento por aproximação (Mz ) e V = (Vn ) o conjunto de todos os Vn. Os fluxos observados contidos no conjunto V serão alocados a “arcos virtuais”, criados exclusivamente para essa função. De acordo com Martin (1995), Glover et al (1977) propuseram o uso de nós e arcos artificiais para facilitar a obtenção de respostas da programação linear desenvolvida para estimar os fluxos de conversão Uma Proposta de Modelagem da Matriz OD Sintética a Partir dos Fluxos de Tráfego Observados nas Interseções 185 em interseções: tal informação seria utilizada para controle de tráfego. Os nós e arcos artificiais servem para dar suporte a alguma função a ser desempenhada e não interferem no comportamento da rede; vale mencionar que para Glover et al (1977) a capacidade desses arcos seria infinita. A ideia, no presente trabalho, ao fazer uso de “arcos virtuais” é possibilitar a inclusão das contagens nos nós em um programa, ou método, para reconstrução de matriz de viagem que foi desenvolvido exclusivamente para contagens nos arcos. Portanto haverá um “arco virtual” para receber o fluxo de determinada aproximação, representando o movimento permitido e cuja contagem foi realizada. Assim, L = (av1, av2,...,avn ) é o conjunto de arcos virtuais que receberão os fluxos observados conforme movimento. Como recurso auxiliar, será criado o conjunto Y = (I1, I2, ..., In ) de nós auxiliares que darão a direção de cada arco pertencente a L. Assim, um “arco virtual” com origem no nó auxiliar k e final no nó auxiliar m é definido como avn(Ik , Im ) mas um “arco virtual” também pode ter como origem um nó real e terminar em um “nó virtual”, ou vice-versa. Dessa forma, O representa o conjunto de todos os arcos da rede R (reais e virtuais), tal que O ≡ ( A; L) . Conhecidos os valores dos fluxos observados nos arcos (a) pertencentes ao conjunto O da rede e as rotas utilizadas para as viagens, é válido afirmar que a relação entre as demandas que utilizam um dado arco e o volume de é expressa pela Equação (1). Que é a restrição tráfego observado neste arco da grande maioria dos métodos de reconstrução da matriz OD sintética, tido como a chave do problema (Willumsen, 1981). a ∈ O (1) Pode-se afirmar que o volume de tráfego que passa pelo arco a ∈ A , com nó inicial no e final nf , é dado pela soma dos fluxos observados na aproximação z, que o arco a faz ao nó nf ϵV, conforme ilustrado na Figura 1 (a) e (b), matematicamente expresso pela Equação (2). (2) Os fluxos Tij podem ser recuperados pelo princípio da maximização da entropia, bastando obter a solução para o problema de maximização do tipo: 186 Transporte em Transformação XVI Maximizar , sujeito a (1) (3) O uso da maximização da entropia consiste apenas em uma sugestão para o método de otimização, qualquer modelo matemático proposto para recuperar a matriz OD sintética pode ser utilizado em conjunto com a ideia apresentada neste trabalho, desde que tenha (1), ou suas derivações, como restrição do problema. Em suma, a ideia é aumentar o número de restrições (Equação (1)) devido ao aumento de informações provenientes das contagens. Teoricamente as vantagens da proposta são: (i) aumento na quantidade de informação de fluxo; (ii) possibilidade de ser utilizada por qualquer programa comercial de modelagem da matriz OD sintética. 4. Verificação da Proposta Por ser inócuo desenvolver um experimento amparado em uma situação real, que não permitiria inferir se possíveis erros são provenientes dos dados de entrada ou do método empregado, optou-se por verificar a proposta utilizando um experimento hipotético, o qual permite controle sobre os dados de entrada. A rede hipotética é constituída de 9 nós (todos origem e destino) conectados entre si por 24 arcos orientados, conforme ilustrada na Figura 2 (a). Essa rede é carregada com uma matriz OD, denominada “real” (Figura 2 (b)), adotada sem nenhum critério específico e que possui dois objetivos: (i) fornecer as contagens de tráfego, equivalentes a uma contagem in loco, obtidas a partir da alocação da matriz “real” à rede, pelo método do equilíbrio do usuário; (ii) servir de referência na comparação dos resultados obtidos, permitindo assim mensurar os erros resultantes. Cada arco da presente rede tem associado uma função matemática para cálculo do tempo de viagem, único custo para utilização dos arcos, expressa conforme BPR (1964), com parâmetros α = 0,15 e β = 4. O resultado da alocação é apontado ao lado dos respectivos arcos na Figura 2 (a) como Vobs, uma vez que o fluxo resultante da alocação em um arco será considerado o volume observado naquele arco para efeito de reconstrução da matriz OD. O problema da modelagem da matriz OD sintética da rede hipotética apresentada na Figura 2 (a) possui, no mínimo, 72 incógnitas, caso apenas uma possibilidade de Uma Proposta de Modelagem da Matriz OD Sintética a Partir dos Fluxos de Tráfego Observados nas Interseções 187 caminho entre cada par OD seja considerada, e, no máximo, 605 incógnitas, caso considere todas as possibilidades de caminho entre os pares OD. Por outro lado, é possível obter no máximo 24 informações de fluxo provenientes das contagens nos arcos. Como o número de incógnitas é maior que o de informações, não há garantias que a matriz obtida seja igual à original (matriz “real”). A expectativa é que ela se acerque da “real” à medida que se aumenta o número de informações adicionais. E é neste ponto que consiste esta verificação. A modelagem da matriz origem-destino foi obtida utilizando o TransCAD (TCD) (Caliper, 2005), que tem implementado o método de Nielsen (1993), considerando técnica de alocação de equilíbrio do usuário. Este programa tem sua modelagem vinculada ao fornecimento de uma matriz OD semente, assim dois tipos de matriz OD semente foram utilizadas: (I) matriz semente binária: equivalente a situação em que não é fornecida matriz semente, ou seja, todas as viagens têm a mesma probabilidade de ocorrer. Neste caso, viagens intrazonais recebem valor 0 e as viagens interzonais recebem valor 1, lembrando que o modelo sintético parte do pressuposto de que não existem viagens intrazonais (Willumsen, 1981); e (II) matriz semente equivalente a 70% da matriz OD “real” (denominada S70): situação idealizada e bastante favorável, em que a probabilidade de ocorrer uma viagem de i para j, dada pela matriz OD semente, é igual à da matriz “real”. A escolha do TCD deve-se a dois motivos: (i) Timms (2001) afirma que este programa apresenta bom desempenho na modelagem da matriz OD sintética; (ii) permite reconstruir a matriz OD a partir da informação das taxas de conversão ao final de cada arco, de forma a contribuir com a escolha da rota, fazendo com que esses percentuais sejam respeitados no processo de alocação e isso permitirá uma comparação com a ideia do presente trabalho. Assim quatro cenários foram simulados: Cenário 1: representa a situação em que contagens são realizadas apenas nos arcos da rede viária. Representa a situação usual na modelagem da matriz OD sintética, em que as contagens de tráfego são obtidas apenas nas seções de via; Cenário 2: ilustrado na Figura 3 (a), considera inserção de informação adicional, proveniente da contagem de tráfego nos nós. Neste caso a contagem de tráfego foi realizada no nó 5, que possui maior indeterminação (66% das viagens OD possuem rotas que contém este nó). Serão adicionadas 16 informações não redundantes provenientes da contagem nos nós e a rede passará a ter 40 informações não redundantes, o que diminui o grau de indeterminação. Foram inseridos, de acordo com a proposta, 16 “arcos virtuais”, cuja impedância seria igual a 10-15 u.t. 188 Transporte em Transformação XVI (unidades de tempo), para não interferir na escolha da rota, pois os mesmos não integram de fato a rede; Cenário 3: Neste cenário as contagens ocorreram em todos os nós da rede viária e é representado na Figura 3 (b). É a situação em que pode ser obtida a maior quantidade de informação não redundante relativa a volume de tráfego, ao todo 64 informações; Cenário 4: serão atribuídos a todos os arcos os percentuais de conversão, que serão utilizados pelo TCD no processo de alocação/escolha da rota, mostrando com isso as diferenças entre as abordagens. 