Internacional GRAZIELA OLIVEIRA | RJ Paraclimb A histórica cidade de Jaca (Espanha) reuniu nos dias 29 e 30 de janeiro os escaladores nos Pirineus. O evento, que não parou de crescer desde a sua criação, traz um programa intenso de atividades para os dois dias, com uma grande concorrência. ”Os prêmios em dinheiro, camisetas, lanches e várias outras premiações são alguns dos ganchos utilizados na publicidade. Mas, sobretudo, pela novidade do VII Encontro Internacional de Escaladores nos Pirineus é a inclusão do Open Paraclimbing, uma competição destinada aos praticantes porta- Paraclimbing 10b na infância O italiano Tito Claudio Traversa, 9 anos encadenou o seu primeiro 10b (8b) em www.mountainvoices.com.br Tito Traversa 18 Castillon, França e se tornou o escalador mais jovem a mandar uma via nessa dificuldade do alto dos seus 1,35m de altura! Ondra havia realizado o feito aos 11 anos de idade. A aventureira do Ano - 2010 A montanhista Edurne Pasaban recebeu o prêmio Aventureira do Ano da National Geographic, ela reuniu no currículo 14 montanhas acima de oito mil metros. Nova rota no Pilar Casarotto O escalador brasileiro Sérgio Tartari, junto com os argentinos Luciano Fiorenza e Jimmy Heredia abriram Al Abordaje! uma via de 25 enfiadas e grau 6b A2 no pilar colado ao Fitz Roy. “São mais de 1000m de excelentes Pilar Casarotto colado a direita do Fitz Roy fissuras”, comentou Fiorenza após a conquista. Errata: Dreamtime diferente do que foi colocado na coluna passada é um problema em Cresciano, Suíça. www.mountainvoices.com.br dores de necessidades especiais. A organização do Open Paraclimbing ficou sob a tutela de Manuel Suarez, guia de montanha e gestor do grupo paraclimbing de Aragão. A idéia foi acomodar qualquer escalador portador de necessidade especial, seja ela visual, mental ou física. O evento tem o formato de top rope, exigindo o uso do capacete. O campeonato premiou os vencedores Urko Carmona, Ricardo Perez, Óscar Domínguez e Cepero Manuel. 03 Guia de Trilhas traz a Patagônia chilena ao Brasil A Carretera Austral é uma importante via de acesso e circulação por grande parte da Patagônia chilena. Até a década de 70, essa imensa região encontrava-se isolada e acessível apenas por barcos ou eventuais trilhas vindas da Argentina Turistas do mundo todo visitam a Patagônia chilena em busca de aventura ao longo de seus 1.200 km aproximados de extensão. Diversos livros de referência indicam esse roteiro como “uma das maiores aventuras de contato com a natureza disponíveis no planeta”. E não há exagero algum nessa afirmação. O Guia de Trilhas Carretera Austral, escrito por Guilherme Cavallari e publicado pela Kalapalo Editora, apresenta o mapeamento completo e minucioso desse roteiro. Esse inclusive é um fato inédito no mercado editorial mundial, já que não existem livros ou guias de viagem com esse trajeto mapeado em tamanho detalhe. O livro traz a Carretera Austral dividida em trechos de, no máximo, 130 km minuciosamente descritos em fotos coloridas, gráficos de altimetria, indicações de hospedagem, alimentação e abastecimento, contatos locais, explicações sobre história, cultura e, principalmente, possibilidades de aventura. O mapeamento foi desenvolvido para cicloturistas, aventureiros que se deslocam em bicicletas, mas serve perfeitamente para turistas de carro ou moto. À venda em livrarias, lojas especializadas em aventura e lojas de bike em todo o país e pelo site da Kalapalo Editora (www.kalapalo.com.br) www.mountainvoices.com.br Guia de Trilhas Carretera Austral Formato 21 x 15 cm 136 páginas coloridas - R$ 39,00 www.kalapalo.com.br 04 ecos Montanhistas prestam homenagem a Bernardo Collares ASSESSORIA DE IMPRENSA FEMERJ | RJ Janeiro de 2011 foi um mês muito triste para o montanhismo. Além das chuvas que devastaram a região serrana do estado do Rio de Janeiro, local que conta com muitos pontos para a prática do montanhismo, entre eles Salinas (Friburgo) e Serra dos Órgãos (Teresópolis), esse mês ainda testemunhou a morte de Bernardo Collares, montanhista, presidente da Femerj (Federação de Esportes de Montanha do Rio de Janeiro) e vice-presidente da CBME (Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada). A morte de Bernardo foi muito sentida pela comunidade de montanhistas de todo o Brasil, pois, além de um excelente montanhista, Collares era uma pessoa muito empenhada em difundir e defender o esporte. Com a experiência adquirida nos 10 anos à frente da Femerj, sua atuação serviu como exemplo e inspiração para todas as outras organizações ligadas ao montanhismo surgidas desde então. Entretanto, mais do que simplesmente respeitado, Bernardo era muito querido pela comunidade de montanha em todo o Brasil, o que pode ser testemunhado por conta de todas as homenagens realizadas em diversos cantos do país no dia 15 de janeiro. O Rio de Janeiro, cidade de Bernardo, não poderia ficar de fora e nesse dia as montanhas da Urca (Babilônia, Morro da Urca e Pão de Açúcar) foram invadidas por dezenas de cordadas cujos participantes reuniram-se posteriormente na Praça General Tibúrcio para uma série de homenagens que tiveram início com os presentes fixando, no monumento do local, fotos antigas tiradas junto com Bernardo. Na ocasião, muitos subiram as escadas do monumento para proferir palavras em homenagem a ele. Além disso, mais de sete pick-ups com donativos para