SUMÁRIO PROPOSTA PEDAGÓGICA O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS ............................................................................ 03 Maria Teresa Eglér Mantoan SUGESTÃO PARA AVALIAÇÃO DA SÉRIE OU PARA INICIAR UMA DISCUSSÃO ...................... 13 PGM 1 O DIREITO À DIFERENÇA NA IGUALDADE DE DIREITOS ........................................................... 23 Inclusão escolar – caminhos e descaminhos, desafios, perspectivas Maria Teresa Eglér Mantoan PGM 2 IDENTIDADE E DIFERENÇAS ........................................................................................................ 32 Texto 1: Revisando conceitos: o necessário exercício de construção da identidade a partir da diferença ............................................................................................................................................ 32 Margarida Seabra de Moura Texto 2: Indivíduo e massa: uma cilada no discurso da identidade ................................................... 37 Carlos Alberto Marques PGM 3 ENSINANDO A TURMA TODA: AS DIFERENÇAS NA ESCOLA ..................................................... 42 Texto 1: Educação inclusiva: revisar e refazer a cultura escolar ...................................................... 42 Rosângela Machado Texto 2: Inclusão: teoria e prática ...................................................................................................... 46 Mara Sartoretto PGM 4 O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO COMO GARANTIA DA INCLUSÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA ........................................................................................................... 52 Texto 1: Alunos com deficiência e seu direito à educação: trata-se de uma educação especial? ... 52 Eugênia Augusta Gonzaga Fávero Texto 2: Atendimento educacional especializado para alunos cegos e com baixa visão .................. 62 Elizabet Dias de Sá Texto 3: Atendimento educacional especializado para a pessoa com deficiência mental ................ 68 Cristina Abranches Mota Batista Texto 4: O atendimento educacional especializado como garantia da inclusão de alunos com deficiência .......................................................................................................................................... 79 Rita Bersch PGM 5 FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A INCLUSÃO E O ACESSO AO ENSINO SUPERIOR ... 85 Texto 1: A formação dos professores no contexto de uma escola aberta às diferenças .................. 85 Maria Terezinha C.Teixeira dos Santos Texto 2: Formação de professores para a inclusão e o acesso ao ensino superior .......................... 92 Rita Vieira de Figueiredo O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 2 . PROPOSTA PEDAGÓGICA O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS Maria Teresa Eglér Mantoan1 Considerações iniciais A TV Escola, por meio do Programa Salto para o Futuro, veiculará, no período de 6 a 10 de novembro de 2006, uma série intitulada O desafio das diferenças nas escolas. O assunto, embora já não seja mais uma novidade, é muito polêmico e controverso e suscita questões que mexem com as bases de nosso sistema educacional e com as práticas de ensino que tradicionalmente se desenvolvem nas escolas, especialmente no nível básico: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Nesta série, vamos nos ater mais ao que a inclusão exige e provoca no sentido de transformar para melhor o ensino básico, mas também abordaremos as suas investidas no ensino superior, pois essa inovação se aplica a todas as escolas e a todos os alunos, indistintamente. O que pretendemos é colocar o professor a pensar sobre o seu cotidiano escolar, suas formas de ensinar, de avaliar o desempenho de seus alunos, seu modo de planejar o trabalho que desenvolverá em sala de aula. Mas esse objetivo não descarta um apoio teórico necessário à revisão de práticas que já estão, de certa forma, consagradas pelo uso e que, não sendo devidamente analisadas em suas raízes mais profundas, continuam sustentando o que precisa ser modificado. Precisamos, pois, rever o que está por detrás de nossas escolhas e de tudo o que estamos desenvolvendo, a partir de referências educacionais que perpetuam a exclusão nas escolas, há muito tempo. Essa revisão demanda uma retomada de conceitos e também a apresentação de outros, novos, que são absolutamente necessários para que a inclusão escolar não seja considerada mais um “modismo”, uma exigência legal que vem controlar, arbitrariamente, o trabalho nas escolas, impondo-lhes novos propósitos e responsabilidades. Sem o apoio de uma concepção educacional atualizada e aberta às diferenças, compatível com ideais e valores que estão sendo defendidos para combater todas as formas de discriminação e de restrições/limitações que atingem determinadas minorias nas escolas e na sociedade em O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 3 . geral, é impossível penetrar no que a inclusão significa para a formação das novas gerações e para o momento em que vivemos todos nós, neste planeta. Portanto, não podemos nos restringir, nessa série, a discutir situações de sala de aula e quaisquer outras que são próprias do universo escolar, sem que tenhamos subjacente a esses quadros uma posição sobre o que entendemos hoje por processos de identificação, produção da desigualdade, exclusão, igualdade de oportunidades e outros. O que temos pela frente é um trabalho bastante complexo, cheio de ramificações e que precisa de uma base conceitual forte e do conhecimento de novas práticas pedagógicas, para que seja desenvolvido adequadamente, sem cair nos “achismos e modismos”, nas soluções paliativas, nos desvios que comumente temos presenciado, quando se tem como objetivo a inclusão escolar. A verdade é que o tempo vai passando e, infelizmente, não estamos conseguindo encontrar uma direção que nos leve diretamente ao que nos propõe a inclusão nas escolas. Os motivos variam muito, mas estão, no geral, relacionados ao preconceito, à força das corporações que atuam em relação às pessoas com deficiência, à ignorância dos pais, a políticas educacionais, que neutralizam todo tipo de desafios que as escolas têm de enfrentar para aprimorarem suas práticas, a uma interpretação retrógrada de educação especializada, que substitui e não complementa o ensino regular, nas escolas comuns. E que atende, indiscriminadamente, a alunos com deficiência e a alunos que não as têm, mas que estão com problemas de aprendizagem... As distorções conceituais não são poucas também e constituem barreiras ao entendimento do que a inclusão representa, no sentido de uma ressignificação do ensino, da aprendizagem, da formação de professores, dos processos avaliativos, do mérito escolar, das promoções, das categorizações e seriações acadêmicas, dos currículos... Portanto, há muito a fazer, no sentido de que a inclusão escolar possa ser entendida e posta em ação nos sistemas de ensino público governamental e privado. O tempo passa e não podemos continuar perpetuando as injustiças cometidas pela educação formal, ao definir o aluno ideal e ao discriminar os demais, por não se encaixarem nesse modelo. O trabalho não é dos mais fáceis, porque estamos muito habituados com o modo de as escolas se organizarem pedagogicamente, com seus métodos excludentes e conservadores de trabalho, que estão arraigados à nossa formação básica e profissional. É mais fácil a alguém externo à O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 4 . educação compreender e defender os propósitos inclusivos do que, muitas vezes, convencer um educador da importância e das exigências dessa inovação, de tal forma as nossas concepções educacionais carregam o peso de uma escola para alguns, o que vivenciamos, e que não corresponde ao que a escola para todos preconiza. Esta série, dedicada à inclusão, é mais uma oportunidade de colocá-la em evidência e em questão. E situações como esta são sempre bem-vindas! O que pretendemos é que, a partir dos textos e encontros que selecionamos para explorar o tema descubramos novas possibilidades de trabalho nas salas de aula, mas sempre a partir da compreensão teórica das novas medidas a serem tomadas, para que a educação seja cada vez mais de qualidade e aberta às diferenças. Temas que serão abordados na série O desafio das diferenças nas escolas, que será apresentada no programa Salto para o Futuro/TV Escola/SEED/MEC de 6 a 10 de novembro de 2006: PGM 1 – O direito à diferença na igualdade de direitos Não somos iguais em tudo, mas conquistamos o direito à igualdade e devemos reclamá-lo, toda vez que as nossas diferenças forem motivo de exclusão, discriminação, limitação de possibilidades, na escola, na sociedade em geral. A discussão da igualdade na escola está contida no direito de todos à educação. Esse direito é uma conquista democrática e está expresso em nossa Constituição Federal de 1988. Como assegurá-lo a todos os escolares brasileiros, sem distinções de qualquer tipo, natureza? Eis um tema de todo interesse para abrir esta série sobre inclusão. Precisamos, acima de tudo, perceber a extensão desse direito e respeitá-lo nas suas inúmeras possibilidades de aplicação, além de conhecê-lo em seus detalhes, pois, sendo educadores, nós somos os profissionais mais diretamente comprometidos com esta conquista social. O direito à educação não tem uma posição universalista e generalizadora em nosso Ordenamento Jurídico. Nele também são consideradas situações em que o direito às diferenças é proclamado. Eis aí uma excelente oportunidade para discutirmos com juristas e outros profissionais que se dedicam ao estudo desse assunto, o que significa uma escola para O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 5 . todos na perspectiva dos avanços na legislação que sustenta a organização do Estado brasileiro. Consideramos esses conhecimentos básicos, quando discutimos a necessidade de transformar as nossas escolas, para que se tornem ambientes que se propõem a concretizar o que nossas prescrições legais preconizam, atendendo aos anseios do povo, no seu pacto maior, a nossa Constituição. O direito à educação esbarra no problema da igualdade de oportunidades, o que nem sempre se compatibiliza com os ideais inclusivos, pois muitas vezes essa igualdade está a serviço da exclusão e até a justifica. De fato, algumas pessoas podem ficar fora da escola por não darem conta de uma oportunidade igual de educação para todos. Suas diferenças não foram consideradas, a não ser para que tivéssemos um bom motivo para discriminá-las e colocá-las à margem em escolas especiais, como pessoas que, não conseguindo tirar benefícios dessa igualdade, precisam se conformar com uma situação marginal, à parte, nos sistemas escolares. Dificilmente a escola e os pais entendem essa situação e se enganam, achando que os alunos que não dão certo nas escolas comuns devem freqüentar o ensino especializado unicamente e com fins de escolarização. Mas a questão da igualdade de oportunidades não afeta somente os alunos com dificuldade de aprender por um tipo de deficiência, mas os demais alunos, que também encontram dificuldade para acompanhar o ensino regular nas escolas comuns, em todos os níveis de ensino. O direito à educação e à diferença na escola não é um problema típico das etapas do nível básico; no ensino superior ele também está cada vez mais sendo exigido e as universidades têm procurado atendê-lo, contornando-o com programas de cotas, com financiamentos, bolsas oferecidos a todos os que necessitam de uma compensação inicial, para que possam dar o primeiro passo na conquista das demais etapas de formação. Temos, portanto, que, inicialmente, ouvir os juristas e discutir com eles esse direito e, acima de tudo, precisamos nos empenhar e buscar, fora da educação, elementos que nos façam clarear o conceito de inclusão, por uma visão multifocal do tema, sempre na firme intenção de conhecer para melhor fazer acontecer a educação para todos nas nossas escolas. Esses são os temas em debate neste primeiro programa da série. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 6 . PGM 2 – Identidade e diferenças A idéia de incluir este assunto no segundo programa da série decorre da grande dificuldade que temos de entender a construção da identidade e dos desmembramentos da questão, no que diz respeito à formação escolar, em seu todo. Formamos pessoas para que elas se identifiquem a algum tipo, modelo, herói, exemplo, padrão, ou para cultivar o que é próprio de cada uma, o que as distingue, a partir de nossas tendências, habilidades, escolhas? Formamos pessoas para que possam se recriar constantemente, ou para que sejam presas de uma identidade que lhes é atribuída e que deve ser conservada por toda a vida e a todo custo? Consideramos a discussão desse tema muito pertinente à questão da escola aberta às diferenças e pretendemos abordá-lo em seus contornos mais amplos e restritos, ou seja, em termos de identidades coletivas e das minorias, em termos étnicos, religiosos, de gênero, quanto às deficiências e outros. A pertinência do tema está no fato de entendermos a identidade como sendo móvel e não fixada nos indivíduos. A identidade, na escola inclusiva, não é compreendida pelos cânones tradicionais do seu entendimento; está voltada para o que é errante, transitório, e que se impõe sobre o perene, próprio do que ainda permeia as nossas identidades sociais, culturais e profissionais. Os alunos, na perspectiva de uma escola aberta às diferenças, não se reduzem mais a pessoas rotuladas por professores, especialistas, que os condenam a categorizações e hierarquizações, impostas por aparatos psicológicos e pedagógicos (testes, provas, coeficientes, padrões de desenvolvimento, de desempenho acadêmico, entre outros). Cada aluno é um ser, cuja complexidade não se mede de fora e que precisa de situações estimuladoras para que cresça e avance em todos os aspectos de sua personalidade, a partir de uma construção pessoal, que vai se definindo e transmutando a sua identidade, sem um contorno ao qual deverá se conter e tendo sempre ocasiões de desenvolver-se, criando e atualizando suas possibilidades. Para este segundo programa da série, convidaremos para participar de um debate representantes dessas minorias excluídas pela escola, sociólogos e antropólogos, que possam tratar da questão da identidade em suas nuances de compreensão e ilustraremos o debate com depoimentos de pais, professores, pessoas que trarão suas experiências de exclusão e de inclusão no cotidiano. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 7 . PGM 3 – Ensinando a turma toda: as diferenças na escola O alvo desta série é oferecer aos professores mais uma oportunidade de reconhecer e valorizar as diferenças na escola. Trata-se de mais um desafio da série, pois que os professores, em geral, têm bastante dificuldade de entender os princípios inclusivos, quando aplicados às salas de aula, diante da formação que tiveram como alunos e como profissionais da educação. De fato, não é fácil, depois de toda uma experiência de ensino, em que a exclusão é uma das situações mais comumente vividas, fazer essa passagem necessária que nos leva a conceber a escola inclusiva como aquela em que todos, indiscriminadamente, são valorizados em seus conhecimentos e reconhecidos, como alunos, como pessoas que têm possibilidades diferentes de construir conhecimentos, a partir de suas vivências culturais, de suas condições de aprender e de atribuir significado ao mundo que nos cerca. Infelizmente a escola, até os nossos dias, não se dá bem com as diferenças. Suas turmas são constituídas a partir da idéia de que conseguimos homogeneizar os grupos de alunos, segundo um dado desempenho escolar. Esse critério de agrupamento varia arbitrariamente, hierarquizando-se, ordenando-se, segundo o que a escola e seus professores definem, para que tal organização pedagógica possa atingir os seus objetivos, ou seja, igualar níveis de competências escolares por série, ciclos de desenvolvimento e outros. Admitir que os alunos são diferentes quando entram na escola, seja em uma dada série, e/ou nível de ensino, é certo e sobre essa condição não existem dúvidas. Mas, como ponto de chegada, todos devem atingir um dado padrão de comportamento acadêmico, que define o aluno como capaz e dentro do modelo de um aprendiz de 1ª série, de nível superior etc. Os que não couberem nesse modelo são facilmente excluídos ou limitados em sua trajetória escolar. A regra é essa e ela impera na maioria das escolas, de todos os níveis de ensino – da Educação Infantil à universidade. Temos, então, que ressignificar essa organização escolar perversa, que se diz para todos, mas que é planejada para alguns e, para tanto, a releitura do sistema de ensino pelos que dele fazem parte é fundamental. Também é preciso compreender melhor o que é a aprendizagem e como esses dois processos são indissociáveis e não correspondentes. Eis aí uma grande chave para que se possa entender como é possível se ensinar uma turma toda, sem adotar um ensino diversificado para alguns, que é tão discriminador para certos alunos como ser encaminhado a uma turma mais fraca, por exemplo. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 8 . Os professores e a grande maioria das pessoas pensam que um conteúdo ensinado deva corresponder a uma aprendizagem esperada. Se o aluno é capaz de “acompanhar” a turma, do ponto de vista do seu desempenho intelectual, é assim que deverá acontecer no processo escolar bem sucedido. Temos, então, que nos empenhar, a todo o custo, para conseguir que os alunos reproduzam o que definimos como o que deve ser assimilado em uma área do conhecimento e segundo o conteúdo programático do currículo de uma série, ciclo, nível de formação escolar. Este é um trabalho estressante para o professor e que dificilmente será recompensado, pois o que se espera alcançar é inatingível. PGM 4 - O atendimento educacional especializado como garantia da inclusão de alunos com deficiência Pensamos que é extremamente urgente e apropriado divulgar para todos os que atuam nas escolas, aos pais e especialistas, aos clínicos, enfim a todos os que se dedicam à educação escolar inclusiva, que o ensino especial, desde a Constituição de 1988, deixou de ser substitutivo do ensino regular e passou a ser um complemento da formação dos alunos Com isso queremos dizer que não se pode mais proceder como anteriormente, excluindo alunos das salas comuns de ensino regular e encaminhando-os para serem escolarizados em escolas e classes especiais. O ensino especial, como modalidade de ensino, é transversal a todos os níveis escolares, da Educação Infantil à universidade, mas não pode substituir o ensino regular e seus professores. Não substitui, igualmente, os professores das escolas comuns, onde devem estar matriculados e freqüentando suas salas de aulas. A intenção é trazer a público essa nova interpretação do ensino especial – o atendimento educacional especializado – e dirimir essas dúvidas, que vêm de longe! Especialistas das áreas da deficiência mental, visual, auditiva, física irão não apenas apresentar o que estão propondo como novidades, como também demonstrar os resultados que estão conseguindo a partir do atendimento educacional especializado, na sua versão atualizada. PGM 5 – Formação de professores para a inclusão e o acesso ao ensino superior Neste quinto programa da série, o alvo é desconstruir uma política de formação habitualmente adotada pelas redes de ensino público, que está fundamentada na idéia de que cursos esporádicos externos, ou mesmo formação em serviço nas escolas, devem transmitir ao O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 9 . professor as inovações educacionais para que, conhecendo-as, façam uso delas, em suas salas de aulas. As práticas de formação obedecem ao mesmo modo tradicional de se ensinar nas escolas, que traz pronta a novidade, ou seja, o conhecimento a ser aprendido, e espera que o aluno o reproduza, posteriormente. A escola para alguns suporta e se beneficia dessa formação, pois o que pretende é que a educação idealize o educando e selecione os meios para que essa idealização se concretize. Para alcançar esse objetivo, seus professores nada mais precisam do que conhecer o que deve ser ensinado e trabalhar para que o educando se “conforme”, adquira o formato desejado pelo sistema educacional, ignorando as diferenças. Sistemas de ensino que assim se comportam rejeitam os alunos e os professores que não estão dentro do que foi estipulado arbitrariamente para atender ao perfil do bom professor e do bom aluno. A maioria das formações iniciais e continuadas de professores pretende que eles façam de seus alunos seres que aceitam passivamente o que deve ser aprendido e executado nas escolas. Pode parecer radical ou mesmo exagerada essa afirmação, porém é o que, infelizmente, temos presenciado na maioria das redes de ensino que conhecemos por esse país afora. Gastam-se fortunas em formação e o professor se sente cada vez mais despreparado para atender às pretensões dessas redes, ao veicularem esses novos conhecimentos. Com relação à inclusão escolar, a grande queixa e justificativa mais freqüente da resistência dos professores em receber todo e qualquer aluno em suas salas de aula é o despreparo para ensinar a turma toda, sem discriminações, ensino adaptado, diversificado, nas salas de aula das escolas comuns. De fato, a formação que estão recebendo não atende aos reclamos de um ensino dessa natureza, que gira em torno de outro eixo e que não se desenvolve a partir de conhecimentos previamente selecionados e transmitidos aos professores, como manuais para bem atender às necessidades e aos interesses de todos os seus alunos. A escola para todos exige uma virada na formação inicial dos professores, o que é bem mais difícil e complexo, mas principalmente na formação em serviço, ora proposta e realizada. O que é essencial, do nosso ponto de vista, é que a formação se centre na discussão dos problemas relativos ao ensino e às possibilidades de os alunos tirarem proveito dele. Essa é verdadeiramente uma virada, que tem sido proposta por algumas redes e escolas de ensino público e particular, respaldada pela necessidade de se resolver o problema do despreparo constante dos professores, para ensinar a todos os alunos. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 10 . O que se tem como objetivo, nessas formações, quando não se trata de fazer cursos e/ou estudar textos sobre novos assuntos educacionais e outros de natureza administrativa, é sempre a aprendizagem, as dificuldades de os alunos darem conta e de acompanharem os colegas. Assim sendo, não se focam, nessas reuniões, os problemas de ensino, o que é possível ser mudado para que os alunos tenham outras oportunidades de aprender, a partir do que são capazes, do que têm interesse e curiosidade de saber. As discussões de caso, quando ocorrem, apontam o que os alunos não conseguem aprender e não o que eles aprenderam a partir de em ensino que não tem a pretensão de que todos cheguem a um mesmo nível e/ou tipo de conhecimento com o mesmo fôlego, no mesmo tempo... e com facilidade! Os casos não são estudados para serem debatidos em reunião de professores, com seus diretores e especialistas. Eles são notificados, etiquetados e, a priori, definidos como sem condições de atender ao exigido para os demais colegas. Assim é que se carreiam os procedimentos de inclusão. A formação em serviço tem uma grande arte nesses procedimentos, pois é, no geral, a partir desses encaminhamentos que muitos alunos têm suas trajetórias educacionais desviadas e até mesmo interrompidas. O atendimento educacional especializado, que é ainda pouco entendido pelos que atuam tanto no ensino comum, regular, como no ensino especial, é necessário para se garantir a inclusão de alunos com deficiência nas salas de aula de ensino regular e esse atendimento deve estar voltado para os seus problemas, necessidades e peculiaridades. No ensino regular, o problema de aprendizagem dos alunos terá de ser reconhecido a partir de uma formação interna às escolas, e que terá como objetivo os problemas de ensino, nessa escola, diante das possibilidades de seus alunos. O acesso ao ensino superior Penso que é oportuno encerrar esta série sobre educação inclusiva demonstrando o que está sendo proposto pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp/SP com relação ao acesso, permanência e continuidade dos estudos de nível superior de todos os alunos com e sem deficiência. Aqui abordaríamos não apenas o que diz respeito ao acesso nos exames vestibulares, como o modo de esta Universidade encarar problemas de justiça social e racial, no ensino superior. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 11 . O atendimento educacional especializado realizado pela Unicamp, por meio do Laboratório de Acessibilidade da Biblioteca Central César Lattes, é um trabalho digno de ser divulgado, assim como o PAAIS, que é o projeto de ação afirmativa de inclusão social da Unicamp. A propósito da inclusão no ensino superior, visitem o site do Projeto TODOS NÓS – Unicamp Acessível, do qual sou uma das coordenadoras: www.todosnos.unicamp.br Nota: 1 Doutora em Educação. Professora dos cursos de graduação e de pósgraduação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas/Unicamp. Coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade – LEPED/Unicamp. Consultora desta série. