Entrevista
Renato Ferreira, Coordenador de Políticas Públicas da Educafro.
CEDES – Como vocês vêem esta iniciativa do MPT na implementação do Programa
Coordigualdade?
Renato Ferreira – A ação do Ministério Público é na verdade uma provocação, ou
melhor, é resultado de uma provocação dos movimentos sociais organizados. Nós
demos ao Ministério Público do Trabalho dados do Dieese, da própria OIT sobre a
discriminação sofrida pela população negra no mercado de trabalho. Ao longo de vários
anos, vários militantes, vários movimentos negros já foram feitos buscando chamar
atenção do governo para implementação de políticas públicas e agora não mais só
colocar a questão da discriminação sob um patamar negativo, ou seja, ‘não estão
empregando negros, então vamos punir os empregadores que não estão empregando
negros’. Não empregar pessoas por motivo de raça é crime. Se for racismo então nós
não vamos somente pedir a punição dos infratores. Para além disso, o movimento negro
mudou, evoluiu neste sentido, não só para pedir a punição, mas para pedir a inclusão do
trabalhador negro que não estava conseguindo emprego. Então esta inclusão deve ser
definida por uma política pública adotada pela empresa. Que não é novidade no
mercado de trabalho porque já há isto no que diz respeito ao deficiente físico. Quando
se faz pesquisas, o Dieese levantou dados muito interessantes: você não têm negros em
determinadas carreiras. Aí a justificativa de alguns é a de que o negro não estaria
preparado para assumir determinadas carreiras, em função de sua escolaridade. Mas
mesmo em postos nas quais já se alcançou a escolaridade exigida, por exemplo, para
trabalhar em loja. As pesquisas aqui para trabalhar em lojas da Zona Sul mostram que a
média da escolaridade para trabalhar em loja é de ensino médio. Em várias lojas há
negros que mandam currículos para serem empregados naquelas lojas e não são
chamados. É muito difícil você conseguir comprar com um negro numa loja da Zona
Sul. Isto não é questão de escolaridade, isto é preconceito mesmo. Então, para além de
denunciar o preconceito, nós temos que trabalhar no sentido de conversar com o
empresariado, apresentar ao empresariado o problema, fazer um censo étnico nas
empresas e aí, a partir disto, junto com o Ministério Público fazer um termo de
ajustamento de conduta e então, de maneira programática, que a gente chama de metas,
fazer com que estes empresários passem a contratar trabalhadores negros.
CEDES – E como é que se dá esta parceria de vocês com o Ministério Público do
Trabalho?
Renato Ferreira – A gente fez uma denúncia. Várias entidades do movimento negro
denunciaram ao MPT a discriminação com base nos dados do Dieese e aqui no Rio eu
não sei se partiu de denúncia dos Hotéis ou dos Restaurantes. E então a denúncia
chegou ao Ministério Público em Brasília e eles resolveram fazer um programa nacional
porque a questão não era só em relação ao negro aqui.
CEDES – Como é que têm sido feitas estas denúncias?
Renato Ferreira - Durante as últimas décadas, baseado em dados do DIEESE e IBGE,
o Movimento Negro vem denunciando a discriminação no mercado de trabalho. Vários
eventos foram realizados neste sentido. No ano passado o Movimento Negro distribuiu
28 representações ao Ministério Público do Trabalho. As representações foram
apresentadas em cada estado da federação "republicana", para apuração de desigualdade
racial no mercado de trabalho. Após a tramitação e constatada a discriminação o
Ministério Público resolveu lançar um programa mais amplo para promover a inclusão.
O que apoiamos.
CEDES – Eu vi no site de vocês que houve uma reunião com o Itaú, como foi esta
reunião?
Renato Ferreira - É porque o Itaú é um banco que têm, por parte dos nossos militantes,
mais reclamações. Os nossos militantes reclamam muito de ficarem presos nas roletas
do Banco Itaú, na porta giratória. E consequentemente nós acabamos vendo que não têm
negros trabalhando no banco Itaú. Então nós fizemos uma reunião como banco e
colocamos o banco a par das nossas dificuldades. E aí foram vários diálogos até que o
banco começasse a estudar para lançar um programa de inclusão.
CEDES – Parece que a pesquisa fala que as maiores empresas discriminadoras no
mercado de trabalho são do setor financeiro. Você sabe quais são estas empresas?
Renato Ferreira – Não, mas há uma informação que eu gostaria de passar. Os Jogos
Panamericanos no Rio de Janeiro vão empregar muita gente. Nós fizemos uma proposta
de um Programa Diversidade para a Secretaria de Trabalho e Renda para a contratação
que contemple a diversidade de raças no Rio. E a prefeitura através da Secretaria
Municipal de Trabalho e Renda apoiou a idéia e nós vamos fazer parte e vamos
assessorar o trabalho para que as pessoas que forem contratadas contemplem a
diversidade do que é o Brasil mesmo. Eu acho que esta é uma coisa que vai ser muito
boa. Hoje tem muito aquela coisa de que a gente chega no aeroporto e não vê negros nos
guichês. Se vai haver um aumento da empregabilidade com os Jogos, este incremento
tem que se dar contemplando a diversidade. Eu gosto mais de trabalhar com as coisas
positivas. Acho que esta iniciativa da Prefeitura é algo muito positivo. Ao invés de só
denunciar, vamos propor algo, algo que seja pro - ativo mesmo. Este é um assunto que
precisa começar a fazer parte das agendas. Precisa haver pesquisa, estudos. Porque até
pouco tempo atrás era uma coisa que era invisível. Pra maioria das pessoas é um
problema invisível, as pessoas não percebem. E isto não deixa as pessoas subirem, não
deixa as pessoas crescerem. E ninguém sabe que esta “barreira de vidro”, na verdade,
ela foi construída de um racismo nosso que é secular. Então, para destruir esta “barreira
de vidro”, mais do que denunciar este racismo, nós temos que propor políticas públicas.
E não só com relação ao negro, mas também com relação às mulheres.
Então, a gente conseguiu depois de muito tempo, convencer o Ministério Público desta
importância. Porque faz tempo que o Brasil é denunciado pela OIT, o Brasil é
denunciado por órgãos internacionais, e ninguém toma providências. Porque o MP
como fiscal da lei, como garantidor da lei, ele precisa tomar estas atitudes. Agora é
tentar fazer cumprir estes princípios. Por exemplo, houve há um tempo atrás, um
programa lançado pelo Banco Real, chamado Diversidade. Eles apresentaram uma
tabela de 22 mil funcionários, dos quais somente 2% eram de negros. Parece que este
programa foi lançado em uma agência em Minas Gerais e lá não tinha um afrodescendente. E eles mesmos ficaram impactados com isto. Hoje eles lançaram este
programa, mas eu não sei em que pé ele está, mas está lá no site deles.
Mas o quê é isto? A empresa fez um censo e começou a se questionar porque ela não
tinha afro-descendentes nas gerências, enfim. Agora, eu percebo também, que a pressão
que o Ministério Público do Trabalho vai fazer em cima dos empregadores pra
incentivar a inclusão vai ser muito boa porque com o MP a coisa se torna muito mais
oficial e aí se torna muito mais imperativa. Não tem mais esta coisa de ficar recebendo
os militantes e ficar protelando, dando desculpas. O MP enquadra se não houver
cumprimento. Tem a ação da justiça e aí vai haver indenização e acaba sendo pior.
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