Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciência e Tecnologia - PPGECT
Educação Científica Escolar: contribuições
para a Formação Cidadã
Laís Madrid
Neusa Maria John Scheid
Resumo
A pesquisa tem como objetivo investigar quais as finalidades da Educação
Científica em uma escola de Ensino Médio da Rede Pública do Estado do Rio
Grande do Sul. A coleta dos dados, realizada por meio da aplicação de
questionários estruturados a 108 alunos, no primeiro semestre de 2010,
possibilitou: Analisar a promoção da cidadania nessa escola e listar os
conteúdos/atividades mais adequados para a promoção desta. Os resultados
revelaram que a maioria dos alunos não consegue relacionar o ensino das
Ciências, principalmente o da Biologia, como um dos meios para a promoção de
futuros cidadãos, vendo esta ciência apenas como mais uma das disciplinas
ensinadas na escola. Diante disso, é importante promover uma reflexão sobre as
finalidades da Educação Científica escolar, especialmente, na formação
continuada de professores.
Palavras-chave: Educação Científica, promoção da cidadania, ensino de
Ciências.
Abstract
School Science Education: Training Citizen contributions
In this work, the research aims is to investigate the science education
purpose at a Public High School of the State of Rio Grande do Sul. Data collection
II Simpósio Nacional de Ensino de Ciência e Tecnologia
07 a 09 de outubro de 2010
Artigo número: 192
ISSN: 2178-6135
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was conducted through structured questionnaires to 108 students in the first half
of 2010, allowed: Examine the promotion of citizenship at the school and list the
most suitable contents / activities for promoting this. The results revealed that
most students can not relate the teaching of Sciences, especially in Biology, as a
means of promoting future citizens, they see this science as just one of the
subjects taught in school. Therefore, it is important to promote a reflection about
the purpose of school science education, especially in the continuing education of
teachers.
Keywords: Science Education, promotion of citizenship, science teaching.
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1 Introdução
O ensino da Ciência vem passando por profundas mudanças ao longo do tempo, visto
que, nos dias de hoje, professores e alunos têm dificuldades de compreender que a mesma deve
ser vista com um olhar crítico, pautada por questionamentos prévios e visando a cidadania. Com
isso, tem-se a sensação de que
“tudo se passa como se fazer ciência fosse algo desconectado da realidade,
como se o saber científico não tivesse raízes em meios sociais e ideológicos,
como se a produção científica nunca respondesse a motivações sócio-políticas
e/ou instrumentais, como se não contemplasse temas da atualidade, como se
não tivesse utilidade social ou essa utilidade se restringisse a uma porta de
acesso a estudos posteriores” (Santos apud Teixeira, 2003, p.178).
Apesar de o ensino de Ciências vir passando por mudanças, Santos (2007) comenta que,
de modo geral, este vem sendo desenvolvido de forma totalmente descontextualizada, estando
sendo realizados na base de exercícios e problemas escolares que não fazem com que o aluno
exerça uma reflexão mais aprofundada sobre o que se está estudando. Assim, o que se prioriza é
o domínio estrito vocabular de termos científicos.
Nesse contexto, realizar uma Educação Científica escolar com finalidades bem definidas
contribui para que os alunos possam se tornar cidadãos participativos, na medida em que o
professor mostre aos alunos que o que aprendem em ciências é para que possam utilizar em seu
cotidiano. Assim, professor e aluno devem ter um elo para que essa construção possa se dar de
forma satisfatória, sendo que este elo se apresenta nas metodologias nas quais o professor utiliza
em sala de aula e como o mesmo evidencia a importância da sua disciplina.
Assim, torna-se importante discutir as finalidades da Educação Científica escolar, na qual
contribui para a cidadania. Esta pesquisa teve como objetivo investigar quais são as finalidades da
Educação Científica em uma escola de Ensino Médio da Rede Pública do Estado do Rio Grande do
Sul, analisando a promoção da cidadania, caracterizando as finalidades da Educação Científica
escolar, a partir de falas de alunos, e listando os conteúdos e/ou atividades mais adequados para
a promoção desta na concepção de alunos.
A pesquisa foi realizada no Colégio Estadual Pedro II em Santo Ângelo, com 108 alunos do
Ensino Médio. A amostra foi calculada com base no número de alunos estudantes do Ensino
Médio diurno (158 alunos).