4.1 Análise de sensibilidade da matriz OD sintética em relação a “real” A análise de sensibilidade será descrita por cenário, ao final uma discussão, com a comparação entre os quatro cenários será apresentada. l Cenário 1: A Figura 4 apresenta os diagramas de dispersão entre viagens sintéticas e viagens “reais”. O total de viagens sintéticas obtidas pelo TransCAD resultou, ao fornecer matriz semente binária, em 25.818 viagens e ao fornecer matriz semente S70 o total de viagens geradas foi 23.177 (0,1% de viagens a mais que o total “real”). Dentre as modelagens propostas para o Cenário 1, a obtida com matriz semente S70 foi menos dispersa, ainda assim um R2 abaixo de 0,8, mesmo com matriz semente altamente representativa. Ao considerar uma matriz semente não representativa, os resultados do TransCAD foram fracos, uma alta dispersão pode ser observada. A diferença absoluta média, dada pela razão entre a somatória total das diferenças absolutas entre viagens sintética e “real”, e o número total de viagens “reais”, foi igual a 52% para os valores gerados com semente binária e 12% com semente S70. O desempenho apontado no Cenário 1 reflete a atual modelagem da matriz OD sintética, com resultados fracos mesmo em situações bastante favoráveis, como no caso de se conhecer uma matriz OD semente como S70. Uma Proposta de Modelagem da Matriz OD Sintética a Partir dos Fluxos de Tráfego Observados nas Interseções l 189 Cenário 2: Foram inseridas 16 informações adicionais de contagens de tráfego, o total de viagens sintéticas resultou, ao fornecer matriz semente binária, em 24.270 viagens e ao fornecer matriz semente S70 o total de viagens geradas foi 23.034. Em comparação com o Cenário 1, houve uma redução nos totais de viagens geradas, sendo que com semente binária os totais de viagens geradas se aproximaram do total “real”, porém a distribuição, apesar da melhora em comparação com Cenário 1, continuou ruim. A Figura 5 apresenta os diagramas de dispersão entre as viagens estimadas e as viagens “reais”. Novamente a modelagem obtida pelo TransCAD com semente S70 apresentou menor dispersão, desta vez R2 aumentou, sendo próximo de 0,9, consequentemente os resultados estão menos dispersos em comparação aos valores “reais” de viagem. Na situação de semente binária houve aumento do valor de R2, indicando que a incorporação das contagens nos nós trouxe benefícios aos resultados. Os aumentos foram consideráveis, ainda que o valor bruto de R2 continue baixo, mas o desempenho do TransCAD com matriz semente binária continua ruim, com diferença absoluta média foi igual a 37% para os valores gerados pelo TransCAD com semente binária e 10% com semente S70, corroborando com a análise da dispersão. 190 Transporte em Transformação XVI l Cenário 3: Figura 2: (a) Rede de transportes hipotética; (b) Matriz OD que demanda a rede Após inserir 40 informações adicionais de contagens de tráfego, máximo possível para esta rede, o total de viagens sintéticas resultou, ao fornecer matriz semente binária, em 22.225 viagens e ao fornecer matriz semente S70 o total de viagens geradas foi 23.390. A Figura 6 apresenta os diagramas de dispersão entre as viagens estimadas e as viagens “reais”. O melhor desempenho, em termos de dispersão, continua sendo com semente S70, desta vez R2 foi 0,94. O desempenho com matriz semente binária continua fraco, mas o valor de R2 aumentou, indicando diminuição do erro entre os valores sintéticos e os valores “reais”. A diferença absoluta média foi igual 17% para os valores gerados pelo TransCAD com semente binária e 7% com semente S70. À medida que aumentou o número de informações de tráfego, provenientes das contagens nas interseções, as matrizes OD sintéticas obtidas apresentaram melhorias em seus resultados. Vale ressaltar que o incremento no número de Uma Proposta de Modelagem da Matriz OD Sintética a Partir dos Fluxos de Tráfego Observados nas Interseções 191 informações de volume de tráfego não implicou na realização de pesquisas complementares, como ocorreria se fosse utilizada matriz semente como informação adicional. A proposta também não implicou desenvolvimento de um novo modelo de reconstrução, ou acréscimo no tempo para geração dos resultados. O único artifício utilizado, que possibilitou aplicar a proposta no TransCAD, foi criar “arcos virtuais” que receberiam os volumes contados em cada aproximação de acordo com o movimento de conversão. Pode-se dizer que mesmo sem matriz semente, a consideração das contagens nos nós trará benefícios ao processo de modelagem da matriz OD sintética, ainda que seja realizada contagem apenas na interseção com maior indeterminação. Figura 3: (a) Rede hipotética Cenário 1; (b) Rede hipotética Cenário 2 192 Transporte em Transformação XVI l Cenário 4: O uso de informação das taxas de conversão em todas as interseções possibilitou a obtenção de resultados melhores que os apresentados quando considerou apenas contagens nos arcos (Cenário 1). Foram geradas 6,7% de viagens a mais que o total “real”, para uma matriz semente binária, e 0,79% de viagens a menos que o total “real”, com semente S70. A Figura 7 apresenta os diagramas de dispersão entre as viagens estimadas e as viagens “reais”. O melhor desempenho, em termos de dispersão, continua sendo com semente S70, desta vez R2 foi 0,87. Ainda assim, o desempenho foi inferior ao obtido ao considerar as contagens em todas as interseções como integrantes do conjunto de restrição (Cenário 3), mostrando que a proposta deste artigo é mais eficiente que as considerações feitas, até então, a cerca dos movimentos de conversão na reconstrução da matriz OD sintética. Figura 4: Diagrama de dispersão Cenário 1- (a) TransCAD semente binária; (b) TransCAD semente S70 Uma Proposta de Modelagem da Matriz OD Sintética a Partir dos Fluxos de Tráfego Observados nas Interseções 193 Figura 5: Diagrama de dispersão Cenário 2 - (a) TransCAD semente binária; (b) TransCAD semente S70 Figura 6: Diagrama de dispersão Cenário 3 - (a) TransCAD semente binária; (b) TransCAD semente S70 194 Transporte em Transformação XVI Figura 7: Diagrama de dispersão Cenário 4 - (a) TransCAD semente binária; (b) TransCAD semente S70 5. Considerações Finais Os objetivos estabelecidos para este trabalho foram alcançados. A proposta de considerar contagens de tráfego nas interseções, com intuito de aumentar a quantidade de informação, foi apresentada e os resultados obtidos mostraramse satisfatórios, confirmando a hipótese estabelecida. Ainda assim, os resultados não possibilitaram recuperar a matriz OD original, pois, mesmo com aumento da quantidade de informação, o problema continua indeterminado. Os volumes observados servem como pontos de referência que moldam a resposta. Quanto mais pontos de referência maiores são as chances de o resultado obtido se acercar do real. Por isso a ideia de considerar os volumes observados nas interseções possibilitou a reconstrução de matrizes com menor quantidade de erros, em comparação a situação em que se empregam apenas contagens nos arcos. Idealmente seria interessante fazer contagens em todos os nós da rede em estudo, mas a opção de realizar contagens apenas no (s) ponto (s) com maior indeterminação (Cenário 