as vítimas das chuvas foram lotadas. A Associação de Escaladores do Rio Grande do Norte (AERN) ocupou diversas vias de Serra Caiada, principal setor de escalada no estado, quando o Diretor Técnico falou sobre a importância de Bernardo para a organização do esporte no Nordeste e sobre a sua passagem por lá em 2005. No Paraná, a convocação foi para uma invasão no complexo do Anhangava e, em São Paulo, a Associação Fernão Dias de Montanhismo escalou as vias do Baú e realizou uma bonita homenagem no cume do Bauzinho. Em Feira de Santana/BA, o Clube Baiano também ocupou as vias de Monte Alto em homenagem a Bernardo e o mesmo ocorreu em Caeté, Minas Gerais, onde, apesar da chuva, a Pedra Branca foi subida no mesmo espírito. Ainda em Minas Gerais, na Serra do Lenheiro, local bastante frequentado por Bernardo, além das escaladas, foi conquistada a via “Um minuto de silêncio” em sua homenagem. Essa conquista, inclusive, é apenas uma das muitas que estão sendo realizadas em homenagem ao “Eterno Presidente”, nome de outro projeto, assim como “Cabeção”, outro apelido de Bernardo. Apesar de, evidentemente, uma certa dose de tristeza e melancolia estarem presentes em todas essas homenagens, Bernardo é o maior exemplo que uma pessoa generosa e comprometida com seus ideais pode continuar viva e presente muito tempo depois de sua morte. www.mountainvoices.com.br Carretera Austral 05 Existem locais para a prática da escalada que são considerados mágicos ou indispensáveis dentro do imenso circuito de points espalhados pelo globo afora, mas que você só entende o porque de tal denominação após estar presente e experimentando de tal magia. E um desses locais que, com certeza, não pode passar em branco para qualquer escalador é São Bento do Sapucaí. E apesar de ser esta mais uma matéria entre tantas já escritas sobre São Bento do Sapucaí , a mesma traz um ponto de vista sobre a constante evolução que São Bento presencia e de como a comunidade local reage perante esta evolução. Desde o dia que conheci São Bento do Sapucaí, houve alguma atração por esta cidade que atinge não só quem escala e fica deslumbrado com tamanha imponência do conjunto da Pedra do Baú, mas também em todos visitantes ou turistas que visitam a cidade, uma atração que é manifestada em uma sensação de ter encontrado um cantinho para passar o resto da vida, e que no meu caso e de muitos outros “forasteiros”, se converteu em um sonho a ser perseguido com afinco. Existem na Europa cidades que possuem as mesmas 06 esportiva on the características de São Bento do Sapucaí , onde as montanhas e a escalada vivem em parceria com a comunidade local e a mesma vive em função do turismo de aventura e da escalada. Porém, ainda que cidades como Chamonix , na França, e Arco, na Itália, tenham sido o berço da escalada mundial, existe algo que todo brasileiro que vive no exterior sente falta, que é a família e os amigos, e do bom e velho arroz com feijão, então, porque não conciliar tudo isso com a simplicidade de uma cidade típica do interior com os encantos que São Bento do Sapucaí oferece de mais completo para todos os estilos de escalada? Desde o boulder até as grandes paredes, São Bento do Sapucaí atende todo o tipo de escalador e nível e vem evoluindo e sendo apresentada ao circuito da escalada mundial como um dos excelentes locais a serem visitados por escaladores de qualquer nacionalidade. Uma simples visita turística até o complexo do Baú já é por si um contato com a rocha, e uma caminhada até qualquer um dos seus cumes é presenteada com um visual tremendo e uma experiência leve, mas que marca um passo pretendente a um contato mais profundo com a escalada. Desde a primeira ascensão da Pedra do Baú, realizada por visionários locais e movidos pelo encanto que as montanhas exercem sobre nós humanos, a escalada em São Bento esteve em constante evolução, sendo explorada a fundo a vasta superfície vertical do complexo do Baú onde hoje existem vias de grande imponência até mesmo para os escaladores que dominam e modalidade de vias longas. Dentro da escalada esportiva, existem hoje muitos points e setores que também foram explorados e que sofreram uma adaptação sobre graus e estilos impulsionados por novas gerações que tratam de “devorar” as vias existentes e proporcionando uma evolução não só no grau, mas na quantidade e qualidade de vias existentes na região. Já no boulder, esta modalidade sempre passou como uma forma mais simples de se manter escalando quando as condições não eram favoráveis a enfrentar outras escaladas, mas nunca passou em branco. O boulder sempre esteve presente na história da escalada em SBS, mas sempre foi considerado na escalada como “partes “ou “pedaços” de rocha que se soltaram das paredes existentes e que eram encontrados nas trilhas de acesso às vias. Mas foi por volta de 2000 que o boulder se desenvolveu e passou a ser visitado e explorado por mais uma gama de escaladores aficionados pela modalidade, com a idealização e realização do primeiro BLOX em 2001 (evento organizado pela Montanhismus), em que houve uma enorme repercussão e a realização de outras edições posteriores, provando que a evolução está aí, estampada em publicações de vários meios de comunicação, com ascensões marcantes não só para SBS, mas para o esporte nacional e reconhecido internacionalmente como um excelente point para a modalidade. Lugar