Cap. 1. Olhar as competências com…
Nos últimos anos tem-se vindo a assistir em diversos países da Europa, nos Estados
Unidos e no Canadá à introdução da noção de competência nos sistemas educativos.
Tornar a aprendizagem mais significativa para os alunos, prepará-los para os desafios
do futuro e combater o insucesso escolar são razões usualmente apontadas para
justificar uma abordagem por competências em educação. Como veremos, esta
inovação, a ser seguida, traz profundas alterações na prática lectiva dos professores e
nas experiências de aprendizagem dos alunos. Antes, porém, comecemos por clarificar
do que estamos a falar.
O termo “competência” é polissémico, pode ter vários significados. A dificuldade
em compreender qual o sentido que lhe é habitualmente atribuído no campo da
educação pode acrescer pelo facto de anteriormente já fazer parte do vocabulário do
nosso quotidiano. Ser, portanto, um termo familiar.
No Currículo Nacional do Ensino Básico (DEB, 2001) podemos ler, quando se fala
de competências, expressões tais como “activação de recursos”, “situação”, “saber,
saber fazer e saber ser”, “integração”. Mais do que definir competência, procuraremos
começar por precisar algumas das suas características ou trazer a luz alguns dos
equívocos mais habituais. Neste sentido, é de fazer notar que, segundo Le Boterf
(2005):
- A competência não é um conjunto de resultados observáveis, traduzido por um
desempenho. Mas o desempenho pode ser a manifestação de uma competência.
- A competência está associada a uma ideia de acção, mas não se confina a ela, pois
ao fazê-lo estaríamos a reduzir a noção de competência a uma simples actividade.
- A competência está associada a uma ideia de integração de conhecimentos,
capacidades e atitudes. Não se trata de seguir uma ideia de somatório de saberes (ou
conhecimentos), saber fazer (ou capacidades) e saber ser (ou atitudes), mas antes seguir
uma perspectiva holística da actividade intelectual. A competência não pode ser
identificada com um estado – tem ou não um dado conhecimento, é ou não capaz de
fazer isto ou aquilo. Note-se que, por exemplo, uma pessoa que sabe muito de algo não
é necessariamente competente.
- A competência está associada a uma ideia de situação, com um certo grau de
complexidade. Deste facto decorre que “saber fazer” e “saber agir” têm significados
diferentes. Enquanto o “saber fazer” se pode confinar ao uso rotineiro de
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conhecimentos, à execução de uma tarefa prescrita, o “saber agir” exige ser capaz de
fazer face à complexidade e a uma situação nova e tomar a iniciativa de uma forma
compreensiva. Uma pessoa competente age perante uma acção, compreendendo porquê
e como age. Deste modo, a competência distingue-se da actividade.
Há autores (por ex. Perrenoud, 1999; Scallon, 2004) que identificam três actividades
associadas à competência: a mobilização, a integração e a transferência. Por outras
palavras, utilizarem-se recursos intelectuais de que já se dispõe ou a externos a que se
recorre, integrar no sentido de modificar as estruturas cognitivas existentes, dando-lhe
uma nova configuração em que os novos elementos não são adicionados aos
previamente existentes, mas sim incorporados, passando a ser elementos
interdependentes e, identificando o que há de semelhante e distinto na nova situação
problema quando comparada com outras anteriormente vividas, usar os saberes
desenvolvidos na nova situação.
Em síntese, poder-se-á dizer que a noção de competência usada em educação está
associada a um processo consciente e reflectido de activação de recursos para agir face a
uma situação singular, concreta e nova para o indivíduo. Deste modo, ser competente é
agir em conformidade, mobilizando recursos necessários e adequados e perceber o
resultado da sua acção relativamente à situação com que se confronta.
Um aspecto central que distingue um ensino por competências de um ensino por
objectivos é de que o primeiro se faz por níveis de desenvolvimento, daí se poder ter um
mesmo conjunto de competências ao longo de toda a escolaridade básica, por exemplo,
enquanto no segundo, os objectivos vão sendo atingidos, sendo enunciados novos
objectivos numa etapa seguinte do percurso escolar. Por outras palavras, as
competências desenvolvem-se, os objectivos atingem-se.
Esta ideia de que a aprendizagem é um processo em desenvolvimento torna ainda
mais indispensável, se tal fosse possível, a ideia de avaliação no seu sentido regulador.
Não há fases terminais absolutas, mas antes um processo de sucessivo aprofundamento
de que a avaliação é um elemento fundamental para o sucesso deste empreendimento.
Acresce, ainda a necessidade de propor aos alunos contextos favoráveis ao
desenvolvimento das suas competências. Estes contextos, como foi anteriormente dito,
deverão ter uma natureza problemática e desafiadora, proporcionando uma
aprendizagem com significado através de um desafio intelectual real para o aluno. Entre
as diversas situações pedagogicamente adequadas, iremos de seguir desenvolver um
possível exemplo: o portefólio.