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Foi elaborado um questionário de caráter anônimo e voluntário, no qual os alunos
expressaram suas ideias, fatos e responderam quanto ao ensino de Ciências no que tange às
finalidades e vínculos com a realidade. As questões foram do tipo abertas e fechadas, usando a
escala LIKERT (Brandalise, 2005) e os alunos identificados pelo sistema alfanumérico. A análise
dos resultados é apresentada em gráficos.
O ensino das Ciências e a formação para a cidadania
Visto que este trabalho trata sobre a educação científica escolar visando à formação
cidadã é de convir que alguns conceitos sobre cidadania devam ser mencionados. As escolas são
os centros de formação dos futuros cidadãos e, por isso, cabe aqui explicar alguns conceitos os
quais embasarão esta pesquisa.
Para Béal (2002, p. 130), ninguém nasce cidadão, mas se torna cidadão ao longo de sua
jornada, onde este é capaz de intervir na sua cidade, exercendo seu ponto de vista sobre os fatos.
Portanto, para o autor, cidadania é a “capacidade construída para intervir, ou simplesmente, para
ousar intervir, na cidade”. Ou seja, o indivíduo deve ter certo grau de conhecimento para poder
fazer intervenções capazes de causar transformações que façam com que a sociedade se torne
melhor.
Para isso, é preciso trilhar um longo caminho, agir como tal, intervir sobre o seu meio,
transformando a situação na qual a pessoa se encontra. Pinsky (1998) menciona um conceito
semelhante, argumentando que cidadania pode ser qualquer atitude cotidiana que implique
manifestar ideias fundamentadas, pertinentes e de responsabilidade coletiva. Ou seja, é
participar, ter direitos e obrigações. O autor acredita que esta se aprende na escola.
Conforme Krasilchik e Marandino (2004), cidadania refere-se ao indivíduo que possui a
capacidade de, com base em informações e análises bem fundamentadas, participar das decisões
que afetam sua vida, organizando um conjunto de valores mediado na consciência da importância
de sua função no aperfeiçoamento individual e das relações sociais. É nesse sentido que a escola
deve fazer valer seu papel, pois, se a cidadania começa na escola, a mesma deve instrumentalizar
os indivíduos sobre os conhecimentos científicos, fazendo assim com que estes exerçam seu papel
na sociedade.
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Contudo, cidadania não seria somente possuir direitos, mas também, deveres. ManziniCovre (2001) afirma que o cidadão deve ser o próprio fomentador da existência dos direitos a
todos, ter responsabilidade em conjunto pela coletividade, cumprir as normas e propostas
elaboradas e decididas coletivamente, além de participar de movimentos sociais. Com isso, a
cidadania só irá existir se houver a prática da reivindicação, da apropriação de espaços, da luta
para fazer valer os direitos do cidadão que, com isso, poderá ser a estratégia na construção de
uma sociedade melhor. Assim, a autora ainda relata que é necessário que se exerça esse papel em
todos os âmbitos da sociedade, seja no trabalho, na empresa, no bairro, na família ou na escola
(que é o nosso foco), pois se esta estiver em todos esses espaços, os indivíduos poderão entender
muito melhor qual é o seu papel na sociedade.
A atual sociedade vive momentos de crise, onde o sujeito deve saber exercer seu papel de
cidadão. Para que os indivíduos possam entender seu papel nesta sociedade, Pinsky (1998) fala
que a mudança de atitude das pessoas com relação à escola, onde ambas tenham senso de
responsabilidade, poderia ser o ponto de partida para uma importante virada. Essa virada
corresponde a uma mudança no sentido de que todos devem lutar pelos seus direitos, exercendo
seus deveres e auxiliando a sociedade em geral, na qual a escola tem novamente seu espaço
valorizado e de fundamental importância. Pereira et al. (2005) complementam essa ideia quando
afirmam que os alunos não devem ser vistos como meros expectadores, recebendo as
informações passadas pelo professor, mas sim, devem ser tratados como indivíduos atuantes no
processo de aprendizagem, visando à formação de cidadãos críticos e conscientes das
transformações sociais.