incrível São Bento do Sapucaí conta com uma gama de points e setores imensa para o boulder, sendo impossível visitar todos em um fim de semana. Conta com uma quantidade e qualidade que variam de V0 a V14 e com linhas de altíssimo grau de dificuldade, concentradas todas em uma só região, e que recebe hoje uma quantidade significativa de escaladores de outras cidades, estados e países. Como toda evolução vem acompanhada de alguns inconvenientes, São Bento do Sapucaí e sua evolução não são exceção, e sendo este assunto sempre extremamente polêmico e não existindo um manual de normas concretizadas, regulamentadas e divulgadas, a conduta do escalador perante a escalada na região depende muito de um bom senso que muitas vezes é esquecido e que acaba por trazer problemas mais sérios e que travam tal evolução. Portanto este texto não pretende passar uma lista de regras e posturas para com a escalada local, até porque isto já foi imensamente discutido, servindo de palco para discussões e intrigas homéricas, mas vem para servir como um alerta e tentar passar um pouco do ponto de vista local, de como a escalada e os escaladores é vista pela comunidade nativa da região. O ritmo de uma cidade do interior não acompanha o ritmo dos visitantes de outras cidades, principalmente dos grandes centros como São Paulo, que está a menos de 200 km de distância de SBS, mas recebe uma quantidade enorme de visitantes, turistas e escaladores, o que pode gerar conflitos de tempo e espaço. No que diz respeito ao tempo, o visitante tem que se ajustar ao ritmo e estilo de vida local, e não o contrário. No que se refere a escalada, este tempo vem acompanhado de um ritmo frenético na luta contra o relógio para tentar mandar ou encadenar aquele projeto sonhado, que por sua vez pode ser visto com estranheza por moradores locais ao testemunhar gritos e alguns palavrões no momento da empolgação, ou por muitas vezes, levar a escalada até horas da noite ou até mesmo da madrugada, tentando aproveitar ao máximo do “tempo” disponível para escalar, mas esquecendo que se trata de uma região habitada em sua maioria por produtores rurais que tem em seu ritmo e “tempo”a hora de descanso para poder levantar muito cedo e cuidar de seu afazeres. E no que diz respeito ao espaço, praticamente 100% dos points de escalada em São Bento estão em terras particulares, frequentada constantemente por uma legião de pessoas carregando mochilas pesadas ou colchões nas costas, sendo esta frequência possível graças a acordos de ambas as partes, escaladores X proprietários. Infelizmente determinados acordos foram desrespeitados e como consequência o point proibido de acessar, fato comum ultimamente, não percebendo que as terras para os habitantes locais é uma extensão de seus quintais, delimitados por cercas e porteiras que, normalmente, nenhum de nós gostaria do fato de que em pleno fim de semana com sua família em casa, ter que abrir e dar passagem em seu quintal para os “seres carregadores de peso das costas”. Morando nesta cidade há um ano e meio, não posso me considerar um “local”, até porque não nasci aqui, mas umas observações mais profundas de como as ver em suas terras e estradas somente gado, cavalos e veículos para trabalho, estar em contato com veículos novos, pessoas diferentes e uma onda impulsionada pelo turismo e esportes praticados, leva mais tempo ainda nesta fase de adaptação, mas que em sua grande maioria a simplicidade local é que garante uma boa aceitação desta “invasão” vertical. Cabe a nós, da comunidade “climber” desprender algum tempo e visualizar por outro ângulo tudo o que envolve os points de escalada pelo mundo afora. Viver em São Bento do Sapucaí é a realização de um sonho, o de poder viver em um local cercado de escalada e da escalada, calmo e tranquilo, mas mais do que isso, com a possibilidade de enxergar como a vida pode ser levada de uma forma mais simples e em um ritmo mais adequado ao da escalada e em sua plenitude, levando o esporte até os locais de uma forma que possa haver um convívio mútuo e ainda poder contribuir para a evolução constante do esporte no Brasil, algo que já bem visto até pelos grandes nomes do boulder mundial, mas que depende de todos os frequentadores de todos os points do Brasil estarem atentos sobre tais condutas. www.mountainvoices.com.br Eliseu Frechou www.mountainvoices.com.br Tiago Balen no IV BloX, evento que abriu e desenvolveu vários points de escalada na região. coisas e as pessoas funcionam em cada point de escalada visitado, sempre foi prioridade antes de simplesmente chegar, entrar, passar, escalar e ir embora sem ao menos pedir licença e ser educado para com a comunidade local, princípios básicos de uma boa convivência e que podem trazer benefícios ou consequências a cada ato individual ou coletivo tomado. Trocar São Paulo por SBS foi também fazer uma troca de estilo de vida e se adaptar ao estilo local leva muito tempo. Ou seja, para quem vem de fora somente para um final de semana é praticamente impossível desvincular dos hábitos “fast Climb” dos grandes centros, muito menos enxergar a vida local com outro olhos. Estar presente nos points de escalada, abrindo e conquistando novos boulders ultimamente é estar em contato com proprietários dos mesmos blocos, e o que para eles antes não passava de uma pedra no meio de sua plantação, agora é um local para