Uma vez mais há a necessidade de clarificarmos o conceito, dado que o portefólio
pode significar coisas diferentes (Klenowski, 2002). O sentido que aqui atribuímos a
portefólio é o de uma colecção de produções feitas pelo aluno, individualmente ou em
grupo, na sala de aula ou fora dela, consciente e criteriosamente seleccionadas. Esta
selecção deverá ser justificada através de reflexões que devem acompanhar cada
produção. O facto de ser uma selecção e não todo o conjunto de trabalhos realizados
leva a que o aluno tenha de reflectir sobre o que fez, o significado que tiveram para ele
próprio as diversas experiências de aprendizagem, em particular aquelas que decide
seleccionar, e as suas necessidades e dificuldades. O ter de passar para a forma escrita
esta análise, proporciona-lhe a oportunidade de reorganizar as suas ideias, clarificá-las e
estruturá-las. Deste modo, o portefólio é um contexto privilegiado para desenvolver a
capacidade de metacognição do aluno (Pinto & Santos, 2006).
A construção do portefólio deve ocorrer ao longo do tempo. Dada a sua natureza,
não se adequa a algo que se faz nas vésperas de algum acontecimento, seja ele uma
prova formal de avaliação, seja o final de um período lectivo. Para além disso, não é um
produto acabado, mas sim em evolução, podendo, em qualquer momento, alguns dos
trabalhos inicialmente considerados serem reformulados, melhorados ou substituídos.
Neste processo, a interacção professor e aluno é indispensável e mesmo, como é
evidenciado através da investigação, potencializada. Através desta interacção, o aluno
poderá aprender com os comentários e questões colocadas pelo professor. Já o professor
poderá conhecer mais profundamente o aluno, nomeadamente tendo acesso aos seus
pontos de vista e olhares sobre as propostas de aprendizagem por si feitas, e ser levado a
sentir uma maior necessidade de explicitação do que pretende do aluno, em particular
dos critérios de avaliação.
Pode haver vários formatos e procedimentos associados ao portefólio, contudo há
algumas orientações e/ou características que nos parecem importantes serem tomadas
em conta. Entre elas é de assinalar:
- Informação. Antes de se iniciar o processo, há que clarificar junto dos alunos e
seus encarregados de educação o que se entende por portefólio e quais as
potencialidades pedagógicas deste instrumento. Note-se que sendo uma prática ainda
pouco generalizada, não só tem de ser claro para os alunos o que se lhes está a pedir,
como a informação junto dos encarregados de educação é essencial para que mais tarde
a sua acção junto do seu educando não seja contrária à do professor. A construção de
um pequeno texto de apoio, que inclua os objectivos desta proposta e a estrutura do
portefólio pretendida poderão ajudar este processo informativo;
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- Apoio. O professor deve dedicar algumas aulas ou partes destas para apoiar os
alunos na elaboração do portefólio. Se a sua construção é realmente importante, então é
algo que se tem de discutir e trabalhar na sala de aula. Caso contrário, mesmo que o
discurso do professor valorize o portefólio, se a sua prática não é consistente, o discurso
não é convincente. Este apoio será mais frequente no início do processo, podendo vir a
ser aligeirado de acordo com a evolução da aprendizagem dos alunos. Uma tarefa
particularmente exigente é a escrita das reflexões. Sendo a reflexão uma actividade de
ordem superior, há que ter uma atenção especial no apoio a dar aos alunos. Para tal, o
professor poderá construir um guião de apoio a esta tarefa, incluindo questões
orientadoras, como sejam:
- “Qual o significado que teve para ti?”;
- “De que modo esta tarefa te ajudou a aprender?”;
- “O que aprendeste?”;
- “Como poderias melhorar o que fizeste?”;
- “Quais as principais dificuldades com que te deparaste?”;
- “Conseguiste ultrapassar algumas dificuldades? Como?”.
- Representatividade. Há diversas formas de organizar um portefólio. Mas seja qual
ela for, não é possível indicar tipos de tarefas normalizadas a incluir num portefólio. A
natureza destas tarefas é determinada pelo contexto onde o portefólio é proposto, que
tanto pode ser no âmbito de uma disciplina, como num conjunto de disciplinas, e pelas
experiências de aprendizagem que são, ao longo do tempo, oferecidas/propostas aos
alunos. Por exemplo, na disciplina de Matemática, só faz sentido pedir aos alunos que
seleccionem um ou dois problemas por período lectivo para o seu portefólio, se a
resolução de problemas for uma actividade desenvolvida na sala de aula desta
disciplina. Cabe, assim, ao professor discutir com os alunos o tipo de tarefas que
habitualmente são trabalhadas e em conjunto fazerem uma listagem da diversidade de
tarefas que o portefólio deverá apresentar. Mas, uma vez que se procura uma selecção,
deve ficar definido, à partida, o número máximo de tarefas de cada tipo a incluir no
portefólio;
- Flexibilidade. Como, por um lado, existe um número máximo de exemplos a
seleccionar por cada tipo de tarefa e, por outro, pretende-se que a construção do
portefólio se faça ao longo de um período de tempo amplo, por exemplo, um ano
lectivo, há que dar a possibilidade ao aluno poder retirar mais tarde uma produção que
seleccionou anteriormente. Note-se que a selecção que o aluno vai fazendo não tem por
base o conhecimento de todas as experiências de aprendizagem que irá viver. Assim, é
possível que não podendo colocar todas as que eventualmente gostaria, terá que lhe ser
dada a possibilidade de troca. Caso contrário estaríamos, mesmo que não
conscientemente, a convidar o aluno a construir o seu portefólio apenas no final do ano,
altura em que dispõe de todo o conhecimento necessário para uma selecção
fundamentada. A única condição que nos parece desejável incluir é o de na nova
reflexão, a acompanhar a nova produção, conter uma parte explicativa referente à
substituição realizada.