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 12 . SUGESTÃO PARA AVALIAÇÃO DA SÉRIE OU PARA INICIAR UMA DISCUSSÃO Seguem alguns “testes” que elaborei para brincar com os professores e, ao mesmo tempo, para que eles verifiquem o nível de entendimento da inclusão escolar, especialmente quando se trata de alunos com deficiência incluídos nas escolas comuns. Os “testes” abaixo reproduzidos foram publicados como capítulos do livro Humor e Alegria na Escola, organizado por Valéria Amorim Araújo, em 2006, e publicado em São Paulo, pela Summus Editorial. TESTE SEU PODER DE INCLUSÃO Maria Teresa Eglér Mantoan Faculdade de Educação – Unicamp Caro (a) Professor (a): A inclusão tem nos preocupado bastante, não é mesmo? Cada um diz uma coisa. Ora são os pais, ora os especialistas, ora os médicos, além da televisão, dos congressos, cursos, dos livros em geral, que nos afligem, despencando nas nossas cabeças todas as responsabilidades por uma virada do avesso das escolas. A gente fica desnorteado(a) com tantas idéias, argumentos, novidades. E quase sempre sobra para a sala de aula, para o(a) professor(a) a parte mais difícil, não é mesmo? Mudar as práticas, escolares, aprendidas com tanto custo, é um desafio daqueles... Muitos acham que os(as) professores(as) são resistentes, acomodados(as), apegados(as) aos velhos hábitos de trabalho. Seriam mesmo? Teste, então, o seu poder de inclusão! Faça um check up inclusivo. O exame é simples, despretensioso, mas poderá ser útil, e alertar para o risco que se corre de contaminar outros colegas com o vírus da exclusão, que parece ser endêmico em nossas escolas. Os sintomas que denunciam esse estado doentio de muitos de nós são: • febre e outros distúrbios que denotam um combate a tudo o que é novo e invade a sala de aula e a maneira conservadora de atuar nela; • arrepios ao pensar que é preciso mudar nossas atitudes diante das diferenças; • congestão de práticas especializadas; • dores de cabeça para diversificar o ensino; O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 13 . • problemas de coluna ao carregar o peso de mais alunos (e com problemas bem mais graves do que os habituais...); • mal-estar de estômago, ao ouvir o que a inclusão acarreta de novidades na avaliação da aprendizagem; • um cansaço generalizado advindo da participação nos encontros de formação sobre inclusão; • outros sintomas derivados desses todos e que dependem do estado de saúde educacional e do estado do sistema imunológico de cada um, para enfrentar o referido vírus! Para esse breve exame, as regras são: 1. Coloque-se na condição dos professores(as) que aqui apresentaremos; 2. Escolha a alternativa que você adotaria em cada caso, mas sem pensar muito, respondendo com o que vem mais rápido à cabeça. 3. Descubra e aprenda mais sobre si mesmo(a). Responda às questões e confira: 1) A professora Sueli procura incluir um aluno com deficiência mental em sua turma de 1ª série. Tudo caminha bem, em relação à socialização desse educando, mas diante dos demais colegas, o atraso intelectual desse aluno é bastante significativo. Neste caso, como você resolveria a situação? (A) - Encaminharia o aluno para o atendimento educacional especializado oferecido pela escola? (B) - Solicitaria a presença de um professor auxiliar para acompanhar o aluno em sala de aula? (C) - Esperaria um tempo para verificar se o aluno tem condições de se adaptar ao ritmo da classe ou precisaria de uma escola ou classe especial? 2) Júlia é uma professora de escola pública. Já faz quatro anos que leciona na 2ª série. Há um fato que a preocupa muito atualmente: o que fazer com alguns de seus alunos, que estão fazendo pela terceira vez aquela série? Para acabar com suas preocupações, qual seria a melhor opção? O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 14 . (A) - Encaminhá-los a uma sala de alunos repetentes, para serem mais bem atendidos e menos discriminados? (B) - Propor à direção da escola que esses alunos sejam distribuídos entre as outras turmas de 2ª série, formada por alunos mais atrasados? (C) - Reunir-se com os professores e a diretora da escola e sugerir que esses alunos se transfiram para turmas da mesma faixa etária, até mesmo para as classes de Educação de Jovens e Adultos (EJA), caso algum já esteja fora da idade própria do Ensino Fundamental? 3) Cecília é uma adolescente com deficiência mental associada a comprometimentos físicos, que está freqüentando uma turma de 3ª série do Ensino Fundamental, na qual a maioria de seus colegas é bem mais nova do que ela. A professora percebeu que Cecília está desinteressada pela escola e muito apática. Qual a melhor saída, na sua opinião, para resolver este caso? (A) - Chamar os pais da aluna e relatar o que está acontecendo, sugerindo-lhes que procurem um psicólogo para resolver o seu problema? (B) - Avaliar a proposta de trabalho desta série, em busca de novas alternativas pedagógicas? (C) - Concluir que a aluna precisa de outra turma, pois a sua condição física e problemas psicológicos prejudicam o andamento escolar dos demais colegas? 4) Numa 2ª série de Ensino Fundamental, em que há alunos com deficiência mental e outros alunos com dificuldades de aprendizagem por outros motivos, o professor está ensinando operações aritméticas. Mas estes alunos não conseguem acompanhar o restante da turma na aprendizagem do conteúdo proposto. O que você faria, se estivesse no lugar desse professor? (A) - Reuniria esse grupo de alunos e lhes proporia as atividades facilitadas do currículo adaptado de Matemática? (B) - Distribuiria os alunos entre os grupos formados pelos demais colegas e trabalharia com todos, de acordo com suas possibilidades de aprendizagem? (C) - Aproveitaria o momento das atividades referentes a esse conteúdo para que esses alunos colocassem em dia outras matérias do currículo, com o apoio da estagiária ou da professora de apoio? O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 15 . 5) Fábio é um aluno com autismo que freqüenta uma sala de aula da 3ª série. É o seu primeiro ano em uma escola comum e ele incomoda seus colegas, perambulando pela sala e interferindo no trabalho dos grupos. Que decisões você tomaria para resolver a situação, caso fosse a professora desse grupo? (A) - Solicitaria à direção da escola que retirasse Fábio de sua sala, pois o seu comportamento está atrapalhando o bom andamento da classe e o desempenho dos demais alunos? (B) - Marcaria uma reunião com o coordenador da escola e solicitaria uma avaliação e o encaminhamento desse aluno para uma classe ou para uma escola especial? (C) - Reuniria os alunos e proporia um trabalho conjunto em que todos se comprometeriam a manter um clima de relacionamento cooperativo na sala de aula? 6) Guilherme é uma criança que a escola chama de “hiperativa”. Ele gosta muito de folhear livros de histórias. Ocorre que freqüentemente rasga e/ou suja as páginas dos livros, ao manuseá-los sem o devido cuidado. O que você lhe diria, caso fosse sua professora? (A) - “Hoje você não irá ao recreio, porque rasgou e sujou mais um livro”. (B) - “Vou ajudá-lo a consertar o livro, para que você e seus colegas possam ler esta linda história”. (C) - “Agora você vai ficar sentado nesta mesinha, pensando no que acabou de fazer”. 7) Norma é professora de uma 4ª série de Ensino Fundamental e acabou de receber um aluno cego em sua turma. Ela não o conhece bem, ainda. No recreio, propõe à turma um jogo de queimada. É nesse momento que surge o problema: O que fazer com Paulo, o menino cego? Arrisque uma “solução inclusiva” para este caso. (A) - Oferecer-lhe uma outra atividade, enquanto os demais jogam queimada, fazendo-o entender o risco a que esta atividade o expõe e a responsabilidade da professora pela segurança e integridade de todos os seus alunos? (B) - Perguntar ao aluno quais os jogos e esportes dos quais ele tem participado e se ele conhece as regras da queimada. (C) - Reunir a turma para resolver a situação, ainda que na escola não exista uma bola de meia com guizos. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 16 . 8) Maria José é professora de escola pública e está às voltas com um aluno de uma turma de 5ª série, de 12 anos, que é muito agressivo, mal-educado e desobediente. Ele não se submete à autoridade dos professores nem das demais pessoas da escola e sempre arruma uma briga com os colegas, dentro da sala de aula, ameaçando-os com um estilete. O que você faria no lugar dessa professora aterrorizada? (A) - Estabeleceria novas regras de convivência entre todos e, em seguida, analisaria com a turma os motivos que nos levam a agir com violência? (B) - Enfrentaria as brigas, retirando-o da sala de aula e entregando-o à direção da escola? (C) - Tentaria controlar essas situações, exigindo que o menino entregasse o estilete, para que os demais alunos se acalmassem? 9) Sérgio é um aluno surdo, com perda total de audição. Ele tem 13 anos de idade e freqüentou até o momento uma escola de surdos. Este aluno está no seu primeiro dia de aula, em uma escola comum. O professor, percebendo que Sérgio não fazia leitura labial, procurou a diretora da escola para questionar a admissão desse aluno em sua turma, desde que ele não sabe se comunicar em LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais). Se você fosse esse professor, antes de tomar essa atitude: (A) - Chamaria os seus pais e os convenceria de que a escola de surdos era mais apropriada para as necessidades desse aluno? (B) - Procuraria saber quais as obrigações e os direitos desse aluno, para buscar o recurso adequado à continuidade de seus estudos na escola comum? (C) - Providenciaria a presença de um intérprete de LIBRAS, solicitando um convênio com uma entidade local especializada em pessoas com surdez? Conte os pontos e confira o seu poder de inclusão, ou melhor, a sua imunidade ao vírus da exclusão: 1 a) 3 b) 2 c) 1 2a) 1 b) 2 c) 3 3a) 2 b) 3 c) 1 4a) 1 b) 3 c) 2 5a) 1 b) 2 c) 3 O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 17 . 6a) 1 b) 3 c) 2 7a) 1 b) 2 c) 3 8a) 3 b) 1 c) 2 9a) 1 b) 3 c) 2 RESULTADOS: De 27 a 23 pontos IMUNE A EXCLUSÃO. Você está apto a enfrentar e vencer o vírus da exclusão, pois já entendeu o que significa uma escola que acolhe as diferenças, sem discriminações de qualquer tipo. Compreendeu também que a inclusão exige que os professores atualizem suas práticas pedagógicas para que possam oferecer um ensino de melhor qualidade para todos os alunos. Parabéns! Não se esqueça, porém, de que o atendimento educacional especializado deve ser assegurado a todos os alunos com deficiência, como uma garantia da inclusão. De 22 pontos a 16 pontos NO LIMITE. VOCÊ PRECISA SE CUIDAR! Atenção, você está vivendo uma situação de fragilidade em sua saúde educacional! Cuidado! É preciso que você tome uma decisão e invista na sua capacidade de se defender do vírus da exclusão! Quem fica indeciso entre enfrentar o novo, no caso a inclusão de todas as crianças, nas escolas comuns, ou incluir apenas alguns, ou seja, os alunos que conseguem acompanhar a maioria – está vivendo um momento difícil e perigoso. Você está comprometendo a sua capacidade de ensinar e a possibilidade dos alunos de aprender com alegria! De 15 a 9 pontos ALTAMENTE CONTAMINADO. Tome todas as providências para se curar do mal que o vírus da exclusão lhe causou. Há muitas maneiras de se cuidar, mas a que recomendamos é um tratamento de choque, porque o estrago é grande! Você precisa, urgentemente, se tratar, mudando de ares educacionais, tomando injeções de ânimo para adotar novas maneiras de atuar como professor(a). Outra medicação recomendada é uma alimentação sadia, no caso, muito estudo, troca de idéias, O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 18 . experimentações, ousadia para mudar o seu cardápio pedagógico. Tente colocar em prática o que tem dado certo com outros que se livraram desse vírus tão voraz e readquira o seu poder de profissional competente. Boa recuperação! “Pérolas” falsas ou verdadeiras? Maria Teresa Eglér Mantoan – Faculdade de Educação – Unicamp/SP. Como distingui-las, quando o assunto é a inclusão de alunos com deficiência nas escolas comuns? Marque verdadeiro ou falso e descubra se você é ou não um (a) professor (a) inclusivo (a). Não seja mais um (a) excluído (a ) da escola! 1) As escolas especiais vão acabar, se até os alunos com deficiência grave forem incluídos nas escolas comuns. Verdadeiro ( ) Falso ( ) 2) Sem uma preparação anterior e sem conhecimento de como se ensina aos alunos com diferentes tipos de deficiência - mental, física, auditiva etc. - a professora de escola comum não poderá aceitar esses alunos em suas salas de aula. Verdadeiro ( ) Falso ( ) 3) Os currículos adaptados não são indicados para alunos com deficiência, que estão incluídos em turmas comuns de Ensino Fundamental. Verdadeiro ( ) Falso ( ) 4) Alunos com grandes comprometimentos – físicos, mentais, e outros – não podem ser incluídos em escolas comuns de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Verdadeiro ( ) Falso ( ) 5) O ensino especial é garantia da inclusão escolar de alunos com deficiência. Verdadeiro ( ) Falso ( ) 6)A escola especial não tem como fim substituir o ensino que é ministrado nas escolas comuns. Verdadeiro ( ) Falso ( ) O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 19 . 7) A inclusão escolar não implica um ensino diversificado para alguns, como, por exemplo, os alunos com deficiência. Verdadeiro ( ) Falso ( ) 8) A escola que não se sentir preparada pode se negar a receber determinados alunos que tenham uma deficiência. Verdadeiro ( ) Falso ( ) 9) O professor deve reconhecer e valorizar diferentes níveis de compreensão nas respostas de seus alunos (com e sem deficiência) a uma mesma pergunta. Verdadeiro ( ) Falso ( ) 10) Não é porque o professor ensinou que o aluno deve, automaticamente, aprender. Os alunos com deficiência aprendem como os demais colegas, construindo ativamente o conhecimento. Verdadeiro ( ) Falso ( ) RESPOSTAS 1) Falso – porque as escolas especiais têm a função de complementar (não substituir) o ensino de pessoas com deficiência, incluídas nas escolas comuns, por meio do atendimento educacional especializado. Esse atendimento é diferente do ensino escolar e deverá ser oferecido, preferencialmente, nas escolas comuns. Mas nada contra de ele ser também oferecido em escolas especiais. 2) Falso – porque os professores comuns não são responsáveis pelo ensino de conteúdos especializados para cada tipo de deficiência (código Braille, orientação e mobilidade, uso de tecnologia assistiva, ensino de LIBRAS e de Português, como segunda língua dos surdos etc.), que são da competência dos professores do ensino especial. Aos professores do ensino regular compete apenas o ensino dos conteúdos curriculares. Os alunos com e sem deficiência aprendem todos juntos esses conteúdos, quando as práticas escolares não são excludentes. 3) Verdadeiro – porque, em uma escola inclusiva, não se discriminam os alunos com deficiência, oferecendo-lhes atividades facilitadas, que têm objetivos limitados e que são diferentes das oferecidas aos seus colegas. As atividades devem ser diversificadas para que todos os alunos possam escolhê-las e realizá-las, livremente. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 20 . 4) Falso – porque pela Constituição de 1988 todos os brasileiros, incondicionalmente, têm direito à educação, dos 7 a 14 anos, faixa etária em que o ensino escolar é obrigatório. Não há nada que impeça esses alunos de freqüentarem as escolas comuns, em todas as etapas do ensino básico e no ensino de nível superior. Todos nós aprendemos com a experiência da diferença nas escolas! 5) Verdadeiro – porque a nossa Constituição, que garante o ensino regular a todos os brasileiros, também assegura aos alunos com deficiência o atendimento educacional especializado. Esse atendimento é complementar e diferente do que é ensinado nas salas de aula comuns e oferecido por professores do ensino especial – uma modalidade que não substitui ensino regular. 6) Verdadeiro – insistimos nessa situação, porque precisamos ter muito claro que as escolas especiais não devem continuar ministrando ensino escolar especializado, como acontece, habitualmente. Elas devem se dedicar à prestação do atendimento educacional especializado. 7) Verdadeiro – porque em uma escola inclusiva o professor não diversifica o ensino, mas as atividades que propõe a todos os alunos, com e sem deficiência. 8) Falso – porque pela nossa Constituição não se pode negar ou fazer cessar matrícula escolar de qualquer aluno, especialmente quando o motivo é a deficiência. 9) Verdadeiro – porque, ao contrário do que a maioria dos professores pensa, ensinar é um ato coletivo e aprender é um ato individual e intransferível. Com isso queremos dizer que não se pode exigir que todos aprendam um dado conhecimento, igualmente, e pelos mesmos caminhos. As respostas diferentes dos alunos refletem esses caminhos do saber que são singulares, próprios de cada um de nós e que, portanto, devem ser reconhecidos e valorizados. 10) Verdadeiro – porque ensinar é disponibilizar o conhecimento da melhor maneira possível, para que os alunos aprendam e tenham garantido o seu “lugar de saber” na escola, conquistado com esforço próprio, interesse e desejo de conhecer cada vez mais! RESULTADOS •De 7 a 10 pontos PRIMEIRA CHAMADA O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 21 . Parabéns! Você, certamente, procura estar em dia com seus conhecimentos educacionais e é um (a) profissional que se empenha no sentido de colocar em prática o que aprende de novo, vencendo os desafios escolares, entre os quais a inclusão de alunos com deficiência nas escolas comuns. Continue assim e contagie os colegas com seu sucesso! •De 4 a 6 pontos LISTA DE ESPERA • Procure dedicar-se mais a esse estudo, lendo, pesquisando, participando de encontros de professores, fóruns de educação inclusiva, Conselhos de pessoas com deficiência de sua cidade etc. Você não deve ficar à margem do que está acontecendo de novo, pois pode perder o trem do futuro. Não fique mais nessa lista, pois nem sempre estará garantido o seu lugar na escola inclusiva. REPROVAÇÃO !!!!! Procure ler mais, informar-se sobre os direitos das pessoas com deficiência à educação. O professor tem obrigação de conhecer o assunto. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 22 . PROGRAMA 1 O DIREITO À DIFERENÇA NA IGUALDADE DE DIREITOS Inclusão escolar – caminhos e descaminhos, desafios, perspectivas Maria Teresa Eglér Mantoan1 Caminhos Os caminhos percorridos até então para que a escola brasileira acolha todos os alunos, indistintamente, têm se chocado com o caráter eminentemente excludente, segregativo e conservador do nosso ensino, em todos os seus níveis: básico e superior. Com a proposta revolucionária de incluir todos os alunos em uma única modalidade educacional, o ensino regular tem encontrado outras barreiras, entre as quais se destaca a cultura assistencialista/terapêutica da Educação Especial. É inegável que, por estarem pautadas para atender a um aluno idealizado e ensinando a partir de um projeto escolar elitista, meritocrático e homogeneizador, nossas escolas produzem quadros de exclusão que têm, injustamente, prejudicado a trajetória educacional de muitos estudantes. A situação tem se arrastado pelo tempo e vem perpetuando desmandos e transgressões ao direito à educação e à não discriminação, grande parte das vezes por falta de um controle efetivo dos pais, das autoridades de ensino e da justiça em geral sobre os procedimentos das escolas para ensinar, promover e atender adequadamente a todos os alunos. O sentido dúbio da educação especializada, acentuado pela imprecisão dos textos legais, que fundamentam nossos planos e propostas educacionais, tem acrescentado a essa situação outros sérios problemas de exclusão, sustentados por um entendimento equivocado dessa modalidade de ensino. De fato, ainda é difícil distinguir a Educação Especial, tradicionalmente conhecida e praticada, da sua nova concepção: o atendimento educacional O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 23 . especializado. No entanto, desde 1988, a Constituição Federal já prescrevia esse atendimento, que é uma garantia de inclusão educacional para os alunos com deficiência. Por esses e outros sérios entraves, nossos caminhos educacionais estão se abrindo, à custa de muito esforço e perseverança de alguns, diante da resistência de muitos. Estamos sempre travados por uma ou outra situação que impede o desenvolvimento de iniciativas visando à adoção de posições/medidas inovadoras para a escolarização de alunos com e sem deficiência, nas escolas comuns de ensino regular e nas que oferecem serviços educacionais especializados. Não podemos, contudo, negar que o nosso tempo é o tempo das diferenças e que a globalização tem sido, mais do que uniformizadora, pluralizante, contestando as antigas identidades essencializadas. Temos o direito de ser, sendo diferentes e, como nos afirma Pierucci (1999), se já reconhecemos que somos diferentes de fato, a novidade está em querermos ser também diferentes de direito. Descaminhos No desejo de assegurar a homogeneidade das turmas escolares, destruíram-se muitas diferenças que consideramos valiosas e importantes, hoje, nas salas de aula e fora delas. É certo que as identidades naturalizadas dão estabilidade ao mundo social, mas a mistura, a hibridização, a mestiçagem as desestabilizam, constituindo uma estratégia provocadora, questionadora e transgressora de toda e qualquer fixação da identidade (Silva, 2000; Serres, 1993). Ocorre que as identidades fixas, estáveis, acabadas, próprias do sujeito cartesiano unificado e racional, estão em crise (Hall, 2000) e a idéia de identidades móveis, voláteis, é capaz de desconstruir o sistema de significação excludente, elitista da escola atual, com suas medidas e mecanismos arbitrários de produção da identidade e da diferença. Se o nosso objetivo é desconstruir esse sistema temos, então, de assumir uma posição contrária à perspectiva da identidade “normal”, que justifica essa falsa uniformidade das turmas escolares. A diferença é, pois, o conceito que se impõe para que possamos defender a tese de uma escola para todos. Embora haja problemas com a igualdade e a diferença, no sentido de se perceber de que lado nós estamos, quando defendemos uma ou outra, dado que esse bipolarismo tem nos levado a O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 24 . muitos paradoxos, é preciso que se afirme a intenção de privilegiar a diferença na perspectiva da máxima proferida por Santos (1999): “temos o direito à igualdade, quando a diferença nos inferioriza, e direito à diferença, quando a igualdade nos descaracteriza!” Esta afirmação vem diretamente ao encontro do que a interpretação consentânea e inovadora de nossas leis oferece como fundamento da transformação das escolas comuns e especiais. Temos o dever de oferecer escola comum a todos os alunos, pois a escola especial os inferioriza, discrimina, limita, exclui, mas também de garantir-lhes um atendimento educacional especializado paralelo, complementar, de preferência na escola comum, para que não sejam desconsideradas as especificidades de alguns aprendizes, quando apresentam alguma deficiência. Em uma palavra, a escola comum não pode ser substituída pela escola especial, no que diz respeito ao ensino acadêmico, pois sua função é complementar o ensino escolar comum. A escola comum e a especial têm resistido às mudanças exigidas por uma abertura incondicional às diferenças, porque as situações que promovem esse desafio e mobilizam os educadores a reverem e a recriarem suas práticas e a entenderem as novas possibilidades educativas trazidas pela inclusão estão sendo constantemente neutralizadas por políticas educacionais, diretrizes, currículos, programas compensatórios (reforço, aceleração, entre outros). Esta falsa saída tem permitido às escolas comuns e especiais escaparem pela tangente e se livrarem do enfrentamento necessário com sua organização pedagógica excludente e ultrapassada. Desafios Inúmeras propostas educacionais, que defendem e recomendam a inclusão, continuam a diferenciar alunos pela deficiência, o que está previsto como desconsideração aos preceitos da Convenção da Guatemala, assimilada pela nossa Constituição/1988, em 2001, e que deixa clara a [...] impossibilidade de diferenciação com base na diferença, definindo a discriminação como toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência[...] que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte de pessoas com deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais (art. I, nº 2, “a”). De acordo com o princípio da não discriminação, trazido por O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 25 . essa Convenção, admitem-se as diferenciações com base na deficiência apenas com o propósito de permitir o acesso ao direito e não para se negar o exercício dele! A Convenção precisa ser cumprida e é uma grande contribuição para todos os que pugnam por uma escola inclusiva e, especialmente, para os que defendem o ingresso de alunos com deficiência nas escolas comuns, pelo menos na faixa etária de 07 a 14 anos, quando o ensino escolar é obrigatório para todo e qualquer aluno, com e sem deficiência. O encaminhamento direto de alunos com deficiência de escolas comuns para escolas especiais, ou a matrícula exclusiva desses alunos em escolas especiais, poderiam ser entendidos como uma diferenciação para incluir, mas incluir na exclusão dos ambientes escolares especiais! Vale ainda, para melhor entender essa intrincada situação, o que a referida Convenção define como discriminação: [...] toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência [...]