a prática do esporte. Essa relação proprietério X escalador tem que ser delicada e respeitosa. Com uma aproximação mais cautelosa, consigo ver que a própria visão dos proprietários locais tem mudado, uma visão mais ampla, desde que respeitados. E para quem durante anos ou a vida toda foi acostumados a 07 www.mountainvoices.com.br “A morte de Bernardo nos deixou todos um pouco órfãos, mas se há uma forma de honrarmos a sua memória é não permitirmos desmoronar o seu inestimável legado. Ele não nos perdoaria por isto.” Dia de semana, dia de trabalho, calor intenso de verão carioca. Volto do almoço e dou uma passadinha no gabinete antes de uma reunião que me consumiria a tarde inteira, e apenas por vício dou uma espiadela no correio eletrônico, onde, como sempre, diversas mensagens novas já me aguardavam, mas uma logo chamou a minha atenção. Com letras maiúsculas, seu título era: “PATAGÔNIA URGENTE”. Lembrei-me que muitos amigos haviam viajado para lá nesta temporada e o coração começou a bater forte. Quando a abri e li o seu conteúdo, comecei a tremer todo. Não tinha mais reunião, não tinha mais trabalho, não tinha mais nada. O indizível havia acontecido. O Bernardo havia morrido no Fitz Roy! Embora a mensagem começasse afirmando a sua morte, abaixo era dito que esta era, na verdade, uma suposição devido às circunstâncias, porém feita por ninguém menos do que a Comissão de Resgate de El Chaltén, a pequenina cidade aos pés das fantásticas torres graníticas do sul da Patagônia argentina que a cada ano atraem, como as lâmpadas a cada noite atraem as mariposas, centenas de escaladores de todas as nacionalidades em busca das aventuras de suas vidas. Chegaram a esta sombria conclusão a chefe da equipe, Carolina Codó; resgatistas voluntários, dentre os quais um dos mais experientes escaladores do planeta e profundo conhecedor das condições locais, Rolando Garibotti; e guias europeus da UIAGM. Não havia dúvidas, por mais que eu e todos que o conheciam quiséssemos que elas existissem... O acidente Quatro dias antes ele partira de El Chaltén para tentar repetir a longa via Afanassieff, 08 ecos na face oeste da montanha – a mais batida pelos furiosos ventos patagônicos - em companhia de Kika Bradford, e no primeiro dia fizeram um progresso excepcional devido ao tempo favorável e ao conhecimento prévio da parte inferior da escalada, adquirido em uma tentativa fracassada no ano anterior. No dia seguinte continuaram evoluindo bem, superando as principais dificuldades e fazendo um segundo bivaque a cerca de 400 metros do topo. O objetivo era fazer cume no dia seguinte e rapelar pela via Franco-Argentina, bem mais curta e vertical e, portanto, muito mais adequada à descida, mas um forte nevoeiro matinal os levou a, prudentemente, tomar a difícil decisão de descer, não só pela frustração como, também, por saberem da complexidade da tarefa, com milhões de pontos onde a corda poderia agarrar. Só que logo no quinto rapel, quando Kika já havia descido e preparava a ancoragem seguinte, as peças nas quais a corda única pela qual rapelavam estava montada saíram e ele voou. Nestas circunstâncias, o esperado era que ele caísse até a base da montanha, ou ao menos até um ponto bem mais abaixo, levando consigo as duas cordas (a outra estava dobrada atrás do seu pescoço), deixando-a em uma situação verdadeiramente desesperadora, mas o destino deu uma colher de chá: a corda passou por trás de uma pedra e, assim, Kika, no reflexo, foi capaz de travála com as mãos. Além disso, a segunda corda parou a exatos 60 metros abaixo, permitindo que fosse recuperada por ela mais tarde. O problema é que na queda, que foi de uns 15 ou 20 metros, ele bateu com violência na parede e provavelmente quebrou a bacia e teve uma hemorragia interna. Ela imagina que tenha sido isto ou coisa ainda pior, como uma fratura de coluna, mas saber a lesão exata é irrelevante, pois, seja como for, o fato é que ele não conseguia se mexer. Quando enfim recobrou a consciência, Bernardo sofria dores lancinantes, e disse a ela que não se achava capaz de chegar sequer ao dia seguinte sem um resgate de helicóptero... Por isso ele próprio pediu que ela descesse imediatamente para buscar ajuda, e que lembrasse a todos que todas as decisões naquela escalada, assim como em todas as outras que haviam feito juntos, tinham sido tomadas de comum acordo. Kika o estabilizou como pode, deixou com ele o único saco de dormir que possuíam, assim como água e alguma comida, e despediu-se prometendo descer o mais rápido que pudesse, mas não sem lembrá-lo de que obviamente só no dia seguinte é que conseguiria dar o alarme. O momento de uma despedida como essa é, sem dúvida, um dos mais intensos pelos qual qualquer pessoa poderia passar, mas para dar ao menos uma chance ao amigo, e ela própria ter a oportunidade de sobreviver, Kika manteve o foco em cada procedimento técnico e rapelou sob neve intermitente até ao anoitecer, bivacando, ainda sob neve e vento muito forte, no mesmo ponto onde haviam passado a primeira noite. No dia seguinte, sempre sob um vento gelado implacável, continuou descendo e chegou de volta à base da via em torno das 15h30m, exausta física e emocionalmente, mas ainda havia o glaciar a ser cruzado de volta à segurança da moraina. Ela deixou para trás todo o equipamento supérfluo, levando consigo apenas o necessário para tentar se safar