- Globalidade. Uma das características mais importantes do portefólio é o da
variedade de situações que podem ser nele incluídas. Tal facto permite incluir várias
dimensões da aprendizagem, entendida no seu sentido amplo.
- Continuidade. Uma outra potencialidade que o portefólio apresenta é de se poder
aceder, quer por parte do professor, quer do aluno, à evolução do aprendente ao longo
do tempo. Mas para que tal seja possível é necessário que sejam registadas as datas de
entrada de cada elemento constitutivo do portefólio;
- Acessibilidade. Uma condição que poderá facilitar este trabalho é a da existência
na escola, em particular na sala de aula, de um espaço para os alunos guardarem os seus
portefólios. Tal poderá a vir a ser muito importante nomeadamente na rentabilização
dos momentos reservados ao trabalho com os portefólios. Assim, é possível ter-se a
garantia de que os alunos terão o material necessário para rentabilizar estes momentos.
Sempre que necessário, contudo, deve ser dada a possibilidade de levarem para casa
este material.
Uma questão que por vezes se discute quando se fala de portefólios é saber se existe
uma idade mínima a partir da qual é possível propor-se este tipo de trabalho aos alunos.
Há quem defenda que sim, muito embora essa idade mínima não esteja definida. Não é,
contudo, esta a nossa perspectiva. Acreditamos que pensar e reflectir são capacidades
intelectuais de qualquer ser humano. A narrativa que a seguir apresentamos fala por si
só e é bem ilustrativa da posição que assumimos.
Narrativa: Eu nunca faço portefólios sentado
Experiência desenvolvida por Teresa Bondoso
Motivações e propósitos
Durante o meu percurso como educadora de infância há algo que me preocupa desde
sempre: a avaliação.
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Sempre me lembro de experimentar novas formas de avaliar. Por vezes, de forma
pouco exequível ou pouco rigorosa. Algumas vezes, recorrendo a mecanismos
interessantes; outras vezes, a mecanismos enfadonhos. Houve momentos em que a
avaliação me influenciou e outros em que eu não conseguia ver nada que pudesse
interferir nas minhas decisões.
Sempre me lembro de colocar questões.
Será a avaliação das crianças importante, mesmo quando elas estão numa fase préescolar?
Fará falta a um educador avaliar as crianças, mesmo quando se trabalha com uma
idade em que socialmente parece ser menos importante avaliar saberes?
Será a avaliação apenas uma medida para “certificar” características e saberes?
O que orienta um educador nas tomadas de decisão relativamente ao trabalho a
desenvolver? A “fase de desenvolvimento” em que situamos a generalidade do grupo de
crianças e os saberes que estas necessitam adquirir para passarem com sucesso à fase
seguinte será adequada e a mesma para todas elas?
Saber o que as crianças preferem fazer ou o que elas mais valorizam será condição
para que o educador seja capaz de promover a aprendizagem e o desenvolvimento das
crianças?
Como se avalia?
Avaliar com rigor implica a utilização de tabelas, grelhas, ou descrições exaustivas?
Ou, pelo contrário, basta que o educador faça aquilo que habitualmente se designa por
observação directa, orientada com base nos resultados esperados?
E como posso eu avaliar um grupo grande de crianças sem “roubar” ao tempo
previsto para “trabalhar” com elas?
A avaliação das crianças revela a eficácia da minha acção e pode basear-se apenas
em evidências de comportamentos esperados?
E as coisas que acontecem sem serem por mim previstas? Serão avaliáveis?
Se eu descobrisse uma fórmula para medir, clara e objectivamente, a situação de
cada uma das crianças do grupo, seria capaz de deixar que a minha acção fosse
significativamente influenciada?
Não será a relação que estabeleço com o mundo, o modo como o penso e o acredito,
o que determina a forma como organizo a relação pedagógica?
Verifico que é desta relação com o mundo, da forma como o penso e o acredito, que
me tem nascido a necessidade de “olhar com as crianças”...
E foi desta necessidade que começaram por nascer comentários, conversas,
reflexões...
Era importante o que dizíamos. Talvez revelador? Ou regulador?
“Porque fizeste assim?”
“Já repararam no que fez o...?”
“Olhem, a... descobriu outra maneira de fazer!”
E os comentários esporádicos foram desenhando momentos mais organizados e
sistemáticos. E esses momentos foram suscitando perguntas, indicando respostas,
exigindo reflexões…
Deixarei aqui alguns desses momentos, procurando suscitar algumas perguntas,
indicar algumas respostas e partilhar algumas reflexões.
Espero ser clara neste relato. Se possível, deixar a possibilidade de clareza e
intimidade que o Fábio revelava numa das suas afirmações, depois de eu ter sugerido
que ele se sentasse: “Eu nunca faço portefólios sentado!”
De seguida, proponho-me situar, embora de forma breve, o contexto no qual
decorreu esta experiência.