2) é bastante interessante, pois permite a obtenção de resultados melhores, mesmo com matriz semente com pequena qualidade, que os obtidos pela técnica atualmente em uso. Uma Proposta de Modelagem da Matriz OD Sintética a Partir dos Fluxos de Tráfego Observados nas Interseções 195 A adoção dos “arcos virtuais” possibilitou a aplicação da proposta deste trabalho no TransCAD, que não foi desenvolvido considerando as contagens de tráfego nas interseções como integrantes do conjunto restrição. Assim, é esperado que tal artifício possibilite o uso da técnica por outros programas de reconstrução, uma vez que todos eles consideram volumes nos arcos como dados de entrada. Em relação ao TransCAD, largamente utilizado no planejamento de transportes, deve-se ter atenção quanto a qualidade da matriz semente fornecida, o artifício de usar uma matriz binária não se mostrou eficiente, embora o uso combinado com contagem nos nós trouxesse melhorias aos resultados, levando a crer que a alternativa proposta neste trabalho será de grande valia para o planejador que deseja modelar a matriz OD sintética e não dispõe de matriz semente de qualidade. O uso das taxas de conversão permitiu obter bons resultados, porém é muito mais prático e eficiente inserir os “arcos virtuais”. Cabe ressaltar que o estudo aqui apresentado constitui apenas um estudo de caso, serão necessárias mais verificações, como testes utilizando redes com outros tamanhos e configurações, matrizes de demanda variada e matrizes sementes que não guardem proporcionalidade direta com a “real”, para só então tecer generalizações. Ainda assim, pode-se afirmar que o método proposto consiste em uma mudança de paradigma na modelagem da matriz OD sintética. Acredita-se que a ideia defendida neste artigo poderá, futuramente, vir a contribuir, na prática, para o processo de reconstrução da matriz OD sintética. No entanto, há um longo caminho de estudos e análises até atingir este ponto. Espera-se, com este trabalho, ter trazido contribuições efetivas à reconstrução da matriz OD sintética, em especial àquelas situações que não dispõem de recursos adicionais como matriz OD semente. Agradecimentos Os autores agradecem à FAPESP pela concessão de bolsa de estudo de doutorado. Referências Bibliográficas Alibabai, H.; Mahmassani, H.S. (2008). Dynamic origin-destination demand estimation using turning movement counts. Transportation Research Record: Journal of the Transportation Research Board, n 2085. p 39-48. 196 Transporte em Transformação XVI Bureau of Public Roads - BPR (1964) Traffic Assignment Manual, Washington, DC, USA Caliper (2005) Travel Demand Modeling with TransCAD 4.8. Caliper Corporation, Newton, USA. Cascetta, E.; Nguyen, S. (1988) A unified framework for estimating or updating origin/destination matrices from traffic counts. Transportation Research Part B, v. 18, n. 6, p. 437-455. 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Escola de Engenharia de São Carlos – USP Departamento de Eng. de Transportes Av. Trabalhador Sãocarlense, 400, Centro CEP: 13566-590 – São Carlos, São Paulo, Brasil Fone/Fax: (016) 3373-9602 Mutabilidade nos Contratos de Arrendamento Operacional de Áreas e Instalações Portuárias de Uso Público 10 Luciana Carina Soares Costa Francisco Giusepe Donato Martins Carla Garcia Protásio Tribunal de Contas da União Resumo O contrato de arrendamento é o instrumento hábil para transferir à iniciativa privada a prestação das operações portuárias. A literatura indica que esses contratos são mais suscetíveis a alterações em comparação aos demais contratos firmados com a Administração Pública. Este artigo analisa, de forma exploratória, mudanças de regras em contratos de arrendamentos, especificamente sobre definição de objeto e ampliação de áreas e instalações portuárias de uso público. Os resultados encontrados inferem que esse instrumento tem natureza de contrato administrativo com regime jurídico de concessão e que ele rege operações portuárias com natureza jurídica de serviço público em regime de direito público. Suas cláusulas estão sujeitas a alterações em função de possível suplementação, aperfeiçoamento, modernização e ampliação de instalações. Essas alterações devem observar os princípios norteadores da prestação de serviço adequado, em especial, continuidade, generalidade e atualidade. 198 Transporte em Transformação XVI Abstract A leasing contract is a legal instrument to transfer port operations from state to private companies. Literature indicates that these contracts are more vulnerable to changes, compare to other contracts signed by the Public Administration. This article analyzes, in an exploratory way, rule changes in leasing contracts on port operations for public use, especially amendments on the object of the contract and the expansion of port public areas and facilities. The results indicate that this instrument is an administrative contract under a concession agreement. This contract rules public port operations and its clauses are subject to changes due further additions, expansions, modernization and improvement, characteristics inherent to the public service. This changes should observe the principles of proper service delivery, mainly continuity, generalization, and modernization. 1. Introdução A Constituição Federal de 1988 (CF/1988) aloca as atividades econômicas associadas aos portos, assim como outras atividades do setor de infraestrutura (energia, telecomunicações, transporte rodoviário e ferroviário), como sendo de competência da União e passíveis de serem explorados diretamente pelo Poder Público ou mediante autorização, permissão ou concessão. Estabelece, ainda, que a transferência da prestação de serviços públicos à iniciativa privada, ou seja, a desestatização, será realizada sob o regime de concessão ou permissão e sempre precedida de licitação, na forma da lei. A participação da iniciativa privada na oferta de serviços públicos marcou a transformação de um Estado provedor direto para um Estado regulador da prestação desses serviços por particulares, fato que tomou impulso a partir da década de 90 com a criação do Programa Nacional de Desestatização (PND), instituído pela Lei 8.031/1990. No âmbito do setor portuário, a Lei 8.630/1993 prevê a obrigatoriedade de licitação prévia à celebração de contratos de arrendamento de instalações portuárias de uso público restrita à área do porto organizado (Brasil, 1993). Para exercer o papel de órgão regulador do setor portuário foi criada, por meio da Lei 10.233/2001, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) que tem a competência legal de supervisionar e fiscalizar as atividades desenvolvidas pelas autoridades portuárias nos portos organizados (Brasil, 2001). Mutabilidade nos Contratos de Arrendamento Operacional de Áreas e Instalações Portuárias de Uso Público 199 A literatura apresenta várias obras que abordam aspectos relevantes do edital de licitação (Nóbrega, 2005), e tratam sobre os serviços públicos, a concessão e regulação dos serviços públicos delegados (Blanchet, 1999 e 2007; Justen Filho, 2003; Di Pietro, 2006 e 2007; Bacellar Filho, 2007; Silva e Martins, 2007; Aragão, 2008; Meirelles, 2008). Há, ainda, estudos sobre contrato de arrendamento de instalações portuárias, destacando-se o de Borges (1997) e Marques Neto e Leite (2003) que enfatizam aspectos associados à mutabilidade desse contrato. Verificou-se, contudo, que apesar de ampla a literatura sobre concessões de serviços públicos e editais de licitação, há poucos estudos abordando a questão da mutabilidade de regras associadas aos contratos de arrendamentos operacionais de áreas e instalações portuárias de uso público. Assim, o presente trabalho visa contribuir, de forma exploratória, com análise teórica e qualitativa de contratos de arrendamentos portuários, com base na legislação e nos normativos que regem a matéria, especificamente quanto à modificação do perfil da carga a ser movimentada e à ampliação das áreas e instalações afetadas, a fim de verificar a aderência dos procedimentos regulatórios adotados à regulamentação legislativa pertinente, aos princípios aplicáveis aos serviços públicos e à doutrina. Para tanto, este trabalho foi elaborado em cinco seções, incluída esta introdução. A segunda trata do referencial teórico onde são abordados conceitos e princípios aplicáveis ao serviço público e aspectos sobre o setor portuário brasileiro, em especial o arrendamento operacional de áreas e instalações portuárias de uso público. A terceira apresenta a metodologia adotada. A quarta discute e analisa os procedimentos regulatórios sobre modificações do perfil da carga e ampliação de áreas e instalações no âmbito de arrendamentos portuários. Por fim, na quinta e última seção, são apresentadas as considerações finais. 