caso caísse em uma greta, mas tudo acabou dando certo e, perto do final do dia, encontrou o seu namorado argentino e um amigo, que haviam ido até lá para ver se estava tudo bem. Eles passaram um rádio para El Chaltén, avisando do acontecido e a escoltaram até um pequeno refúgio a duas horas de onde se deixa o carro, onde passaram a noite. Foi então que a Comissão de Resgate local se reuniu, juntamente com uma série de experientes escaladores que se ofereceram como voluntários, caso um resgate fosse possível, mas juntos concluíram pela sua impossibilidade, pois mesmo uma equipe muito forte, em condições favoráveis, levaria três dias para chegar até lá com uma maca rígida, indispensável naquela situação, e simplesmente não havia janela de tempo bom para isso... Por outro lado, não havia helicóptero disponível na região naquele momento e, mesmo se houvesse, provavelmente não poderia levantar voo, pois o vento não permitiria. Nosso amigo querido estava condenado. O único consolo que restava a todos é que era pouco provável que ele tivesse resistido até mesmo à primeira noite, desgastado como estava pela escalada, apresentando lesões tão sérias, sem conseguir sequer se mexer em um saco de dormir molhado, deitado em um minúsculo platô exposto aos ventos mais inclementes de uma região inclemente e debaixo de uma nevasca! Ele próprio, aliás, pressentira esta possibilidade... No dia seguinte ela retornou a El Chaltén, e foi apenas no início da tarde deste quinto dia desde a sua partida para a montanha é que eu recebi a terrível notícia do ocorrido. Infelizmente esta não era exatamente uma novidade para mim, já que Bernardo era o quinto amigo que perdia escalando, mas foi decerto, a perda mais O amigo Conheci Bernardo Collares Arantes no Clube Excursionista Carioca (CEC) em algum momento dos anos 90, não me recordo exatamente quando. Nós nos encontrávamos nas reuniões e nos eventos sociais do clube, mas no início não éramos parceiros habituais de cordada. Eu tinha uma série de projetos em mente e ele ainda não havia se convertido no escalador compulsivo que viria a ser, mas sempre nos demos muito bem e não havia como ser diferente: Bernardo era um tipo bem-humorado, com um sorriso fácil e largo e sempre disposto a ajudar quem dele precisasse. Com o passar do tempo, no entanto, Bernardo foi se envolvendo cada vez mais seriamente com a escalada, ajudado pelo fato de ter um emprego absolutamente perfeito para isso: trabalhava com o tio em um cartório no Centro do Rio, ganhando por produtividade. Não tinha obrigação de comparecimento, nem horário rígido; se trabalhasse, ganhava, se não, não. Simples assim. Igualmente simples era a sua vida doméstica, pois, solteiro convicto, morava em um pequeno apartamento no bairro do Flamengo, que por falta de aptidão de seu dono para as lides domésticas era conhecido como “o muquifo”. O mesmo já não se podia dizer de sua movimentada vida amorosa, uma novela palpitante e pouco repetitiva, repleta de cenas eletrizantes e tramas paralelas que acompanhávamos estupefatos à distância, mas que apenas parecia fazer com que as mulheres ficassem cada vez mais apaixonadas por ele... Embora praticasse escalada esportiva com frequência, e fosse figura fácil no murinho da Limite Vertical, seu maior interesse eram as vias tradicionais, em móvel ou em grampos, de preferência as mais longas e comprometidas – um caminho que inevitavelmente o levaria a El Chaltén. Fizemos portanto algumas boas escaladas juntos, das quais eu destacaria a conquista de duas imensas montanhas virgens, o Pontão Maior de Águia Branca, no Espírito Santo, e o Pontão Médio de Mantena, em Minas Gerais, ambas em 2001. Na primeira subimos em estilo alpino uma via de 530 m de extensão deixando apenas um grampo pelo caminho, seguindo um óbvio sistema de chaminés empoleirado sobre um costão descomunal. Chegamos ao cume no final do dia, sob chuvisco onde estávamos e fortes temporais ao redor, rapelamos noite adentro e acabamos bivacando sob chuva fina sentados em um minúsculo platô inclinado, mas o dia seguinte amanheceu melhor e a descida pode ser concluída sem sobressaltos. Fomos recebidos com festa pela população da região, que abateu um novilho para comemorar o nosso feito com um churrasco, e ele adorava contar a história da cara das pessoas quando eu disse que não comia carne vermelha e de suas infrutíferas tentativas em me fazer abrir uma exceção, mesmo eu garantindo que compensaria com cerveja a ausência daquelas proteínas. No final, um peixinho surgido não sei de onde resolveu o impasse. Pura aventura, puro comprometimento e, depois, pura diversão – tudo o que buscávamos! Em Mantena, como é comum acontecer nestes casos, gastamos o primeiro dia apenas abrindo com facão a trilha até a base da montanha, seis horas de trabalho duríssimo, parte debaixo de um violento temporal de raios e ele quase sendo picado por uma cobra peçonhenta. No segundo dia, subimos rapidamente por uma via toda em móvel, batendo apenas um grampo no cume, para rapel. O nome da via, Cobra Criada, remetia à jararacuçu da véspera. Nesta mesma viagem ainda tentaríamos subir o Pão de Açúcar de Águia Branca, onde fomos detidos por outra forte tempestade de verão, e fizemos a primeira repetição da Pedra do Dedo, em Cristalina (Nova Venécia – ES), 41 anos após a sua conquista por um grupo do CERJ. Destaquei estas duas