CURSO EDUCAÇÃO, RELAÇÕES RACIAIS E DIREITOS HUMANOS THELLMA FIGUEIREDO DE SOUZA “EDUCAÇÃO, RELAÇÕES RACIAIS E DIREITOS HUMANOS” SÃO PAULO 2012 “Temos o direito a sermos iguais quando a diferença nos inferioriza; Temos o direito de sermos diferentes, Quando a igualdade nos descaracteriza”. Boaventura de Souza Santos Os encontros promoveram muitas reflexões e a participação ativa do grupo contribuiu muito. A seriedade, organização, nível dos palestrantes foi determinante para o êxito deste curso. Para haver reparação, reconhecimento e a valorização da constituição da população negra em nosso país far-se-á mister, talvez por ainda muitos anos, um trabalho intencional, sistemático e contínuo. Ainda necessitamos dar visibilidade ao referido tema, trazer informações e reparar a equidade. A legislação promoveu um avanço significativo no aprofundamento desta discussão, entretanto mais do que fazer cumpri-la desejamos conscientizar, imprimindo na sociedade outra lógica. Já reconhecemos a necessidade de ofertar o estudo sobre o continente africano, entretanto ainda observo que a escravidão é a grande temática deste estudo o que não oportuniza orgulho no pertencimento étnico-racial dos afrodescendentes nem a valorização de sua identidade. È preciso de fato promover a reparação dos danos psicológicos, materiais, sociais, políticos e educacionais, mas muito, além disto, é preciso um estudo antropológico das culturas africanas, valorização do patrimônio histórico-cultural para que os afrodescendentes possam orgulhar-se da riqueza daquele continente e da construção desta sociedade indígena, afro brasileira. Durante minha carreira de coordenador pedagógico da Rede Municipal de Ensino tive a oportunidade de participar de outros cursos com o mesmo tema, entretanto este proporcionou-me uma inquietação maior. O depoimento dos colegas imprimiu marcas , pois, desvelaram as “cicatrizes” que o preconceito e o racismo deixam nas pessoas, portanto, defini que pretendo desenvolver minha singela reflexão em torno do tema “TOLERÂNCIA E INTOLERÂNCIA” ambas imprescindíveis. Uma tolerância universal seria para Comte-Sponville: ...“moralmente condenável: porque esqueceria as vítimas, porque as abandonaria à sua sorte, porque deixaria perpetuar-se seu martírio. Tolerar é aceitar o que poderia ser condenado , é deixar fazer o que se poderia impedir ou combater. .. é renunciar a uma parte de seu poder, de sua força de sua cólera... Não podemos tolerar o preconceito, o racismo, a discriminação enfim estes valores ínfimos no nosso convívio. Precisamos bani-los principalmente do ambiente escolar. A tolerância só vale contra si mesma, e a favor de outrem. Porém tolerar pode ser responsabilizar-se: a tolerância que responsabiliza o outro já não é tolerância. Esta virtude não é passividade. Dizia Voltaire: “ Devemos tolerar-nos mutuamente, porque somos todos fracos, inconsequentes, sujeitos a mutabilidade, ao erro. Um caniço vergado pelo vento sobre a lama porventura dirá ao caniço vizinho vergado no sentido contrário: ‘Rasteja a meu modo, miserável, ou farei um requerimento para que te arranquem e te queimem?’” Portanto humildade e misericórdia andam juntas, e esse conjunto, no que se refere ao pensamento, conduz à tolerância. Tolerante, ao contrário, impô-se, na linguagem corrente como na filosófica, para designar a virtude que se opõe ao fanatismo, ao sectarismo, ao autoritarismo, à intolerância. Esse uso reflete, na própria virtude que a supera, a intolerância de cada um. Só se pode tolerar o que se teria o direito de impedir, de condenar, de proibir. Conclui Comte-Sponville: “Há o intolerável, que cumpre combater. Mas há também o tolerável, que é contudo desprezível e detestável. A tolerância diz tudo isso, ou pelo menos nos autoriza. Esta pequena virtude nos convém: ela está a nosso alcance, o que não é tão frequente, e alguns de nossos adversários, parece-nos, não merecem muito mais ...a tolerância é sabedoria e virtude para aqueles que –todos nós- não somos nem uma coisa nem outra. Pequena virtude, mas necessária. Pequena sabedoria, mas acessível”. A intolerância ameaça a todos, não discrimina, ou damos e exigimos respeito e reconhecemos nos outros diversos valores, outras necessidades e possibilidades ou podemos ser vítimas da intolerância, pois a característica essencial do ser humano é sua qualidade de ímpar, único. Percebo o quanto somos intolerantes no espaço escolar... Definimos os horários, as salas, os lugares, as atividades, enfim definimos todo o fazer pedagógico e se o estudante não corresponde à nossa expectativa somos absolutamente intolerantes, responsabilizamo-los e imprimimos nossa exigência. Intoleramos aqueles que não atendem nossa expectativa e toleramos o não aprendizado, a evasão, o fracasso escolar, o preconceito, a ausência do Estado, ineficiência de alguns serviços públicos, a corrupção, o desmatamento, enfim toleramos e intoleramos às avessas. Ainda acredito, apesar desta dura constatação, que a educação formal, a escola, os educadores podem “virar do avesso o avesso”. O trabalho continuado sobre a história, formação do povo, guerras, políticas, clima, enfim um estudo deste continente pode e deve contribuir