Atualmente, fala-se muito em ciência para todos, onde seu objetivo é integrar professor e
aluno com suas perspectivas, levando em consideração suas experiências prévias, tópicos que
possuam algum significado para os cidadãos, podendo servir de orientação para que tomem suas
próprias decisões, tanto em âmbito pessoal como social, envolvendo também questões éticas
(Krasilchik e Marandino, 2004).
Nesse sentido, essa mesma perspectiva para o ensino de Ciências vem sendo apresentada
também como denominação de alfabetização científica, um dos grandes desafios da educação
científica, que significa, segundo Furió (apud Chassot, 2003), possibilidades de que a grande
maioria da população disponha de conhecimentos científicos e tecnológicos necessários ao
desenvolvimento no cotidiano, que ajudam na resolução de problemas e nas necessidades de
saúde e sobrevivência básica, tomando consciência das complexas relações entre ciência e
sociedade.
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Porém, existem muitos conceitos sobre o tema alfabetização científica. Para Shen (apud
Krasilchik e Marandino, 2004), o tema possui três noções diferentes entre si: a alfabetização
científica prática designa que o indivíduo esteja pronto para resolver problemas básicos do seu
cotidiano; a alfabetização científica cívica permite que o cidadão se torne mais atento para a
ciência e seus impactos, onde possa tomar decisões com maior comprometimento; e a
alfabetização científica cultural é destinada a pequena parcela da população que se interessa pela
ciência de maneira mais aprofundada.
“A alfabetização científica pode ser considerada como uma das dimensões
para potencializar alternativas que privilegiam uma educação mais
comprometida. É recomendável enfatizar que essa deve ser uma preocupação
muito significativa no ensino fundamental, mesmo que se advogue a
necessidade de atenções quase idênticas também para o ensino médio”
(Chassot, 2003, p. 91).
Assim, a alfabetização científica deve compreender não apenas o ensino fundamental,
posto que quanto mais cedo esta se inserir, melhores serão as experiências dos alunos, mas
também se estender pelo ensino médio. Nesse nível, os alunos terão maior capacidade de
interferir na sociedade e entender que a ciência é uma linguagem. Chassot (2003, p. 91) ainda
afirma que “ser alfabetizado cientificamente é saber ler a linguagem em que está escrita a
natureza”.
Chassot faz ainda algumas observações quanto ao conhecimento que os alunos possuem
sobre Ciência:
“É algo impressionante, o quanto muitos alunos e alunas, mesmo tendo
estudado disciplinas científicas durante pelo menos três anos no ensino médio
e desenvolvidos estudos na área de Ciências durante quatro anos no ensino
fundamental, conhecem muito pouco de Ciências. [...] Ao referir o quanto
alunos e alunas conhecem muito pouco a Ciência, ou melhor, aproveitaram
muito pouco das muitas aulas de Ciência que tiveram nos estudos anteriores à
Universidade, devo acrescentar que geralmente têm, também, pouca
familiaridade com a história da construção do conhecimento” (Chassot, 2000,
p. 37-8).
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Nesse sentido, desde a Educação Básica, na qual se comentou anteriormente ser o “locus
para a realização de uma alfabetização científica” (Chassot, 2000, p. 41), os indivíduos deveriam
sair bem mais preparados, mas não é o que ocorre. Talvez essa problemática se dê pelo fato de
que se na escola os alunos aprendem pouco sobre alfabetização científica, continuam
aprendendo pouco na Universidade, criando um círculo vicioso, no qual é visto quando estes
saem graduados como licenciados e não têm condições de ensinar aos alunos sobre algo que eles
não possuem bases sólidas.
Para ser letrado cientificamente não basta saber ler e escrever sobre ciência, mas fazer
parte da cultura científica (Krasilchik e Marandino, 2004). Para Santos (2007), letramento
científico consiste na formação técnica do domínio das linguagens e ferramentas mentais usadas
em ciência para o desenvolvimento científico. Assim, para os alunos conseguirem se alfabetizar
cientificamente deveriam ter certos conhecimentos sobre teorias científicas e que pudessem
propor modelos em ciência. E, para isso, não basta dominar vocábulos, e sim, compreender seus
significados no contexto científico. Com isso:
“Deve-se observar que, enquanto a alfabetização pode ser considerada o
processo mais simples do domínio da linguagem científica e enquanto o
letramento, além desse domínio, exige o da prática social, a educação
científica almejada em seu mais amplo grau envolve processos cognitivos e
domínios de alto nível” (Santos, 2007, p. 479).