2. Referencial Teórico 2.1 Serviço público: breve noção, regime jurídico e princípios O entendimento sobre o conteúdo e a abrangência dos serviços públicos vem mudando ao longo dos anos para acompanhar a evolução do Estado, variando conforme a concepção social, econômica e cultural da sociedade em determinado tempo. A doutrina brasileira divide em três correntes a noção de serviço público (Grotti, 2003; Meirelles, 2008). Para os que defendem uma concepção orgânica 200 Transporte em Transformação XVI ou subjetiva, toda e qualquer atividade prestada pelo Poder Público é considerada serviço público, não sendo levada em conta nenhuma outra característica. A noção material, objetiva ou funcional, por outro lado, tem como cerne o objeto do serviço, ou seja, a própria atividade desempenhada. De acordo com esse critério, toda atividade que tiver por objeto a satisfação das necessidades coletivas deve ser considerada serviço público, independentemente de quem a exerce. Por fim, os que assumem uma perspectiva formal consideram que a noção de serviço público deve ser extraída diretamente do regime jurídico que lhe é aplicado, pois dele dependem os efeitos que surgiram daquela noção. A corrente predominante defende uma acepção mais formalista, por considerar serviço público toda atividade que o ordenamento jurídico brasileiro – CF/1988 e leis infraconstitucionais – determina que assim o seja. Segundo Aragão (2008), o conceito de serviço público, além de operacional, deve ser decorrente da CF/1988. Esse é também o entendimento da professora Di Pietro (2007), ao afirmar que “é o Estado, por meio da lei, que escolhe quais as atividades que, em determinado momento, são consideradas serviços públicos; no direito brasileiro, a própria Constituição faz essa indicação nos arts. 21, incisos, X, XI, XII, XV e XXIII, e 25, § 2º”. O regime jurídico de cada instituto está fundamentado num conjunto de princípios e regras que juntos formam sua identidade e dão-lhe especificidade e singularidade. Os serviços públicos, prestados diretamente pelo Poder Público ou executados pela iniciativa privada, submetem-se a um regime jurídico peculiar de direito público, que impõe deveres e atribui direitos, o que os distingue dos demais institutos, inclusive das demais atividades desempenhadas pelo Estado (Grotti, 2003), e a outorga a particulares da execução de serviços públicos não modifica o regime jurídico que preside a sua prestação, pois não transforma o serviço em privado (Bacellar Filho, 2007). Além disso, a CF/1988 delimitou características, princípios e regras especiais que deverão ser observados quando da prestação desses serviços, tal como a necessidade de que esses sejam prestados de modo adequado (Grotti, 2003). Os princípios do serviço público estão expressos na Lei 8.987/1995, quais sejam: regularidade; continuidade; eficiência; segurança; atualidade; generalidade; cortesia na sua prestação; e modicidade das tarifas (Brasil, 1995). Para o presente trabalho, cumpre examinar os princípios da continuidade, da generalidade ou universalidade e da atualidade, adaptabilidade ou mutabilidade. O princípio da continuidade dos serviços públicos deriva do fato de serem esses serviços Mutabilidade nos Contratos de Arrendamento Operacional de Áreas e Instalações Portuárias de Uso Público 201 essenciais, indispensáveis e do interesse de toda a coletividade. Diante disto, o seu funcionamento deve ocorrer de forma contínua, sem interrupções, a não ser em hipóteses específicas, previstas em lei (art. 6º, §3º, da Lei 8.987/1995) e no contrato. Para garantir a continuidade na prestação do serviço público, os contratos administrativos possuem mecanismos que permitem, por exemplo, a mutabilidade desses contratos mediante a alteração unilateral de cláusulas, tendo em vista a necessidade de serviço, e a aplicação de teorias pertinentes à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, tais como a da imprevisão, do fato do príncipe e do fato da administração (Grotti, 2003). O princípio da generalidade ou da universalidade dos serviços públicos, também conhecido como princípio da igualdade dos usuários perante o serviço público, exprime a obrigação de que todos que satisfaçam as condições de obtenção de um serviço público recebam a sua prestação, indistinta e independentemente do seu poder aquisitivo, bastando que deles necessite (Silva e Martins, 2007). Já o princípio da atualidade, adaptabilidade ou mutabilidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento, das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço (Brasil, 1995). É esse princípio que justifica a alteração unilateral de cláusulas regulamentares dos contratos de concessão pelo Poder Concedente e, por derivar-se do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, exprime a possibilidade e o dever de os serviços públicos serem alterados para se adaptarem às exigências e necessidades do interesse público, que variam de acordo com o tempo e o espaço (Grotti, 2003). 2.2 O setor portuário brasileiro 2.2.1 Contexto histórico e legal O grau de intervenção estatal adotado ao longo do tempo tem gerado alterações na configuração do sistema portuário brasileiro. Com a abertura dos portos pelo rei D. João VI, em 1808, o Brasil foi inserido no cenário do comércio internacional. Desde esse acontecimento e, principalmente a partir de 1869, a iniciativa privada passou a financiar as obras de expansão nos portos nacionais (Curcino, 2007). Com a criação do Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis (DNPVN) durante a Era Vargas, o Estado assumiu o papel de financiador e operador dos portos, hierarquizando o setor em grandes e pequenos portos, reformou a legislação e realizou diversas obras que geraram aumento na movimentação de cargas e na arrecadação portuária (Brasileiro et al., 2001; IPEA, 2010). Com a edição da Lei 202 Transporte em Transformação XVI 6.222/1975, o Estado extinguiu o DNPVN e criou a Empresa de Portos do Brasil S.A. (Portobrás), vinculada ao Ministério dos Transportes, que passou a administrar os portos de forma centralizada por meio de suas subsidiárias, companhias docas, e por concessionários privados e estaduais (Tovar e Ferreira, 2006). Essa forma de gestão perdurou até março de 1990 quando a Portobrás foi extinta e, em agosto de 1990, foi editado o Decreto 99.475 que autorizou o Ministério da Infra-Estrutura a descentralizar às sociedades de economia mista subsidiárias da Portobrás em liquidação ou às unidades federadas a administração dos portos, das hidrovias e das eclusas elencados naquele decreto. Após essas alterações institucionais, passaram a