O cérebro “desenvolvimentista”
Às vezes, a demanda cresce acima da oferta, mas o governo não deixa o mercado se
ajustar, represando os preços
Monica Baumgarten de Bolle é Economista e Pesquisadora
do Peterson Institute for International Economics
(Artigo publicado no jornal O Globo de 01/10/2015)
Não há meio-termo, tampouco conciliação. No Brasil pós-Lula, quase pós-PT, ou se é
uma coisa ou outra. Desenvolvimentista ou neoliberal? O sujeito liberal não pode gostar
de “desenvolvimento”, é o “rico”, o representante da “elite”, o “rentista”. Já o
“desenvolvimentista” é aquele que sabe do que não gosta, mas não entende aquilo que
defende de modo implícito e apaixonado. O cérebro do desenvolvimentista é peculiar,
inflacionista.
Exemplos neurolinguísticos reveladores
das características
do cérebro
desenvolvimentista abundam na imprensa brasileira. O córtex, área responsável pelo
pensamento e pela ação, é comandado por reflexões que remetem obsessivamente às
profundezas insondáveis da nova matriz econômica. A nova matriz, aquela que nos
trouxe à situação calamitosa que atualmente atravessamos. À travessia, nas palavras da
própria presidente da República.
O corpo caloso do cérebro desenvolvimentista é composto por tipo de complexidade
peculiar. As estruturas que conectam os dois hemisférios, a lógica, de um lado, a
criatividade, de outro, são incapazes de conectar salários que crescem acima da
produtividade com a inflação galopante que assola o país. Termos como “inflação de
custos” proliferam entre aqueles que se autodenominam defensores do crescimento,
inimigos dos neoliberais que querem… Bem, eles não sabem articular o que os ignóbeis
neoliberais querem. Sabem apenas acusá-los de serem “contra o povo”, “a favor dos
bancos”. “Inflação de custos” é expressão para lá de enganosa. Se os custos sobem
pressionando preços, é porque em algum lugar a demanda cresce acima da capacidade
de oferta. Às vezes, a demanda cresce acima da oferta, mas o governo não deixa o
mercado se ajustar, represando os preços. Tal atitude desarranja o balanço das empresas
e o papel dos preços como sinalizadores de abundância e escassez, situação
insustentável. Mais dia menos dia, os tais dos custos têm de ser corrigidos, levando à
escalada inflacionária que hoje testemunhamos. O cérebro desenvolvimentista,
entretanto, não faz a conexão entre um lado e o outro.
O sistema límbico, a parte mais primitiva do cérebro, responsável pelas emoções, reage
de modo visceral no cérebro desenvolvimentista. Incandesce quando processa palavras
como “capitalismo”, “mercado”, “expectativas”. Acalma-se apenas quando o tronco
encefálico, a estrutura mais simples do cérebro, pulsa com os axônios do “endividar-se
para crescer” e o “expandir o crédito público para impulsionar o investimento”.
O cérebro desenvolvimentista não processa que o déficit público brasileiro está em
quase 9% do PIB, que a dívida não comporta qualquer manobra para fingir que é
possível crescer sem fazer as reformas necessárias para restaurar a higidez fiscal. O
cérebro da inflação de custos tampouco entende que suas pregações apaixonadas levam
apenas a um resultado: a alta da inflação.
Vá lá que muitos cérebros desenvolvimentistas tenham se formado depois da longa
travessia, a verdadeira travessia, a do combate inflacionário. Mas, fica a pergunta: é
razoável que economistas de boa formação abandonem os preceitos básicos de sua
profissão para apregoar o indefensável? O cérebro humano exibe plasticidade única na
natureza. Talvez seja possível crer que o cérebro desenvolvimentista passe por
transformações súbitas após testemunhar o desastre da economia brasileira. A
esperança, afinal, a esperança.
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