Pereira et al (2005) comentam que o ensino de Biologia tem sido trabalhado de forma
tradicional, descritivo e sistemático, na medida em que está causando aversão e desinteresse por
parte dos alunos, refletindo no baixo rendimento dos mesmos. Com isso, percebe-se que os
alunos não conseguem perceber o objeto de estudo da Biologia, que é o fenômeno da vida em
sua totalidade, e assim não percebem o significado da linguagem científica utilizada para explicar
conceitos e funções.
Para Chassot (2000), existem duas questões nesta área que merecem devida atenção:
como os atuais conteúdos que são ensinados na escola foram sendo considerados necessários
para integrar a formação científica do cidadão? E, como esses conteúdos se relacionam com os
princípios de uma educação científica? Chassot (2000) acredita que a seleção privilegiada desses
conteúdos foi definida como importante para a manutenção de um grupo dominante, o que
ocasionou nos professores não saberem o porquê de tais conteúdos fazerem parte do currículo.
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Nos dias de hoje, segundo Cachapuz et al. (2005), a participação dos cidadãos na tomada
de decisões é um ponto positivo, mas desde que essa participação exija um mínimo de formação
científica para que torne possível a compreensão dos problemas e das opções que se chegará a
formar. Com isso, Zancan (2000) fala que as políticas públicas para área da ciência devem ser
amplas, visando o desenvolvimento das ciências e tendo ainda a educação científica, em todos os
níveis, como prioritária. Nesse sentido, o sistema educacional deverá sofrer uma reforma, que
deve iniciar na comunidade, envolvendo e valorizando os professores, para que se possa ter
alguma perspectiva como nação, na sociedade do conhecimento. Novamente, Pereira et al.(2005)
afirmam que
“a importância do conhecimento biológico e a participação da sociedade no
contexto do desenvolvimento científico e tecnológico que sofre a humanidade,
constitui-se um fator indispensável para a formação de uma consciência crítica
para que o indivíduo desenvolva sua cidadania” (Pereira et al., 2005, p. 157).
Com isso, prima-se pela inserção da Educação Científica no meio escolar, visto que esta é
o início para a formação dos cidadãos. A escola, onde os estudantes estão em pleno
desenvolvimento de suas faculdades mentais, é o principal lugar onde estes aprendem desde
cedo a conviver com culturas diferentes, assim como níveis sociais diferentes. Nesse contexto, é
de convir que todos possuem capacidade de contribuir para a sociedade, pois o que se aprende
na escola não é para ser esquecido anos depois, mas sim para que os alunos interfiram em seu
meio social a fim de modificá-lo em prol de um bem maior: o direito de ser cidadão.
2 Análise e discussão dos resultados
A questão inicial inqueria: “Para você, o que é ser cidadão?”. As respostas foram
organizadas em categorias, apresentadas na Figura 1:
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Individualista
19%
2%
Coletiva
14%
6%
Documental
Valores
59%
Não sabem ou não
responderam
Figura 1: Para você, o que é ser cidadão?
(Fonte: MADRID, 2010)
A categoria Individualista está voltada na pessoa em si, onde as respostas dadas centramse no pensamento individualista de ser cidadão. Nesse sentido, pode-se relacionar esta categoria
a um dos elementos dos direitos humanos, onde Corrêa (2000) faz referência à concepção de
cidadania para Marshall. Este elemento seria o civil (direito de primeira geração), onde fala sobre
os direitos civis de liberdade individual, sendo que Vieira (1997) explica que são os direitos
individuais de liberdade, igualdade, propriedade, de ir e vir, direito à vida, segurança, entre
outros.
Pelo gráfico, percebe-se que esta categoria foi a que prevaleceu nas respostas analisadas,
tendo quase 60%. Entre estas, podemos destacar algumas, como: “É uma pessoa que respeita os
outros, coerente” (A7); “É uma pessoa que tem direitos e deveres” (A13); “Pessoa responsável,
capaz de diferenciar o certo do errado e é saber que todo cidadão tem direitos e deveres” (A75);
“É ser reconhecido como pessoa, expor ideias sempre que possível e ser sociável” (A20); “É ter
responsabilidade, deveres, respeitar. Ter liberdade” (A90).