para este fim, abortar a ideia de povo “fraco” que até foi escravizado, povo primitivo, para a ideia de um povo, que apesar de todas as mazelas vividas provou que a resiliência é “sangue vital” e que este foi determinante na constituição do povo brasileiro. O estudo sobre os povos do continente africano, faz-se mister. Um povo que fala muitas línguas num mesmo território, mas consegue se unir por um objetivo comum, que sai para outros continentes forçados ou de forma espontânea, mas “guarda” de forma sagrada sua descendência, “constrói” sua ascendência responsabilizando-se por ela. Povo que continua lutando fora ou dentro do continente, mas devolve à este sua riqueza conquistada. O trabalho com os direitos humanos, a partir da DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, pode contribuir de forma significativa com o currículo desenvolvido na escola. Deixarei de lado o preâmbulo e o artigo 1º tão imprescindíveis, mas cito apenas o Artigo 7º : “Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação”. Somos absolutamente iguais e absolutamente diferentes, portanto esta noção de equidade cabe nesta reflexão. Considerando que não são todos os povos do planeta que aderem a esta máxima, esta reflexão “autoriza” a ampliar nosso olhar para um planeta de fato plural, onde devem caber todas as pessoas vivendo sua plena dignidade, pois não há verdade absoluta. Uma das riquezas do ser humano é sua pluralidade, portanto, adentrar de forma respeitosa à formação de todas as culturas (e não exclusivamente a dos “países desenvolvidos”, como são chamados por alguns) favorece à visibilidade da equidade, conceito imprescindível de ser desvelado. O ambiente escolar, assim como o currículo, os materiais didáticos, a formação e a preparação dos educadores, potencializa a rediscussão dos padrões instituídos, bem como das profundas transformações nos modos com os quais se estabeleceram a ordem do bom/ruim, belo/feio, normal/anormal. A neutralidade no espaço escolar silencia as diferenças, portanto é nefasto ao desenvolvimento e contribui para a perpetuação da discriminação direcionada às marcas sociais que se constituem nessas diferenças de orientação sexual, raças, origens territoriais, sociais e culturais configuradas como não hegemônicas. Através de uma educação de qualidade, do respeito à dignidade humana, da relação democrática, do reconhecimento da riqueza da pluralidade de valores e características de cada um, podemos oportunizar aos estudantes a vivência e convivência de um bom ambiente escolar, onde estes poderão exercitar a resiliência, a cooperação, a construção do conhecimento, mas, fundamentalmente a construção de um mundo melhor na busca por uma sociedade mais justa, humanizada e igualitária. “Não basta criar um novo conhecimento, é preciso que alguém se reconheça nele. De nada valerá inventar alternativas de realização pessoal e coletiva, se elas Não são apropriáveis por aqueles a quem se destina”. Milton Santos CONCLUSÃO “Na verdade, porém não é a educação que forma a sociedade de uma certa maneira, mas a sociedade que, formando-se de certa maneira, constitui a educação de acordo com os valores que a norteiam”. Paulo Freire Acreditando na possibilidade de desenvolver uma educação para os valores humanos oportunizando a todos os envolvidos o exercício da plena de cidadania, fundado em princípios éticos, de valorização de direitos e deveres da pessoa, do respeito e proteção da dignidade humana comprometo-me em socializar os conhecimentos aqui adquiridos, assim como as experiências vividas trabalhando com afinco para este fim. Agradeço por ter sido selecionada, pelo acolhimento afetuoso, pelos lanches oferecidos com tanto carinho e zelo após um longo dia de trabalho, enfim por tudo. Minha sugestão é que no próximo ano possamos pensar num curso específico sobre alguns países do continente africano. Cursos curtos e independentes, mas que se completem, por exemplo, um curso de 16 horas sobre a África do Sul, outro de 12 horas sobre a Nigéria, países relacionados e não com a diáspora. Assim podemos desvelar a riqueza do continente e romper com o estigma que na África “é tudo igual, que não há riqueza , só tem fome e subdesenvolvimento”. Infelizmente ainda, em formação com os professores, percebo a falta de conhecimento da nossa classe e o preconceito que assola àqueles que devem ter o compromisso com a mudança da nossa sociedade. Talvez também montar cursos por temas, por exemplo, educação nos países tais e tais do continente africano, outro sobre a cultura, outro sobre a organização política e familiar , a religiosidade, de alguns países, enfim selecionar 2 ou 3 países e estudar estes temas. Acredito que seja imprescindível continuar estudando, mas mudar o foco. Ampliar, numa soma de esforços, o conhecimento sobre todos os continentes, sobre as pessoas, as culturas, seus valores, suas diferenças... enfim, o ser humano. Confesso que sou seduzida pelo continente africano. Quem sabe um dia vamos fazer um “estudo de campo” eu adoraria..... Sou mesmo muito sonhadora, me faz bem. “O que quer que você possa fazer ou sonhe que possa, Faça-o, coragem mantém genialidade, poder e magia. Comece-o agora”. W. Goethe