porque elas representam bem o espírito livre que gostávamos de desfrutar nas nossas viagens de escalada, descomprometidos com as obrigações da vida (eu havia juntado dinheiro, pedido licença sem vencimentos e estava há quase um ano sem trabalhar à época), mas absolutamente comprometidos com a aventura e com o estilo de nossas vias. E esta era outra característica que nos unia bastante: o respeito às tradições e a ética do nosso esporte, traço de sua formação que o levaria a uma posição de absoluto destaque no cenário da escalada brasileira. O eterno presidente Sua paixão pela escalada era tanta que ele sempre achou natural dedicar uma parte crescente do seu tempo ao desenvolvimento e à organização do esporte. Primeiro, contribuindo voluntariamente com os cursos básicos e de guia do CEC que, como os demais clubes de escalada, são até hoje um case sociológico notavelmente bem-sucedido de trabalho coletivo desinteressado em prol de um objetivo comum. Aos poucos, porém, seu envolvimento foi se tornando maior cada vez maior com a defesa de princípios éticos hoje plenamente consolidados na maior parte do país, como o chamado direito autoral, a utilização de equipamentos móveis sempre que possível, a manutenção da integridade da rocha (rejeição a agarras cavadas ou de plástico) e aos princípios de mínimo impacto sobre a fauna e a flora nativas das montanhas. Representando o CEC, ele já participava ativamente do Fórum Interclubes, colegiado informal criado em 1996 pelos clubes e escolas profissionais de escalada do Rio de Janeiro para discutir os problemas do esporte, que então derivava perigosamente para um cenário de anarquia. A Interclubes, com era então chamada, foi tão exitosa em seus objetivos que, quatro anos após a sua constituição, sentiu-se a necessidade de que ela viesse a ser formalizada para melhor representar os interesses dos montanhistas perante os órgão públicos e a sociedade de uma maneira geral. Assim, em 2000, foi fundada a Federação de Montanhismo do Rio de Janeiro (FEMERJ), sendo Bernardo eleito o seu segundo presidente, em 2002. Foi então revelado ao mundo, o nosso mundo, um verdadeiro talento para a organização do esporte, primeiro em nível local, e depois em nível nacional com a consequente fundação da Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada (CBME), da qual era o vice-presidente. O Cam hook da Leeperdito acima, era um deBernardo, como funciona em fendas fensor intransigente dos valores éticos horizontais, verticais e nagativas (como naporém foto). da escalada, fazia isso com uma Este é o tamanho médio, habilidade inigualável, buscando semmas há um menor e dois pre, em primeiro lugar, o diálogo e a conmaiores para fendas largas. Skyhook da ciliação.Grappling Ele costurou, com fino faro políBlack Diamond. tico, uma unidade que foi capaz de tirar o montanhismo da marginalidade e colocá-lo em um elevado patamar de respeitabilidade perante os órgãos públicos, em especial aqueles responsáveis pela gestão das unidades de conservação. Isto era de fato muito necessário, pois superado (ao menos no RJ) o debate ético, as questões de acesso a áreas de caminhada e escalada passaram a ter uma primazia absoluta em sua agenda, e ele empreendeu uma verdadeira cruzada de reuniões, debates e seminários em defesa do direito à livre prática do nosso esporte, muitas vezes com evidente prejuízo ao seu trabalho e ao seu sustento e, claro, a mais escaladas! Isso o tornou uma liderança importante não apenas no cenário por si só já bem amplo do montanhismo, mas também junto aos demais praticantes de esportes de aventura e ao segmento do turismo de aventura. Ao mesmo tempo, participava ativamente de diversas listas de discussão virtuais de montanhismo em todo o país, por perceber a importância que isso significava em termos de divulgação e consolidação de ideias e ideais, e para nosso espanto ainda conseguia tempo para dar uma escapada quase diária para escalar na Urca! Aliás, um dos seus passatempos preferidos era escalar durante a semana e ligar de lá para algum amigo preso a um escritório para zoálo, sendo que nenhum de nós perdia as raríssimas chances de lhe dar o troco... Por sua habilidade, dedicação, carisma e liderança, foi reeleito sucessivas vezes para a presidência da FEMERJ, sendo, portanto, o nosso eterno presidente, eterno enquanto durou. Conclusão A morte de Bernardo nos deixou todos um pouco órfãos, mas se há uma forma de honrarmos a sua memória é não permitirmos desmoronar o seu inestimável legado. Ele não nos perdoaria por isto. Assim, apesar da dor, a FEMERJ está se recompondo e no final deste mês uma chapa parcialmente renovada deve assumir a sua direção e tocar o barco a partir do ponto onde ele o deixou, defendendo nossos interesses com empenho e responsabilidade, como ele fazia. Tarefa parcialmente facilitada porque o acúmulo é grande e muitas lições importantes foram aprendidas no longo caminho desde a sua fundação. Seu corpo não pode ser resgatado do Fitz Roy, pois, no ponto onde se encontra, o risco de um acidente para os resgatistas, fossem estes pela pedra ou pelo ar, seriam imensos, e um desastre que ceifasse mais vidas poderia gerar uma reação muito forte contrária ao esporte – algo pelo que ele também não nos perdoaria. Então, devido à sua ousadia e ao seu comprometimento, na busca pelos seus sonhos, por lá ele deve permanecer. Uma