De acordo com as respostas analisadas nesta categoria, muitos alunos responderam que
ser cidadão corresponde na pessoa possuir tanto direitos quanto deveres, como no caso de A13.
Nesse contexto, Pinsky (1998) relata que a cidadania engloba direitos, deveres e atitudes relativos
ao cidadão, onde este estabelece um contrato com seus semelhantes para que possa usufruir de
serviços em troca de pagamento e de sua participação, ativa ou passiva, na administração
comum. Já outros alunos, responderam que ser cidadão é somente possuir direitos, onde estes
não mencionaram em nenhum momento os seus deveres. Sobre esse aspecto, o mesmo autor
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afirma que “exigir direitos é parte da cidadania, mas respeitar os contratos sociais é sua
contrapartida. Talvez por não fazermos a nossa parte ou não termos a consciência de pertencer a
um coletivo é que somos tão condescendentes com irregularidades que acabam prejudicando a
todos” (Pinsky, 1998, p. 19).
Sobre a liberdade comentada na fala de A90 ressalta que ter liberdade e responsabilidade
como ser cidadão pode ser explicada por Freire (1996, p. 119), pois “a liberdade amadurece no
confronto com outras liberdades, na defesa de seus direitos em face da autoridade dos pais, do
professor, do Estado. [...] É decidindo que se aprende a decidir”. Assim, para se ter liberdade é
preciso que se tomem decisões, e estas são processos responsáveis. Para Kant (apud Carvalho,
2010, p. 2), “a liberdade tem de pressupor-se como a propriedade da vontade de todos os seres
racionais. A todo ser racional que tem uma vontade temos que atribuir-lhe necessariamente a
ideia de liberdade, sob a qual ele unicamente pode agir.”
Na sequência, temos a categoria Coletiva, onde esta engloba a visão do indivíduo no
contexto de uma sociedade, tendo 19%. Esta categoria relaciona-se com outros dois elementos
dos direitos humanos que Vieira (1997) diz ser o direito social, (direito de segunda geração) onde
se refere aos direitos ao trabalho, saúde, educação, aposentadoria, seguro-desemprego, enfim,
garantia de acesso aos meios de vida em bem-estar social e; o direito de terceira geração, que
trata dos direitos que têm como foco não o indivíduo, mas prioriza os grupos, como o povo, a
nação, coletividades étnicas ou a própria humanidade. Entre as respostas dadas dos alunos,
podemos destacar: “Pessoa que convive em sociedade e que respeita determinadas leis desta,
que contribui de alguma forma para esta” (A15); “Toda e qualquer pessoa em uma sociedade é
um cidadão” (A2). Alguns alunos citaram preservar o patrimônio público como sendo cidadão,
assim como participar da comunidade, em eventos que acontecem, citando também o papel da
igreja nesta.
A categoria Documental está relacionada ao exercício legal da cidadania, ou seja, centrase na ideia de que, para ser cidadão, é necessário possuir documentos pessoais. Conforme o
gráfico, somente 2% enquadrou-se nesta categoria, onde A21 respondeu que “Ter registro de
nascimento” é o que basta para ser cidadão. Uma hipótese para isso seria de que a mídia tenha
uma participação, principalmente em se tratando dos meios de comunicação, como o televisor.
Nos últimos tempos, a Rede Globo está veiculando uma propaganda na qual incentiva os pais a
registrarem seus filhos. Além disso, o jogador de futebol Ronaldo “Fenômeno” protagoniza a
mesma, na medida em que divulga o slogan da campanha: Certidão de nascimento – um direito
que dá direitos / um dever de todo o Brasil.
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Outra categoria é a de Valores, onde 14% enquadram-se nesta, sendo que esta se define
pelo fato de se considerar cidadão todo aquele que possuir valores morais perante a sociedade.
Algumas das respostas foram: “Ser valorizado e ter vários amigos, é ser uma pessoa competente”
(A21); “É ser uma pessoa boa, que ajuda as outras. Pessoa que não tem preconceito em ajudar as
pessoas” (A23). Apenas 6% não souberam ou não responderam a questão.
A segunda pergunta era “Você se considera cidadão? Por quê?”. Primeiramente, será
mostrada na Figura 2, a seguir, a porcentagem dos alunos que se consideram ou não cidadãos
para, em seguida, mostrar as justificativas de suas respostas:
6%
6%
Sim
0%
Não
Outras
Não sabem ou não
responderam
88%
Figura 2: Você se considera cidadão?