Contexto onde decorreu a experiência
Começarei por referir que sou educadora titular de uma sala de Jardim-de-Infância
da rede pública do Ministério da Educação, e trabalho com um grupo de vinte e cinco
crianças de cinco anos. Este grupo, embora horizontal no que respeita à idade, é um
grupo bastante heterogéneo. Posso dizer que, por exemplo, uma das crianças lê desde os
três anos, outra tem “necessidades educativas especiais” e, com as outras vinte e três
crianças do grupo, mais a nossa auxiliar e eu somos o que corresponde a vinte e sete
vidas diferentes, a vinte e sete experiências diversas, a vinte e sete vontades próprias e a
vinte e sete realidades únicas.
No contexto desta experiência, tratam-se, portanto, de vinte e sete “olhares”
diferentes.
Para muitos educadores e professores, este cenário é complexo e até mesmo
indesejável. O problema reside na dificuldade que parece existir em responder
eficazmente a tanta diversidade. Como é que um educador, ou um professor, consegue
“desdobrar-se” em tantas respostas?
A minha experiência mostra-me que todas as crianças sabem coisas, todas as
crianças são capazes, todas as crianças têm ideias, representações, opiniões, desejos e,
por isso, eu não tenho qualquer dúvida em considerar que esta diversidade pode ser
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aproveitada em favor do desenvolvimento e da aprendizagem. De facto, tenho
verificado que as crianças não só não aprendem apenas comigo como, a maior parte das
vezes, é comigo que aprendem menos.
Talvez o Pedro demorasse mais tempo a arriscar ser o chefe da assembleia de sala,
se o seu amigo Nuno não tivesse conseguido ser um “bom chefe” da outra vez. E,
talvez, se eu não tivesse tomado a iniciativa de trazer ao grupo a avaliação da prestação
do Nuno.
E a Catarina provavelmente demoraria mais tempo a adaptar-se ao grupo se eu não
tivesse chamado a atenção de todos para a maneira como ela conseguiu fazer uma
“reunião de combinar a brincadeira na área do faz de conta”.
E quando o Diogo foi encarregue, pelo grupo, da tarefa de fotografar a Visita de
Estudo ao Museu de Arte Moderna? Até o discreto Ivo arriscou um tímido, mas
corajoso: “Para a próxima posso ser eu?”
Para além disso, a verdade é que eu, por mais que queira, por mais que me esforce,
não consigo dominar tudo o que acontece na sala. Por vezes, dou comigo a tentar, mas
rapidamente me dou conta que deixo de ser educadora e passo a usar toda a minha
energia com momentos mais ou menos assim: “Está quieta, Margarida!”, “Pedro, não
faças isso…”, “Francisco, tem cuidado com o teu colega!”, “António, vai trabalhar.”,
“Meninos são capazes de se portar bem?”
O que acontece quando eu me abandono à ideia de que o acto educativo e a
aprendizagem são momentos participados pelas crianças é que deixo de ser só eu a dizer
“Menino, reparem só no…” e passam a ser as crianças a tomar a iniciativa de mostrar ao
grupo. E passa a ser comum ouvir de alguém, lá do fundo da sala, “Malta, olhem só este
trabalho!”. E deixa de ser estranho que duas amigas se reúnam para combinar uma
tarefa, ou que a conversa sobre um produto realizado apareça por proposta das
crianças…
A minha experiência diz-me que pode ser importante aproveitar, em favor da
aprendizagem, a disponibilidade que algumas crianças parecem ter para esta partilha.
Por isso, pensei então em investir na reflexão com as crianças sobre as suas produções.
Nesse momento, tinha apenas uma certeza. Era o facto de querer investir num processo
individual, sobretudo porque o meu interesse era o de criar momentos com cada criança,
sem ficar apenas por conversas em grupo nas quais ficam esquecidas as crianças que
temos maior dificuldade em ver.
Este processo de procura teria sido vivido de forma solitária se eu não tivesse
encontrado um grupo que estava a desenvolver trabalho relacionado com a avaliação.
Um pouco sem saber bem ao que ia, um pouco sabendo que ia para algo que me
interessa desde sempre, a avaliação, passei a integrar o projecto AREA – Avaliação
Reguladora no Ensino e Aprendizagem.
Encontramo-nos uma vez por mês e o objectivo é reunirmos algum saber sobre
processos de avaliação reguladora. No grupo não existia ninguém que trabalhasse no 1º
ciclo ou no pré-escolar e foi interessante descobrir que, embora educadores ou
professores com realidades distintas e a trabalhar em diferentes níveis de ensino, todos
nos conseguíamos encontrar num ou noutro lugar dos nossos caminhos.
E tão interessante tem sido descobrir, nesses encontros, que a nossa viagem pode ser
apenas uma.
Num dos sítios dessa viagem – a minha sala de aula – onde moram vinte e sete
“olhares” diferentes, iniciei então um processo com recurso a um dispositivo ao qual eu
combinei com as crianças chamar Portefólio.
E é sobre esse momento que me disponho a escrever.
Descrição da experiência
Ainda não sei se posso chamar Portefólio ao que fazemos.
A primeira coisa que fiz foi dizer às crianças que íamos começar a fazer uma coisa
nova que servia para eu ficar a conhecê-las melhor. Com a habitual disponibilidade e
generosidade, todas concordaram. Expliquei apenas que íamos ver as coisas que cada
uma tinha feito e depois elas escolheriam os três trabalhos que achassem mais
importantes. Disse-lhes também que podíamos chamar a isso Portefólio.
Era para ser todos os dias. Devia ter sido todos os dias. Mas eu não consegui que
fosse todos os dias.