sepultura grandiosa para um grande montanhista. Adeus, amigo, e muito obrigado por tudo. Uma grande perda para o montanhismo SILVÉRIO NERY | SP “Fundamos a CBME inicialmente para ter um “chapéu” mais representativo na hora em que precisássemos conversar com um Ministério ou o COB (Comitê Olímpico Brasileiro), por exemplo. Me lembro claramente do Bernardo Collares, presidente da FEMERJ, me fazendo a “proposta indecente”: “se você topar ser o presidente eu topo ser o vice!” Bom, isso foi em 2003, a CBME foi oficialmente fundada em agosto de 2004 e estamos aí até hoje.” O texto acima fez parte de uma entrevista minha ao site Wilo Montanhas, em meados de 2007. Essa passagem resume em poucas linhas a história recente dos bastidores da organização do montanhismo brasileiro. Conheci o Bernardo pela internet, no Fórum Interclubes e na lista HangOn em 1999. E no calor dos debates sobre ética, técnica e organização do montanhismo, descobri um cara que concordava comigo em quase tudo. Nada mais natural que ficarmos amigos, até mesmo antes de nos conhecermos pessoalmente. E quando isso aconteceu, num fim de semana em São Bento do Sapucaí e depois em muitos finais de semana no Rio, em Salinas, Andradas,Cipó, sempre escalando, nossa amizade se solidificou ao ponto de não precisarmos muitas explicações para nos entendermos sobre quaisquer assuntos, até mesmo os mais complexos. Quem acompanhou sua trajetória na escalada sabe que o acidente que o separou de nós aconteceu numa escalada que era seu limite atual. O elástico estava esticado ao máximo. Embora isso não sirva de consolo, provavelmente seria uma opção que ele escolheria, se isso fosse possível. A perda para o montanhismo brasileiro é irreparável. Com o passar do tempo saberemos da real importância do Bernardo na organização do nosso esporte. Ponderado, sensato, defensor da ética, foi a figura central de todas as articulações do movimento de institucionalização do montanhismo no Brasil, desde o Fórum Interclubes, em 1999, passando pela fundação da FEMERJ em 2000, apoiando e inspirando os fundadores das demais Federações e participando diretamente da fundação da CBME em 2004 e de todas as suas ações subseqüentes até hoje. Perdi um grande amigo. Estou triste, muito triste. Adeus Bernardo, um grande e último abraço. www.mountainvoices.com.br Eliseu Frechou devastadora destas todas, pois éramos muito próximos pelas escaladas que fizemos juntos e pelas causas às quais nos dedicamos lado a lado. 09 www.mountainvoices.com.br Parque Nacional Chapada Diamantina A área do Parque Nacional é muito exten- 10 on the rocks sa, tendo muitas histórias interessantes para se descobrir em suas cidades,vilas e povoados.Para conhecer o Parque além do transporte público e o carro, pode-se fazer o circuito de volta ao parque pedalando,por trilhas, de mula e até voando! Ao chegar as cidades maiores, procure guias em associações e agências credenciadas para evitar transtornos. Afinal experiência faz diferença! Lembre-se:que lanterna,agasalho,sos e capacete são indispensáveis a qualquer montanhista que se preze! Pode parecer que aqui só faz calor, mas o frio, nas regiões mais altas é uma constante. Meus sinceros agradecimento ao informativo de montanha Mountain Voices, que a cada ano vem mostrando sua força no Nordeste e aos meus parceiros de aventuras com disposição para encarar o nosso “sertão” tropical. Betas para o viajante: Ônibus Partindo de Salvador: Andaraí, Igatú,Ibicoara e Mucugê Viação Águia Branca 0800 725-1211 www.aguiabranca.com.br Lençóis e Palmeiras/Vale do Capão Real expresso 0800 600-1115 www.realexpresso.com.br Rio de Contas (sul da Chapada) Viação Novo Horizonte (71) 3450-2224 /5557 www.novohorizonte.com.br Via aérea (Salvador-BA) Vôos com saídas regulares com destino ao aeroporto Horacio de Matos,próximo a Lençóis. Trip linhas Aéreas 0300-789-8747 www.voetrip.com.br Aeroporto Internacional Dep.Luis E. Magalhães (Salvador-BA) 55 (71)3204-1010 www.igatu.com.br [email protected] Beto ou Letícia (75) 3335-7016 Humberto numa das novas rotas no setor do Labirinto de Igatú Jorginho no setor Tocaia de Lençóis Henrique Gironha escala uma de suas novas rotas em Lençóis. www.mountainvoices.com.br No inicio da década de 90 quando conheci a Chapada Diamantina, a mineração de diamantes nas cidades de Andaraí, Lençóis, Mucugê e Palmeiras era uma industria com motores enormes no leito dos rios virando tudo ao avesso.Cruzar as montanhas do Parque Nacional com mochilas pesadas não era tarefa fácil... Porém a compensação vinha ao encontrar animais selvagens,cachoeiras e bivaques alucinantes. Nesta época. foram poucos escaladores que vieram se aventurar por aqui, e o potencial deste lugar para a escalada permanecia adormecido Foi as margens da BR 242, nas paredes do Pai Inácio, que provavelmente foram abertas as primeiras vias com proteções móveis. Mas a prática da escalada em rocha na Bahia,teve inicio de fato na cidade de Lençóis no final da década de 90, quando tive a oportunidade de escalar pela primeira vez e talvez abrir as primeiras rotas. Agora morando no povoado de Igatú, município de Andaraí,tive o privilégio de equipar o campo escola da vila, hoje são 8 setores, todos estabelecidos e prontos para a prática da escalada tradicional e esportiva. No povoado de Igatú,o visitante pode contar com uma infra estrutura confortável de restaurantes,bares,casas de temporada, pousadas,camping e o Abrigo de Montanha Serra Alta, que além de ficar próximo a maioria dos setores fica a alguns metros das melhores cachoeiras do vilarejo. Novos vales com florestas de arvores seculares, com paredes de ate 100 metros estão sendo preparadas para os visitantes, com pequenas expedições e travessias pelo vale do Paraguaçu, o trekking é garantido!Hoje no Parque da Chapada Diamantina,temos escaladas em locais remotos com psicoblocs,banhos de cachoeiras,piscinas naturais.Também em cidades como Mucugê,Ibicoara e Palmeiras (Vale do Capão) o aventureiro pode contar com um número razoável de vias e centenas de projetos para serem conquistados, com uma galera que esta sempre pronta para novas aventuras! 