(Fonte: MADRID, 2010)
Pelo gráfico acima, observa-se que cerca de 90% dos questionados se consideram
cidadãos. As justificativas para esta resposta se assemelham à questão anterior, onde foram
citadas como justificativas:
- Participar e contribuir para a sociedade – A46;
- Ser solidário, ser honesto – A100;
- Ter direitos e deveres – A13;
- Ter documentos – A21;
- Ter compromissos com seus atos, seguir normas, leis – A22;
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- Reconhecer-se como pessoa, expor ideias e ser sociável – A20;
- Não cometer crimes – A18;
- Votar (eleições) – A56.
Pode-se perceber, então, que a ideia de cidadania como direitos civis são retomados
nesta questão. Como a maioria se considera cidadão, essas respostas se refletem no que Corrêa
(2000) diz, ressaltando as palavras de Sieyès, onde é dito que a cidadania civil/passiva constitui o
laço jurídico pelo qual todos pertencem à Nação, ou seja, todos recebem a proteção jurídica do
Estado enquanto cidadãos com direitos e deveres. Por isso, quem comete crimes não deixa de ser
cidadão, pois o Estado continua a garantir os seus direitos, apesar deste cidadão cumprir pena em
penitenciária ou outro tipo de pena que o prive de liberdade. Com isso, o autor ainda afirma que
o vínculo jurídico da cidadania estende-se a todos.
Existe ainda outro elemento dos direitos humanos, que são os direitos políticos, no qual o
cidadão consiste em poder participar no exercício do poder político (participação política e
eleitoral) (Corrêa, 2000). Podemos observar, então, que o voto foi uma das respostas obtidas
neste questionário, e isto se baseia, segundo Zanella (1999), na ideia de que cidadania vem sendo
usada até hoje como referência ao direito à igualdade política e à participação, sendo a cidadania
relacionada à noção de direitos políticos, à possibilidade de se eleger os representantes do povo
ou de sermos eleitos enquanto tais. Em se tratando do ato de votar, Pinsky (1998, p. 19) afirma
que a cidadania pode ser qualquer atitude cotidiana onde esta implique uma “manifestação de
uma consciência de pertinência e de responsabilidade coletiva”, ou seja, este pensamento se
refere tanto no ato do indivíduo poder eleger seus representantes políticos quanto preservar o
meio no qual vive (não jogar lixo no chão, respeitar os pedestres nas faixas de trânsito, evitar a
poluição sonora).
Conforme o mesmo gráfico, nenhum dos alunos questionados respondeu que não se
considera cidadão, porém, 6% não sabem ou não responderam e outros 6% responderam estar
em dúvidas quanto ao se considerar cidadão.
A terceira pergunta era “Que atividades/projetos/ações são vivenciados na sua escola que
podem ajudar você a ser cidadão?”. Essa questão gerou inúmeras respostas, sendo as mesmas
organizadas de acordo com suas semelhanças entre si, onde podem ser observadas na Figura 3 a
seguir:
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Relacionamento com as
pessoas
Aulas diferenciadas, estudo,
pesquisa
Atividades culturais
23%
9%
9%
Disciplinas
Projetos da escola
6%
15%
25%
3% 4%
Grêmio estudantil
6%
Outras atividades
Nenhuma ação
Não sabem ou não
responderam
Figura 3: Que atividades/projetos/ações são vivenciados na sua escola que podem ajudar
você a ser cidadão?
(Fonte: MADRID, 2010)
Este gráfico mostra que a escola está promovendo, através de atividades diversas, a
promoção da cidadania nos alunos. Foi citado por alguns alunos que a cidadania é colocada em
sala de aula através de algumas disciplinas, como Filosofia, Sociologia, no entanto, a disciplina de
Biologia foi pouco citada. Conforme Brandão (2002), essas disciplinas, como Filosofia, Psicologia,
Ciências Sociais (história e linguísticas incluídas), da economia, da biologia têm grande
importância na educação, no sentido de que elas irão contribuir para o estudo das múltiplas
tradições culturais antigas e atuais, auxiliando na construção do ser cidadão:
“A educação é um campo de teorias e de práticas culturais cuja realidade e
cujo motivo de existência não se dissolvem em outras teorias, em outros
campos de conhecimento, científico ou não, e em outras práticas sociais. Não
se dissolvem, mas coexistem na mais estreita “contaminação”. Pois eles
existem como círculos de conhecimento a respeito da biopsicologia da pessoa e
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das psicologias derivadas, a respeito dos mundos de cultura e de vida social, de
filosofia e de ciências da vida e do mistério do humano estreitamente
entrelaçadas, interconectadas e, umas para com as outras, interdependentes”
(Brandão, 2002, p. 195-6).