existir portos administrados por companhias docas controladas pela União, por Estados e Municípios e por empresas privadas. Em abril de 1990, foi instituído o PND mediante a edição da Lei 8.031. A reforma do setor portuário teve o seu ápice com a edição da Lei 8.630/1993 que construiu um novo arcabouço jurídico e institucional para o setor, rompeu com o monopólio estatal e consolidou a passagem, para o setor privado, das atividades de operação portuária, permanecendo o Estado, no entanto, como detentor da infraestrutura dos portos. Segundo Pêgo Filho et al. (1999), essa lei incentivou a competição e a parceria público-privado por meio do aumento dos investimentos e de gestão empresarial na operação portuária, de modo a proporcionar ganhos de produtividade e redução de tarifas. Com a promulgação da Lei 9.277/1996, a União também passou a delegar, por meio de convênios, a administração e exploração dos portos para Estados e Municípios, podendo aqueles entes federativos outorgar a exploração à iniciativa privada (Castro, 2000). Assim sendo, os portos brasileiros, em termos de regime de administração, de acordo com Silva et al. (2009), podem ser configurados como concessão a governo estadual, delegação a governo estadual ou municipal, autorização a governo estadual, empresas vinculadas à Secretaria Especial de Portos da Presidência da República (SEP/PR) criada pela Lei 11.518/2007, e concessão à iniciativa privada. Ainda quanto ao aspecto institucional, a Lei 10.233/2001 criou a Antaq, entidade integrante da Administração Federal indireta, submetida ao regime autárquico especial e vinculada ao Ministério dos Transportes, com a finalidade de implementar as políticas públicas traçadas dentro de sua esfera de atuação e, nesse contexto, regular e supervisionar as atividades de prestação dos serviços públicos de transporte aquaviário e de exploração da infraestrutura aquaviária e portuária federal, garantindo isonomia no seu acesso e uso, assegurando os direitos dos usuários e fomentando a competição entre os operadores (Brasil, 2001). Quanto às Mutabilidade nos Contratos de Arrendamento Operacional de Áreas e Instalações Portuárias de Uso Público 203 modificações operacionais, as principais alterações constam do Decreto 4.391/2002, complementadas pela Resolução Antaq 55/2002 sobre o arrendamento de áreas e instalações portuárias destinadas à movimentação e armazenagem de cargas, e do Decreto 6.620/2008 acerca de concessão de portos, arrendamento e autorização de instalações portuárias marítimas. 2.2.2 Arrendamento operacional de áreas e instalações portuárias: obrigatoriedade de licitação, natureza e regime jurídico do contrato e das operações portuárias e alterações O arrendamento operacional de áreas e instalações portuárias de uso público restrito ao porto organizado, conforme definido na Lei 8.630/1993 e posteriormente regulamentado no Decreto 6.620/2008, decorre sempre de processo licitatório e é formalizado por meio de contrato (Brasil, 1993 e 2008) firmado entre a autoridade portuária e o arrendatário, por prazo determinado, sendo o instrumento hábil para viabilizar a transferência de operações portuárias ao setor privado. Esse contrato é regido pela Lei 8.630/1993, por preceitos de direito público e subsidiariamente pelas Leis 8.666/1993 e 8.987/1995, bem como por princípios da teoria geral dos contratos e por disposições de direito privado (Brasil, 2008). Nesse mesmo sentido, a Resolução Antaq 55/2002 dispõe que esse instrumento é regulado por suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se, supletivamente, as disposições do direito privado. No caso do setor portuário, a licitação de arrendamentos portuários operacionais é regida pela legislação específica do setor, consubstanciada na Lei 8.630/1993 e na Resolução Antaq 55/2002, e subsidiariamente pelas Leis 8.987/1995 e 8.666/1993. Nesse contexto, deve-se esclarecer que a licitação é um procedimento administrativo que se destina a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública, ou seja, aquela que apresente as melhores condições para a contratação, e deve permitir a ampla participação de interessados e fornecer aos licitantes a certeza de que as regras estabelecidas não servirão para desigualá-los (Nóbrega, 2005). Por isso, as regras que regerão o processo licitatório devem estar arroladas no edital, que vincula tanto os participantes do certame quanto a própria Administração, exercendo, consoante Justen Filho (2003) e Nóbrega (2005), a função de publicidade, para divulgar a licitação e atrair potenciais interessados, e a normativa, para estabelecer regras e condições que disciplinarão o certame e que constarão do contrato a ser oportunamente firmado. 204 Transporte em Transformação XVI No caso do arrendamento portuário, o edital de licitação deverá observar a legislação própria do setor (art. 4º, § 4º da Lei 8.630/1993 e arts. 13 e 28 da Resolução Antaq 55/2002), e, no que couber, aos critérios e normas gerais da legislação própria sobre licitações e contratos (arts. 40 e 55 da Lei 8.666/1993) e da legislação que regulamenta o regime de concessão e permissão de serviços públicos (arts. 18 e 23 da Lei 8.987/1995). Quanto à natureza jurídica do contrato, a Resolução Antaq 55/2002 o caracterizou como uma espécie do gênero contrato administrativo (Antaq, 2002), porém, de acordo com Borges (1997), não de caráter comum porque conjuga, a um só tempo, as naturezas jurídicas de concessão remunerada de uso de bem público imóvel; de concessão do serviço público, pertinente às operações portuárias; e de concessão de obra pública. Há autores, no entanto, que definem o arrendamento portuário como sendo uma subconcessão de serviço público à luz do art. 26 da Lei 8.987/95 (Lobo, 2000) ou como uma subconcessão sui generis à luz da semelhança das cláusulas essenciais do contrato de arrendamento, constantes do art. 4º, §4º, da Lei 8.630/1993, com as do contrato de concessão de serviços públicos nos termos do art. 23 da Lei 8.987/1995 (Marques Neto e Leite, 2003). Merece registrar que, na época em que foi publicada a Lei 8.630/1993, o anteprojeto da Lei 8.987/1995 estava em tramitação no Congresso Nacional. Tal fato permite inferir que o legislador ordinário da Lei 8.630/1993 pode ter inserido nessa lei alguns dos dispositivos daquele anteprojeto, além de fazer remissão expressa à lei de concessão e permissão de serviços públicos. Apesar de existirem argumentações doutrinárias caracterizando o contrato de arrendamento como uma subconcessão, na Tabela 1 está representada a natureza e o regime jurídico do contrato de arrendamento e das operações regidas por este instrumento que serão adotados neste trabalho. Tabela 1: Natureza e regime jurídico do contrato e da operação Natureza Regime Jurídico Contrato de Arrendamento Administrativo Concessão Operações regidas pelo contrato de arrendamento Serviço Público Direito Público Fonte: elaboração própria. O contrato de arrendamento, de acordo com a Tabela 1, em que pese o legislador ter-lhe atribuído essa nomenclatura diferenciada, possui natureza jurídica de contrato administrativo e segue, no que lhe é cabível, o regime jurídico das concessões de serviços públicos, pois a natureza das relações jurídicas por ele Mutabilidade nos Contratos de Arrendamento Operacional de Áreas e Instalações Portuárias de Uso Público 205 estabelecidas e as consequências dele advindas são idênticas às da concessão regradas pela Lei 8.987/1995. Isso porque as operações portuárias exploradas mediante esse contrato, conforme se observa na Tabela 1, têm natureza jurídica de serviços públicos e são prestadas no regime de direito público, na medida em que internaliza a reversibilidade dos bens à