. No caso de um ambiente escolar segregado, a discriminação é patente e, em conseqüência, deveria já ter sido banida. Não se trata de uma “caça às bruxas”, de se exigir um comportamento “politicamente correto” ao extremo, quando se defende a escola comum como o lugar de todo aluno. Mas de se assegurar a todo o cidadão brasileiro o direito à não discriminação, em toda e qualquer circunstância. Os pais de crianças com deficiência e os educadores brasileiros deveriam ser os primeiros a levantar a bandeira contra a discriminação e, no entanto, o que muitos ainda fazem, atualmente, é batalhar para que a exclusão se mantenha e as escolas especiais sejam consideradas escolas de Ensino Fundamental. Chegam até a propor que se faça a “inclusão às avessas”, admitindo que crianças sem deficiência (felizmente, a maioria desse segmento populacional) estudem em ambientes escolares para pessoas com deficiência (a maioria, nesses ambientes educacionais especializados!!!!). Os ambientes especializados, travestidos de escolas comuns, jamais serão inclusivos e compatíveis com o papel social e educacional das escolas comuns, lugar de preparação das gerações mais novas para fazer a passagem do meio familiar, para o público, espaço social em que se encontram, indistintamente, alunos/pessoas, as/os mais diferentes, com e sem deficiências. E ainda cabe perguntar: de que inclusão educacional nós estamos falando, quando retiramos uma pessoa de seu lar ou de uma escola comum para inseri-la em um ambiente educacional à parte? Com tudo isso, há ainda os que insistem em defender que essa inclusão é verdadeira... O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 26 . Que motivos alimentam a dificuldade de se desobstruírem os caminhos que nos levam a uma escola para todos, como aqui nos referimos? O que tem impedido o processo de construção de uma escola inclusiva que, em função do ensino que ministra, não discrimina, nem mesmo quando diferencia pela deficiência, ao oferecer um atendimento especializado complementar para os que dele necessitam? Estamos vivendo um momento de tomada de decisão, em que não adianta mais “tapar o sol com a peneira”, dado que o próprio tempo já foi suficiente para que se entendesse o que é proposto como uma escola para todos. Se ainda não conseguimos avançar, é porque pesam muito essas contendas e esses desencontros entre os que se dispõem a progredir, a revirar as escolas comuns e especiais do avesso e os que querem conservá-las como estão, para garantir outros benefícios, para impedir avanços, para barrar o novo. O desafio maior que temos hoje é convencer os pais, especialmente os que têm filhos excluídos das escolas comuns, de que precisam fazer cumprir o que nosso ordenamento jurídico prescreve quando se trata do direito à educação. Os professores deveriam ser os guardiões desse direito e apoiar os pais nas suas dificuldades de compreendê-lo e exigi-lo a todo custo. Há ainda a se considerar a resistência das organizações sociais às mudanças e às inovações que, dada a rotina e a burocracia nelas instaladas, enrijecem suas estruturas, arraigadas às tradições e à gestão de seus serviços. Tais serviços, no geral, para atender às características desse tipo de organização, fragmentam e distanciam, categorizam e hierarquizam os seus assistidos, como constatamos freqüentemente, nas escolas comuns e especiais e nas instituições dedicadas ao atendimento exclusivo de pessoas com deficiência. Por outro lado, há que se admitir que as instituições têm seus fins próprios e nem sempre um novo propósito, como é o caso da inclusão, encaixa-se no foco de seus interesses imediatos. Temos ainda outros entraves a enfrentar, como os que provêm da neutralização dos desafios à inclusão. Medidas que propiciam o aparecimento de falsas soluções para atender aos princípios escolares inclusivos estão evidentes no impasse integração X inclusão – uma das intermináveis cenas do debate da inserção de alunos com deficiência nas escolas comuns. Apesar dos avanços na conceituação e na legislação pertinente, vigoram ainda três possíveis encaminhamentos escolares para alunos com deficiência: a) os dirigidos unicamente ao ensino especial; b) os que implicam uma inserção parcial, ou melhor, a integração de alunos em O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 27 . salas de aula de escolas comuns, mas na condição de estarem preparados e aptos a freqüentálas e c) os que determinam a inclusão total e incondicional de todos os alunos com deficiência no ensino regular, provocando a transformação das escolas para atender às suas diferenças e às dos demais colegas, sem deficiência. A coexistência de situações intermediárias de inserção com as que têm, verdadeiramente, o propósito de incluir todos os alunos cria dificuldades e mantém o uso das medidas paliativas de inserção que se arrastam, desde os anos 90, alimentando infindáveis polêmicas. Nosso convívio com as pessoas com deficiência nas escolas comuns é recente e gera ainda muito receio entre aqueles que as compõem. O preconceito justifica as práticas de distanciamento dessas pessoas, devido às suas características pessoais (como também ocorre com outras minorias), que passam a ser o alvo de nosso descrédito; essas pessoas têm reduzidas as oportunidades de se fazerem conhecer e as possibilidades de conviverem com seus colegas de turma, sem deficiência. Os territórios corporativos constituem um outro alvo desafiante para a inclusão, especialmente quando se trata dos profissionais ligados à Educação Especial. Eles lutam por conservar seus privilégios, identidades corporativas e o reconhecimento social, que adquiriram em todos esses anos. Não admitem que sua formação se descaracterize, suas práticas sejam abaladas pela inclusão, temendo perder seus espaços, duramente conquistados, de uma hora para outra. Com isso ficam cegos diante do que a inclusão lhes propiciaria, desde que conseguissem admitir o caráter complementar conferido à Educação Especial, pela nossa Constituição, quando propõe o atendimento educacional especializado em todos os níveis de ensino (do básico ao superior) e destinando-se à eliminação das barreiras que as pessoas com deficiência têm para se relacionarem com o meio externo. Grande parte dos professores das escolas comuns acredita que ensino escolar individualizado e adaptado é o mais adequado para atender, em suas necessidades escolares, aos que têm dificuldades de aprender e aos alunos com deficiência, principalmente quando se trata de educandos com deficiência mental. Os professores especializados, por sua vez, acreditam que o ensino escolar especializado é o ideal para os alunos com deficiência e que só alguns casos (os menos problemáticos) poderiam freqüentar as salas de aula de ensino regular, nas escolas comuns. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 28 . Adaptar o ensino para alguns alunos de uma turma de escola comum não condiz com a transformação pedagógica dessas escolas, exigida pela inclusão, nem conduz a essa transformação. A inclusão implica uma mudança de paradigma educacional, que gera uma reorganização das práticas escolares: planejamentos, formação de turmas, currículo, avaliação, gestão do processo educativo. Especializar o ensino escolar para alguns, em ambientes escolares à parte, não é compatível com o que se espera da escola, como já nos referimos inicialmente, pois nesses espaços não conseguimos preparar cidadãos para enfrentar todos os desafios. O ensino assim concebido se baseia em propósitos e procedimentos que decidem “o que falta” ao aluno e a sua adaptação a essa “falta” funciona como um processo regulador externo da aprendizagem. Na versão inclusiva, a adaptação tem sentido oposto e é testemunho de emancipação intelectual e conseqüência do processo de auto-regulação da aprendizagem, em que o aluno assimila o novo conhecimento, de acordo com suas possibilidades de incorporá-lo ao que já conhece. Perspectivas Entender este sentido emancipador da adaptação intelectual é tão importante quanto estender esse sentido para outras dimensões da vida humana; social, familiar, profissional e outras. Sabemos da necessidade e da urgência de se enfrentar o desafio da inclusão escolar e de colocar em ação os meios pelos quais ela verdadeiramente se concretiza. Por isso, temos de recuperar o tempo perdido, arregaçar as mangas e promover uma reforma estrutural e organizacional de nossas escolas comuns e especiais. Ao conservadorismo dessas instituições precisamos responder com novas propostas, que demonstram nossa capacidade de nos mobilizar para pôr fim ao protecionismo, ao paternalismo e a todos os argumentos que pretendem justificar a nossa incapacidade de fazer jus ao que todo e qualquer aluno merece: uma escola capaz de oferecer-lhe condições de aprender, na convivência com as diferenças, e que valoriza o que consegue entender do mundo e de si mesmo. As práticas escolares inclusivas, por serem emancipadoras, reconduzem os alunos “diferentes”, entre os quais os que têm uma deficiência, ao lugar do saber, de que foram excluídos, na escola ou fora dela. A condição primeira para que a inclusão deixe de ser uma ameaça ao que hoje a escola defende e adota habitualmente como prática pedagógica é abandonar tudo o que a leva a O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 29 . tolerar as pessoas com deficiência, nas turmas comuns, por meio de arranjos criados para manter as aparências de “bem intencionada”, sempre atribuindo a esses alunos o fracasso, a incapacidade de acompanhar o ensino comum. Para reverter esse sentimento de superioridade em relação ao outro, especialmente quando se trata de alunos com deficiência, a escola terá de enfrentar a si mesma, reconhecendo o modo como produz as diferenças nas salas de aula: agrupando-as por categorias ou considerando cada aluno o resultado da multiplicação infinita das manifestações da natureza humana e, portanto, sem condições de ser encaixado em nenhuma classificação artificialmente atribuída, como prescreve a inclusão. Em síntese, a inclusão escolar é um forte chamamento para que sejam revistas as direções em que estamos alinhando nosso leme, na condução de nossos papéis como cidadãos, educadores, pais. Precisamos sair das tempestades, destes tempos conturbados, perigosos e a grande virada é decisiva. Muito já tem sido feito no sentido de um convencimento das vantagens da inclusão escolar. Embora não pareçam, as perspectivas são animadoras, pois as experiências inclusivas vigentes têm resistido às críticas, ao pessimismo, ao conservadorismo, às resistências. A verdade é implacável e o tempo e a palha estão amadurecendo as ameixas. BIBLIOGRAFIA BRASIL. Decreto 3.956/ de 08 /10/2001 promulga a Convenção Interamericana para Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Organização dos Estados Americanos: Assembléia Geral: Guatemala, 28 de maio de 1999. HALL, Stuart. A identidade cultural na Pós-Modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 4ª edição. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. SANTOS, Boaventura de Souza. A construção multicultural da igualdade e da diferença. Coimbra: Centro de Estudos Sociais. Oficina do CES nº 135, janeiro de 1999. SILVA, Tomás Tadeu da (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 30 . SERRES, Michel. Filosofia mestiça: le tiers – instruit. Trad. Maria Ignez D. Estrada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. PIERUCCI, Antonio Flávio. Ciladas da diferença. São Paulo: Editora 34, 1999. Nota: Doutora em Educação. Professora dos cursos de graduação e de pósgraduação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas/Unicamp. Coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade – LEPED/Unicamp. Consultora desta série. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 31 . PROGRAMA 2 IDENTIDADE E DIFERENÇAS Texto 1: Revisando conceitos: o necessário exercício de construção da identidade a partir da diferença Margarida Seabra de Moura1 Ao longo da História, as pessoas “diferentes” têm sido aprisionadas em rótulos ideologicamente engendrados e repassados pela sociedade e pela cultura, arcando com um ônus que lhes vem custando caro! Entre essas estão incluídas as pessoas com deficiência, cujos traços têm delineado significações que vão sendo concebidas segundo os sentidos que lhes são atribuídos ante cada olhar. Significa que cada nomenclatura expõe um aspecto, projeta uma face, forma, conforma e/ou deforma de um jeito. É quando os diversos olhares ocasionam as múltiplas conotações, denotações e terminologias definidoras daqueles que “desviam”, ou “subvertem” a ordem considerada normal da genética, seja pela anatomia, seja pela fisiologia, fugindo portanto ao “padrão” social dominante. Na verdade, a necessidade de o homem ter a sua própria marca, sua individualidade, é algo inerente ao próprio ser social, cuja identidade preserva-o em originalidade e diferenças como indivíduo, ao qual supõe-se que sejam asseguradas as condições de realizar seu potencial criador, o que lhe possibilita desenvolver sua própria identidade no mundo. Conforme se percebe, trata-se de uma construção tecida em meio a um processo de desenvolvimento de talentos e que tem na educação a perspectiva de realização, uma vez que à educação compete possibilitar que a criança descubra e se descubra, transforme e se transforme a cada dia, segundo lhe seja oportunizada a experimentação do que for necessário ao seu crescimento. Cabe a pais e professores, portanto, ofertarem a seus filhos e alunos o ensejo de poderem percorrer caminhos – por vezes equivocados – a fim de que se constituam entre seus próprios erros e acertos. Tarefa árdua, complexa e sem receitas, que se torna infinitamente mais difícil quando se trata de criança com alguma deficiência. Não pela deficiência em si mas, O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 32 . principalmente, pelo preconceito que permeia a nossa sociedade, ainda incrustado culturalmente em cada um de nós... Nem sei bem se tinha claro dentro de mim essas assertivas, quando, em 15 de julho de 1981, nasceu minha filha Débora, com a síndrome de Down. A síndrome de Down, na época denominada “mongolismo”, significava uma condição prenhe de discriminação, de ausência de perspectivas, uma verdadeira ameaça. Essa discriminação me agrediu, me desnorteou, me pôs pelo avesso. E me fez desejar morrer e que ela, “a menina” morresse antes de sair da maternidade. O nascimento de Débora foi marcado por sofrimento intenso, mescla de frustração, rejeição e desespero. Entendemos hoje, com clareza, que o nível da dor sequer pôde ser amenizado por estímulos de histórias bem-sucedidas, pois, à época, a desinformação em nossa cidade (Natal/RN), sobre a síndrome de Down, era absoluta. As referências eram totalmente desastrosas, marcadas pelo preconceito e abandono: as famílias que tinham a “desventura” de ter filhos “diferentes” os escondiam, nada lhes oportunizando, pois os tinham como absolutamente incapazes. Foi longo, muito longo, o caminho para se chegar a um equilíbrio, sobretudo no sentido de se retomar o nível de felicidade pessoal, o que somente se tornou possível à medida que juntos – meu marido e eu –, com apoio de familiares e amigos, enfrentamos o problema. Suas contínuas verbalizações contribuíram para que fôssemos entendendo nossos próprios sentimentos, que eram, inclusive, seriamente marcados pela rejeição. Pois bem. Num determinado momento, nem sei bem quando e como, senti algo maior que o sofrimento que vivenciava. Pensei: “ É... ela é mongol, mongolóide, seja lá que terrível rótulo se lhe dê... mas é a minha filha. E vai ser do jeito DELA e não estereotipada como as poucas e maltratadas pessoas com síndrome de Down que permeavam as minhas lembranças, que raramente vi, na infância e adolescência”. A partir de então entramos – o casal em uníssono – num outro momento de viver a experiência de ter uma filha com síndrome de Down e não mongol ou mongolóide, com a clareza de que lhe seriam ensejadas as mesmas oportunidades que ao filho mais velho, Frederico. Naturalmente com os facilitadores que lhe fossem necessários, numa prática de tratar desigualmente os desiguais, em algumas situações, a fim de que pudesse alcançar o mesmo objetivo do irmão, por um caminho para ela possível. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 33 . Nesse passo, a escola para onde deveria ir sempre foi pensada como A ESCOLA. Sem “o especial”. Buscamos uma escola onde ela fosse simplesmente uma criança, uma aluna. Com suas diferenças, preferências, necessidades. Não necessidades especiais – pois entendo que todas o são! – mas com o seu cabedal de talentos a desenvolver e a ser estimulado. Deixando-a livre para optar – desde muito, muito cedo – sobre o que gostava de vestir, de fazer/brincar, oferecendo meios de eleger amigos, convidá-los, organizar suas próprias festinhas, aniversários desde a parte temática até a lista de convidados e o cardápio a ser servido. Jamais lhe impondo a presença do filho do parente, do vizinho ou seja lá quem fosse que da sua lista não constasse. Aos seis anos de idade Débora foi competente para desenhar sua comemoração, mostrando suas preferências e rejeitando o que não lhe convinha! Na idade adequada desejou estudar balé. Chegou a dançar na apresentação anual da Escola de Danças, que freqüentava por três vezes na semana. E mais tarde desistiu. Qualquer ponderação de continuidade lhe soava como imposição, e ela argumentava: “Não quero ser bailarina!” Só fica no balé, além da adolescência, quem tem essa vontade... E, dessa forma, mostrava o seu querer, o seu não-desejo... Não foi perdido o tempo de estudo de balé clássico: não perde apresentações de danças – optando pelas clássicas – e surpreendentemente para muitos, adora assistir a óperas, independentemente do tempo do espetáculo. Na adolescência “brigou” com a síndrome, sobre a qual ouviu falar abertamente em casa, de forma espontânea e sem reserva, melindres ou mesmo dificuldade. O luto já estava superado! E nesse seu conflito com a própria condição, argumentava que sua diferença, em verdade, seria mais “chata” que a das demais pessoas consideradas normais, que diferentes entre si não sofrem a rejeição dos que trazem uma marca como a da síndrome de Down. E nós, os pais, reforçávamos: “Muito bem... é mais chata, sim, a sua diferença... Mas olhe, você tem que ser feliz do JEITO QUE É!” E, um belo dia, ela me confessou que já não se sentia incomodada em razão da sua diferença... É verdade que, eventualmente, ela pontua o fato de não ser olhada/desejada por jovens considerados normais... E credita esse fato à síndrome. A despeito de se gostar, de ter uma auto-estima invejável! O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 34 . Tais reações a mim se me afiguram como exteriorização de crescimento, o que tem um preço: o alcance da realidade que lhe enseja uma dose de sofrimento INERENTE AO SER HUMANO, em qualquer condição. Ponho esses relatos como forma de evidenciar que a identidade de minha filha com síndrome de Down foi construída na tessitura da oportunização de diversas experiências, tais como as vividas para eleger a atividade profissional que abraçou: foi estagiária em pré-escola, trabalhou nas férias em duas lojas/boutique, experimentou ser manequim em dois desfiles. Trabalhou como recepcionista de eventos, o que às vezes ainda faz... E concluiu: “Quero ser professora!” Escolheu namorados, rejeitou alguns, viajou para a casa de um deles que reside em outra cidade no Sudeste e foi fazendo suas opções, que a levaram a ser, por enquanto e sob protesto, uma jovem sem parceiro. No exercício de sua cidadania vota desde os 18 anos, escolhendo seus próprios candidatos, fazendo suas opções mediante observação, análise e críticas que desfia sobre o candidato A ou B. Vivenciou sofrimentos – crises que a fizeram crescer! – e pôde superá-los. Sem prejuízo de – como qualquer um de nós – ser reincidente na avaliação da própria vida. Uma coisa é certa: Débora tem sua identidade. Marcada. Bem marcada. E tem demonstrado isso fortemente no combate ao preconceito, uma vez que se impôs e se impõe em qualquer situação, como as que já teve e tem oportunidade de enfrentar. Portanto, tenho claro que a identidade de uma pessoa também se constrói no estímulo de seus talentos e de sua capacidade de superação. Mas, principalmente acredito que (i) flui a partir da real inclusão na família; (ii) se desenvolve no ambiente saudável da escola regular; (iii) se reforça na vida social; (iv) se solidifica no exercício de uma atividade profissional e (v) atinge sua plenitude no encontro do amor, no desenvolvimento da sexualidade e na formação de um núcleo próprio. Impõe-se, por fim, uma reflexão: toda essa caminhada somente se completa se as etapas referidas não sofrerem solução de continuidade, por serem naturalmente decorrentes umas das outras, e que sejam permeadas do mais vital sentimento, o amor. Que jamais poderá ser o amor-coitado, o amor-caritativo, o amor-superprotetivo. Mas o amor genuíno, que engloba um plexo de fazeres que legitimam o educar na acepção mais ampla da palavra, oferecendo O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 35 . limites, sempre sob a égide da ternura, acreditando nas possibilidades desse filho ou desse aluno. Nota: Promotora/Ordem dos Advogados do Brasil. Natal-RN. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 36 . PROGRAMA 2 IDENTIDADE E DIFERENÇAS Texto 2: Indivíduo e massa: uma cilada no discurso da identidade Carlos Alberto Marques1 A análise da dinâmica social deve ser feita no conjunto das relações e das correlações de forças que formam esse todo social. Tudo o que somos e fazemos está, de alguma forma, relacionado aos vetores que caracterizam o tempo e o espaço vividos. É formada, assim, uma grande teia de relações, na qual todas as pessoas estão diretamente envolvidas. Importa frisar, todavia, que esta rede não tem a intenção de se apropriar dos corpos dominados, mas, sim, da ideologia que norteia os valores a que se prestam. Nesse sentido, ressalta Foucault (1989, p. 29): [...] o estudo dessa microfísica supõe que o poder nela exercido não seja concebido como uma propriedade, mas como uma estratégia, que seus efeitos de dominação não sejam atribuídos a uma ‘apropriação’, mas a disposições, a manobras, a táticas, a técnicas, a funcionamentos; que se desvende nele antes uma rede de relações sempre tensas, sempre em atividade, que um privilégio que se pudesse deter; que lhe seja dado como modelo antes a batalha perpétua que o contrato que faz uma cessão ou a conquista que se apodera de um domínio. [...] que esse poder se exerce mais que se possui, que não é o ‘privilégio’ adquirido ou conservado da classe dominante, mas o efeito de conjunto de suas posições estratégicas - efeito manifestado e às vezes reconduzido pela posição dos que são dominados. Esse mecanismo funciona como um eficiente regulador social, no sentido amplo, e individual, no sentido mais estrito. Outro dado interessante a ser ressaltado é a multiplicidade de instâncias (instituições, órgãos e pessoas) autorizadas a fazerem a vigilância e o controle do(s) outro(s), tanto no plano físico quanto no simbólico, através de registros, laudos e encaminhamentos, exercendo, direta ou indiretamente, o poder de decidir sobre a vida ou sobre a morte das pessoas. Sant`Anna (1988, p. 92) critica severamente o papel dos especialistas que emitem laudos incapacitantes sobre os indivíduos deficientes, fortalecendo o poder institucional sobre a O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 37 . potencialidade humana. Diz ele que “Toda uma equipe de técnicos, com instrumentos de validade duvidosa, emite laudos cuja função é configurar o rótulo de deficiente, classificar e segregar os desviantes”. Poder e saber estão, pois, intimamente relacionados. Diz Vaz (1997, p. 81): Fazer dos indivíduos objetos sobre os quais o poder se aplica e dos quais extrai um saber requer a constituição de aparelhos de observação e registro. A vigilância hierárquica faz do olhar do superior o sinal simples que obriga. Junção de poder e saber: a observação do comportamento produz efeitos de poder e vice-versa. Estranho problema arquitetural das disciplinas. [...] O poder disciplinar, porém, quer tornar visível quem habita o espaço que delimitou; quer ser absolutamente indiscreto, mas anônimo, invisível. Seu princípio arquitetural será o encaixamento espacial das visibilidades: que os próprios vigilantes sejam vigiados.[...] O poder funcionará perfeitamente quando sua fiscalização perpétua produzir o sujeito, este ser que objetiva a si mesmo. Cada um trará em si um superior que julga em verdade o que pensa e faz. A Modernidade, descrita por Foucault (1989), Deleuze (1992) e Bauman (1998), dentre outros, como sociedade disciplinar ou normalizadora, pode ser caracterizada como um ambiente repleto de confinamentos, cada qual com suas leis e sanções disciplinadoras próprias. A instituição da norma constitui, assim, um eficiente mecanismo de manutenção da ideologia dominante. Absolutizando atitudes e pensamentos, o controle passa a ser uma questão de estar "dentro" ou "fora" dos padrões estabelecidos como normais. Segundo França, citado por Marques (2001, p. 32), Se a Modernidade constitui-se como uma sociedade disciplinar, isto é, fabrica sujeitos por intermédio de uma tecnologia de poder que toma os indivíduos como objeto e instrumento de seu exercício, a norma é seu princípio de unidade, à medida que aprecia o que é conforme a regra e o que dela diverge - o que torna possível a comparação e a individualização. Se as disciplinas visam aos corpos para o adestramento, e os mecanismos disciplinares funcionam em estado livre, dirigindo-se a todos sem distinção, pois objetivam tornar tudo visível, é a norma que permite às disciplinas neutralizar perigos, fixar populações errantes e aumentar a utilidade dos indivíduos. É a norma que vai disparar, em função do homem O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 38 . médio, de um princípio de equivalência, os mecanismos disciplinares de vigilância hierárquica, as tecnologias de exame e a sanção normalizadora. Um traço marcante da sociedade disciplinar é, segundo Deleuze (1992, p. 222), a sua bipolaridade indivíduo/massa. Nas suas palavras: As sociedades disciplinares têm dois pólos: a assinatura que indica o indivíduo, e o número de matrícula que indica sua posição numa massa. É que as disciplinas nunca viram incompatibilidade entre os dois, e é ao mesmo tempo que o poder é massificante e individuante, isso é, constitui num corpo único aquele sobre os quais se exerce e molda a individualidade de cada membro do corpo. Deve-se estabelecer, com isto, a diferenciação – básica, por sinal – entre identificação e individualização. Enquanto a individualidade busca a afirmação do sujeito como um ser único, autêntico, indivisível, a identidade visa ao reconhecimento do mesmo como um dado estatístico. O mecanismo social do controle disciplinar passa, necessariamente, pela introjeção, por cada indivíduo, das noções de "massa" e de "membro". A massa deve ser homogênea, harmoniosa, ordeiramente funcional. O membro, por sua vez, deve se reconhecer como parte dessa massa, o que é promovido pela sua inscrição, por meio de diversos registros, como filho, aluno, eleitor, motorista, paciente, tributário, morador etc. Para cada situação um número. Só que esse arsenal de registros possui uma dupla função social: a de inscrever o indivíduo nas diversas situações – função manifesta – e a de identificá-lo como "infrator". Em suma, documentar é criar mecanismos de identificação e de controle sobre qualquer infrator potencial. Quanto menos identificado e utilizado como mecanismo de controle, mais eficiente e justificável é o registro. Essa estratégia de se posicionar o indivíduo na massa é descrita por Foucault (1985) como o fenômeno do quadriculamento. Segundo ele, cada pessoa tem definido seu espaço de realização. E é sobre esse espaço de possibilidades que se estabelece a vigilância sobre cada um dos indivíduos. Nas palavras de Vaz (1997, p. 80): [...]a disciplina quadricula um espaço fechado, qualificando-o funcionalmente. Técnica arquitetural para localizar os indivíduos, hierarquizá-los segundo o lugar que ocupam e, portanto, torná-los cambiáveis. Quadro vivo que impõe "ordem ao múltiplo": estabelece O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 39 . canais adequados de transmissão de informações, evita as conjunções horizontais, a circulação difusa e incerta dos indivíduos. Cada qual no seu lugar e no seu caminho; a massa se torna assim uma multiplicidade de indivíduos isolados e manejáveis. Concebido a partir de limites rígidos e quase sempre fisicamente definidos, o espaço, na visão da Modernidade, tende para a centralização, ou seja, para a convergência do olhar e da ação humanos para pontos específicos do espaço vivido. O reflexo imediato de tal concepção se dá de forma incisiva no corpo. A redução espacial a pontos determinados implica necessariamente a produção de um corpo retraído e aprisionado. Politicamente, esse corpo embotado se torna um objeto de fácil dominação. Foucault (1989) demonstra como se dá o processo de quadriculamento do espaço e sua eficiência no processo de produção dos, por ele chamados, corpos dóceis. Ao se delimitar fisicamente o espaço do corpo, determina-se também o seu espaço social e o seu grau de liberdade de ação. Assim, a posição de cada indivíduo estaria definida conforme o espaço a ele destinado em um determinado ambiente sociocultural. Essa apreensão do outro nos seus próprios limites tem no portador de deficiência um exemplo clássico. Muito da sua dificuldade de inserção social e de expansão de seus horizontes de realização decorre do seu enquadramento num espaço ínfimo para ele reservado e por ele ocupado no cenário social. Cabe a nós, educadores, compreendermos nosso papel nesse jogo de relações que constitui a dinâmica social e educacional. Até onde estamos servindo aos ditames da dominação e da preservação dos dispositivos de vigilância e de controle, utilizando, para tal, dos atributos e dos mecanismos de que somos investidos no cenário cultural e político do país? Até que ponto estamos contribuindo com o movimento de mudança que pode levar a uma melhoria na qualidade de vida das pessoas e na construção de uma sociedade mais justa e democrática? Como estamos lidando com a diversidade na escola e na sociedade? De onde e de que estamos falando quando nos referimos às diferenças? Onde pensamos tocar quando agimos no presente, empreendendo um salto para o futuro? Presente e futuro que estão, inexoravelmente, nas nossas mãos, nos nossos pés, nas nossas mentes e nos nossos corações. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 40 . REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. DELEUZE, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 5. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985. ______. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1989. MARQUES, Carlos Alberto. A imagem da alteridade na mídia. Rio de Janeiro, 2001. Tese (Doutorado em Comunicação e Cultura) – Escola de Comunicação, CFCH, UFRJ. SANT'ANNA, Gilson Carlos. O excepcional e a excepcionalidade da ordem sóciocultural. Forum Educacional. Rio de Janeiro: FGV, v. 12, n. 4, p. 86-97, out./dez. 1988. ______. O inconsciente artificial. São Paulo: Unimarco, 1997. Nota: Doutor em Comunicação e Cultura – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora. PROGRAMA 3 O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 41 . ENSINANDO A TURMA TODA: AS DIFERENÇAS NA ESCOLA Texto 1: Educação inclusiva: revisar e refazer a cultura escolar Rosângela Machado1 A escola, bem sabemos, é uma invenção da modernidade e traz, em suas raízes, o modelo cartesiano/positivista, que exerce forte influência nas práticas escolares, privilegiando, entre outros aspectos, uma única forma de conhecimento – o conhecimento científico. Com base nesse paradigma, a escola classifica os alunos de acordo com níveis de desenvolvimento, e o que está em jogo é sempre, e principalmente, quanto esses alunos assimilaram dos conteúdos acadêmicos. Esse modelo escolar não leva em consideração a subjetividade e a multidimensionalidade humana, que fica reduzida ao aspecto cognitivo tão somente. Há, contudo, hoje, no âmbito educacional, movimentos que visam romper com o paradigma educacional dominante e que propõem outros modos de pensar a escola. Eles buscam outras maneiras de conceber o conhecimento escolar, revêem os seus sistemas de avaliação, promovendo uma releitura dos processos de ensinar e aprender. A inclusão escolar situa-se entre esses movimentos. É nesta perspectiva que a inclusão escolar, entendendo-a como uma inovação educacional, decorre de um paradigma educacional que vira a escola do avesso! A inclusão escolar leva em consideração a pluralidade das culturas, a complexidade das redes de interação humanas. Ela não está limitada à inserção de alunos com deficiência nas redes regulares de ensino, pois beneficia todos os alunos, com e sem deficiência, que são excluídos das escolas comuns e denuncia o caráter igualmente excludente do ensino tradicional ministrado nas salas de aulas do ensino regular, motivando um profundo redimensionamento nos processos de ensino e de aprendizagem. O movimento em favor da inclusão escolar é mundial, envolve diversos países que defendem o direito de todas as crianças e jovens à educação e condena toda forma de segregação e exclusão. A inclusão denuncia o esgotamento das práticas das salas de aula comuns, com base no modelo transmissivo do conhecimento, na espera pelo aluno ideal, na padronização dos resultados esperados pela avaliação classificatória, no currículo organizado de forma O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 42 . disciplinar e universal, na repetência, na evasão, nas turmas organizadas por série, enfim, em tantos outros elementos que compõem o universo das práticas escolares. Como afirma Moraes (2003, p. 16): Acreditamos que as coisas não mudam na escola, principalmente, pelas dificuldades enfrentadas por todos aqueles que nela exercem as suas atividades profissionais ao tentarem se adaptar a uma nova cultura de trabalho, que, por sua vez, requer uma profunda revisão na maneira de ensinar e aprender. Embora quase todos percebam que o mundo ao redor está se transformando de forma bastante acelerada, a educação continua apresentando resultados cada vez mais preocupantes em todo o mundo e a grande maioria dos professores ainda continua privilegiando a velha maneira como foram ensinados, reforçando o velho ensino, afastando o aprendiz do processo de construção do conhecimento, conservando um modelo de sociedade que produz seres incompetentes, incapazes de criar, pensar, construir e reconstruir conhecimento. Portanto, se nossa meta é trabalhar em favor da educação inclusiva, nossas concepções de aprendizagem e de ensino devem ser revisadas. Um ponto de partida para a compreensão da aprendizagem é ter claro que todo aluno é capaz de aprender. No entanto, os alunos não têm o mesmo tempo de aprendizagem e traçam diferentes caminhos para aprender. Cabe ao professor disponibilizar o melhor do ensino, as mais variadas atividades, e cabe ao aluno a liberdade de escolher a tarefa que lhe interessa. O ensino democrático é aquele que considera as diferenças de opiniões, de interesses, de necessidades, de idéias e de escolhas. No processo de escolarização inclusivo, o erro deve ser considerado parte integrante da aprendizagem, não pode ser sinônimo de nota baixa ou de “caneta vermelha” nas produções de alunos. A aprendizagem sugere dúvidas, acertos, erros, avanços, descobertas. Suas fases não são lineares e constituem processos coletivos e ou individuais, daí a importância do grupo e da colaboração entre os alunos da turma. Quando o conhecimento está imerso em uma rede de significações, o aluno efetivamente aprende, seja em grupo, seja individualmente. Na perspectiva inclusiva e de uma escola de qualidade, os professores não podem duvidar das possibilidades de aprendizagem dos alunos, nem prever quando esses alunos irão aprender. A deficiência de um aluno também não é motivo para que o professor deixe de proporcionar-lhe o melhor das práticas de ensino e, também, não justifica um ensino à parte, diversificado, com atividades que discriminam e que se dizem “adaptadas” às possibilidades de entendimento de alguns. Ele deve partir da capacidade de aprender desses e dos demais alunos, levando em O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 43 . consideração a pluralidade das manifestações intelectuais. A aprendizagem, também, é imprevisível, por isso, não cabem as rotulações e categorizações para distinguir um aluno do outro por sua capacidade de aprender. O professor precisa considerar que o aluno é um ser em constante vir a ser e que precisa de liberdade para aprender e para produzir livremente o conhecimento, no nível em que for capaz de assimilar um tema ou assunto de aula. O objetivo da escola não é levar todos os alunos a um nível de desenvolvimento padrão e se esse desenvolvimento almejado pela escola não se realiza, pois não é alcançado, os alunos não devem sofrer as conseqüências da reprovação. Por mais que tenha sido imposta a idéia de homogeneização das turmas, o que as move é a heterogeneidade, a multiplicidade e a complexidade. Fazer com que todos os alunos pensem como o professor ou reproduzam os conteúdos ministrados em aula é fazer com que 30 ou 40 inteligências sejam subordinadas a uma única inteligência – a do professor. Considerar as 30 ou 40 diferentes manifestações intelectuais é trabalhar a favor da emancipação dos alunos. Rancière (2002, p. 31) afirma: “Há embrutecimento quando uma inteligência é subordinada a outra inteligência.” O professor deve, então, abandonar as práticas de ensino transmissivas, a ênfase no domínio pleno dos conteúdos programáticos, o livro didático como único recurso para trabalhar o conhecimento e todas as outras práticas embrutecedoras. A forma de conceber o ensino e a aprendizagem está atrelada às concepções de currículo, e a organização curricular que faz parte da grande maioria das escolas é aquela que estrutura o conhecimento escolar em disciplinas. Também fazem parte dessa organização as turmas divididas em séries e a manipulação dos tempos e dos espaços do cotidiano escolar, pois o tempo de aprender está estruturado de acordo com as convenções da escola e não com o tempo dos alunos. Todo esse tipo de organização dificulta a consolidação da escola inclusiva. As disciplinas escolares passam a ser o único meio de conhecimento. Há, entretanto, escolas que contestam o currículo disciplinar, pois percebem que essa forma de organização não estabelece redes de significações para os alunos; ao contrário, leva-os ao desinteresse. Alguns estudos já apontam a substituição do conhecimento disciplinar pela lógica do conhecimento em rede. Neste sistema, o aluno navega por diversos campos do saber, incluindo aqueles saberes que não entram na organização disciplinar da escola. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 44 . O conhecimento em rede consiste na possibilidade de rompimento com o pensamento da ciência moderna, a qual instituiu que todo conhecimento é linear, que existe somente uma maneira de responder às questões do mundo e que categorizou os indivíduos em normais e anormais. Sob a lógica do conhecimento em rede não há a separação entre conhecimento científico e cotidiano. Esse sistema leva em conta a multiplicidade humana, a religação dos saberes e as relações cotidianas, cuja compreensão, por sua vez, requer um paradigma da complexidade. Este questiona a ciência moderna, de maneira que possamos refletir sobre essas relações e suas múltiplas manifestações. O advento da inclusão, então, faz emergir a multiplicidade e a complexidade do mundo e do interior de nossas escolas, que impedem que os alunos continuem a memorizar e a repetir sem significado aquilo que o conhecimento universal e hegemônico lhes impõe. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente. 9a. ed. Campinas: Papirus, 2003. RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Trad. Lílian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. Nota: Coordenadora de Educação Especial da Prefeitura do município de Florianópolis –SC. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 45 . PROGRAMA 3 ENSINANDO A TURMA TODA: AS DIFERENÇAS NA ESCOLA Texto 2: Inclusão: teoria e prática Mara Sartoretto 1 A TEORIA Existe em grego uma palavra que significa a possibilidade de ver e analisar uma figura de todos os seus lados, sob todos os ângulos. A palavra é épora. Esse termo está sendo usado para definir a concepção essencial da inclusão escolar, isto é, a possibilidade de ver, de refletir, de analisar a escola sob todos os seus aspectos. A primeira evidência que surge desse tipo de análise, desse modo de ver a escola, é o fato de que a escola não esgota sua tarefa na mera transmissão de informações. Sua missão vai muito além. Mais do que nunca, torna-se clara a necessidade de uma educação voltada para os valores humanos, uma educação que permita a transformação da sociedade, uma escola que acredite nas diferentes possibilidades e nos diferentes caminhos que cada um traça para a sua aprendizagem, e que possibilite a convivência e o reconhecimento do outro, em todas as suas dimensões. Se consultarmos o dicionário, verificamos que a palavra incluir significa compreender, abranger, fazer parte, pertencer, processo que pressupõe, necessariamente e antes de tudo, uma grande dose de respeito. A inclusão só é possível onde houver respeito à diferença e, conseqüentemente, a adoção de práticas pedagógicas que permitam às pessoas com deficiências aprender, e a ter, reconhecidos e valorizados, os conhecimentos que são capazes de produzir, segundo seu ritmo, e na medida de suas possibilidades. Qualquer procedimento, pedagógico ou legal que não tenha, como pressuposto, o respeito à diferença e a valorização de todas as possibilidades da pessoa deficiente não é inclusão. Sabemos que o processo de transformação da escola comum é lento e exige uma ruptura com os modelos pedagógicos vigentes. E sabemos também que em muitas escolas especiais os alunos lutam para aprender a mesma coisa que as escolas comuns tentam lhes ensinar, por O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 46 . tempo indefinido e indeterminado, sem que esses conhecimentos lhes possibilitem construir habilidades e competências para a vida. Se acreditarmos que o papel da escola é construir cidadania através do acesso ao conhecimento, isto só será possível se dentro da escola tivermos uma verdadeira representação do grupo social que está fora da escola: pessoas com diferentes credos, de raças diferentes, com saberes diferentes, pessoas sem deficiências (existem?) e pessoas com deficiência. A experiência de conviver com a diversidade, tão necessária para a vida, nunca será exercida num ambiente educacional segregado, onde a diversidade humana não esteja representada. As escolas especiais têm um papel muito importante a cumprir. Pedagogicamente – e constitucionalmente! – elas existem para oferecer atendimento educacional especializado, e não educação especial. E o atendimento educacional especializado tem por escopo garantir aos alunos com deficiências especiais a possibilidade de aprenderem o que é diferente do ensino comum e desenvolver aquelas habilidades de que eles necessitam para poderem ultrapassar as barreiras impostas pela deficiência. Mas, para que o processo de inclusão realmente aconteça, precisamos abandonar o comodismo decorrente das nossas práticas homogeneizadoras, meritocráticas, paternalistas e corporativistas, sobretudo, e particularmente, quando trabalhamos com pessoas com deficiência mental. Como bem diz a Profa. Maria Teresa Mantoan, “resistimos à inclusão escolar porque ela nos faz lembrar que temos uma dívida a saldar em relação aos alunos que excluímos, por motivos muitas vezes banais e inconsistentes, apoiados por uma organização pedagógica escolar que se destina a alunos ideais, padronizados por uma concepção de normalidade e de deficiência arbitrariamente definida”. Alunos com e sem deficiência são excluídos da escola há muito tempo, sem que mudanças efetivas sejam feitas para resolver esse problema, uma vez que as medidas até agora implantadas não passam de paliativos. Agora, porém, são os alunos com deficiência que freqüentam as escolas comuns que estão impondo a nós, professores, uma reflexão mais séria acerca da nossa concepção de escola e das nossas práticas pedagógicas. E já existem, no país todo, tanto em escolas comuns quanto em escolas especiais, inúmeras experiências bem sucedidas de pessoas e entidades que, com O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 47 . responsabilidade, sem alarde e com fundamentação científica sólida, estão abrindo o caminho da educação inclusiva e eliminando as velhas e bolorentas práticas excludentes da pedagogia tradicional. Há muitas escolas regulares que abriram as suas portas para alunos com deficiências especiais e tentam, seriamente, fazer uma escola de qualidade, com respeito a todos os alunos, deficientes ou não. E há também muitas escolas especiais que optaram por atender a seus alunos no turno oposto ao que freqüentam na escola comum, com resultados altamente positivos. O argumento do despreparo dos professores não pode continuar sendo álibi para impedir a inclusão escolar de pessoas com deficiências. Se não estamos preparados, precisamos urgentemente nos preparar. E uma verdadeira preparação começa com o desafio de acolher as diferenças na sala de aula, com a busca de novas respostas educacionais e com a possibilidade de tornar essa inclusão uma realidade. Nesse processo, a responsabilidade é de todos – pais, diretores, supervisores, orientadores educacionais, professores, alunos – e, principalmente, das autoridades responsáveis pela definição e implementação das políticas educacionais. Discutir e propor alternativas para a consolidação de uma escola inclusiva é direito e dever de todos os que acreditam que a escola é o local privilegiado, e muitas vezes único, onde, de fato, os sujeitos de sua própria educação, quaisquer que sejam suas limitações, podem fazer a experiência fundamental, e absolutamente necessária, da cidadania, em toda sua plenitude. A PRÁTICA A Associação dos Familiares e Amigos do Down de Cachoeira do Sul – sua experiência de inclusão através do Atendimento Educacional Especializado A Associação dos Familiares e Amigos do Down de Cachoeira do Sul, Rio Grande do Sul (AFAD), é uma organização não governamental que, desde a sua fundação, assumiu a luta pela inclusão. Além de atender a alunos com Síndrome de Down no turno inverso ao da escola comum que o aluno freqüenta, a AFAD atua sistematicamente na formação de professores, o que vem produzindo mudanças importantes nas práticas pedagógicas escolares e, conseqüentemente, O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 48 . melhores condições de aprendizagem para todas as crianças com ou sem deficiência nas redes regulares. A parte mais desafiadora de seu trabalho consiste no assessoramento às escolas – públicas e privadas – e a instituições não governamentais que se dedicam ao atendimento de pessoas com deficiências especiais e que acreditam que somente através da convivência com as diferenças a escola cumprirá uma de suas principais finalidades: preparar cidadãos autônomos, solidários e sem preconceitos. Esse assessoramento é realizado através da formação continuada em serviço, que inclui os professores e as equipes diretivas das escolas e secretarias. Atualmente, além das atividades realizadas em Cachoeira do Sul, que envolvem o atendimento a pessoas com deficiências e suas famílias, a AFAD executa cursos de capacitação em Tecnologia Assistiva com ênfase na Comunicação Aumentativa e Alternativa, na perspectiva da educação inclusiva, nos Estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Alagoas, Bahia, Amazonas e Goiás, e também coordena um Curso de Educação Infantil com ênfase na inclusão e na estimulação precoce na Paraíba, Bahia, Pernambuco, Amazonas, Ceará e Pará. Este curso, proposto e administrado pela Associação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, é financiado pelo MEC, sob a orientação da Secretaria de Educação Especial. Os desafios da prática e os problemas do dia-a-dia nos mostraram a necessidade de uma fundamentação teórica sólida e permanente. Para tanto, os professores das escolas com as quais trabalhamos se reúnem, periodicamente, para trocar experiências e para se atualizar em relação à mais recente reflexão pedagógica, não para utilizá-la como receita ou panacéia, ou como forma de adesão a modismos que a qualquer momento poderão ser substituídos, mas para dar rumo e consistência ao seu trabalho. Sem essa fundamentação, o próprio conceito de inclusão, muitas vezes tão mal compreendido, pode descambar para uma caricatura da proposta original e levar a resultados contrários aos desejados. Esse trabalho e essa experiência nos têm levado a concluir que investir na formação do professor é tarefa bastante complexa porque, além da fundamentação teórica, envolve o desafio da reflexão sobre a prática cotidiana e, em decorrência disso, a necessidade da mudança, fundamental para que a inclusão se efetive. O pano de fundo dessa nova postura, diante e com os alunos, deverá ser, necessariamente, o conhecimento de como o aluno O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 49 . aprende, a ousadia de acreditar nos seus talentos, e, acima de tudo – e apesar de tudo – o gosto de ser professor. Obviamente, como em qualquer experiência inovadora, a concretização de projetos pedagógicos inclusivos encontra obstáculos. Dentre eles destacamos: •a falta de políticas públicas adequadas; •o grande número de escolas sem as mínimas condições de acessibilidade física; •a falta de equipamentos e materiais didáticos indispensáveis ao atendimento das necessidades educacionais dos alunos; •o não funcionamento do atendimento educacional especializado decorrente da inexistência de Salas de Recursos Multifuncionais ou a utilização inadequada desses espaços, principalmente na área da Deficiência Mental; •a inexistência de projetos sérios de formação continuada para os professores, baseados nas suas reais necessidades; •a normalidade com que encaramos o fato de um professor que, ao longo de sua trajetória profissional, foi responsável pela educação de tantos médicos, advogados, arquitetos, chegar ao fim de sua carreira ganhando salário mínimo. Todos esses fatores, e mais alguns, dificultam e, por vezes, frustram a implantação de práticas inclusivas nas escolas, mas, em nenhum momento, deve servir de pretexto ou desculpa para impedir a consolidação de escolas verdadeiramente inclusivas. Uma nova escola é perfeitamente possível, porque muitos são os professores que, apoiados pelas famílias e assessorados por seus diretores e supervisores, estão acreditando em outros modos de pensar a educação e de fazê-la acontecer na sala de aula, onde cada um tem a sua identidade respeitada e onde velhas práticas possam ser transformadas em novas oportunidades de aprendizagem, para todos os alunos, mais ou menos deficientes. BIBLIOGRAFIA: LARROSA, J.; SKLIAR, C. Habitantes de Babel. Belo Horizonte, Autêntica, 2001. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 50 . MANTOAN, M. T. E. Todas as crianças são bem-vindas à escola. Campinas, SP, LEPED/FE/UNICAMP. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984. Nota: Consultora da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down. Diretora da AFAD, de Cachoeira do Sul, RS. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 51 . PROGRAMA 4 O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO COMO GARANTIA DA INCLUSÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA Texto 1: Alunos com deficiência e seu direito à educação: trata-se de uma educação especial? Eugênia Augusta Gonzaga Fávero1 Quando se fala em pessoas com deficiência e seu direito à educação surge, de imediato, a noção de que estamos falando de uma educação especial, diferenciada, talvez em ambientes segregados, de tão acostumados que todos estão a identificar tais pessoas como titulares de um ensino especial. Mas já é momento de colocarmos em xeque esse costume de associar pessoas com deficiência a um ensino diferente e apartado, porque as soluções que podem surgir da mudança desse paradigma, além de garantirem às pessoas com deficiência o seu direito à igualdade, talvez sejam uma contribuição para a melhoria da qualidade do ensino em geral. A educação é um direito humano, fundamental e, portanto, deve ser colocado à disposição de todos os seres humanos. Assim, é óbvia a conclusão de que as pessoas com deficiência também são seus titulares. Esse direito de todos à educação tem peculiaridades: não é qualquer tipo de acesso à educação que atende ao princípio da igualdade de acesso e permanência em escola (art. 206, I, CF), bem como a garantia de Ensino Fundamental obrigatório (art. 208, I, CF). Em se tratando de crianças a adolescentes, principalmente, o seu direito à educação só estará totalmente preenchido: a) se o ensino recebido visar ao pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania, entre outros objetivos (art. 205, CF); b) se for ministrado em estabelecimentos oficiais de ensino, em caso do ensino básico e superior, nos termos da legislação brasileira de regência (CF, LDBEN, ECA e normas infralegais); c) se tais estabelecimentos não forem separados por grupos de pessoas, nos termos da Convenção relativa à Luta contra a Discriminação no Campo do Ensino (1960). Insistimos: é deste direito que as pessoas com deficiência também são titulares. Quando se fala em educação inclusiva, em direito de acesso à mesma sala de aula das demais crianças, e O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 52 . adolescentes, o objetivo é simplesmente garantir às pessoas com deficiência o acesso a esse direito humano, básico e fundamental. É certo que, além dos objetivos, requisitos e garantias para a educação, acima citados, nossa Constituição garante, agora, para as pessoas com deficiência, apenas o atendimento educacional especializado (art. 208, III, CF). Trata-se, pois, de tratamento diferenciado, que tem sede constitucional, mas que não exclui as pessoas com deficiência dos demais princípios e garantias relativos à educação. Ao contrário, é previsto como acréscimo e não como alternativa. Portanto, o atendimento educacional especializado será válido apenas e tão-somente se levar à concretização do direito à educação, conforme descrevemos acima. Todavia, é preciso lembrar que o atendimento educacional especializado, chamado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de educação especial, vem sendo visto de duas maneiras, bastante distintas, e uma delas pode resultar em discriminação e frustração do direito de acesso à educação. Por isso iremos nos ater, neste texto, a desvendar as peculiaridades desse direito a um atendimento educacional especializado, pontuando, no final, os requisitos que ele deve obedecer para não se tornar apenas mais uma forma de discriminação, ainda que disfarçada com as vestes da proteção. A primeira maneira de executar o atendimento educacional especializado, e a mais conhecida, é a que levou à organização de escolas separadas, chamadas de especiais ou especializadas, voltadas apenas para pessoas com deficiência, nas quais normalmente se pode cursar a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, ou seja, substituem totalmente o acesso a uma escola comum. Para os defensores desse tipo de ensino segregado, o aluno ali matriculado está tendo acesso à educação, pois eles simplesmente desconsideram os requisitos que mencionamos para esta, extraídos da Constituição e dos tratados e convenções internacionais pertinentes, inclusive a Declaração Universal de Direitos Humanos. A segunda é a que vem sendo bastante propagada pelos movimentos que defendem a inclusão escolar, ou seja, a freqüência a um mesmo ambiente por alunos com e sem deficiência, entre outras características. Esta segunda maneira é a que trata o atendimento educacional especializado como apoio e complemento, destinado a oferecer aquilo que há de específico na formação de um aluno com deficiência, sem impedi-lo de freqüentar, quando na idade própria, ambientes comuns de ensino, em estabelecimentos oficiais comuns. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 53 . O atendimento educacional especializado, ou educação especial, se realizado dessa forma, como apoio, não se traduz em negação de acesso a direitos. Ao contrário, é extremamente válido e recomendável. Isto não ocorre no primeiro caso: ao substituir totalmente os serviços oficiais comuns, a educação especial faz com que fique caracterizada a negação ou restrição de direitos (discriminação). Toda criança, mesmo que apresente características muito diferentes da maioria, precisa conviver e se desenvolver com sua geração, sendo que o espaço privilegiado para que isto ocorra é a escola. Por isso o Ensino Fundamental é obrigatório (art. 208, I, CF), e o especializado, apenas preferencial (art. 208, III, CF). Crenças tradicionais no sentido de que o ambiente de ensino, quanto mais especializado, melhor, no sentido da obtenção de sucesso com base na concorrência entre os alunos por notas, entre outros fatores, vêm revelando-se insuficientes e até prejudiciais aos alunos em geral. O que se persegue, especialmente em fase de Ensino Fundamental, é a formação humana e a preparação, inclusive emocional e cidadã, do aluno para prosseguir nos estudos. Não se descuida da matéria, mas esta deixa de ser o eixo principal da escola que a Constituição brasileira de 1988 previu, adotando uma tendência mundial. As escolas que seguem essa tendência, modificando suas práticas pedagógicas, recebem com sucesso todos os alunos, inclusive os que têm algum tipo de deficiência. As escolas tradicionais alegam um antigo despreparo para receber alunos com deficiências – visual, auditiva, mental e até físicas –, mas nada ou muito pouco fazem no sentido de virem a se preparar. Há também uma constante alegação de que essa inclusão escolar é muito boa, mas não pode servir para o aluno que tem deficiências muito graves. Ora, alunos em tais condições estão à procura de tratamentos relacionados à área da saúde e são em número bastante reduzido. As crianças que vêm sendo recusadas constantemente nas escolas são crianças cegas, surdas, com limitações intelectuais e/ou físicas, mas não associadas a doenças. São, apenas, crianças com deficiência. O fato é que a presença desses alunos em salas de aula comuns pode até ser novidade, mas é um direito e, no tocante ao Ensino Fundamental, também um dever do Estado e de seus responsáveis. Dessa maneira, o atendimento educacional especializado, quando ministrado de forma a impedir ou restringir esse direito, fere o princípio da igualdade. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 54 . Mas, como já dissemos, há aqueles (e são a maioria) que não levam em conta a importância da convivência entre as crianças e os adolescentes, considerando que a freqüência exclusiva a uma escola especial atenderia ao direito de acesso à educação. Eles teimam em interpretar o ordenamento jurídico de maneira a confirmar a sua intenção de manter alunos com deficiência exclusivamente em ambientes segregados. Essa postura resulta, muitas vezes, de uma total insensibilidade, mas também de uma resistência muito forte ao contato diário e intenso entre crianças com e sem deficiência, até porque os alunos com deficiência têm limitações físicas, sensoriais ou intelectuais significativas por definição e necessitam de instrumentos e apoios que os demais alunos não necessitam. Só que esses apoios podem perfeitamente ocorrer de maneira concomitante com o acesso à escola comum, de várias formas. O que não pode é se admitir a educação especial, totalmente substitutiva do ensino comum, como sistema de ensino à parte, pois isso resultaria no exercício de “direitos separados”, o que é historicamente vedado pelos tratados e convenções internacionais2 que tratam do direito à não discriminação. Fora isso, a falta desse contato diário e intenso gera um prejuízo para todas as crianças, com e sem deficiência. Infelizmente, a educação especial, totalmente substitutiva do ensino comum, ainda é amplamente admitida pelas autoridades, independentemente da idade do aluno. Temos nos deparado, em muitas cidades, com escolas de Ensino Fundamental (comuns) e escolas de Ensino Fundamental especial (especiais), estas últimas voltadas para pessoas com deficiência e outras que foram recusadas pelas escolas de ensino comum. Isto é lamentável porque, além de tudo, é uma teratologia jurídica. Trata-se de uma conduta que gera o exercício separado de direitos; que confunde o Ensino Fundamental, etapa obrigatória do ensino escolar (para alunos na idade própria), com educação especial, modalidade de ensino escolar (perpassa os níveis de ensino sem se transformar em um deles); e o que é pior, que faz “instituir ou manter sistemas ou estabelecimentos de ensino separados para pessoas ou grupos de pessoas”, já vedada pelo Artigo I, da vetusta Convenção relativa à Luta contra a Discriminação no Campo do Ensino, de 15.12.1960, ratificada pelo Brasil em 19.04.1968 e promulgada pelo Decreto nº 63.223, de 6.09.1968. Para que não pairem dúvidas esclarecemos: nada temos contra o atendimento educacional especializado que não impede o acesso às turmas comuns, pois em tal caso não há que se falar em negação de direitos, como já afirmamos. E também não se trata do exercício separado de O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 55 . direitos, tendo em vista que não existem cursos semelhantes voltados para pessoas que não tenham deficiência. Quando estas querem aprender o Braille, a Língua de Sinais, elas procuram escolas e instituições especializadas e podem se matricular normalmente. Só lembramos que é preciso que o atendimento educacional especializado, mesmo ministrado como apoio, não gere uma situação por si só constrangedora para quem recebe o tratamento desigual. Por exemplo: exigir que uma criança com deficiência, para que possa freqüentar uma turma comum, seja permanentemente acompanhada por assistentes, até em situações em que isto é plenamente dispensável (recreio, brincadeiras, etc.). Finalmente, outro requisito para que o atendimento educacional especializado seja uma diferenciação válida é o de que não haja obrigatoriedade na sua freqüência. Isto ocorre porque o ensino que nossa Constituição prevê como obrigatório é o fundamental. O atendimento educacional especializado, bem como qualquer um dos apoios e instrumentos que ele compreende, é uma faculdade do aluno ou seus responsáveis. Sendo assim, ele jamais poderia ser imposto pelo sistema de ensino, ou eleito como condição para aceitação da matrícula do aluno em estabelecimento comum, sob pena de acarretar restrição ou imposição de dificuldade no acesso ao direito à educação3. Sabemos que tais considerações estão bastante longe do que vem sendo praticado na maioria das escolas brasileiras, as quais se acham no direito de matricular apenas os alunos que julgam terem condições de freqüentar suas salas de aula, como se não bastasse o fato de ser uma criança ou adolescente na idade própria para essa matrícula. Mesmo as autoridades consultadas sobre o tema, quando se deparam com a recusa de um aluno com deficiência por uma escola que, como sempre, se diz “despreparada” para recebêlo, às vezes aceitam essa recusa como sendo razoável. Além disso, tais autoridades não adotam, em regra, nenhuma medida para garantir que essa preparação (que poderia ter início com a matrícula daquele aluno) um dia venha a ocorrer. Ainda que a recusa da matrícula reste totalmente caracterizada, essas mesmas autoridades jamais fazem uso da legislação penal (Lei n. 7.853/89, art. 8º) para punir criminalmente os responsáveis por tal conduta. Acreditamos, contudo, que esse tipo de inércia está chegando ao fim. Cada vez mais os movimentos sociais, os pais de crianças com deficiência, membros do Ministério Público e do Poder Judiciário vêm se dando conta do quanto as escolas brasileiras são discriminatórias, O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 56 . especialmente em relação aos alunos com deficiência, e que é preciso encontrar alternativas para a melhoria da qualidade do ensino para todos, sem exclusões. Assim, louvamos os termos da Constituição brasileira e das convenções internacionais que nos permitem concluir que o atendimento educacional especializado, destinado a alunos com deficiência, também chamado de educação especial, é uma forma válida de se garantir o acesso das pessoas com deficiência ao direito à educação, desde que: 1) seja adotado quando realmente exista uma necessidade educacional especial, ou seja, algo do qual os alunos sem deficiência não precisam; 2) seja oferecido preferencialmente no mesmo ambiente (sala de aula) freqüentado pelos demais alunos (exemplo: intérprete de língua de sinais, computadores com teclados adaptados ou sistema de voz), mas sem substituição do professor comum; 3) se houver necessidade de ser oferecido à parte, que isto ocorra sem dificultar ou impedir que crianças e adolescentes com deficiência tenham acesso às salas de aula do ensino comum, no mesmo horário que os demais alunos as freqüentam; 4) não seja adotado de forma obrigatória, ou como condição para o acesso do aluno com deficiência ao ensino comum; 5) exista uma consciência clara e intransigente quanto ao direito dessa criança de estar na escola comum e que, para tanto, todas as dificuldades devem ser enfrentadas, em nome do direito dela à cidadania e à dignidade, sem ter que viver à margem do desenvolvimento de sua geração. BIBLIOGRAFIA ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional do transexual. São Paulo: Saraiva, 2000. ______; SERRANO JÚNIOR, Vidal. Curso de Direito Constitucional. 9ª edição, revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2005. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 57 . ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução, estudo bibliográfico e notas Edson Bini. Bauru, SP: Edipro, 2002. ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985. BELISÁRIO FILHO, José Ferreira. Inclusão: uma revolução na saúde. Rio de Janeiro: WVA Editora, 1999. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5ª edição. Coimbra: Livraria Almedina, 1991. ______. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª edição. Coimbra: Livraria Almedina, 2002. ______; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991. COMPARATO, Fábio Konder. Comentário ao Artigo 1º da Declaração Universal de Direitos Humanos. In: CASTRO, Reginaldo Oscar de (Coord.). Direitos Humanos: conquistas e desafios. Brasília: Letraviva, 1999. ______. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª edição, revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2005. FÁVERO, Eugênia Augusta Gonzaga. Direitos das pessoas com deficiência: garantia de igualdade na diversidade. Rio de Janeiro: WVA Editora, 2004. ______ ; SANTA ROSA, Rose. O papel do Ministério Público na fiscalização do ensino. In: FERREIRA, Dâmares (Coord.). Direito educacional em debate, pp. 99 a 112, Vol. I. São Paulo: Cobra Editora, 2004. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 58 . GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da proporcionalidade e teoria do direito. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (Organizadores). Estudos em homenagem a Paulo Bonavides. 1ª edição, 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão escolar: o que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Editora Moderna, 2003. ______; BATISTA, Cristina Abranches Mota. 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São Paulo: Saraiva, 1991. ______. A interação entre o Direito Internacional e o Direito interno na proteção dos direitos humanos. In: TRINDADE, Antônio Augusto Cançado (Ed.). A incorporação das normas internacionais de proteção dos direitos humanos no Direito brasileiro. San José de Costa Rica: IIDH, ACNUR, CIVC, CUE, 1996. WERNECK, Cláudia. Sociedade inclusiva. Quem cabe no seu TODOS? Rio de Janeiro: WVA Editora, 1997. Notas: Procuradora da República. Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP. Autora do livro Direitos das pessoas com deficiência: garantia de igualdade na diversidade, pela WVA Editora, e co-autora da cartilha “Acesso de alunos com deficiência às classes e escolas comuns da rede regular”, pela PFDC/MPF. 2 Estamos falando, basicamente, dos seguintes documentos internacionais: - Convenção concernente à Discriminação em Matéria de Emprego e Profissão, de 05.06.1958: promulgada pelo Decreto nº 62.150, de 19.01.1968, ratificada em 26.11.65; - Convenção relativa à Luta contra a Discriminação no campo do Ensino, de 15.12.1960: ratificada em 19.04.1968 e promulgada pelo Decreto nº 63.223, 6.09.1968; - Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, de 21.12.1965: ratificada em 27.03.1968, promulgada pelo Decreto nº 65.810, de 08.12.1969; - Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, de 18.12.1979: ratificada em 01.02.1984. Promulgada pelo Decreto nº 89.460, de 20.03.1984, que foi revogado pelo Decreto nº 4.377, de O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 60 . 13.09.2002, o qual promulgou novamente a Convenção sem as reservas anteriormente feitas; - Declaração para a Eliminação de todas as formas de Intolerância e de Discriminação baseada em Religião ou Crença, de 25.11.1981; - Convenção relativa aos Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, de 27.06.1989: ratificada em 25.07.2002, promulgada pelo Decreto 5.051, de 19.04.04; - Convenção sobre os Direitos da Criança, de 20.11.1989: ratificada em 24.09.1990, promulgada pelo Decreto 99.710, de 21.11.1990; - Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, de 08.06.1999: promulgada pelo Decreto 3.956, de 08.10.2001. 3 Nos casos em que a escola acha necessário que a criança tenha algum tipo de apoio complementar especializado, principalmente no campo da saúde, e os pais se recusam a providenciá-lo, mesmo tendo condições para tanto, cabe à escola registrar essa recomendação e, se verificar que a criança está sendo prejudicada, deve denunciar o fato ao Conselho Tutelar. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 61 . PROGRAMA 4 O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO COMO GARANTIA DA INCLUSÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA Texto 2: Atendimento educacional especializado para alunos cegos e com baixa visão Elizabet Dias de Sá1 A visão detecta e integra, de forma instantânea e imediata, mais de 80% dos estímulos no ambiente, ocupando uma posição central no que se refere à percepção e à integração de formas, contornos, tamanhos, cores e imagens. É o elo de ligação que integra os outros sentidos, permite associar som e imagem, imitar um gesto ou comportamento, e exercer uma atividade exploratória circunscrita a um espaço delimitado. Sem a visão, os outros sentidos passam a receber a informação de forma intermitente, fugidia e fragmentária. A criança que enxerga estabelece uma comunicação visual com o mundo exterior, desde os primeiros meses de vida, porque é estimulada a olhar para tudo o que está à sua volta, sendo possível acompanhar o movimento das pessoas e dos objetos sem sair do lugar. As crianças cegas e com baixa visão crescem e desenvolvem-se em um contexto impregnado de padrões de referências e experiências eminentemente visuais. Por isto, necessitam de recursos e meios específicos no ambiente familiar e escolar para receber e organizar a informação. Neste processo, o atendimento educacional especializado deve ser viabilizado desde a Educação Infantil e no decorrer do percurso escolar. Na escola, os professores costumam confundir ou interpretar erroneamente algumas atitudes e condutas de alunos com baixa visão, que oscilam entre o ver e o não ver. Estes alunos manifestam algumas dificuldades de percepção em determinadas circunstâncias tais como: objetos situados em ambientes mal iluminados; ambiente muito claro ou ensolarado; objetos ou materiais que não proporcionam contraste; objetos e seres em movimento; visão de profundidade; percepção de formas complexas; representação de objetos tridimensionais; tipos impressos ou figuras muito pequenas ou muito grandes. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 62 . Neste caso, alguns comportamentos, sinais ou sintomas físicos podem ser observados: Tentar remover mancha, esfregar excessivamente os olhos, franzir a testa. Fechar e cobrir um dos olhos, balançar a cabeça ou movê-la para frente ao olhar para um objeto próximo ou distante. Levantar para ler o que está escrito no quadro de giz, em cartazes ou mapas. Copiar do quadro faltando letras, tendência de trocar palavras e mesclar sílabas. Ter dificuldade na leitura ou em outro trabalho que exija o uso concentrado dos olhos. Piscar mais que o habitual, chorar com freqüência ou irritar-se com a execução de tarefas. Tropeçar ou cambalear diante de pequenos objetos. Manter livros ou objetos miúdos bem perto dos olhos. Mostrar desconforto ou intolerância à claridade. Trocar a posição do livro e perder a seqüência das linhas em uma página ou mesclar letras semelhantes. Demonstrar falta de interesse ou dificuldade em participar de jogos que exijam visão de distância. A cegueira e a baixa visão não limitam a capacidade de aprender. Estes alunos têm as mesmas potencialidades do que os outros e, portanto, não se deve ter uma baixa expectativa em relação a eles. As estratégias de aprendizagem, os procedimentos, os meios de acesso ao conhecimento e à informação, bem como os instrumentos de avaliação, devem ser adequados às condições visuais destes educandos. Estes alunos devem desenvolver a formação de hábitos e de postura, destreza tátil, o sentido de orientação, o reconhecimento de desenhos, gráficos e maquetes em relevo, dentre outras habilidades. As estratégias e as situações de aprendizagem devem valorizar o comportamento exploratório, a estimulação dos sentidos remanescentes, a iniciativa e a participação ativa. - Atividades Algumas atividades predominantemente visuais devem ser adaptadas com antecedência, e outras durante a sua realização, por meio de descrição, informação tátil, auditiva, olfativa e qualquer outra referência que favoreça a configuração do cenário ou do ambiente. É o caso, por exemplo, de exibição de filmes ou documentários, excursões e exposições. A apresentação de vídeo requer a descrição oral de imagens, cenas mudas e leitura de legenda simultânea, se não houver dublagem, para que as lacunas sejam preenchidas com dados da realidade e não apenas com a imaginação. É recomendável apresentar um resumo ou contextualizar a atividade programada para estes alunos. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 63 . Os esquemas, símbolos e diagramas presentes nas diversas disciplinas devem ser descritos oralmente. Os desenhos, gráficos e ilustrações devem ser adaptados e representados em relevo. O ensino de língua estrangeira deve priorizar a conversação, em detrimento de recursos didáticos visuais, que devem ser explicados verbalmente. Experimentos de Ciências e Biologia devem remeter ao conhecimento por meio de outros canais de coleta de informação. As atividades de Educação Física podem ser adaptadas com o uso de barras, cordas, bolas com guizo, etc. O aluno deve ficar próximo do professor, que recorrerá a ele para demonstrar os exercícios ao mesmo tempo em que ele aprende. Outras atividades que envolvem expressão corporal, dramatização, arte, música podem ser desenvolvidas com pouca ou nenhuma adaptação. Em resumo, os alunos cegos ou com baixa visão podem e devem participar de praticamente todas as atividades, com diferentes níveis e modalidades de adaptação, que envolvem criatividade, confecção de material e cooperação entre os participantes. - Avaliação Alguns procedimentos e instrumentos de avaliação baseados em referências visuais devem ser alterados ou adaptados por meio de representações e relevo. É o caso, por exemplo, de desenhos, gráficos, diagramas, gravuras, uso de microscópios. Em algumas circunstâncias, é recomendável valer-se de exercícios orais. A adaptação, a produção de material e a transcrição de provas, de exercícios e de textos em geral para o Sistema Braille podem ser realizadas em salas de multimeios, núcleos, serviços ou centros de apoio pedagógico. Se não houver ninguém na escola que domine o Sistema Braille, será igualmente necessário fazer a conversão da escrita Braille para a escrita em tinta. Convém observar a necessidade de estender o tempo da avaliação, considerando-se as peculiaridades em relação à percepção não visual. Os alunos podem realizar trabalhos e tarefas escolares utilizando a máquina de escrever em Braille ou o computador, sempre que possível. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 64 . - O Sistema Braille Criado por Louis Braille, em 1825, na França, o Sistema Braille baseia-se na combinação de 66 pontos que representam as letras do alfabeto, os números e outros símbolos gráficos. A combinação dos pontos é obtida pela disposição de seis pontos básicos, organizados espacialmente em duas colunas verticais, com três pontos à direita e três à esquerda de uma cela básica, denominada cela Braille. A escrita Braille é realizada por meio de uma reglete e/ou uma punção, ou de uma máquina de escrever Braille. A reglete é uma régua de madeira, metal ou plástico com um conjunto de celas Braille dispostas em linhas horizontais sobre uma base plana. A punção é um instrumento em madeira ou plástico, no formato de pêra ou anatômico, com ponta metálica utilizada para a perfuração dos pontos na cela Braille. O movimento de perfuração deve ser realizado da direita para a esquerda para produzir a escrita em relevo de forma não espelhada, enquanto a leitura é realizada da esquerda para a direita. Este processo de escrita tem a desvantagem de ser mais lento, devido à perfuração de cada ponto, exige boa coordenação motora e dificulta a correção de erros. A máquina de escrever tem seis teclas básicas correspondentes aos pontos da cela Braille. O toque simultâneo de uma combinação de teclas produz os pontos que correspondem aos sinais e símbolo desejados. É um mecanismo de escrita mais rápido, prático e eficiente. A escrita em relevo e a leitura tátil baseiam-se em componentes específicos no que diz respeito ao movimento das mãos, mudança de linha, adequação da postura e manuseio do papel. Este processo requer o desenvolvimento de habilidades do tato, que envolve conceitos espaciais e numéricos, sensibilidade, destreza motora, coordenação bimanual, discriminação, dentre outros aspectos. Por isto, o aprendizado do Sistema Braille deve ser realizado em condições adequadas, de forma simultânea, e complementar ao processo de alfabetização dos alunos cegos. Os meios informáticos ampliam as possibilidades de produção e impressão Braille. Existem diferentes tipos de impressoras, com capacidade de produção de pequeno, médio e grande porte, que representam um ganho qualitativo e quantitativo no que se refere à produção Braille em termos de velocidade, eficiência, desempenho e sofisticação. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 65 . - Sorobam Instrumento utilizado para trabalhar cálculos e operações matemáticas; espécie de ábaco que contém 5 contas em cada eixo e borracha compressora para deixar as contas fixas. - Livro Didático Adaptado Os livros didáticos são ilustrados com desenhos, gráficos, cores, diagramas, fotos e outros recursos inacessíveis para os alunos com limitação visual. A transcrição de um texto ou de um livro para o Sistema Braille tem características específicas em relação ao tamanho, à paginação, à representação gráfica, aos mapas e ilustrações, devendo ser fiel ao conteúdo e respeitar normas e critérios estabelecidos pela Comissão Brasileira do Braille. A adaptação parcial ou integral destes livros é complexa e pode ser realizada nos Centros de Apoio Pedagógico aos Deficientes Visuais (CAPs) ou em serviços similares, enquanto a produção em grande escala fica sob a responsabilidade das instituições especializadas, em parceria com o Ministério da Educação. - Livro Acessível O livro acessível visa contemplar a todos os leitores. Para isto, deve ser concebido como um produto referenciado no modelo do desenho universal. Isto significa que deve ser concebido a partir de uma matriz que possibilite a produção de livros em formato digital, em áudio, em Braille e com fontes ampliadas. É o livro ideal e, portanto, ainda não disponível nas prateleiras das livrarias e das bibliotecas. Por ora, figura como objeto de contenda que depende de regulamentação e de negociação entre o Governo e os elos da cadeia produtiva do livro. Enquanto isso, surgem os primeiros livros de literatura infantil em áudio-livro ou impressos em tinta e em Braille, com desenhos em relevo ou descrição sucinta das ilustrações. Trata-se de iniciativas pontuais e isoladas, que representam um grão de areia no universo da cultura e da leitura para as pessoas cegas e com baixa visão. - Recursos ópticos e não-ópticos Recursos ou auxílios ópticos são lentes de uso especial ou com dispositivo formado por um conjunto de lentes, geralmente de alto poder, com o objetivo de magnificar a imagem da retina. Estes recursos são utilizados mediante prescrição e orientação oftalmológicas. É O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 66 . importante lembrar que a indicação de recursos ópticos depende de cada caso ou patologia. Por isso, não são todos os indivíduos com baixa visão que os utilizam. Convém lembrar também que o uso de lentes, lupas, óculos, telescópios representa um ganho valioso em termos de qualidade, conforto e desempenho visual para perto, mas não descartam a necessidade de adaptação de material e de outros cuidados. - Tipos ampliados Ampliação de fontes, de sinais e símbolos gráficos em livros, apostilas, textos avulsos, jogos, agendas, dentre outros. - Recursos Tecnológicos Os meios informáticos facilitam a vida de educadores e educandos porque possibilitam a comunicação, a pesquisa e o acesso ao conhecimento. Existem programas leitores de tela com síntese de voz, concebidos para usuários cegos, que possibilitam a navegação na Internet, o uso do correio eletrônico, o processamento de textos, de planilhas e uma infinidade de aplicativos operados por meio de comandos de teclado que dispensam o uso do mouse. Existem, ainda, outras ferramentas que possibilitam a produção de livros em formato digital, em áudio e em Braille. É necessário que estas ferramentas estejam disponíveis no âmbito do Sistema Escolar, e nos Serviços e Centros de Apoio que visam promover a inclusão escolar e social. Os laboratórios de informática, os telecentros e os programas de inclusão digital devem contar com ferramentas concebidas para pessoas cegas e com baixa visão, porque o uso de computadores e de outros recursos tecnológicos é tão fundamental para elas quanto os olhos são para quem enxerga. Nota: 1 Psicóloga e educadora. Consultora em Educação Inclusiva. Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de Belo Horizonte- MG. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 67 . PROGRAMA 4 O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO COMO GARANTIA DA INCLUSÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA Texto 3: Atendimento educacional especializado para a pessoa com deficiência mental Cristina Abranches Mota Batista1 O atendimento educacional especializado decorre de uma nova visão da Educação Especial, sustentada legalmente, e é uma das condições para o sucesso da inclusão escolar dos alunos com deficiência. Esse atendimento existe para que os alunos possam aprender o que é diferente do currículo do ensino comum, e que é necessário para que possam ultrapassar as barreiras impostas pela deficiência. As barreiras da deficiência mental diferem muito das barreiras encontradas nas demais deficiências. Trata-se de barreiras referentes à maneira de lidar com o saber em geral, o que se reflete preponderantemente na construção do conhecimento escolar. Por esse motivo, a educação especializada, realizada nos moldes do treinamento e da adaptação, reforça a condição de deficiente desse aluno. Essas formas de intervenção mantêm o aluno em um nível de compreensão que é muito primitivo e que a pessoa com deficiência mental tem dificuldade de ultrapassar – nas chamadas regulações automáticas, de Piaget. É necessário que se estimule o aluno com deficiência mental a progredir nos níveis de compreensão, criando novos meios para que possa se adequar às novas situações, ou melhor, desafiando-o a realizar regulações ativas. Assim sendo, o aluno com deficiência mental precisa adquirir, através do atendimento educacional especializado, condições de passar de um tipo de ação automática e mecânica diante de uma situação de aprendizado/experiência para um outro tipo, que lhe possibilite selecionar e optar por meios mais convenientes de atuar intelectualmente. O atendimento educacional para tais alunos deve, portanto, privilegiar o desenvolvimento e a superação daquilo que lhe é limitado, exatamente como acontece com as demais deficiências, como por exemplo: para o cego, a possibilidade de ler pelo Braille; para o surdo, a forma mais O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 68 . conveniente de se comunicar e para a pessoa com deficiência física, o modo mais adequado de se orientar e se locomover. Para a pessoa com deficiência mental, a acessibilidade não depende de suportes externos ao sujeito, mas tem a ver com a saída de uma posição passiva e automatizada diante da aprendizagem para o acesso e apropriação ativa do próprio saber. De fato, a pessoa com deficiência mental encontra inúmeras barreiras nas interações que realiza com o meio para assimilar, desde os componentes físicos do objeto de conhecimento, como por exemplo, o reconhecimento e a identificação da cor, forma, textura, tamanho e outras características que ela precisa retirar diretamente desse objeto. Isso ocorre porque são pessoas que apresentam prejuízos no funcionamento, na estruturação e na reelaboração do conhecimento. Exatamente por isso não adianta propor atividades que insistem na repetição pura e simples de noções de cor, forma etc. para que, a partir desse suposto aprendizado, o aluno consiga dominar essas noções e as demais propriedades físicas dos objetos, e ainda possa transpô-las para um outro contexto. A criança sem deficiência mental consegue espontaneamente retirar informações do objeto e construir conceitos, progressivamente. Já a criança com deficiência mental precisa de outra atenção, ou seja, de exercitar sua atividade cognitiva, de modo que consiga o mesmo, ou uma aproximação do mesmo. Esse exercício implica trabalhar a abstração por meio da projeção das ações práticas em pensamento. A passagem das ações práticas e a coordenação dessas ações em pensamento são partes de um processo cognitivo que é natural para aqueles que não têm deficiência mental. E para aqueles que têm uma deficiência mental, essa passagem deve ser estimulada e provocada, de modo que o conhecimento possa se tornar consciente e interiorizado. O atendimento educacional especializado para as pessoas com deficiência mental está centrado na dimensão subjetiva do processo de conhecimento, complementando o conhecimento acadêmico e o ensino coletivo que caracterizam a escola comum. O conhecimento acadêmico exige o domínio de um determinado conteúdo curricular; o atendimento educacional, por sua vez, refere-se à forma pela qual o aluno trata todo e qualquer conteúdo que lhe é apresentado e como consegue significá-lo, ou seja, compreendêlo. É importante esclarecer que o atendimento educacional especializado não é ensino particular, nem reforço escolar. Ele pode ser realizado em grupos, porém atento para as formas O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 69 . específicas de cada aluno se relacionar com o saber. Isso também não implica atender a esses alunos formando grupos homogêneos com o mesmo tipo de problema (patologias) e/ou desenvolvimento. Pelo contrário, os grupos devem se constituir obrigatoriamente por alunos da mesma faixa etária e em vários níveis do processo de conhecimento. Alunos com síndrome de Down, por exemplo, poderão compartilhar esse atendimento com seus colegas autistas, com outras síndromes, seqüelas de paralisia cerebral e ainda outros com ou sem uma causa orgânica esclarecida de sua deficiência e com diferentes possibilidades de acesso ao conhecimento. O atendimento educacional especializado para o aluno com deficiência mental deve permitir que esse aluno saia de uma posição de “não-saber”, ou de “recusa de saber” para se apropriar de um saber que lhe é próprio, ou melhor, que ele tem consciência de que o construiu. A inibição, definida na teoria freudiana, ou a “posição débil” enunciada por Lacan provocam atitudes particulares diante do saber, influenciando a pessoa na aquisição do conhecimento acadêmico. É importante ressaltar que o saber da Psicanálise é o “saber inconsciente”, relativo à verdade do sujeito. Em outras palavras, trata-se de um processo inconsciente e o que o sujeito recusa saber é sobre a própria incompletude, tanto dele, quanto do outro. O aluno com deficiência mental, nessa posição de recusa e de negação do saber, fica passivo e dependente do outro (do seu professor, por exemplo), ao qual outorga o poder de todo o saber. Se o professor assume o lugar daquele que sabe tudo e oferece todas as respostas para seus alunos, o que é muito comum nas escolas e principalmente na prática da Educação Especial, ele reforça essa posição débil e de inibição, não permitindo que esse aluno se mobilize para adquirir/construir qualquer tipo de conhecimento. Quando o atendimento educacional permite que o aluno traga a sua vivência e que se posicione de forma autônoma e criativa diante do conhecimento, o professor sai do lugar de todo o saber. Dessa maneira, o aluno pode se questionar e modificar sua atitude de recusa do saber e sua posição de “não saber”. Ele, então, pode se mobilizar e buscar o saber. Na verdade, é tomando consciência de que não sabe que o aluno pode se mobilizar e buscar o saber. A liberdade de criação e de posicionamento autônomo do aluno diante do saber permite que sua verdade seja colocada, o que é fundamental para os alunos com deficiência mental. Ele deixa de ser o “repeteco”, o eco do outro e se torna um ser pensante e desejante de saber. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 70 . Mas o atendimento educacional não deve funcionar como uma análise interpretativa, própria das sessões psicanalíticas, e nem como uma intervenção psicopedagógica, tradicionalmente praticada. Esse atendimento deve permitir ao aluno elaborar suas questões, suas idéias, de forma ativa e não corroborar para sua alienação diante de todo e qualquer saber. A escola (especial e comum), ao desenvolver o atendimento educacional especializado, deve oferecer todas as oportunidades possíveis para que, nos espaços educacionais em que ele acontece, o aluno seja incentivado a se expressar, pesquisar, inventar hipóteses e reinventar o conhecimento livremente. Assim, ele pode trazer para os atendimentos os conteúdos advindos da sua própria experiência, segundo seus desejos, necessidades e capacidades. O exercício da atividade cognitiva ocorrerá a partir desses conteúdos. Devem ser oferecidas situações, envolvendo ações em que o próprio aluno teve participação ativa na sua execução e/ou façam parte da experiência de vida dele. Essa prática difere de todo modelo de atuação privilegiado até então pela Educação Especial. Trabalhar a ampliação da capacidade de abstração não significa apenas desenvolver a memória, a atenção, as noções de espaço, tempo, causalidade, raciocínio lógico, em si mesmas. Nem tão pouco tem a ver com a desvalorização da ação direta sobre os objetos de conhecimento, pois a ação é o primeiro nível de toda a construção mental. O objetivo do atendimento educacional especializado é propiciar condições e liberdade para que o aluno com deficiência mental possa construir a sua inteligência, dentro do quadro de recursos intelectuais que lhe é disponível, tornando-se agente capaz de produzir significado/conhecimento. O contato direto com os objetos a serem conhecidos – ou seja, com a sua “concretude” – não pode ser descartado, mas o importante é intervir no sentido de fazer com que esses alunos percebam a capacidade que têm de pensar, de realizar ações em pensamento, de tomar consciência de que são capazes de usar a inteligência de que dispõem e de ampliá-la, pelo seu esforço de compreensão, ao resolver uma situação-problema qualquer. Mas sempre agindo com autonomia para escolher o caminho da solução e a sua maneira de atuar inteligentemente. O aluno com deficiência mental, como qualquer outro aluno, precisa desenvolver a sua criatividade, a capacidade de conhecer o mundo e a si mesmo, não apenas superficialmente ou por meio do que o outro pensa. O nosso maior engano é generalizar a dotação mental das pessoas com deficiência mental em um nível sempre muito baixo, carregado de preconceitos O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 71 . sobre a sua capacidade de, como alunos, progredirem na escola, acompanhando os demais colegas. Desse engano derivam todas as ações educativas que desconsideram o fato de que cada pessoa é uma pessoa, que tem antecedentes diferentes de formação, experiências de vida e que sempre é capaz de aprender e de exprimir um conhecimento. O atendimento educacional especializado não deve ser uma atividade que tenha como objetivo o ensino escolar especial adaptado para desenvolver conteúdos acadêmicos, tais como a Língua Portuguesa, a Matemática, dentre outros. Com relação à Língua Portuguesa e à Matemática, o atendimento educacional especializado buscará o conhecimento que permite ao aluno a leitura, a escrita e a quantificação, sem o compromisso de sistematizar essas noções, como é o objetivo da escola. Para possibilitar a produção do saber e preservar sua condição de complemento do ensino regular, o atendimento educacional especializado tem de estar desvinculado da necessidade típica da produção acadêmica. A aprendizagem do conteúdo acadêmico limita as ações do professor especializado, principalmente quanto a permitir a liberdade de tempo e de criação que o aluno com deficiência mental precisa ter para organizar-se diante do desafio do processo de construção do conhecimento. Esse processo de conhecimento, ao contrário do que ocorre na escola comum, não é determinado por metas a serem atingidas em uma determinada série, ou ciclo, ou mesmo etapas de níveis de ensino ou de desenvolvimento. O processo de construção do conhecimento, no atendimento educacional especializado, não é ordenado de fora, e não é possível ser planejado sistematicamente, obedecendo a uma seqüência rígida e predefinida de conteúdos a serem assimilados. E assim sendo, não persegue a promoção escolar, mesmo porque esse aluno já está incluído. Na escola comum, o aluno constrói um conhecimento necessário e exigido socialmente e que depende de uma aprovação e do reconhecimento da aquisição desse conhecimento por outro(s): o professor, pais, autoridades escolares, exames e avaliações institucionais. No atendimento educacional especializado, o aluno constrói conhecimento para si mesmo, o que é fundamental para que consiga alcançar o conhecimento acadêmico. Aqui, ele não depende de uma avaliação externa, calcada na evolução do conhecimento acadêmico, mas de novos parâmetros relativos às suas conquistas diante do desafio da construção do conhecimento. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 72 . Portanto, os dois – escola comum e atendimento educacional especializado – precisam acontecer concomitantemente, pois um beneficia o desenvolvimento do outro e jamais esse beneficio deverá caminhar linear e seqüencialmente, como se acreditava antes. Por maior que seja a limitação do aluno com deficiência mental, ir à escola comum para aprender conteúdos acadêmicos e participar do grupo social mais amplo favorece o seu aproveitamento no atendimento educacional especializado e vice-versa. O atendimento educacional especializado é, de fato, muito importante para o progresso escolar do aluno com deficiência mental. Aqui é importante salientar que a “socialização”, justificada como único objetivo da entrada desses alunos na escola comum, especialmente para os casos mais graves, não permite essa complementação e muito menos significa que está havendo uma inclusão escolar. A verdadeira socialização, em todos os seus níveis, exige construções cognitivas e compreensão da relação com o outro. O que tem acontecido, em nome dessa suposta socialização, é uma espécie de tolerância da presença do aluno em sala de aula e o que decorre dessa situação é a perpetuação da segregação, mesmo que o aluno esteja freqüentando um ambiente escolar comum. O arranjo físico do espaço reservado ao atendimento precisa coincidir com o seu objetivo de enriquecer o processo de desenvolvimento cognitivo do aluno com deficiência mental e de oferecer-lhe o maior número possível de alternativas de envolvimento e interação com o que compõe esse espaço. Portanto, não pode reproduzir uma sala de aula comum e tradicional. O espaço físico para o atendimento educacional especializado deve ser preservado, tanto na escola especial como na escola comum, ou seja, deve ser criado e utilizado unicamente para esse fim. O tempo reservado para esse atendimento será definido conforme a necessidade de cada aluno e as sessões acontecerão sempre no horário oposto ao das aulas do ensino regular. As escolas especiais, diante dessa proposta, tornam-se espaços de atendimento educacional especializado nas diferentes deficiências para as quais foram criadas e devem guardar suas especificidades. Elas não podem justificar a manutenção da estrutura e modelo da escola comum, recebendo alunos sem deficiência – a chamada “inclusão ao contrário” – nem mesmo atender a todo o tipo de deficiência em um mesmo espaço especializado. As instituições O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 73 . especializadas devem fazer o mesmo com suas escolas especiais e também conservar o atendimento clínico especializado. A avaliação do atendimento educacional especializado, no início e ao final do processo, tem o objetivo de conhecer o ponto de partida e o de chegada do aluno, no processo de conhecimento. Para que se possa montar um plano de trabalho para esse atendimento, o mais importante para o professor não é saber o que o aluno “não sabe”, e sim se informar sobre o que ele já conhece a respeito de um dado assunto. A terminalidade desse atendimento deve ocorrer independentemente do desempenho escolar desses alunos na escola comum, porque o que se pretende com essa complementação não se reduz ao que é próprio da escola comum. A interface entre o atendimento educacional especializado e a escola comum acontecerá conforme a necessidade de cada caso, sem a intenção primeira de apenas garantir o bom desempenho escolar do aluno com deficiência mental, mas muito mais para que ambos os professores se empenhem em entender a maneira de esse aluno lidar com o conhecimento no seu processo construtivo. Esse esforço de entendimento conjunto não caracteriza uma forma de orientação pedagógica do professor especializado para o professor comum e vice-versa, mas a busca de soluções que venham a beneficiar o aluno de todas as maneiras possíveis e não apenas para avançar no conteúdo escolar. Atendimento educacional especializado e o atendimento clínico Assim como o movimento inclusivo exige mudanças estruturais para as escolas comuns e especiais, ele também propõe modificações para o atendimento clínico. Da mesma forma que a educação especial se norteou pela tentativa de adaptação dos alunos visando à inserção familiar, social ou mesmo escolar, no atendimento clínico também se buscou a normalização da pessoa com deficiência mental para conviver na sociedade. Sem querer invadir o espaço reservado à clínica e aos seus especialistas, é primordial que eles acompanhem a evolução do atendimento educacional especializado, especialmente na deficiência mental. Nesse caso, a intervenção desses profissionais, buscando a normalização, caminha na direção contrária e destoa dos princípios inclusivos. A grande maioria desses especialistas fragmenta o atendimento a pessoas com deficiência, concentrando-se apenas em suas especialidades e nas manifestações e sintomas da deficiência. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 74 . No geral, desconsideram o que as outras áreas entendem sobre um caso e não reconhecem o atendimento prescrito por outros especialistas, ficando limitados a suas intervenções. Por se fixarem no lugar de todo o saber, não conseguem perceber/conhecer muitas capacidades e possibilidades das pessoas com deficiência, principalmente no caso dos alunos com deficiência mental. Os especialistas que se mantêm nessa posição dirigem-se aos profissionais da educação e até mesmo adentram as salas de aula para prescrever o que deve ser feito na educação escolar, infringindo os limites de seu conhecimento e agindo, na maioria das vezes, de forma dominadora diante dos professores e pais. Esse domínio acontece desde o encaminhamento dos casos, determinando quem deve ou não ser incluído, e até mesmo aconselhando os professores a adotar determinadas práticas. Existem profissionais que ainda indicam o ensino especial como um substituto de um trabalho clínico, com os professores fazendo as vezes de um auxiliar de reabilitação. Se o atendimento educacional descrito é pautado na autonomia de seus alunos, deve também reconhecer e valorizar a autonomia de um saber do professor especializado. O diálogo entre diversos profissionais é necessário para o aprofundamento e para o melhor desempenho, seja do aluno, do professor ou do especialista. No entanto, o diálogo só acontece quando as partes que dialogam respeitam-se mutuamente e não assumem uma posição de superioridade de conhecimento e de dominação sobre o outro. Além disso, o atendimento educacional especializado, na construção do conhecimento, toca em questões subjetivas para o aluno, o que fatalmente acarretará conseqüências no seu desenvolvimento global e, conseqüentemente, na resposta ao atendimento clínico. O aluno é um ser indivisível, em que cada uma de suas partes interage com a outra, influenciando e determinando a condição do seu funcionamento e crescimento como pessoa. Se uma instituição especializada mantém o atendimento educacional e clínico, esses devem interagir e conversar constantemente, embora cada um mantenha os limites de suas especificidades. E mesmo naquelas escolas especiais e comuns que não têm o propósito de desenvolver o atendimento clínico, o diálogo com os especialistas é fundamental. E que esse diálogo não se estabeleça para encerrar as possibilidades do aluno, em um diagnóstico que contempla apenas as deficiências, mas para descobrir saídas conjuntas de atuação em cada caso. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 75 . Em suma, o atendimento clínico é essencial para o sucesso da evolução dos casos de pessoas com deficiência mental. Mas esse atendimento não deve nunca se sobrepor à educação escolar e ao atendimento educacional especializado. Todos esses três saberes: o clínico, o escolar e o especializado devem fazer suas diferentes ações convergirem para um mesmo objetivo: o desenvolvimento das pessoas com deficiência. Existem casos em que esse diálogo determina todo o tratamento, desde o encaminhamento até outras prescrições, como práticas, horários e tipos de atendimento, ou seja, um plano completo de atendimento conjunto. Esses casos acontecem, principalmente, quando a doença mental vem junto com a deficiência mental, ou quando a criança apresenta dificuldades em se identificar com os valores da escola, ou seja, quando o social representado pela escola é ameaçador para a criança. Por exemplo, quando existe uma situação de perda muita grave, como a dos pais, por exemplo, abuso sexual, agressões físicas etc. A formação de professores para o ensino regular e para o atendimento educacional especializado O atendimento educacional especializado, a partir da Constituição de 1988 e dos princípios de uma educação escolar inclusiva, deixou de ser uma terminologia diferente para designar a Educação Especial e passou a ser, de fato, o seu grande desafio. Trata-se de uma nova proposta, que marca uma grande virada no entendimento que a Educação Especial propiciará em favor da inclusão, em todos os níveis de ensino. O atendimento educacional especializado garante a inclusão escolar de alunos com deficiência, na medida em que lhes oferece o aprendizado de conhecimentos, técnicas, utilização de recursos informatizados, enfim tudo que difere dos currículos acadêmicos que eles aprenderão nas salas de aula das escolas comuns. Esse atendimento é necessário e mesmo imprescindível, para que sejam ultrapassadas as barreiras que certos conhecimentos, linguagens, recursos representam para que os alunos com deficiência possam aprender nas salas de aulas comuns do ensino regular. Portanto, esse atendimento não é facilitado, mas facilitador, não é adaptado, mas permite ao aluno adaptar-se às exigências do ensino comum, não é substitutivo, mas complementar ao ensino regular. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 76 . A partir da Constituição de 1988 e da LDBEN/1996, cabe à Educação Especial e a seus professores a realização desse atendimento, que deve continuar presente em todos os níveis de ensino – do básico ao superior – como uma modalidade de ensino. Esta nova função da Educação Especial muda muita coisa, principalmente a formação dos professores especializados, que precisa ser urgentemente revista e adequada ao que esse profissional deve conhecer para desenvolver práticas educacionais próprias do atendimento educacional especializado. A formação de professores do ensino regular precisa, então, ser retomada, visando atender aos princípios inclusivos. Essa revisão não se restringirá a incluir uma ou mais disciplinas nos cursos de formação de professores para fazê-los conhecer o que significam esses princípios e suas conseqüências na organização pedagógica das escolas comuns. Para torná-los capazes de desenvolver uma educação inclusiva, o curso de formação de professores de ensino regular tem de estar inteiramente voltado para práticas que acompanham a evolução das ciências da Educação e que não excluem qualquer aluno. O conhecimento teórico dos avanços científicos em Educação é fundamental para que esses professores possam inovar a maneira de ensinar alunos com e sem deficiência, nas salas de aula de ensino regular. Na formação dos professores especializados, o que se propõe é uma revisão do nível de graduação desses profissionais. A proposta é a de se criarem cursos de especialização lato sensu em educação de pessoas com deficiência, cada um deles focando uma das deficiências, além de diferenciar essa formação daquela para professores do ensino regular, mas a formação em ciência da Educação continua sendo a base da formação desses e de todos os professores. Nos cursos de pós-graduação lato sensu para professores de alunos com deficiência mental, a programação incluirá o conhecimento profundo dessa deficiência, do ponto de vista das diferentes áreas do conhecimento. Para esses professores especialistas, por exemplo, a maneira pela qual se adquire/constrói o saber é conteúdo fundamental de formação. Mas a essa formação tem-se de acrescentar uma parte prática, em que eles aprenderão a criar estratégias de estimulação da atividade cognitiva. A formação especializada incluirá também, além da execução, o planejamento, a seleção de atividades e a avaliação do aproveitamento dos alunos, que é básica para que os planos de O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 77 . atendimento educacional especializado sejam constantemente reavaliados, melhorados e ajustados ao que os grupos, ou cada aluno, necessitam. A formação continuada de professores é mais uma estratégia fundamental para atualização e aprofundamento do conhecimento pedagógico comum e especializado. Esta formação, preferencialmente, acontecerá a partir dos próprios casos em atendimento, pois esse é um material vivo, que propicia uma visão subjetiva que o professor responsável pela sala de aula, ou por esse atendimento, terá para dar conta da complexidade dos alunos e do seu processo de aprendizagem. É primordial que se leve em consideração o caráter subjetivo dessa formação, para que não se caia nas malhas da generalização do atendimento, seja por patologias, por métodos, técnicas, receituários pedagógicos e/ou fornecidos por outras especialidades. Não se pretende, através dessa formação, tornar o professor especializado em deficiência mental ou em outras deficiências um profundo conhecedor de psicologia, psicanálise, sociologia, fonoaudiologia, fisioterapia ou mesmo medicina. Para a realização da formação continuada, que seja previsto um número significativo de horas para esse trabalho no cronograma e no calendário escolar, sem o que não será possível distribuir, por todo o ano letivo, o tempo necessário para a atualização teórica, o estudo e a discussão dos casos. Nessa formação haverá momentos em que só os professores estarão juntos, e também os encontros com especialistas de outras áreas. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA Este texto é parte do livro Atendimento Educacional Especializado para a Deficiência Mental, publicado pela SEESP/MEC em 2005, escrito pela autora em conjunto com a professora Maria Teresa Eglér Mantoan. Nota: 1 Mestre em Ciências Sociais pela PUC – MG. Diretora da APAE de Contagem – MG. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 78 . PROGRAMA 4 TEXTO 4: O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO COMO GARANTIA DA INCLUSÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA Rita Bersch1 O ensino especial, desde a Constituição de 1988, deixou de ser substitutivo do ensino regular e passou a ser um complemento da formação dos alunos com deficiência. A educação especial deve então ministrar o atendimento educacional especializado a todos os alunos com deficiência, que dele necessitarem, de forma complementar e em turno oposto àquele que eles freqüentam na escola. O ensino especial, como modalidade de ensino, perpassa todos os níveis escolares e deve acompanhar o aluno, desde a Educação Infantil à universidade. Este texto procura mostrar o que é o atendimento educacional especializado, sua organização na escola regular, e também apresenta o conceito da tecnologia assistiva, que recentemente foi inserido no âmbito da educação brasileira. Em 2004, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão publica a cartilha intitulada O Acesso de Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular. Este referencial, que contém uma análise da legislação pertinente à educação especial, orientações pedagógicas e práticas educacionais da educação inclusiva, fala, entre outros, do direito ao Atendimento Educacional Especializado - AEE, afirmando que ele é: “[...] aquilo que é necessariamente diferente do ensino escolar para melhor atender às especificidades dos alunos com deficiência. Isto inclui, principalmente, instrumentos necessários à eliminação de barreiras que as pessoas com deficiência têm para relacionarse com o ambiente externo” (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, 2004). O professor especializado será aquele que trabalhará objetivando dar ao aluno com deficiência aquilo que é específico à sua necessidade educacional e que o auxiliará a romper as barreiras que o impedem de estar, interagir, participar, acessar espaços, relações e conhecimentos. Desta forma, a Educação Especial sai de uma prática substitutiva, à parte, e se transforma em uma prática complementar e interligada à escolaridade comum e a todos os desafios que a O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 79 . inclusão escolar impõe ao aluno com deficiência. O atendimento especializado realiza práticas educacionais específicas, como o aprendizado do BRAILLE, sorobam, orientação e mobilidade, LIBRAS, comunicação alternativa, introdução e ensino de recursos de tecnologia assistiva, entre outros. No ano de 2006 a Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação publicou o documento "Salas de Recursos Multifuncionais. Espaço do Atendimento Educacional Especializado", no qual afirma: “Salas de recursos multifuncionais são espaços da escola onde se realiza o atendimento educacional especializado para os alunos com necessidades educacionais especiais, por meio de desenvolvimento de estratégias de aprendizagem, centradas em um novo fazer pedagógico que favoreça a construção de conhecimentos pelos alunos, subsidiando-os para que desenvolvam o currículo e participem da vida escolar” (MEC, 2006). A inclusão traz consigo o desafio de não só acolhermos os alunos com deficiência, mas de garantirmos condições de acesso e de aprendizagem, em todos os espaços, programas e atividades do cotidiano escolar. Por isso, o atendimento educacional especializado aparece como garantia da inclusão. A política de inclusão desafia o sistema educacional a reestruturar-se: "A educação inclusiva, a partir do reconhecimento e valorização da diversidade como fator de enriquecimento do processo educacional, tem provocado mudanças na escola e na formação docente, propondo uma reestruturação da escola que beneficie a todos os alunos. A organização de uma escola para todos prevê o acesso à escolarização e o atendimento às necessidades educacionais especiais” (MEC, 2006). Na perspectiva da educação inclusiva, o espaço escolar deverá também se organizar como aquele que oferece o serviço de tecnologia assistiva – TA e esta prática deverá ser implementada nas salas de recursos multifuncionais: A TA é assim apresentada pela SEESP/MEC: “Tecnologia assistiva é um termo recentemente inserido na cultura educacional brasileira, utilizado para identificar todo arsenal de recursos e serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência e conseqüentemente promover vida independente e inclusão”(MEC, 2006). O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 80 . A TA é composta de Recursos e Serviços. O recurso é o equipamento utilizado pelo aluno e que lhe permite ou favorece o desempenho de uma tarefa. E o serviço de TA na escola é aquele que buscará resolver os problemas funcionais deste aluno, encontrando alternativas para que ele participe e atue positivamente nas várias atividades do contexto escolar. Fazer TA na escola é buscar, com criatividade, uma alternativa para que o aluno realize o que deseja ou precisa. É encontrar uma estratégia para que ele possa “fazer” de outro jeito. É valorizar o seu jeito de fazer e aumentar suas capacidades de ação e interação, a partir de suas habilidades. É conhecer e criar novas alternativas para a comunicação, a escrita, a mobilidade, a leitura, as brincadeiras e as artes, com a utilização de materiais escolares e pedagógicos especiais. É a utilização do computador como alternativa de escrita, fala e acesso ao texto. É prover meios para que o aluno possa desafiar-se a experimentar e conhecer, permitindo assim que construa individual e coletivamente novos conhecimentos. É retirar do aluno o papel de espectador e atribuir-lhe a função de ator. Será no espaço das salas de recursos, que é destinado ao atendimento especializado, na escola, que o aluno experimentará várias opções de equipamentos, até encontrar o que melhor se ajusta à sua condição e à sua necessidade. Após identificar que o aluno obteve sucesso com a utilização do recurso de TA, o professor especializado deverá providenciar que este seja transferido para a sala de aula ou permaneça com o aluno, como um material pessoal. [...] as ajudas técnicas e a tecnologia assistiva constituem um campo de ação da educação especial que têm por finalidade atender o que é específico dos alunos com necessidades educacionais especiais, buscando recursos e estratégias que favoreçam seu processo de aprendizagem, habilitando-os funcionalmente na realização das tarefas escolares (MEC, 2006). Os serviços de TA são geralmente de característica multidisciplinar e devem envolver profundamente o usuário da tecnologia e sua família, bem como os profissionais de várias áreas, já envolvidos no atendimento deste aluno. Fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e psicólogos muito poderão auxiliar os professores na busca do recurso que melhor atenda às necessidades do aluno com deficiência. Arquitetos, engenheiros, marceneiros e demais pessoas criativas poderão ser parceiros, fazendo parte da equipe de TA. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 81 . A TA se organiza em modalidades e esta forma de classificação varia conforme diferentes autores que trabalham com o tema. Podemos citar como modalidades importantes para a inclusão educacional de alunos com deficiência: • Auxílios para a vida diária e vida prática – materiais pedagógicos e escolares especiais. • Comunicação aumentativa e alternativa. • Recursos de acessibilidade ao computador. • Adequação postural (mobiliário e posicionamento) e mobilidade. • Recursos para cegos ou pessoas com visão subnormal. • Recursos para surdos ou pessoas com déficits auditivos. • Projetos arquitetônicos para acessibilidade. • Adaptações em veículos escolares para acessibilidade. São exemplos de TA na escola os lápis, as canetas e os pincéis engrossados; adaptações que facilitam virar páginas; mobiliário adequado e personalizado; pranchas de comunicação alternativa; material pedagógico ampliado ou em relevo; impressões em Braille; lupas; máquina Braille; teclados especiais que facilitam acesso na deficiência física, mouses alternativos, softwares com acessibilidade, entre outros. Adaptações arquitetônicas como rampas e elevadores; sinalizações visuais e em Braille e portas largas são importantes fatores de acessibilidade, bem como adaptações veiculares, como plataformas de embarque para acesso autônomo de cadeirantes. Fotografias de Recursos de TA Materiais escolares e pedagógicos especiais – Baixa tecnologia O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 82 . Prancha de comunicação impressa Vocalizador – Prancha com voz Acesso alternativo ao computador: Teclado IntelliKeys, PlugMouse e acionador de pressão Atuando com a tecnologia assistiva na escola o professor especializado: · Atuará de forma colaborativa com o professor da classe comum para definições de estratégias pedagógicas que favoreçam o acesso do aluno ao currículo; · Identificará, apoiado pela equipe, qual o melhor recurso de TA considerando a necessidade educacional de seu aluno; · Capacitará o aluno a utilizar o recurso de TA; · Trabalhará em parceria com a escola para que o recurso de TA seja implementado na sala de aula comum, sempre que necessário; · Levará formação e informações aos professores da escola comum e buscará apoios da equipe diretiva da escola; · Realizará ações compartilhadas com as famílias, buscando sua participação no processo educacional e, · Estabelecerá contatos de parcerias com outros profissionais e instituições, também envolvidas com o atendimento de seu aluno, para a implementação do projeto. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 83 . REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, Denise de O. Sala de Recursos Multifuncionais: Espaço para o Atendimento Educacional Especializado. Brasília: Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial, 2006. Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos. O Acesso dos alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular. Ministério Público Federal: Fundação Procurador Pedro Jorge de Melo e Silva. 2ª ed. Brasília, 2004. Crédito de fotografias Fotografias: Recursos de tecnologia assistiva desenvolvidos no CEDI – Centro Especializado em Desenvolvimento Infantil de Porto Alegre – RS. Fotografias de crianças: CEDI – Centro Especializado em Desenvolvimento Infantil, Porto Alegre, RS. www.cedionline.com.br Fotografias extraídas de sites: www.attainmentcompany.com www.clik.com.br www.expansao.com Nota: Fisioterapeuta, especialista em reeducação das funções neuro-motoras, consultora em tecnologia assistiva pela CSUN – Califórnia State University Northridge, diretora do CEDI- Centro Especializado em Desenvolvimento Infantil – Porto Alegre, RS. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 84 . PROGRAMA 5 FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A INCLUSÃO E O ACESSO AO ENSINO SUPERIOR Texto 1: A formação dos professores no contexto de uma escola aberta às diferenças Maria Terezinha C.Teixeira dos Santos1 “O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou.” (João Guimarães Rosa) Iniciar a reflexão em favor de uma escola aberta às diferenças através da sensibilidade do mestre Guimarães Rosa é privilégio. A citação acima remete à beleza da diversidade humana: ao mundo concreto, feito de gente de carne e osso. Em termos de escola, Mantoan (2003) assim se expressa: “Os alunos não são virtuais, objetos categorizáveis. Eles existem de fato, são pessoas que provêm de contextos culturais os mais variados, representam diferentes segmentos sociais, produzem e ampliam conhecimentos e têm desejos, aspirações, valores, sentimentos e costumes com os quais se identificam”. Eis, portanto, o território escola, espaço e tempo do fazer educação em ritmo de diversidade. Há que se abominar pensares e fazeres abstratos que predefinem o ser humano, consubstanciados nos padrões de um tecnicismo mecanicista, contornos fragmentados do paradigma da Ciência Moderna, entendida aqui como a racionalidade totalitária construída a partir dos séculos 15 e 16 e hegemônica até os dias atuais. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 85 . Uma Escola para Todos significa abertura total às diferenças humanas e representa, ao mesmo tempo, uma transformação radical na escola existente atual, que é excludente, pois não enxerga cada aluno como um ser concreto. O mais incrível que acontece na realidade (e nessa hora dá para pensar que a realidade supera a ficção!) é que a escola ainda existente insiste, teimosamente, em ser a mesma através dos séculos e séculos, embora os tempos mutáveis se alterem em velocidade vertiginosa. A própria preocupação em adjetivar a escola ou a educação como inclusiva é sintoma maior da exclusão existente, pois se o adjetivo é necessário, isso significa que a discriminação, o preconceito, a padronização engessante estão presentes. É preciso caminhar em direção a uma educação simplesmente escolar, significando com isso que existe uma escola de qualidade para todos, de fato e de direito. ESCOLA com letras maiúsculas, acolhendo Todos e onde a inclusão é inerente em seu ethos, e com isso estará beneficiando cada aluno, deficiente ou não. O texto da Cartilha publicada pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (2004) enriquece a reflexão, dizendo: “A inclusão é um desafio que, ao ser devidamente enfrentado pela escola comum, provoca a melhoria da qualidade da Educação Básica e Superior, pois, para que os alunos com e sem deficiência possam exercer o direito à educação em sua plenitude, é indispensável que essa escola aprimore suas práticas, a fim de atender às diferenças. Esse aprimoramento é necessário, sob pena de os alunos passarem pela experiência educacional sem tirar dela o proveito desejável, tendo comprometido um tempo que é valioso e irreversível em suas vidas: o momento do desenvolvimento”. “A transformação da escola não é, portanto, uma mera exigência da inclusão escolar de pessoas com deficiência e/ou dificuldades de aprendizado. Assim sendo, ela deve ser encarada como um compromisso inadiável das escolas, que terá a inclusão como conseqüência.” É interessante assinalar que o perfil de uma escola de qualidade para todo e qualquer tipo de aluno possui as mesmas características assinaladas de uma escola inclusiva e que o modelo atual da escola existente está longe de preenchê-lo. Por que será? Uma das razões mais fortes consiste na teimosia em não enxergar as diferenças. A escola continua a trabalhar com um padrão único (e aí, ela jamais será de Todos e sim de alguns!). No cotidiano, o que predomina é o ritual do regular em espaços e tempos formatados, O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 86 . métodos e técnicas inflexíveis, planejamentos e avaliações modelizados, contribuindo mais e mais para a indiferença que anula diferenças e se alastra no pisoteamento de seres humanos. E aí? Como fica o professor nesse cenário? A escola é feita por pessoas humanas e principalmente os professores que a vivenciam são a mola mestra das transformações necessárias e das características existentes. Viver a realidade complexa e vivenciar as diferenças vai exigir um perfil de professor, como pessoa em desenvolvimento, possibilidade, ser de esperança no dizer de Paulo Freire e, portanto, projeto de vida, de escola e de educação. Esse professor concreto, também de carne e osso, não pode categorizar os alunos, nem qualquer pessoa, de forma apriorística, separando-os em fracos, médios e fortes. O professor precisa acreditar que o aluno não é “estaca zero” e que a construção do conhecimento é de uma riqueza ímpar, pois as identidades culturais mutantes a fertilizam. Na escola aberta às diferenças, o papel do professor não é de regular, mas sim de qualificar. Dessa forma, ele não pode eliminar as diferenças, em nome de uma pseudo-igualdade. Cabe ao professor a tarefa de mediar, desafiar, oportunizar, utilizando técnicas de construção de conhecimento e, para isso, precisa saber fazer intervenções pedagógicas coerentes e consistentes aos processos em movimento. Esse perfil desenhado para o professor, necessário na escola de todos, parece de um superherói. Mas não é verdade. É perfil de uma existência concreta. Não existem seres prontos e formatados para nenhuma situação. O que existe, sim, são pessoas em construção e que precisam estar estudando sempre, repartindo experiências e expondo as dificuldades e desafios num coletivo escolar que irá ajudar na busca do saber fazer diversificado. Com esse perfil de professor, como se configura essa formação? O processo para construir o professor de uma escola aberta às diferenças não passa pelos mesmos caminhos instalados nas formações iniciais e em serviço da escola atual. Seria mesmo ingenuidade, ou até mesmo loucura, querer conseguir resultados diferentes e insistir em fazer as coisas do mesmo jeito que sempre foram feitas. Como garantir a construção de conhecimento em aulas expositivas meramente transmissivas, que marcam as escolas formadoras de professores? Nesse sentido, as políticas de formação de professores precisam ser alteradas radicalmente, pois perfis ativos e interativos não são construídos com as velhas práticas da academia. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 87 . Como pensar um professor que contemple as diferenças, gestado num formato padrão, modelizado e apriorístico? Como acreditar que os professores irão estudar sempre, buscar e pesquisar conhecimentos numa formação passiva com conteúdos pedagógicos fechados e prontos? As indagações são óbvias, mas o incrível é que as políticas públicas de formação de professores, ainda utilizam: •Cursos esporádicos e eventos periódicos que não desenvolvem processos sistemáticos de estudo e que apenas pontuam de quando em quando reflexões pedagógicas, muitas vezes de forma transmissiva e não ativas e interativas; •Esquemas multiplicadores, que consistem em treinar apenas alguns professores, os quais se incumbem de repassar a outros as informações que obtiveram nos respectivos cursos, de forma mecânica e que não envolvem sujeitos de aprendizagem; •Pacotes prontos de metodologias e técnicas de educação, como mera novidade de consumo e de modismos inconseqüentes; •Aulas tradicionais no esquema bancário (expressão cunhada por Paulo Freire) e que consagram a passividade e a hierarquia do saber; •Planejamentos únicos e modelizados em ensinamentos de Didática que ainda acreditam em alunos proclamados iguais nas salas de aula, e que não contemplam as diferenças. Políticas de formação de professores dessa natureza precisam ser eliminadas e há necessidade de articular outras escolhas e prioridades no território de uma escola para todos, construindo uma Política Pública significativa rumo à escola aberta às diferenças. Torna-se fácil identificar a existência de uma preocupação de tal natureza: em primeiro lugar, constatar o investimento financeiro proposto e realizado para a formação dos professores: maciço ou tímido? Prioridades são concretas e não abstrações vagas, e em um orçamento, por mais incrível que pareça, os percentuais aqui aplicados não são os custos mais altos. Despesas com transporte, infra-estrutura, alimentação e outros tópicos de consumo são muito mais onerosos. Em segundo lugar, os processos de formação precisam estar atrelados a esquemas ativos, interativos, com articulação entre teoria e prática, realizados através de estudos dinâmicos, vivenciados por todos os professores: viabilização de horários de estudos O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 88 . semanais/quinzenais/mensais remunerados, configurando-se como espaços e tempos operacionais de fato. Outra característica nesse processo é a preocupação com plano de cargos, funções, carreira para valorização do professor e possibilidade de reflexões e estudos sistemáticos acompanhados de monitoramento e avaliação dos respectivos desempenhos. A gestão escolar aparece aqui como necessidade a ser priorizada: investimentos na formação e gerenciamento devem ser adotados, evitando amadorismos na liderança e no desenvolvimento dos projetos político-pedagógicos de cada escola. A criação e manutenção de infra-estrutura material e pedagógica é também fator de base na construção de conhecimentos, com preocupação na acessibilidade e desenvolvimento de diferentes linguagens para todas as pessoas. O Atendimento Educacional Especializado é outra prioridade de políticas públicas comprometidas com a inclusão de todos. A legislação solicita que ele seja oferecido em todos os níveis de ensino, de preferência nas escolas comuns, em caráter complementar e não para substituir a escola regular. A existência de todos esses indicadores irá sinalizar uma efetiva preocupação com a Escola de Todos, e na medida em que providências concretas forem tomadas, a realidade irá se configurando com qualidade e excelência. Em cada canto da escola, em cada sala de aula, é preciso que sejam, de acordo com Santos (2006): - excluídas as práticas que dividem conteúdos, cadernos, horários, saberes; - eliminadas as rotinas inalteráveis, livros prontos, ditados e pontos a serem copiados, pois são mortes de iniciativa; - suprimidas as disciplinas estanques, disciplinas mais valorizadas que outras, e as grades curriculares inflexíveis; - extintas as práticas pedagógicas discriminatórias, as tarefas não comuns a todos; - abolidos os planos de aula únicos e fixos; - banidas as salas inteiramente homogeneizadas ou supostamente heterogêneas, segmentadas em grupos fortes, fracos e médios; - abolidas as misturas inconseqüentes de métodos, procedimentos e intervenções equivocadas de professores inseguros e despreparados; - exterminados os espaços padronizados; O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 89 . - proscritas as avaliações arquitetadas e elaboradas em função de erros e de castigos; - dissolvidas as solidões pedagógicas dos professores pelo exercício do estudo em grupo e pela troca contínua de experiências; - extintas as escolas que não sabem o que querem, cuja proposta é só de papel. Quando todas essas práticas existem realmente vivenciadas em ritmo de aprendizagem e como verdadeiro processo de formação em serviço (as escolas e sistemas de ensino, que já estão implementando, que o digam!), a indisciplina escolar cai a níveis assustadores, as competições são diluídas, as discriminações esvaziadas, os preconceitos desmontados, e principalmente não há lugar para a Síndrome do Ainda Não, expressão batizada por Santos (2006), e que acomete a maioria dos professores e escolas na busca de alguma desculpa para não trabalhar com as diferenças. Essa Síndrome está explicitada na atitude de recusa a receber crianças, deficientes ou não, com a justificativa de que ainda não estão preparados para a inclusão. Esse Ainda Não é quase um sinônimo de um Não definitivo, que para não ser dado de forma ostensiva, ganha o formato de uma pseudo-provisoriedade. O desafio de construir uma escola diferente que contemple as diferenças está convalidado. Pode-se, enfim, sacramentar ainda mais uma razão para uma escola de todos, com o pensar de Ítalo Calvino, escritor do século 20 que, ao tentar argumentar porque as pessoas devem ler as obras clássicas, termina com um raciocínio simples e brilhante: Diz ele: “ler os clássicos é melhor do que não ler”. Mãos à obra: o mundo nos convida a estarmos fazendo uma escola no século 21. Fazer uma Escola para Todos, com certeza, é melhor do que não fazer. Pode crer!!! REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Ministério Público Federal. Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. O acesso de pessoas com deficiência às classes e escolas comuns da rede regular de ensino. Brasília, DF: 2003. CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos? São Paulo: Companhia das Letras, 1993. MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Ser ou estar, eis a questão. Compreendendo o déficit intelectual. Rio de Janeiro: WVA Editores, 1997. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 90 . ________________________ (org.). Pensando e fazendo educação de qualidade. São Paulo: Editora Moderna, 2001. _________________________ .Inclusão Escolar : o que é? por quê? como fazer? São Paulo: Editora Moderna, 2003. MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Portugal: Publicações Europa-América, 1994. _______________. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2000. SANTOS, Maria Terezinha C.Teixeira dos. Bem-vindo à escola: a inclusão nas vozes do cotidiano. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2006. ______________________________. Caminhos interrompidos? Descontinuidades/ continuidades: uma análise de políticas públicas em educação. In: Caminhos pedagógicos da inclusão. MANTOAN, Maria Teresa Eglér (org.). São Paulo: Editora Memnon/Edições Científicas, 2002. Nota: Professora e coordenadora do Mestrado em Educação da Universidade Vale do Rio Verde (UninCor) de Três Corações – MG. Ocupa pela terceira vez o cargo de Secretária Municipal de Educação e Cultura dessa cidade. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 91 . PROGRAMA 5 TEXTO 2: FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A INCLUSÃO E O ACESSO AO ENSINO SUPERIOR Rita Vieira de Figueiredo1 Gosto de pensar na formação de professores (inspirada no poema de Guimarães Rosa) sob a perspectiva de que o belo da vida é essa possibilidade de que todos nós somos inacabáveis, estamos sempre mudando, afinando (acertando) e desafinando (errando). Essa talvez seja a Verdade Maior e um aprendizado da própria existência, da própria vida. O permanente movimento na sociedade humana implica o redimensionamento de papéis das agências ou instituições sociais e dos profissionais que as integram. Nesse contexto, a formação de professores passa por uma redefinição das competências e das principais funções a eles atribuídas. A formação inicial, bem como a formação continuada de professores, visando à inclusão de todos os alunos e ao acesso deles ao ensino superior, precisa levar em conta princípios de base que os instrumentalizem para a organização do ensino e a gestão da classe, bem como princípios éticos, políticos e filosóficos que permitam a esses profissionais compreenderem o papel deles e da escola frente ao desafio de formar uma nova geração capaz de responder às demandas do nosso século. No que consiste a educação, o cotidiano da escola e da sala de aula exige que o professor seja capaz de organizar as situações de aprendizagem considerando a diversidade de seus alunos. Essa nova competência implica a organização dos tempos e dos espaços de aprendizagem, nos agrupamentos dos alunos e nos tipos de atividades para eles planejadas. Dentre outros aspectos do ensino e da gestão da classe, oferecer uma variedade e uma seqüenciação organizada de atividades facilita a possibilidade de realizar um programa educativo adaptado às necessidades reais de seus O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 92 . alunos, para que possam adquirir e consolidar suas aprendizagens. Nesta perspectiva de ensino, o professor situa-se como mediador, considerando aspectos tais como: atenção às diferenças dos alunos; variação de papéis que o professor assume, diferentes situações de aprendizagem; a organização dos alunos de forma que se possibilitem interações em diferentes níveis, de acordo com os propósitos educativos (grupo-classe, grupos pequenos, grupos maiores, grupos fixos). Para ser capaz de se situar numa nova organização de ensino e de gestão da classe, o professor precisa redimensionar seu sistema de crenças e valores. Dentre as diversas crenças que respaldam as práticas pedagógicas, ainda é muito forte a idéia de controle, especialmente no que se refere ao espaço. As mesas e as cadeiras são organizadas de forma que todos dirijam o olhar para a professora que, na maioria das vezes, está na frente dando as orientações do que os alunos devem fazer e, quase sempre, utilizando o quadro. Os materiais não ficam ao alcance das crianças, a professora controla o material e a forma como espaço é organizado. O espaço é realmente um elemento essencial da abordagem educacional. É preciso revisitar essa noção de espaço educativo: espaço em torno da escola e da cidade; espaço hospitaleiro e acolhedor; espaço apropriado para diferentes idades e níveis de desenvolvimento; espaço organizado e espaço ativo; espaço que documenta; espaço que ensina. Compreender esse espaço é compreender uma gama de possibilidades, partindo da prática educativa dos professores. Para ser capaz de organizar situações de ensino e de gestar o espaço da sala de aula com o intuito que todos os alunos possam ter acesso a todas as oportunidades educacionais e sociais oferecidas pela instituição escolar, este professor deve ter consciência de que o ensino tradicional deverá ser substituído por uma pedagogia de atenção à diversidade. O paradigma de escola que inclui remete à reflexão de conceitos relativos à diversidade e à diferença. É importante assinalar – embora pareça óbvio – que diversidade e diferença são manifestações eminentemente humanas, elas resultam das diferenças raciais e culturais, e também das respostas dos indivíduos relativamente à educação nas salas de aula. A diversidade é tão natural quanto a própria vida. Essa diversidade é formada pelo conjunto de singularidades, mas também pelas semelhanças, que une o tecido das relações sociais. Entretanto, parece que, na tentativa de garantir a promoção da igualdade, a escola está confundindo diferenças com desigualdades. Aquelas são inerentes ao humano, enquanto estas O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 93 . são socialmente produzidas. As diferenças enriquecem, ampliam, são desejáveis para a identificação/diferenciação, por conseguinte, contribuem para o crescimento. As desigualdades, ao contrário, produzem inferioridade. A escola, para se tornar inclusiva, deve acolher todos os seus alunos, independentemente de suas condições sociais, emocionais, físicas, intelectuais, lingüísticas, entre outras. Ela deve ter como princípio básico desenvolver uma pedagogia capaz de educar e incluir todos, aqueles com necessidades educacionais especiais e também os que apresentam dificuldades temporárias ou permanentes na escola, pois a inclusão não se aplica apenas aos alunos que portam algum tipo de deficiência. Na compreensão de Booth e Ainscow (2000), a inclusão e a exclusão exprimem-se por três dimensões inter-relacionadas. São elas: política inclusiva, cultura inclusiva e práticas inclusivas. A primeira refere-se à inclusão como o centro do desenvolvimento e de transformação da escola, permeando todas as ações que visem à melhoria da aprendizagem e à participação de todos os alunos. Com efeito, são consideradas como apoio às atividades que ampliem e fortaleçam a capacidade da escola de responder, de forma eficaz, à diversidade dos seus alunos. A dimensão da cultura inclusiva traz a possibilidade de se criar na escola uma comunidade acolhedora e colaboradora, em que todos sejam respeitados e valorizados. A comunidade inclusiva é a base para que todos os alunos obtenham êxito em suas aprendizagens. A dimensão das práticas educativas reflete as duas já apresentadas: a política e a cultural. Este aspecto assegura que todas as atividades, tanto as de sala de aula como as extra-escolares, promovam a participação e o engajamento de todos os alunos, considerando os seus conhecimentos e as suas vivências dentro ou fora do âmbito escolar. Nesta perspectiva, o ensino e os apoios se integram, a fim de promover, gerir e suprir barreiras nas aprendizagens, bem como nas dificuldades de participação efetiva do todos os alunos nas práticas pedagógicas. De acordo com Booth e Ainscow (2000), a mudança necessária para tornar a escola inclusiva transita pelas três dimensões. Deste modo, é o desenvolvimento de uma cultura inclusiva que possibilita mudanças na política e, conseqüentemente, nas práticas pedagógicas. Assim, é fundamental olhar para escola na sua totalidade e articular as práticas educativas e intervenções na óptica destas dimensões. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 94 . Para que a diversidade nas práticas educativas se efetive, se faz necessário um clima global sensível, que possibilite melhorar a situação de cada membro da comunidade educativa, pautada no compromisso e nas atitudes, em que aluno e professor se percebam partícipes de uma comunidade onde possam encontrar apoio mútuo. No percurso da inclusão, os professores irão ampliar e elaborar suas competências e habilidades a partir das experiências que já têm. A formação continuada considera a formulação dos conhecimentos do professor, sua prática pedagógica, seu contexto social, sua história de vida, suas singularidades e os demais fatores que o conduziram a uma prática pedagógica acolhedora. Nessa perspectiva, os professores também são aprendentes. Leva-se em conta a diversidade e as diferenças que compõem o corpo docente da escola. É neste lugar que o professor avança no modo de produzir a sua ação e, assim, vai transformando a sua prática. É importante considerar o ponto de vista de cada professor, respeitar as diferenças de percursos, pois, apesar de estes profissionais compartilharem experiências semelhantes, cada um reage de acordo com as características de sua personalidade, seus recursos intelectuais, emocionais, afetivos, seu estilo de aprendizagem, crenças, experiências pessoais e profissionais, entre outras. É importante ter uma escuta da prática pedagógica destes profissionais, criar situações para que possam refletir sobre o que significa aquela forma de atuar em sala de aula. Portanto, não se pode esperar que, na formação dos professores, todos desenvolvam no mesmo ritmo e no mesmo nível todas as competências necessárias ao trabalho profissional. Com bases nos princípios da escola inclusiva, a formação dos professores só poderá acontecer inscrita no espaço coletivo, que possibilitará uma mudança de cultura na escola, criando mecanismos para o desenvolvimento de uma cultura colaboradora, em que a reflexão sobre o próprio trabalho pedagógico seja um de seus componentes. Assim, diversidade implica também vias formativas, que contemplam aspectos teóricos, práticos e atitudinais. A atenção ao princípio da diversidade assegura que todos os alunos possam dividir um espaço de aprendizagem, de interação e cooperação, no qual professores, alunos, adultos, crianças e famílias possam conviver com semelhanças e diferenças, o que legitima o contexto da diversidade. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 95 . Nota: Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará. Doutora (Ph.D) em Psicopedagogia pela Université Laval, Quebec, Canadá. Texto para Leitura Complementar Ambientes Inclusivos na Universidade: Todos Nós – Unicamp Acessível M. Cecília C. Baranauskas1 Contexto Em dezembro de 2003, vi-me frente ao desafio de pensar um projeto de pesquisa, desenvolvimento e formação que buscasse entender, propor e desenvolver espaços inclusivos no contexto da Universidade. Foi assim que, em parceria com a Profa. M. Teresa E. Mantoan, da Faculdade de Educação, e com apoio da Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PRPG), PróReitoria de Pesquisa (PRP) e Pró-Reitoria de Desenvolvimento Universitário (PRDU) de nossa universidade (Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP), propusemos à CAPES o projeto “Acesso, Permanência e Prosseguimento da Escolaridade de Nível Superior de Pessoas com Deficiência: Ambientes Inclusivos”. O Projeto tem como norte buscar soluções que garantam aos alunos com deficiência o direito de realizar seus estudos de nível superior em ambientes inclusivos de ensino e aprendizagem. É claro que o objetivo do Projeto é ambicioso e complexo e esforços de pesquisa e colaboração interdisciplinar são necessários para tratar tal complexidade. Atualmente o Projeto conta com o envolvimento de pesquisadores, professores e alunos dos cursos de pósgraduação stricto sensu da Unicamp, sediados na Faculdade de Educação (FE) e no Instituto de Computação (IC); pesquisadores, professores e especialistas do Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação Professor Dr. Gabriel Porto, da Faculdade de Ciências Médicas (CEPRE/FCM), alunos e pesquisadores de outras unidades da Unicamp, tais como a Faculdade de Engenharia Mecânica, Elétrica, a Faculdade de Engenharia Civil e Arquitetura, o Núcleo de Informática Aplicada à Educação, entre outras. Para pensar um ambiente inclusivo na Universidade, o projeto estabeleceu, já em sua concepção, uma simbiose com o Laboratório de Acessibilidade da Biblioteca Central César Lattes da Unicamp (LAB/BCCL). O LAB foi inaugurado em 2002, como resultado de O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 96 . Projetos Fapesp2 de infra-estrutura, que possibilitaram a criação de uma sala de acesso à informação e um laboratório de apoio didático. O LAB foi uma resposta inicial da Universidade para a necessidade de adequar o ensino superior à legislação brasileira 3 vigente, que propõe o acesso das pessoas com deficiências a todos os níveis de ensino público e privado. Nesse Laboratório, promovem-se situações cujo enfoque é estimular a autonomia e a independência acadêmica dos usuários, a produção de material adaptado, além do desenvolvimento e aplicação de softwares destinados a usuários com deficiência, especialmente para aqueles com problemas físicos e sensoriais. A multiplicidade de temas envolvida no Projeto, que abrange desde aspectos de mobilidade, a aspectos comunicacionais e de legislação, não pode prescindir de uma equipe interdisciplinar e de um espaço aglutinador como o que o LAB oferece. O espaço físico, entretanto, faz-se cada vez mais acompanhar dos espaços virtuais na World Wide Web. A Internet já possibilita uma extensão atemporal de nossos escritórios, salas de estar, laboratórios, aulas... Os alunos já não precisam dirigir-se à Diretoria Acadêmica ou à Secretaria para buscarem formulários e fazerem suas matrículas, consultarem calendários de aulas e catálogos de cursos. Eles tampouco precisam ir fisicamente à Biblioteca para localizar livros de interesse, obter teses e artigos publicados em periódicos científicos. Pensar ambientes inclusivos na Universidade passa também, e principalmente, pela criação de espaços de acesso ao conhecimento, e esse se faz cada vez mais via Web. Em particular, o modelo adotado para o design e desenvolvimento de um espaço inclusivo do projeto na Web baseia-se nos princípios do Design Universal e é projetado a partir da perspectiva inclusiva de participação das várias partes interessadas, incluindo-se aí pessoas com diferentes tipos de deficiência – Design Participativo. Pressupostos para o Design de Ambientes Virtuais Inclusivos Voltando ao tema de nosso Projeto, “Acesso, Permanência e Prosseguimento da Escolaridade de Nível Superior de Pessoas com Deficiência: Ambientes Inclusivos”, vale aqui uma retomada dos significados subjacentes à acessibilidade como qualidade do que é acessível, para se ter em conta as dimensões envolvidas nesta empreitada. Há que se considerar o aspecto do acesso físico (a um local, uma rede, por exemplo), o econômico (de valor, que tem custo associado), o da aproximação e comunicação, o aspecto da inteligibilidade: aquilo que pode ser facilmente compreendido. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 97 . Como pensar o acesso ao conhecimento a todos, independentemente de suas capacidades? Essa questão convida-nos a uma reflexão em vários níveis: no nível conceitual, buscando fundamentos em abordagens inclusivas para a criação de tecnologias da informação e comunicação; no nível metodológico, buscando novos modelos de práticas que pensem o uso da tecnologia e suas interfaces segundo uma visão sociotécnica; no nível de formação de nossos profissionais, repensando o currículo de forma alinhada às necessidades que essa realidade nos coloca. Certamente, soluções devem ser construídas por e com seus próprios atores: comunidade acadêmica a par e passo com o aluno e as organizações universitárias. Os pressupostos básicos para um ambiente inclusivo, em nossa visão, envolvem o conceito de design universal e são centrados em práticas participativas e na construção compartilhada de significados. Entendemos por design todo o processo de criação de um produto (conceito, projeto, engenharia, métodos e artefatos etc.), no nosso caso, um sistema computacional interativo, um sistema educacional. Designers são todos os envolvidos nesse processo (equipes multidisciplinares de desenvolvimento e criação, partes interessadas, que incluem necessariamente os usuários). O processo de design deve ser conduzido de maneira a possibilitar a esse grupo diverso de pessoas interagir e compartilhar conhecimento e decisões de design para lidar com a complexidade do design para todos. Quando isso acontece, chamamos esse processo de Design Inclusivo. A diversidade de usuários, interesses, situações de uso, capacidades são apenas aspectos sugestivos dos desafios que se apresentam ao design de ambientes virtuais inclusivos. Princípios do Design Universal, práticas de Design Participativo e conceitos e artefatos da Semiótica Organizacional formam o referencial teórico-metodológico que sustenta nossa concepção e práticas de Design Inclusivo neste Projeto. Em vez de buscar soluções específicas que adaptem o produto/serviço a uma incapacidade específica do sujeito, o Design Universal4 busca pensar a criação de produtos para todos, apesar das diferenças ou inabilidades de cada usuário, sem discriminar. Para ilustrar esse conceito, utilizemos uma situação concreta extraída do contexto arquitetônico: um prédio público (um hospital, por exemplo) pode ter uma mesma porta de entrada por onde passam todos, independentemente de alguns estarem em cadeiras de rodas. Se tivéssemos um local específico para os cadeirantes, também lhes teríamos possibilitado o acesso, mas essa não O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 98 . teria sido uma solução universal, acessível a todos, independentemente de sua condição específica. O mesmo conceito se aplica a espaços virtuais; na Web, por exemplo, as interfaces devem ser criadas de maneira a servirem tanto ao usuário regular quanto ao usuário que faz uso de um leitor de telas (um cego, por exemplo), para acesso ao seu conteúdo. Princípios do DU devem ser considerados no processo de design de sistemas educacionais interativos, como os propostos neste projeto. No Design Participativo5, o artefato criado não é somente projetado para os usuários, mas com eles, colaborativamente. Isso significa que os produtos e serviços não são construídos do entendimento de um designer para a situação de design, mas necessitam da interação de todos e da significação compartilhada para o que seria o objeto de design. O envolvimento do usuário não acontece apenas na fase de elucidação de requisitos (respondendo às perguntas do designer) ou de testes do produto ou serviço para sua avaliação, mas deve ocorrer durante todo o processo de design. Pressupõe-se que é o usuário quem mais sabe sobre seu domínio de tarefas e necessidades de uso dos sistemas e esse conhecimento não se “extrai” com perguntas, mas se constrói com seu envolvimento efetivo como co-autor em práticas de design. A Semiótica Organizacional6 oferece artefatos que possibilitam e mediam as ações dos sujeitos na situação de design. Trata-se de uma disciplina que propõe teoria e métodos que permitem analisar sistemas de informação a partir de três funções de informação humana: expressão de significados, comunicação de intenções e criação de conhecimento. Princípios do Design Universal, técnicas do Design Participativo e conceitos e artefatos da Semiótica Organizacional têm sido utilizados no processo de construção de nossos espaços virtuais inclusivos. Nosso propósito fundamental é a participação do usuário na expressão de significados, na comunicação de intenções e na construção conjunta do conhecimento. Tal processo está sendo desenvolvido iterativa e interativamente pelo grupo de pessoas envolvidas na criação dos produtos de design do projeto. O grupo trabalha dentro de uma visão inclusiva de pesquisa, contando com a participação de pessoas com e sem deficiência e também com a colaboração de profissionais que não têm um vínculo formal com a Unicamp. A cada ação e dentro do escopo do projeto, outras pessoas estão se agregando ao grupo inicial, ampliando a abrangência de suas ações e diversificando-as. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 99 . Alguns Resultados de Ações do Projeto Neste projeto, as ações desenvolvidas buscam mobilizar toda a comunidade acadêmica, dado que os ambientes inclusivos são construídos com participação de cada um, ou seja, implicam “estar com” o outro, compartilhar, cooperar. A inclusão tem a ver com solidariedade e atuação conjunta, em busca de soluções que atinjam e beneficiem a todos, sem discriminações, segregação, preconceitos. Entre as principais ações do Projeto incluem-se: • Oficinas Participativas com representantes de toda a comunidade para clarificação das partes interessadas e suas percepções sobre a questão da acessibilidade em todos os seus aspectos, no contexto da Universidade e identificação das estratégias formais e informais utilizadas pela Unicamp para prover acesso, permanência e prosseguimento dos estudos de alunos com deficiência, no ensino por ela oferecido. • Os resultados da Primeira Oficina Participativa foram analisados e sintetizados no livro: Todos Nós – Unicamp Acessível7, editado e produzido em 3.000 cópias. O livro reflete, em sua concepção e forma, o paradigma em que nos baseamos para assegurar o acesso de todos ao conhecimento, independentemente de serem ou não pessoas com deficiência (apresentado com contraste de cores e tamanho de fontes, em Braille e em formato digital). • O Portal Todos Nós8 foi desenhado dentro dos pressupostos teórico-metodológicos propostos pelo próprio projeto, como um ambiente virtual inclusivo. O Portal atua como canal de comunicação acessível entre a comunidade e a equipe do projeto, fomentando a troca de idéias e experiências sobre a inclusão no ensino superior, disponibilizando informação sobre questões relacionadas ao tema do projeto (textos, legislação, outros sites e projetos, notícias) para as comunidades interna e externa à Unicamp. O Portal Todos Nós configura uma organização em permanente mudança, um espaço por meio do qual novas ações do projeto tomam forma. • Entre as ações viabilizadas pelo Portal, várias têm sido realizadas para envolver os calouros da Unicamp na idéia de ambientes inclusivos no campus; ambientes entendidos de forma ampla, considerando aspectos físicos e arquitetônicos, atitudinais e virtuais. O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 100 . Entre elas está o Trotum: Um Trote que Interessa a Todos Nós, um espaço de discussão sobre questões relacionadas ao convívio com as diferenças dentro e fora do campus. • Inspeção de Acessibilidade do portal da Diretoria Acadêmica e seu Re-design dentro dos referenciais teórico-metodológicos do Design Inclusivo. Ambientes virtuais inclusivos são essenciais para que o aluno possa de fato “habitar” estes ambientes nesta Universidade. Esta atividade é essencial ao processo de matrículas do aluno e seu acesso a informações e serviços, por exemplo, que se dão via sistemas na Web. • Atendimento para Todos ou Teste seu Poder de Inclusão: Ação de formação entre setores que lidam diretamente com o atendimento de pessoas na Universidade; inclui-se aqui desde secretários de cursos de graduação e pós-graduação, pessoal de atendimento de balcão, coordenadores de cursos de graduação e pós-graduação, entre outros. Várias outras ações de formação, trabalhos de Doutorado, Mestrado e Iniciação Científica estão em andamento no âmbito do projeto e de suas iniciativas. Vale mencionar a formação das pessoas do próprio grupo envolvido no Projeto, que se constituem em multiplicadores de suas ações dentro e fora da Universidade. Considerações Finais Constituir uma cultura de acesso ao conhecimento envolve o entrelaçamento das culturas que permeiam o campus, em suas várias dimensões: educacional, acadêmica, administrativa. Nosso esforço em favor da criação de ambientes inclusivos nesta Universidade chama a atenção para a responsabilidade intelectual e as repercussões sociais das transformações decorrentes dos princípios inclusivos na educação, que decorrem de uma visão de ciência humanizada e humanizadora, que a Universidade precisa admitir, praticar e refletir. Outro desafio que enfrentamos neste projeto é também uma das grandes questões da Ciência da Computação no cenário brasileiro, ou seja, o de estabelecer sistemas computacionais e métodos que sustentem a formação de uma cultura digital em nossa sociedade. Estamos nos referindo ao design para todos, às interfaces flexíveis e ajustáveis, que ganham maiores proporções no cenário de uma população com a diversidade e os problemas da nossa (analfabetismo funcional, entre outros). O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 101 . Ações de formação no contexto de ambientes inclusivos passam pelo entendimento desse novo paradigma, em que os sistemas (educacionais, técnicos e sociotécnicos) são construídos a partir do entendimento compartilhado e participação das partes interessadas. As atitudes nos seus vários níveis – do currículo às práticas – serão reflexo da construção dessa cultura que queremos para o campus e para uma sociedade mais justa e inclusiva. Notas: Instituto de Computação & NIED – Unicamp. 2 Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. 3 Art. 1º, Art. 3º, Art. 205, Art. 206, Art. 208, V, Art. 209, CF/88; Art. 58 e seguintes, LDB; portaria do MEC 3284/2003. 4 http://www.todosnos.unicamp.br/acessibilidade/design_universal/ 5 Schüler, D. E Namioka, A. (1993) Participatory design: Principles and Practices. EUA: Lawrence Erlbaum Associates. 6 Liu, K., (2000). Semiotics in information systems engineering. Cambridge University Press. 7 Mantoan, M.T.E.; Baranauskas, M.C.C. (org.) (2005) TODOS NÓS Unicamp acessível: resultados da primeira oficina participativa do projeto "Acesso, permanência e prosseguimento da escolaridade em nível superior de pessoas com deficiência: ambientes inclusivos" - PROESP/CAPES. Universidade Estadual de Campinas. 48 p. 8 http://www.todosnos.unicamp.br/ Contatos: Antonio Carlos Sestaro E-mail: [email protected] www.mj.gov.br/sedh Eugênia Augusta Gonzaga Fávero www.prsp.mpf.gov.br O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 102 . Presidência da República Ministério da Educação - MEC Secretaria de Educação a Distância – SEED TV ESCOLA/ SALTO PARA O FUTURO Diretoria do Departamento de Produção e Capacitação em Educação a Distância Coordenação Geral de Produção e Programação Coordenação Geral de Capacitação Supervisora Pedagógica Rosa Helena Mendonça Coordenadora de Utilização e Avaliação Mônica Mufarrej Copidesque e Revisão Magda Frediani Martins Diagramação e Editoração Equipe do Núcleo de Produção Gráfica de Mídia Impressa Gerência de Criação e Produção de Arte Consultora especialmente convidada Maria Teresa Eglér Mantoan Email: [email protected] Home page: www.tvebrasil.com.br/salto Rua da Relação, 18, 4º andar. Centro. CEP: 20231-110 – Rio de Janeiro (RJ) Novembro 2006 O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 103 .