«Vejo as instituições culturais como locais vivos, de conhecimento e de lazer, vocacionados para interpelar a sociedade, transcendendo-a. Estes são os espaços de inovação e de criação de valor, operam em contextos de alteridade e de subjetividade, perspetivam o tempo, o conhecimento e as utopias, ultrapassam o quotidiano colocando em diálogo o real e o imaginário, o concreto e o abstrato. Apesar de muito frequentemente disporem de “arquiteturas” e coleções surpreendentes o impacto que geram não se resume ao fato de serem extraordinários “repositórios” da cultura material. Diria que, na realidade, aquilo que distingue a relevância da sua ação, de tantos outros locais de conhecimento e aprendizagem, reside na qualidade da programação e na sintonia com a missão, bem como no alcance das estratégias de mediação que aí se concretizam. Tais estratégias de mediação, veiculadas pelo programa (seja em formato de atividades como visitas, workshops, seminários, performances, etc.) privilegiam o pensamento crítico, a interpretação aliada à aprendizagem efetiva, à motivação intrínseca, à curiosidade, à liberdade e ao prazer e, neste sentido, confrontam o indivíduo. A propagação do impacto da aprendizagem “penetrante” a que me refiro, e que tantas vezes vemos acontecer, vai para além da geografia em que ocorre a ação, porque esta se estende para lá do território das paisagens individuais. Evolui, propaga-se e inspira contextos mais abrangentes. Por isto entendo que as atividades culturais, quaisquer que sejam, que coloquem o “espetador participante” em modo de rutura, têm um resultado de transformação potencial muito superior àquele das estruturas que promovem a aprendizagem passiva e reprodutora. Refiro-me aos reflexos não apenas no contexto individual, mas ao coletivo, que resulta da multiplicação da experiência pelo relato ou a imagem, seja por via interpessoal, ou, mais ainda, mercê da disseminação das experiências através das redes sociais. A dimensão educativa da programação cultural é intrínseca ao planeamento e avalia-se na qualidade das vivências e dos resultados, contudo, não deverá ser o mote ou a razão que justifica a ação programada. Considero que um programa ou uma iniciativa não têm sentido único, ou função concreta - não resolvem, desafiam; não acomodam, provocam; não transmitem, interrogam; não condicionam, libertam. Uma dimensão cultural e educativa que se propõe nestes termos comporta riscos, gera conflitos, e nem sempre é consensual. Assim, considero que a programação enquanto estratégia de mediação educativa mais do que se focar nos objetivos (que podem inclusive condicionar a criação) deve manter-se aberta, usar as suas próprias linguagens, não fazer concessões... isto significa que deve ser abrangente, flexível, dinâmica, apostar na criatividade e na contemporaneidade. A experiência confirma que a participação na vida das instituições culturais afeta de forma positiva a vida dos cidadãos. Ao criar pontes entre o indivíduo e o meio contribui para a valorização da cultura, estimula a criatividade, a tolerância e a inclusão, inspira e promove a descoberta. Os públicos da cultura reconhecem e valorizam o papel das instituições culturais no ecossistema social e político, e a eles recorrem como agentes fundamentais na educação das gerações ao longo da vida, não apenas numa perspetiva de lazer e de contributo para o bem estar, mas sobretudo, enquanto parte de uma estratégia integrada de construção do futuro, fundada na participação ativa da sociedade, de forma livre e esclarecida. Neste sentido, o desafio de um programa que pretende produzir conhecimento será porventura mais eficaz se evitar repetir fórmulas e, por outro lado, envolver a voz dos públicos na ação e na programação. Se for o reflexo do seu tempo, se assumir riscos e revolucionar a forma como interpretamos e construímos o futuro. A invenção que permite o progresso é alimentada pela curiosidade e pela perseverança, tanto quanto pelo conhecimento. Não há criatividade sem conhecimento. Não existe mudança sem reflexão crítica. Este é, a meu ver, o contributo plural que uma programação comprometida com a aprendizagem poderá prestar à sociedade.» Por Sara Barriga, Coordenadora do Museu do Dinheiro e programadora cultural