União ao final da avença, os direitos e deveres dos usuários, a responsabilidade do arrendatário pela inexecução ou deficiente execução dos serviços e os padrões de qualidade e de metas do serviço à luz do previsto na Lei 8.987/1995, bem como podem ser exploradas pela iniciativa privada por até cinquenta anos, já incluído o período de prorrogação, prazo de duração bem maior do que os contratos administrativos regidos apenas pela Lei 8.666/1993. Em vista disso, o contrato de arrendamento possui a característica de mutabilidade de seu conteúdo, em função do interesse público que lhe inspira desde a formação até a sua execução, ressalvando, em qualquer situação, os interesses patrimoniais do contratante privado (Marques Neto e Leite, 2003). No entanto, nem todas as cláusulas contratuais podem ser alteradas pelo Poder Público unilateralmente, mas tão apenas as cláusulas regulamentares, ou seja, aquelas inerentes ao objeto da concessão e concernentes à operacionalização e à prestação adequada do serviço, haja vista a necessidade de se atender ao interesse público e manter o controle da prestação do serviço uma vez que sua titularidade permanece sob a exclusiva responsabilidade do Estado. Tais modificações unilaterais, consoante Blanchet (2007), destinam-se sempre a assegurar a continuidade da prestação do serviço, sendo que o risco efetivo de interrupção do serviço indicará o momento e a amplitude da alteração ou expansão necessária. De outra maneira, as cláusulas contratuais de natureza econômica devem ser alteradas bilateralmente (Blanchet, 1999) e, conforme ensina Di Pietro (2006), deve ser necessariamente motivada e respeitar algumas limitações, tais como a natureza do objeto, o interesse público e o direito do particular à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro. Marques Neto e Leite (2003), por sua vez, complementam que a alterabilidade dos contratos não pode descaracterizar o objeto contratado ocasionando uma posição econômica mais ou menos favorável ao particular e tampouco gerar burla ao procedimento licitatório. Nesse contexto, ressalta-se que consta da doutrina o entendimento de que os limites previstos no art. 65 da Lei 8.666/1993, Lei das Licitações e Contratos, não podem ser utilizados como limites ao aditamento ou à ampliação do objeto contratual que se demonstre necessário fazer nas concessões de serviços públicos ou nos 206 Transporte em Transformação XVI arrendamentos portuários. Isso porque esse dispositivo somente abrange os acréscimos ou as supressões de obras, serviços ou compras, não incluindo a prestação de serviços públicos, que constitui objeto dos contratos de concessão e de arrendamento portuário (Marques Neto e Leite, 2003; Di Pietro, 2006). Marques Neto e Leite (2003) defendem que os contratos de arrendamentos de instalações portuárias demandam uma maior alterabilidade contratual do que os demais contratos administrativos. Inferem que as disposições da Lei 8.630/1993, que determinam a existência de cláusula contratual relacionada com a previsão de futuras suplementações, alterações e expansões do serviço, decorrem da materialidade dos serviços portuários e da necessidade de se evitar a ociosidade das instalações portuárias. Para Blanchet (1999), o objeto dos contratos de concessões é dinâmico, pois concernente à atividade, à prestação do serviço público, e estático, pois corresponde à área de atuação na qual o concessionário irá executar a atividade cuja prestação lhe foi outorgada. 3. Metodologia A metodologia se baseia em pesquisa bibliográfica e empírica qualitativa do tipo documental. Na pesquisa bibliográfica, foram consultados artigos científicos disponíveis sobre o tema abordado, destacando-se publicações especializadas de revistas técnicas sobre Direito Administrativo e Regulatório; teses de mestrado sobre temas do setor portuário; congressos e seminários sobre desestatização e reforma do estado; bem como normativos legais, tais como leis, decretos e resoluções. Além disso, consultou-se o entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre o tema, sendo para isso pesquisados autores renomados de direito administrativo e regulatório. A pesquisa documental teve objetivo específico de verificar a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre regras editalícias quanto à definição do objeto e à alteração do contrato, bem como para identificar processos administrativos já julgados por aquela Corte de Contas e passíveis de acesso público que trataram sobre expansão de áreas e instalações portuárias e alteração de cargas, tendo sido efetivada mediante pesquisa em formulário disponibilizada no endereço eletrônico do TCU. Na Tabela 2, está representado o resultado dessa pesquisa, em especial os processos identificados que abordam o tema. Mutabilidade nos Contratos de Arrendamento Operacional de Áreas e Instalações Portuárias de Uso Público 207 Tabela 2: Processos sobre expansão de áreas e instalações e alteração de cargas Processo Natureza Porto Deliberação Situação Assunto 027.415/2006-3 REPR Santos AC 3.865/2010‑TCU‑1ª Ampliação de áreas e Encerrado Câmara instalações 018.403/2008-0 REPR Itaguaí Ampliação de área e AC 4.273/2010-TCU‑1ª Encerrado instalações e alteração do Câmara per fil da carga 021.253/2008-2 RA Diversos AC 2.896/2009‑TCU- Plenário Ampliação de área e insta- Encerrado lações e alteração do per fil da carga Fonte: TCU (2009, 2010a e 2010b). REPR = Representação; RA = Relatório de Auditoria; AC = Acórdão. Ressalta-se que todos os três processos constantes da Tabela 2 são acessíveis ao público e que as informações contidas nos relatórios, votos e acórdãos proferidos no âmbito daqueles processos foram imprescindíveis para a análise desenvolvida. Assim, procedeu-se, com base no referencial teórico adotado, à análise das informações obtidas confrontando-as com a legislação aplicável ao setor portuário, conforme tópico seguinte, a fim de atingir o objetivo proposto para este trabalho. 4. Contratos de Arrendamento Operacional: Alteração do Perfil da Carga e Expansão de Área e Instalação Portuária 4.1 Regras editalícias e contratuais sobre definição do objeto e ampliação de áreas e instalações portuárias de uso público em arrendamentos operacionais O edital é o instrumento convocatório do processo licitatório, que além de dar publicidade, fixa as regras e condições que disciplinarão o certame e que constarão do contrato a ser firmado. A Tabela 3 apresenta a legislação que rege o procedimento licitatório dos arrendamentos operacionais de áreas e instalações portuárias de uso público, e aponta os dispositivos que determinam a obrigatoriedade de o edital e a minuta de contrato incluir em regras quanto à definição do objeto, o qual indica a carga a ser movimentada, e à previsão de alteração e expansão a serem realizadas no futuro. 