Porém, como pôde-se observar, muitos alunos não sabem o que está acontecendo em sua
escola para que a cidadania esteja sendo construída com ações diversificadas, pois cerca de 25%
responderam não saber sobre essa questão. Apesar de o gráfico demonstrar que a escola
desenvolve várias ações, são poucos os projetos que são desenvolvidos na opinião dos alunos.
A quarta pergunta era “As aulas de Biologia auxiliam a vivência plena da cidadania?
Justifique.” Para mostrar os dados, a Figura 4 irá mostrar a porcentagem dos alunos que
acreditam ou não que as aulas de Biologia auxiliam vivenciar a cidadania:
Sim
18%
9%
48%
Não
Um pouco, às vezes, talvez
Não sabem ou não
responderam
25%
Figura 4: As aulas de Biologia auxiliam a vivência plena da cidadania?
(Fonte: MADRID, 2010)
Na Figura acima, observa-se que cerca de 50% dos alunos acreditam que as aulas de
Biologia auxiliam a vivência plena da cidadania. As justificativas para esse dado são variadas, entre
elas:
- “Aprendemos sobre muitas doenças que existem” – A2;
- “Aprendemos muito sobre o nosso planeta e os seres vivos que o habitam” – A15;
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- “Assim como qualquer outra disciplina eu me intero de conhecimentos para a vivência
plena da cidadania” – A10;
- “A gente descobre como surgem as coisas, assim podemos melhorar a vida de todos” –
A62;
- “Nas aulas nós aprendemos sobre a vida dos seres vivos. As aulas nos ajudam a saber um
pouco mais da vida dos seres vivos e nos auxiliam sobre algumas doenças” – A43;
- “Estamos estudando as células-tronco e também em outros assuntos ajuda a entender”
– A31;
- “A Biologia é importante em medicina, o médico deve saber sobre células para poder
diagnosticar um paciente, então Biologia auxilia a vivência plena da cidadania” – A24;
- “Aprendemos tudo sobre natureza” – A87.
Constam nos Parâmetros Curriculares Nacionais das Ciências Naturais, Matemática e suas
Tecnologias alguns apontamentos que o ensino de Biologia deve fazer para auxiliar na promoção
da cidadania nos alunos:
“No ensino de Biologia, enfim, é essencial o desenvolvimento de posturas e
valores pertinentes às relações entre os seres humanos, entre eles e o meio,
entre o ser humano e o conhecimento, contribuindo para uma educação que
formará indivíduos sensíveis e solidários, cidadãos conscientes dos processos e
regularidades de mundo e da vida, capazes assim de realizar ações práticas, de
fazer julgamentos e de tomar decisões” (Brasil, 1997, p. 20).
Ressaltando o que diz o parágrafo anterior, as respostas de A15, A43 e A87 sugerem que
ter um entendimento sobre o meio ambiente e a natureza contribui, de fato, para a vivência da
cidadania, pois valorizar as relações entre o ser humano e o meio é uma das formas para que o
ser cidadão atue na sociedade. Enfim, os conhecimentos de Biologia devem levar em conta o
“modo como a natureza se comporta e a vida se processa” (Brasil, 1997, p.14).
As respostas de A2, A43, A31 e A24 refletem sobre o que Krasilchik (2004) comenta sobre
o papel da espécie humana no conjunto da biodiversidade e o conceito de evolução, onde estas
fizeram com que a população mudasse sua forma de pensar. Assim, estes assuntos não devem ser
desconhecidos dos alunos, sendo que na área médica, “a prevenção e cura de doenças e a
compreensão de conceitos biológicos estão estreitamente relacionados” (Krasilchik, 2004, p.20).