Por isso, mais ou menos todos os dias, eu e uma criança sentámo-nos num
determinado lugar, que foi sempre aquele lugar – o de “fazer” portefólios – e trouxemos
para junto de nós as produções realizadas num determinado tempo (Fig. 2).
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Figura 2. Um momento de trabalho com o portefólio
Dessas produções, a criança seleccionava as três que considerava mais importantes
(Fig. 3)
Eram para ser as produções da quinzena. Deviam ter sido as produções da quinzena.
Mas eu não consegui que fossem as produções da quinzena.
Figura 3. A selecção das produções
Não existiu nenhum outro critério que não tivesse sido a importância atribuída pela
criança que, num momento de conversa individual comigo, explicitava as razões da sua
escolha. Esta conversa era registada (Fig. 4) e guardada junto aos trabalhos
seleccionados.
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Figura 4. Diálogo com a Inês
O momento repetiu-se ao longo do tempo e era para ser uma rotina intencional.
Devia ter sido uma rotina intencional. Mas eu não consegui que fosse uma rotina. Por
isso, foi mais ou menos uma rotina, mas foi sempre intencional.
A esta altura, penso que já é explícita a minha total incapacidade de manter rotinas.
Juntando a esta incapacidade o facto de nem todas as crianças estarem motivadas para
este momento, encontrava-me perante a minha primeira dificuldade: transformar a
organização do portefólio numa rotina para todas as crianças.
É óbvio que, sendo eu educadora há já alguns anos, a minha “dificuldade” com as
rotinas não é nova e eu já aprendi que a melhor forma de lidar com ela é partilhar
responsabilidades. Fizemos então um mapa quinzenal no qual cada um marcava o dia
em que fazia o seu portefólio e eu tive, a partir daí, uma maior facilidade em controlar
quem já o tinha feito e quem ainda precisava de o fazer.
No entanto, o que era para ser feito quinzenalmente e que na realidade era feito mais
ou menos quinzenalmente, evoluiu para uma actividade com uma periodicidade mensal
que manteve efectivamente uma periodicidade mensal. Isto não se deveu apenas à
minha dificuldade em trabalhar quinzenalmente com cada criança. De facto, com o
tempo, percebi também que a quantidade de produtos individuais e a sua diversidade
pediam uma organização mensal.
Sei que não fizemos uma viagem perfeita. Tratou-se apenas de uma visita a um sítio
– a minha sala de aula – onde moram vinte e sete “olhares” diferentes e onde iniciei um
processo com recurso a um dispositivo ao qual eu combinei com as crianças chamar
Portefólio.
Continuo sem saber se a descoberta de uma fórmula para medir de forma clara e
objectiva a situação de cada uma das crianças do grupo influenciaria significativamente
a minha acção.
Mas estou agora mais certa que a relação que eu e as crianças estabelecemos com o
mundo, o modo como o pensamos e o acreditamos, determina a forma como eu
organizo a relação pedagógica.
Análise das práticas
A primeira questão que me interessa abordar prende-se com uma pergunta que me
colocam muitas vezes, com maior ou menor perplexidade: mas porque é que uma
educadora resolve “perder tempo” com a questão da avaliação das crianças se não tem
de tomar decisões quanto à certificação de saberes ou competências? Ou, de modo ainda
mais claro: se as crianças não chumbam nem passam, porque é que é preciso avaliá-las?
Como se a avaliação servisse apenas para ajudar a tomar decisões relativamente à
progressão ou retenção dos alunos…
Na verdade, mesmo quando pensamos em etapas nas quais existem esta
preocupação, a avaliação, embora possa ser para certificar, surge também como factor
de apoio ao processo educativo e como um importante mecanismo para garantir o
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sucesso e a diferenciação pedagógica, chegando a ser encarada como contributo para a
melhoria da qualidade do próprio sistema educativo.
Parece-me fácil compreender que, também no caso das crianças mais pequenas, a
preocupação do educador seja o sucesso e a qualidade; se pensarmos na avaliação como
condição para diferenciar a acção educativa, então ela fará, seguramente, todo o sentido.
Não é possível adequarmos a nossa acção se não conhecermos as crianças.
Dificilmente conseguiremos optimizar as oportunidades de aprendizagem e facilitar o
desenvolvimento das crianças sem o acesso ao que estas já sabem ou já podem fazer.
Nunca saberemos escolher as melhores estratégias, se não encontrarmos formas diversas
de “olhar”.
E eu percebi que há algo melhor do que apenas “olhar”.
Porque nesta visita à minha sala de aula – onde moram vinte e sete “olhares”
diferentes e onde iniciei um processo com recurso a um dispositivo ao qual eu combinei
com as crianças chamar Portefólio – “olhar com as crianças” foi talvez a melhor parte.
Inicialmente, era clara para mim a necessidade de encontrar uma forma qualquer de
observar, para melhor conhecer e planificar a minha acção.
OBSERVAR
CONHECER
PLANIFICAR
Precisava então de descobrir se o dispositivo pelo qual havia optado seria ou não
facilitador do processo atrás descrito, até porque as minhas anteriores experiências de
observação das crianças permitiam-me ter a noção de que para mim era difícil actuar e
observar ao mesmo tempo. Reviver as experiências, em momentos posteriores à acção,
e ter acesso não apenas à minha visão sobre o que aconteceu, mas também à visão das
crianças, resolveu, em parte, esta dificuldade.