208 Transporte em Transformação XVI Observa-se da Tabela 3, à exceção da Lei 8.630/1993 por não tratar de conteúdo do edital de licitação, que todas as demais normas determinam que a definição do objeto e da área de prestação do serviço a ser contratado deve constar tanto no edital quanto na minuta de contrato, a fim de delimitar a atividade e a amplitude das obrigações e dos direitos das partes. Tabela 3: Legislação sobre licitação de arrendamentos de áreas e instalações portuárias Definição / Previsão Lei 8.630/1993 Edital Lei 8.666/1993 MC Edital MC Resolução Antaq 55/2002 Lei 8.987/1995 Edital MC Edital Ar t. 23, I Ar t. 13, I Objeto e área Ar t. 4º, § 4º, I Ar t. 40, I Ar t. 55, I Ar t. 18, I Ampliação de área e instalações Ar t. 4º, § 4º, VIII - - Ar t. 18, VII Ar t. 23, V - MC Ar t. 28, I Ar t. 28, X Fonte: Elaboração própria. MC = Minuta Contratual. Constata-se, também, da Tabela 3, que, no caso dos arrendamentos operacionais de áreas e instalações portuárias de uso público, a Lei 8.630/1993, a Lei 8.987/1995 e a Resolução Antaq 55/2002 determinam que a autoridade portuária faça constar, no edital e na minuta de contrato, as previsíveis necessidades de futuras suplementações, alterações e expansões do serviço e consequente modernização, aperfeiçoamento e ampliação das instalações, a fim de garantir a continuidade da prestação do serviço. A necessidade de que conste do instrumento convocatório precisa definição do objeto contratado e a previsão de possíveis alterações de serviços e ampliações de áreas e instalações, decorre dos princípios da continuidade, da universalidade e da mutabilidade que caracterizam o regime jurídico especial de direito público que é aplicável aos contratos de arrendamentos portuários operacionais de uso público por abrangerem a prestação de operações portuárias, que possuem natureza de serviços públicos e, por conseguinte, estão sujeitas aos princípios da continuidade, generalidade e atualidade no sentido apresentado por Grotti (2003) e Silva e Martins (2007). 4.2 Alteração do perfil da carga O contrato de arrendamento operacional de áreas e instalações portuárias de uso público, segundo TCU (2009), ao restringir o objeto, quando fixa o produto a ser movimentado, ou ao flexibilizá-lo, quando prevê a movimentação indistinta Mutabilidade nos Contratos de Arrendamento Operacional de Áreas e Instalações Portuárias de Uso Público 209 de cargas, tem conduzido os arrendatários a pleitear alterações ou ampliações dos tipos de cargas contidas na definição do objeto contratual. Importa frisar que o objeto do arrendamento está definido no Plano de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZ) de cada porto, ao estabelecer a destinação do terminal a ser licitado, de modo que a mudança solicitada deve ser compatível com o PDZ, não podendo alterar a afetação do terminal sem que haja prévia aprovação de um novo PDZ. Na prática, o arrendatário, ao se dar conta de que não conseguirá cumprir com seu compromisso de Movimentação Mínima Contratual (MMC), cria um novo fato com relação à carga que se comprometeu contratualmente a movimentar, cumulando o pedido de alteração com o de redução da MMC. Nesse contexto, a modificação do perfil da carga pode ser autorizada, desde que guarde relação com a previsão do PDZ, ou seja, com a destinação do terminal licitado. Por outro lado, o pedido de alteração de MMC deve ser rejeitado porque caracteriza burla ao edital de licitação, além de garantir a receita mínima para o porto. A mudança do perfil da carga movimentada pode ocorrer por diversos motivos, por exemplo (TCU, 2009): a não consolidação de uma carga esperada; a modificação de uma rota de exportação; o surgimento de nova carga ainda não consolidada; sendo que, qualquer que seja a motivação, a descontinuidade ou a inoperância da prestação do serviço público acarreta prejuízo para todos os envolvidos, na medida em que além de não atender aos princípios do serviço adequado, gera subutilização do terminal arrendado. Assim, a alteração do perfil da carga pode viabilizar a manutenção do negócio durante a vigência do contrato. Caso essa alteração descaracterize o processo licitatório que gerou o contrato, deverá ser realizada a rescisão contratual, com o pagamento das multas ou indenizações cabíveis. Além disso, essa alteração deve estar condicionada, necessariamente, à manutenção dos parâmetros de rentabilidade do contrato, sob pena de ser classificada como burla ao processo licitatório (TCU, 2009). Percebe-se, então, que os procedimentos regulatórios que tratam da modificação do perfil da carga devem estar de acordo com o princípio da continuidade e da mutabilidade do serviço público, visando à alteração do objeto para garantir a manutenção do contrato e evitando que as áreas fiquem subutilizadas, o que iria também de encontro ao interesse público expresso no PDZ. Ainda, deve-se assegurar que tais alterações, de acordo com Marques Neto e Leite (2003), Di Pietro (2006) e Blanchet (2007), não descaracterizem a essência do objeto contratado, isto é, a destinação do terminal licitado, e à manutenção dos parâmetros de rentabilidade do contrato, pois podem gerar burla ao processo licitatório. 210 Transporte em Transformação XVI A Tabela 4 apresenta exemplo de alteração de carga ocorrida no Porto de Itaguaí, consoante informações obtidas na pesquisa documental e resumidas na Tabela 2. Tabela 4: Processo sobre alteração de carga em contrato de arrendamento portuário Processo 018.403/2008-0 Ano do evento 2004 Porto Itaguaí Relatório/TCU -Edital, contrato e projeto de referência dispõem quanto à possibilidade de subsidiariamente, em caráter complementar às operações por tuárias principais, haver a movimentação e armazenagem de outros granéis sólidos, desde que não prejudique a realização das operações principais; -PDZ do Por to de Itaguaí dispõe que a destinação do Terminal de Carvão é para descarga de carvão, coque e outros granéis sólidos, bem como embarque de minério de ferro. Fonte: TCU (2010b). PDZ = Plano de Desenvolvimento e Zoneamento. Nota-se da Tabela 4 que o evento ocorreu no ano de 2004 no Porto de Itaguaí, administrado pela Companhia Docas do Rio de Janeiro S.A. (CDRJ). Por meio do 3º Termo Aditivo, foram incluídas novas cargas ao Contrato C-DEPJUR 54/1997, que previa originalmente a movimentação de carvão e de coque, tendo sido acrescentados o minério de ferro e outros granéis sólidos. O Edital de Licitação CI-003/1996 e o citado contrato possuem cláusulas prevendo a possibilidade de movimentação de outras cargas, em caráter complementar às operações portuárias principais, desde que essas não prejudiquem a realização das operações contratadas. A análise da carga movimentada pelo Terminal de Carvão do Porto de Itaguaí, no período de 2004 a 2009, indicou que mesmo depois de começar a movimentação de outras cargas, em 2007, a arrendatária continuou a cumprir a MMC para carvão e coque (TCU, 2010b). Além disso, o planejamento do porto destinava o referido terminal para descarga de carvão, coque e outros granéis sólidos e para embarque de minério de ferro (TCU, 2010b). Assim sendo, a alteração contratual do perfil de carga atende ao princípio da continuidade do serviço público e está de acordo com a legislação que rege o contrato, cabendo, no entanto, conforme TCU (2009), disciplinar as situações em que se justifica a revisão do tipo de carga prevista nos contratos de arrendamento operacional de áreas e instalações portuárias de uso público e os pré-requisitos a serem observados nesses casos, em especial, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Mutabilidade nos Contratos de Arrendamento Operacional de Áreas e Instalações Portuárias de Uso Público 211 4.3 Ampliação de áreas e instalações portuárias Outro aspecto importante no contrato de arrendamento diz respeito à ampliação de áreas e instalações portuárias de uso público associadas ao terminal licitado. A Tabela 5 apresenta dois exemplos desse tipo ocorridos no Porto de Santos e de Itaguaí, conforme informações oriundas da pesquisa documental e resumidas na Tabela 2. Tabela 5: Processos sobre ampliação de áreas e instalações portuárias Processos Ano do Porto evento 027.415/2006-3 2006 018.403/2008-0 2004 Relatório/TCU - Cláusula Segunda do Contrato PRES/69.97 prevê futuras expansões; Santos - Ausência, à época, de normatização delimitando requisitos para incorporações. Itaguaí - Cláusula Trigésima-Quinta do Contrato C-DEPJUR 54/1997 prevê futuras expansões; - Ausência, à época, de normatização delimitando requisitos para incorporações. Fonte: TCU (2010a e 2010b). Percebe-se