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A resposta de A62 vem ao encontro do que dizem Azevedo, Behrsin e Selles (2003),
quando falam que um dos objetivos das ciências seria o de interpretar os fenômenos naturais, na
medida em que tornar acessível esses conhecimentos aos alunos é uma tarefa complexa e o
professor precisa estar munido de estratégias para que facilite o acesso dos alunos a tudo isso.
Ainda observando o mesmo gráfico, 25% dos alunos acham que a Biologia não contribui
para a vivência plena da cidadania. Porém, 9% acham que ela contribui às vezes, talvez ou um
pouco e 18% não sabem ou não responderam. Somando esses dados, são 52%, ou seja, esse
resultado é considerado negativo, pois mais da metade dos alunos não confirma se as aulas de
Biologia auxiliam na construção da cidadania. Muitas foram as justificativas, entre as quais, citamse estas:
- “Porque ela trata mais é do meio ambiente, e sobre o corpo humano (corpo físico,
interior)” – A6;
- “Porque aprendemos apenas o conteúdo da matéria” – A19;
- “Porque não nos interessa saber sobre o corpo humano” – A89;
- “Porque a professora não ensina muito bem” – A76;
- “Não tem nada a ver” – A28.
Conclusão
Por meio deste trabalho, foi possível perceber o quanto o ensino vem passando por
dificuldades, principalmente no de Biologia, pois ficou evidente nas falas dos alunos que a escola
não prepara para um Ensino Científico. Nesse contexto, se a escola não contribui para a
construção da cidadania nos alunos, uma das hipóteses seria o da exclusão social existente em
nossa sociedade. Amaro (2010) acredita que a exclusão social se origina de uma situação de falta
de acesso às oportunidades oferecidas pela sociedade aos seus membros, visto que pode implicar
também a privação, a falta de recursos ou, de uma forma mais abrangente, a ausência de
cidadania, se, por esta, se entender a participação plena na sociedade, aos diferentes níveis em
que esta se organiza e se exprime: ambiental, cultural, econômico, político e social. O autor ainda
afirma que a exclusão social se dá em seis dimensões principais do cotidiano real dos indivíduos,
podendo surgir da não realização de algumas ou de todas estas dimensões.
Conforme o parágrafo acima, inclui-se a escola como uma das promotoras da cidadania
nos indivíduos. Se esta não cumpre seu papel, colabora para a exclusão social na sociedade,
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deixando de realizar a construção da cidadania em seus alunos. Todavia, Martins (2008) fala que a
exclusão social é transitória, na medida em que a sociedade vive um processo contínuo de
estruturação e desestruturação. A sociedade vive constantes lutas em favor de todas as
modalidades de exclusão e, com isso, a sociedade contemporânea faz a ressocialização de seus
membros.
Constatou-se também nesta pesquisa que somente cerca de 50% dos alunos considerem
que a Biologia auxilia na vivência plena da cidadania. Esse é um dado que deve ser refletido, pois
nem metade dos alunos ainda compreendeu que a cidadania é construída através do ensino, e
não como uma disciplina à parte. Porém, para a parcela dos alunos que respondeu que na
Biologia é possível verificar a construção da cidadania, foi citado que os conteúdos sobre meio
ambiente, seres vivos e saúde, são considerados como os que auxiliam nesta construção. Assim,
percebe-se que uma parcela dos alunos questionados consegue perceber a importância da
Biologia na construção do cidadão.
Portanto, visto que o objetivo deste trabalho era o de investigar quais as finalidades da
Educação Científica escolar visando à cidadania, pode-se inferir que essas finalidades não estão
presentes no ensino, na medida em que os questionários respondidos pelos alunos revelaram que
estes não compreendem que a construção para a cidadania é feita através das disciplinas
escolares, e não como algo separado. Sendo assim, a maioria dos alunos não consegue relacionar
o ensino das Ciências, principalmente o da Biologia, como um dos meios para a promoção dos
futuros cidadãos, vendo esta ciência como mais uma das disciplinas ensinadas na escola.
Essas constatações nos sugerem que é imprescindível realizar uma reflexão sobre as
finalidades da Educação Científica Escolar na promoção da cidadania, especialmente, por meio de
programas de formação continuada dos professores já em exercício, sem esquecer da formação
inicial.
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Santo Ângelo - RS
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