Eu descobri que estar individualmente com as crianças, registar o que elas diziam e
depois analisar esse registo me conduzia a um conhecimento mais profundo. Sobretudo
quando voltava aos registos, eu conseguia ver melhor a coerência da avaliação realizada
pela criança, do seu discurso e do modo como este revelava os seus saberes. Parecia que
“naquela criança tudo fazia mais sentido”. Era como vê-la na sua globalidade. Era como
juntar o que habitualmente eu avaliava em separado.
Pela verificação do tipo de critérios que orientavam as escolhas das crianças eu pude
ver, por exemplo, que o Ivo – uma criança com uma história de necessidades educativas
especiais que começou agora a descobrir ser um menino como os outros – valorizava de
forma especial os trabalhos reveladores das suas conquistas. Referindo-se à razão da
escolha de um desenho no qual representava um carro, o Ivo disse “Porque antes eu
riscava os carros e não sabia. Neste trabalho já sabia fazer o carro”.
E o mesmo Ivo respondia à minha pergunta. “Já sabes como é que isto funciona?”
com um peremptório “Sim, já sei”. E, após um breve momento de silêncio: “… Pareço
mesmo o Luís a falar assim!” Convém registar que o Luís é um dos líderes do grupo.
E quando eu lhe perguntava porque tinha escolhido aquele trabalho, ele respondeu:
“Este foi um trabalho de matemática. Eu fiz como o Márcio”. É de notar que o Márcio é
o tal menino que sabe ler desde os três anos e que é uma criança reconhecida pelo grupo
como muito crescida e competente.
Enquanto eu procurava que ele me falasse do seu trabalho dizendo “Queres falar-me
dos teus trabalhos? Podes começar…”, o Ivo respondia-me com um “Está bem…”,
pouco convicto, seguido de uma pergunta visivelmente mais entusiasta: “Teresa,
quando é que eu sou o chefe da semana?”
E eu aprendi.
Este “olhar com o Ivo” permitiu-me encontrar estratégias de reforço mais eficazes,
como chamar a atenção do grupo para o que ele já sabia fazer; permitiu-me descobrir
novas formas de promover a sua inclusão, utilizando o recurso de colegas tutores;
permitiu-me planificar experiências nas quais lhe fosse mais fácil verificar o seu nível
de desempenho, definindo com ele pequenas metas a atingir para determinadas
actividades; permitiu-me ainda desenvolver experiências de grupo nas quais ele pudesse
aceder ao papel de líder (papel que ele inicialmente situava apenas nas outras crianças),
como, por exemplo, convidá-lo a ser o porta-voz de um grupo, a apresentar um trabalho
ou a orientar uma reunião.
Aprendi com o Pedro que a colocação de um trabalho no placar pode ser visto como
factor de valorização.
Questionado sobre a razão pela qual tinha escolhido um determinado trabalho
respondeu: “Porque eu não consegui tirar o papel e pus na parede” [referia-se a um
papel autocolante que ele não tinha conseguido utilizar da forma pretendida]
E, a esse propósito, o André foi ainda mais claro:
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Teresa: Porque escolheste esta pintura?
André: Porque pus na parede.
Teresa: Então tu achas que os trabalhos importantes são os que se põem
na parede…
André: Acho.
Aprendi a ver o que as crianças valorizavam.
Para a Mariana, ser importante era o mesmo que ser grande:
Teresa: Para ti, importante é grande?
Mariana: Pois é.
Para o Emanuel, importante era o trabalho ser feito no computador:
Teresa: Sabes dizer-me porque é que escolheste este trabalho para ficar
no teu portefólio?
Emanuel: Porque é muito importante.
Teresa: Mas porque é que é importante?
Emanuel: Porque é do computador. E o trabalho do computador é
importante para os meninos e para as meninas. E para os homens e para as
mulheres.
Para a Ana, nada mais importante do que a sua melhor amiga:
Teresa: Podes começar…
Ana: eu escolhi este porque esta é a Filipa e ela é a minha melhor amiga.
Teresa: Então, e este?
Ana: Foi porque a Filipa também gostou muito deste.
Para o David, interessava mais o momento que deu origem ao produto seleccionado
do que o produto em si:
Teresa: Porque é que escolheste este registo gráfico?
David: Eu escolhi este porque este é um trabalho ”muita” louco, ”muita”
louco, que as pessoas deviam fazer todos os dias na escola.
Teresa: Porque é que dizes que é ”muita” louco?
David: Porque é da ginástica. E é ”muita” fixe.
Teresa: Mas o que é que devíamos fazer todos os dias? A ginástica ou o
registo gráfico?
David: A ginástica.
Para o Tiago, o importante foi a explicitação ao grupo do valor atribuído à sua
produção:
Teresa: Porque escolheste esta fotografia da tua construção?
Tiago: Lembrei-me de a fazer e depois tu disseste aos outros para fazerem
também.
Para alguns meninos da sala, o que contava era mais o desafio, a aprendizagem, o
grau de dificuldade:
Diogo: Eu acho que este trabalho é importante porque foi do projecto dos
frutos. Era um projecto de ciências.
Márcio: Este é importante porque é um teste de matemática.
Luís: Eu escolhi este trabalho aqui porque é um trabalho com coisas de
trabalhos mais difíceis.