da Tabela 5 que expansões de áreas foram realizadas no Porto de Santos, administrado pela Companhia Docas de São Paulo (Codesp) e no Porto de Itaguaí, administrado pela CDRJ. Tais expansões ocorreram em 2004 e 2006 estando, portanto, sob a égide da Lei 8.630/1993, que dispõe sobre a necessidade de haver cláusula contratual que preveja as futuras suplementações, alterações e expansões do serviço, e subsidiariamente, sob a regência da Lei 8.987/1995, que estabelece a obrigatoriedade de o contrato prever as necessidades de futura alteração e expansão do serviço e consequente modernização, aperfeiçoamento e ampliação dos equipamentos e das instalações (ver Tabela 3). Nos dois casos, conforme se observa da Tabela 5, existem cláusulas contratuais prevendo futuras expansões de áreas e instalações portuárias de uso público que nortearam a incorporação de áreas não licitadas após a assinatura do contrato de arrendamento. Apesar de não terem sido licitadas, a incorporação em um dos casos foi justificada em virtude de terem sido constatadas vantagens técnicas, operacionais e econômicas robustas (TCU, 2010a). No outro, verificou-se que se tratava de áreas encravadas, sem acesso terrestre por meio da infraestrutura básica do Porto e, por isso, devido à sua localização peculiar e à reduzida dimensão da área incorporada, ficou caracterizada a dispensa de licitação prevista no art. 17 da Lei 8.666/1993, c/c art. 54 da Resolução Antaq 55/2002 (TCU, 2010b). Nos dois casos apresentados na 212 Transporte em Transformação XVI Tabela 5, as ampliações de áreas foram consideradas aderentes às normas aplicáveis à época, cabendo, todavia, a repactuação desses contratos por meio do reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, na medida em que as incorporações de terreno posteriormente à celebração do contrato constituem fato novo que altera as projeções de receitas, investimentos e custos operacionais do operador do terminal. A legislação específica do setor portuário não faz menção a limites para essa expansão de áreas. Apesar dessa lacuna, entende-se inaplicável os limites previstos no art. 65 da Lei 8.666/1993 aos casos de incorporações de novas áreas a contratos de arrendamento vigentes, estando tal posicionamento de acordo com o que defende Marques Neto e Leite (2003) e Di Pietro (2006). A inaplicabilidade desses limites se deve a que o regime jurídico de direito público dos contratos de arrendamento operacional de áreas e instalações portuárias de uso público, possibilita uma maior alterabilidade do conteúdo desses instrumentos, com previsão de futuras alterações dos serviços e ampliações de áreas e instalações no próprio edital e na minuta de contrato, no intuito de garantir a otimização do emprego das áreas portuárias e a continuidade dos serviços públicos nela prestados, conforme defendem Marques Neto e Leite (2003) e Di Pietro (2006). Nesse contexto, observa-se que a Lei 8.630/1993 permite a expansão da área arrendada, desde que haja previsão no contrato, todavia, a referida lei não estabeleceu qualquer critério ou limite para essa ampliação. O Decreto 6.620/2008 conferiu maior clareza a essa questão ao determinar que os contratos de arrendamento de instalações portuárias deverão conter cláusula dispondo sobre a possibilidade de ampliação das instalações e que essa só será permitida se atendidos dois pré-requisitos: a área deverá ser contígua à arrendada e deverá ser comprovada a inviabilidade técnica, operacional e econômica de realização de licitação para novo arrendamento. Há que se mencionar que, conquanto a localização das áreas seja de fácil aferição, faltam critérios para a avaliação da inviabilidade técnica, operacional e econômica de novos arrendamentos. Portanto, embora seja imprescindível que editais e minutas de contrato sejam bem estruturados e prevejam a possibilidade de expansão de áreas, é necessário regulamentar o modo como será avaliada pela autoridade portuária a inviabilidade de arrendamento de áreas contíguas, para não restar dúvida quanto à utilização desse critério (TCU, 2009), devendo ser observado o princípio da mutabilidade que exprime a possibilidade de modificação do serviço público em função das exigências e necessidades do interesse público. Mutabilidade nos Contratos de Arrendamento Operacional de Áreas e Instalações Portuárias de Uso Público 213 5. Considerações Finais A análise exploratória sobre alterações da definição do objeto e ampliação de áreas e instalações portuárias de uso público no âmbito de contratos de arrendamentos operacionais realizada no presente estudo possui caráter preliminar e restrito às informações obtidas por meio de pesquisa documental realizada no endereço eletrônico do Tribunal de Contas da União. O resultado da análise fundamentada no referencial adotado, todavia, permite assegurar que o contrato de arredamento operacional de áreas e instalações portuárias de uso público tem natureza de contrato administrativo e regime jurídico de concessão e rege operações portuárias com natureza jurídica de serviços públicos em regime de direito público. Em vista disso, suas cláusulas estão sujeitas a alterações que atingem o perfil de carga e a ampliação de áreas e instalações em função da necessidade de futuras suplementações, alterações e expansões inerentes ao serviço público e consequente modernização, aperfeiçoamento e ampliação das instalações, em observância aos princípios norteadores da prestação de serviço adequado, em especial, o da continuidade, generalidade e atualidade. No tocante à modificação do perfil de carga, conclui-se que essa alteração não pode desconstituir a afetação do terminal licitado inicialmente expressa no PDZ sem que haja prévia aprovação de novo PDZ, tampouco pode alterar a movimentação mínima contratual (MMC), pois caracterizaria burla ao processo licitatório na medida em que essa movimentação garante a receita mínima do porto. Além disso, a alteração contratual do perfil da carga requer o disciplinamento das situações que justifiquem tal revisão, em especial, quando se trata de não consolidação de uma carga esperada, de modificação de uma rota de exportação, de surgimento de nova carga ainda não consolidada, de maneira a evitar a descontinuidade da prestação do serviço público ou a subutilização do terminal arrendado, cabendo manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. No que tange à ampliação de áreas e instalações portuárias de uso público, concluiu-se pela inaplicabilidade ao contrato de arrendamento dos limites quantitativos e qualitativos das alterações contratuais previstos no art. 65 da Lei 8.666/1993, pois esse dispositivo somente abrange os acréscimos ou as supressões de obras, serviços ou compras, não incluindo a prestação de serviços públicos, que constitui objeto do contrato de arrendamento, e pela observância ao princípio da mutabilidade que exprime a possibilidade de modificação do serviço público em função das exigências e necessidades do interesse público, em especial, as expressas no PDZ de cada porto. 214 Transporte em Transformação XVI Sugere-se, por fim, para futuros estudos, análise com maior profundidade e ampliação das informações, inclusive abrangendo outras modificações e alterações implementadas durante a execução de contratos de arrendamento operacional de áreas e instalações portuárias de uso público, em especial as referentes aos critérios de reajuste e revisão dos valores do arrendamento, bem como à avaliação de alocação de riscos no âmbito desses contratos. 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Luciana Carina Soares Costa ([email protected]); Francisco Giusepe Donato Martins ([email protected]); Carla Garcia Protásio ([email protected]).