1 BONS TEMPOS... SEM MÁGOAS OU RESSENTIMENTOS 1 Sueli Petry da Luz1 Pedro Severino é inesquecível nesta Universidade. Autoridade respeitada, apesar de freqüentemente se posicionar contrário a certos processos e pedidos, pois não deixava de dizer, na hora, o que pensava. Entretanto, acima de tudo, ser humano de grande sensibilidade. Despachava de uma forma que, muitas vezes, deixava qualquer pessoa com os nervos à flor da pele. Era teimoso. Quando negava um processo, estava indeferido mesmo e dificilmente, retrocedia, pelo menos na minha experiência. Manifestava-se com fidelidade às suas opiniões, mas a maioria das pessoas não conseguia ter raiva dele. Aliás, ficávamos ressentidos ou com raiva mais de 24 horas porque reconhecíamos, consciente ou inconscientemente, a difícil função de interventor na FEPEVI. E, por incrível que pareça, a raiva era motivo de risadas no dia seguinte, pois logo ele inventava uma brincadeira do ocorrido, dava um jeito de fazer imitações, encenar personagens do fato, resultando daí uma piada. Usava palavras de ordem, mexendo com todo mundo que aparecesse na sua frente. Mas, enfim, tudo voltava ao normal com a seqüência de “nãos” tantas vezes usadas. Tocávamos a vida para frente. Sabia brincar com a maioria das pessoas, desde com os funcionários administrativos até com os superiores da hierarquia funcional. Era uma pessoa popular. Tinha um humor invejável, quando não estava atrás daquela escrivaninha como Superintendente Administrativo, mais tarde Pró – Reitor. Ele parecia até incorporar “não”, quando sentado à escrivaninha. Lembro – me de muitas passagens especiais. São saudosas recordações do nosso tempo de Superintendentes, uma delas, encaixa nesta descrição. Aconteceu em 1988, em plena caminhada do processo de transformação das Faculdades Integradas do Litoral Catarinense – FILCAT, para a Universidade do Vale do Itajaí. Vivíamos a dialética do processo por inteiro: de um lado,a necessidade de expansão de cursos, recepção bimestral da Comissão de Reconhecimento da UNIVALI, requerendo mente aberta, criativa, flexível, para concretizar o sonho de sermos Universidade; por outro lado, a escassez de recursos financeiros, economia controlada, enfim, racionalização de tudo. Foi um período difícil, mas muito divertido. Sabíamos “trabalhar e brincar”. Foi nesse período, na sala do 2º piso do bloco junto à Rua Uruguai, cognominado de “torre”, lugar transitório da Superintendência Administrativa, depois Pró-Reitoria Administrativa. Sala pequena e simples, com uma escrivaninha de escritório, um armário e um sofá. Foi nessa “torre” que tudo aconteceu. Lembro que fui pedir deferimento de um pedido de compra de material. Após ler o memorando, olhou-me sério: - “Vocês só sabem gastar! Não sabem levar adiante uma proposta sem gastar? Para que tudo isto aqui? E jogou sobre a mesa o processo. Eu a economizar, vocês a esbanjar. Bonito, não?” Expliquei (recordando), com paciência, que estávamos caminhando para um processo de Universidade, o que inevitavelmente incidia sobre gastos necessários, que as pessoas e os integrantes da hierarquia superior, teriam que mudar de mentalidade, acompanhar as transformações de qualquer ordem. A mudança viria quer quiséssemos, quer não. - “Que mudança? Só na tua cabeça. Vocês (referindo-se a mim, ao Dr. Edison e aos demais envolvidos no processo) estão delirando!! Vocês estão sonhando!!”. Retornei a explicar que tudo era uma questão de procedimentos, que mais cedo ou mais tarde, seríamos Universidade. Ele retrucou dizendo: - “Isto na tua cabeça! Olhe um pouco para fulano e sicrano (na época, diretores) vê a resistência. Tu é que não queres enxergar. Olha para os lados. Deste para ficar romântica?” 1 Professora da Univali 2 Apresentei mais algumas explicações e retornei a questionar sobre o deferimento do citado documento sobre a mesa. - “Não. É indeferido!”. Bateu na mesa de modo que a secretária ouviu. - “Vocês só sabem gastar”. É “não”, e acabou a conversa. Nessas alturas, a minha paciência já estava a se esgotar. Então eu disse que, com aquele tipo de atitude não seríamos Universidade nunca. Estava esperando apenas um pequeno deferimento para coisas de pouco custo em curto prazo. Apelei para o bom senso dele, reforçando que o material solicitado era necessário às atividades programadas. Ele respondia: - “Não!” Não sabes mais o que significa “INDEFERIDO”? - Sei, sim e muito bem. Mas precisas repensar e deferir o pedido, porque não tenho como levar adiante as atividades que estão sob minha incumbência. Quem não aceita essa negativa sou eu. - “É não!” E batia na mesa cada vez mais forte, dando a entender que estávamos encerrando a discussão. - Que coisa mais absurda, Pedro Severino, vais ficar fazendo um escândalo desses só por um pedido que não é dos grandes? Estás descontando em mim outras coisas que aconteceram neste dia. Anda... conta, o que aconteceu ou está acontecendo. O que te aconteceu para estares com “azedume” todo? Sai dessa mesa para negociarmos. Vamos à Secretaria ou à Presidência. Sai dessa mesa, Pedro Severino! - Não saio! Já disse que é não!! Tás surda, Sueli? - Então eu vou conversar com o Dr. Edison. E saí porta afora em direção à Presidência, situada no piso de baixo, na antiga Biblioteca, lugar para onde, mais tarde, transferiram-se todas as três Pró – Reitorias: Administração, Ensino e Comunitária. Não demorou muito para ele me seguir. Naquelas alturas, eu já estava com o processo na mão e bufando de raiva diante da submissão da Superintendência Acadêmica à Administrativa. Ainda conversei com ele, numa última tentativa: - Não queres despachar.? Se eu estou dizendo que esse material é imprescindível, não há o que discutir. Já na ante - sala da Presidência, minha voz apresentava um tom mais elevado. Fui em direção à porta da sala do Dr. Edison. Ele me alcançou, e acabamos entrando juntos. Acredito que o Dr. Edison nunca nos viu daquele jeito. Eu, bufando de raiva, e ele, rindo, como se nada houvesse acontecido (claro, tinha saído da frente daquela “maldita” escrivaninha). Foi então que falei ao Dr. Edison: - Com esse tipo de cabeça, Dr. Edison, nós não vamos fazer Universidade nunca. Ou ele muda, ou não vai dar certo. Para tudo tem que se pedir “amém”. Assim não vai dar. Nós não vamos a lugar algum. E o Pedro Severino ria, dizendo que eu estava nervosinha, ou naqueles dias, o que me deixava cada vez mais irritada. Para acalmar as “autoridades”, o Dr. Edison como um pai, pediu para deixar o processo na mesa dele. Pedi licença e saí sem olhar para o Pedro Severino. Hoje, voltando ao passado, penso que qualquer decisão naquela hora seria desastrosa. Mas, o bom dessa história toda é que nós não guardávamos raiva ou ressentimentos. As diferenças eram na hora, apenas esquecidas com a mesma facilidade e proporção em que ocorriam os acontecimentos do cotidiano. Bons tempos!!