Ivo: É porque é um trabalho difícil e é um trabalho muito difícil.
E eu aprendi.
Aprendi que, apesar das diferenças, todas as crianças eram capazes de identificar as
razões das suas escolhas.
A análise dos processos que as crianças utilizavam para seleccionarem os seus
trabalhos permitia-me também compreender os vários momentos de aprendizagem em
que elas se situavam. Por exemplo, existiam situações em que as crianças
seleccionavam os primeiros trabalhos que lhes apareciam, outras em que analisavam
todos os trabalhos da capa e só depois escolhiam os que queriam colocar no portefólio e
outras em que as crianças faziam trabalhos com a intenção prévia de os colocarem no
portefólio.
Eu também aprendi.
Aprendi que talvez este dispositivo ao qual combinámos chamar Portefólio, ajude a
conhecer melhor os alunos e aquilo que eles preferem ou valorizam. E isto pode ser
importante para todos. Independentemente da idade, ou do ano de escolaridade, ou da
necessidade de certificar. Porque, provavelmente, este dispositivo ao qual combinámos
chamar Portefólio, ajuda os educadores ou os professores a aprenderem a planificar com
maior facilidade, adequação e eficácia.
Aprendi que quando estou a avaliar não estou necessariamente a “roubar” tempo ao
“trabalho” com as crianças. Porque a avaliação não é mais uma coisa.
A avaliação pode ser, ela própria, aprendizagem porque:
- a avaliação pode permitir reflectir sobre os processos vividos;
- a avaliação pode impulsionar reformulações e conduzir a novas experiências;
- a avaliação pode facilitar a participação e o empenho das crianças na sua própria
aprendizagem;
- a avaliação pode constituir-se como actividade construtora de competências nas
diversas áreas de conteúdos.
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OBSERVAR COM AS CRIANÇAS
CONHECER COM AS CRIANÇAS
PLANIFICAR COM AS CRIANÇAS
REFLEXÃO
REFORMULAÇÃO
APRENDIZAGEM
No início, era frequente as crianças olharem os seus trabalhos, limitando-se apenas a
descreverem o que viam (“Uma menina com um chapéu, o céu, a relva, o sol, as nuvens,
a chuva…”).
Mas o tipo de resposta das crianças foi mudando ao longo da nossa experiência. Por
exemplo, a Catarina, olhando para uma colagem sobre tela, parecia lembrar-se do modo
como tinha feito o trabalho identificando-o como razão para a sua escolha: “Sabes
porque é que eu fiz assim? Fiz com muitas cores, muitas… e depois pus esta por cima”.
E o Pedro dizia, tentando explicar o modo como tinha feito o trabalho que analisava:
“Sabes? Eu pus cola e agora está colado”. Lembro-me de um momento onde uma das
crianças verbalizou de forma explícita o seu esforço de memória relativamente aos
trabalhos que tinha seleccionado, parando por um momento e mostrando-se pensativa:
“Tou a pensar… tou a pensar… tou a pensar…”.
E a Ana, justificando a escolha de uma fotografia de uma construção, disse: “É que
eu estava a fazer uma festa assim”. Mas depois continuou: “Também aqui faltavam
coisas assim”.
Constituindo-se então como um mecanismo de reflexão sobre os processos vividos,
é natural que este processo de avaliação por nós utilizado se tivesse tornado
impulsionador de novas experiências ou reformulações de situações já vividas.
Quando analisávamos uma fotografia de um momento em que o Nuno, atento,
participava na apresentação de um teatro de fantoches organizado por um grupo de
colegas, ele, depois de me dizer que tinha escolhido aquela fotografia porque “tinha sido
muito divertido”, referiu: “A seguir vou fazer fantoches para fazermos uma
fantochada”.
Também o André, após explicar que tinha escolhido uma pintura “por ter muitas
cores”, parou a olhar para o seu trabalho e disse: “Qualquer dia ainda vou pintar aqui
mais de amarelo”.
E o David, referindo-se a uma parte específica de um desenho e identificando-a
como a razão pela qual considerou aquele um dos trabalhos mais importantes do mês,
explicou: “Porque eu fiz isto assim”. E continuou: “Mas ainda falta uma coisa vermelha.
É a luva de lutar. Também falta o homem que estava aqui a lutar com ele”.
É provável que a participação das crianças nos processos de reformulação e
planificação de novas experiências conduza ao envolvimento das crianças na sua
própria aprendizagem, levando-as a empenharem-se em novas tarefas.
OBSERVAR COM AS CRIANÇAS
CONHECER COM AS CRIANÇAS
PLANIFICAR COM AS CRIANÇAS
REFLEXÃO
REFORMULAÇÃO
APRENDIZAGEM
EMPENHO PESSOAL
EM APRENDER
O Diogo, revendo um trabalho sobre consciência fonológica, verificou que se tinha
enganado e ficou visivelmente aborrecido.
Seguiu-se; então, o seguinte diálogo:
Teresa: Há mais folhas dessas na sala. Queres fazer outra?
Diogo: Mas isso cansa…
Teresa: Mas depois fica tudo certo, não é?
Diogo: Mas posso então ir brincar primeiro?
Teresa: E depois fazes?
Diogo: Sim.
Teresa: Eu vou buscar a folha. Se calhar o melhor é ficar aqui na mesa
para tu não te esqueceres.
Diogo: Achas?
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O Pedro, que até aí fazia desenhos muito pequenos e que ocupavam apenas uma
parte da folha, apercebeu-se de que tinha conseguido um “desenho grande na folha”.
Explicando que se tratava de “um menino às voltas na folha”, verbalizou uma decisão
“Agora eu vou sempre fazer desenhos grandes”.
A avaliação não é “mais uma coisa”.
A avaliação pode ser, ela própria, aprendizagem.
Ao longo deste processo, ao fim de um tempo, o início da conversa era semelhante e
eu deixei de o registar por escrito, excepto nos casos em que acontecia algo de diferente.
Tal decisão levou ao seguinte episódio com a Rita:
A minha conversa iniciou-se como era habitual e eu disse, sem escrever:
“Podes começar…”.
A Rita olhou para mim, talvez um pouco preocupada, e comentou:
“Espera, primeiro tens de escrever”.
A Rita estava a aprender sobre a relação entre a leitura e a escrita. Tal como o
Diogo. No fim de cada uma das afirmações que fazia, o Diogo explicava com um gesto
que não tinha mais nada para dizer sobre aquele trabalho. Então, eu perguntei: “Hoje
escolheste falar por gestos?”. Ao que o Diogo respondeu: “Não. É porque se eu falo
mais, tu escreves tudo. E depois nunca mais acabas o meu Portefólio.”
E ainda num outro momento:
Diogo: Porque é que estás a escrever mais nada?
Teresa: Porque eu escrevo o que tu dizes…
Diogo: Mas mais nada não era preciso escreveres.
Teresa: Porquê?
Diogo: Dizer mais nada é dizer que não quero que escrevas mais nada.
Voltando à Rita, ao falar de uma tentativa de escrita (“rabiscos”) que tinha
seleccionado, referiu: “Estava a fazer assim para escrever”.
Por vezes a atribuição de importância à escrita era explicitamente apresentada como
critério para a escolha de um trabalho. Foi o caso do Fábio que respondendo à questão
“Porque achas este trabalho importante?”, disse sem qualquer tipo de hesitação “Porque
eu escrevi”. E continuou: “E tem o A, o L… “ (e nomeou todas as letras).
No âmbito da Matemática, foi interessante a conversa com o Luís sobre um dos seus
trabalhos:
(Produção do Luís)
Teresa: E este?
Luís: Este foi a fazer contas.
Teresa: Contas? Podes explicar?
Luís: Então, aqui está três mais quatro. E aqui “está os pauzinhos” para eu
contar.
E o André, descrevendo uma fotografia de uma produção sua dizia: “Aqui foi difícil
fazer bolinhas com o barro”. Lancei-lhe, então, um desafio: “Na matemática, como é
que tínhamos de dizer?” Ele pensou durante algum tempo, sorriu e disse: “Já me ia a
enganar! Ia quase dizer quadrados… Eram círculos”.
Outra descrição interessante do ponto de vista da avaliação enquanto construtora de
aprendizagens na área da Matemática, relaciona-se com a descrição que o Ricardo fez
de um estudo por si realizado para um projecto em pequeno grupo:
Ricardo: Primeiro fiz um desenho. Meti um triângulo e depois meti um
triângulo e outro triângulo. São dois triângulos. A seguir meti um
quadrado. A seguir, meti outro quadrado. Depois, meti um rectângulo em
cima. E, como não sei fazer índios, representei o índio com um rectângulo.
[interrompi a descrição dele para dar atenção à solicitação de outra
criança]
Ricardo: Teresa, interrompeste-me, mas eu desculpo-te!
Teresa: Obrigada.
Ricardo: A seguir, meti o escorrega. Depois, fui fazer a construção com o
jogo.
Eu também aprendi.
E pretendo continuar a aprender. Para chegar a outras respostas, ficarão as perguntas
que já fiz. Pretendo apenas deixar o tempo correr e fazer novas visitas a sítios diferentes
– na minha sala de aula – levando comigo novas inquietações, mas também novas
direcções.
Recomendações/reajustes para futuras utilizações
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Comigo ficou a convicção de tentar perceber se o portefólio pode ser impulsionador
de novas reformulações ou até de novas experiências e, por isso, resolvi introduzir uma
mudança na orientação para a conversa a desenvolver com as crianças, passando a
colocar as seguintes questões:
1. Como fiz este trabalho?
2. O que acho mais importante?
3. O que gostava de fazer de outra maneira?
4. Vou tentar fazê-lo outra vez
Não vou tentar fazê-lo outra vez
Para compreender melhor se o portefólio permite reflectir sobre processos vividos
ou sobre as produções realizadas, constituindo-se como um instrumento de avaliação
facilitador do desenvolvimento de competências e se poderá ser visto como um
instrumento regulador das aprendizagens, continuarei a desenvolver um processo
semelhante ao que vivemos até agora, com uma sessão mensal por cada criança,
passando à escolha de apenas um produto como modo de possibilitar maior facilidade
na recolha e tratamento mais sistemático de dados para avaliação.
Esta não é, portanto, uma experiência acabada. Ainda que me pareça ter encontrado
uma direcção, pretendo continuar à procura. Ficará, quem sabe, a possibilidade de nos
encontrarmos novamente numa ou noutra reflexão, um destes dias.
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Cap. 1