11 12 on the rocks um litro d´água (pros dois!!!), um anoraque e disposição pra escalar as 23 enfiadas no melhor estilo Black Canyon: “a rope, a rack and the shirt on your back”. A estratégia foi de fazer a aproximação de tarde, bivacar na base, despertar e escalar, sem mais complicações e já sabíamos por outros escaladores que havia uma pequena fonte de água na base. A melhor e não mais segura trilha de aproximação, fica subindo pelo “slabs” partindo de Mirror Lake, não vacile, pois além de ser vertical é comum nas partes mais perigosas estar bem molhada, deve levar de uma a duas horas, não sei, tínhamos toda a tarde e pegamos uma chuva de granizo, que nos fez perder o humor e o dia seguinte pra secar as roupas; lá estávamos, todo o dia na base do Half Dome, com as roupas estiradas ao sol, não pude acreditar nessa comédia. Espera Bom, mais uma noite na base, sem problemas, noite estrelada, ótimo bivaque....mas não durma demais! Levantamos às 8.00 hrs.Já havia uma dupla escalando, duas cordadas ou três acima, “haulleando” dois bags (como se um não bastasse pra ancorar em cada uma das cordadas!!!); e desde logo nos deixaram passar. Escalamos até a cordada 9, sem problemas, muito rápido; sempre alternando as guiadas com Mike; alcançamos a “Robbins traverse”; uma sequência de bolts a qual escalei em A1 seguida de um pêndulo onde a travessia continua em livre. Depois de mais uma enfiada, chegamos a um pequeno platô onde começa a sequência de chaminés; Mike, sempre inconfortável em chaminés, me deu de presente pra guiar as mais longas; elas são intimidadoras à primeira vista mas tranquilas e divertidas quando dentro delas; apenas peças pequenas e médias; mas não conte com isso, as chaminés são um verdadeiro “runout” que leva muitos metros sem proteção (está aí a razão da repulsa de Mike às chaminés!). Depois da enfiada 17, chamada Double Crack que se escala por boas fissuras, chegamos ao Big Sand Ledge; ótimo platô pra camping com direito a sala e cozinha (sem exageros!). E como não estávamos lá pra passear, segue-se escalando pelo famosa ZigZag Cracks, divididas em três cordadas mas possível em duas longas, como fizemos; são as mais expostas na minha opinião e que escalamos a maior parte em livre e alguns em simultâneo, nas muitas nuts lá abandonados; nosso objetivo era sair de lá. Ao terminar, nos encontramos na também famosa cordada da Thank God Ledge, uma travessia “caminhando” para a esquerda num platô de meio metro de largura no inicio e ficando mais estreito no meio; formando 90° com a parede um pouco negativa às suas costas, que dava a impressão de te empurrar nos seus 15m até alcançar uma chaminé de meio corpo, um pouco negativa e bem curta. Não me lembro bem dos detalhes das ultimas enfiadas depois do Thank God Ledge, uma nevoa densa e branca havia chegado de repente, mas que se seguia derivando pra esquerda em muitos bolts e fissuras pequenas do tamanho de um “camalot C3” cor roxa. Uma grande alegria nos contagiou ao ter apenas blocos por trepar nos últimos metros da via; alcançamos o cume se me lembro às 20.00hs, nada mal pra uma entrada à vista numa das mais famosas vias em Yosemite Valley. Um lindo e estranho por do sol por entre as nuvens escuras, deixou uma fina tira avermelhada no horizonte. Logo, Mike foi correndo até a beirada do cume para que eu sacasse uma foto antes de escurecer. A descida é bem obvia, por uma, podese dizer, via ferrata, até a trilha que dá ascesso à Muir Trail, mas desviamos de volta a base para dormir e resgatar nossos sacos de dormir. Levamos um jogo de camalots até o 4, um jogo de aliens offset, um jogo de camalot C3 (insubstituíveis!), nuts, uma corda de 60 metros de 9 mm, se bem me lembro e nada mais; talvez, para ganhar tempo, um par de jumares vai bem para quem vem de segundo nas enfiadas mais expostas e verticais. Para mais informações e detalhes da via, consulte o site supertopo.com ou, estando por lá no “Camp IV” perguntando aos escaladores locais, como nós fizemos antes de entrar na via. www.mountainvoices.com.br Não mais que umas semanas antes deste relato, havíamos escalado vária outras rotas grade V com tempo suficiente pra tomar umas cervejas (quentes!) em nosso camping, quando estávamos “instalados” em Black Canyon of Gunninson. Mas agora o cenário era outro, California, Yosemite Valley. Começo do verão de 2009, isto quer dizer que turistas, carros, trailers, Rangers, ursos e claro escaladores não vão te deixar em paz (sem falar das chuvas!), um exemplo era que todos os dias na recepção do “Camp IV”, muito antes das 9.00hs da manhã (horário em que o guarda Ranger aparece) já havia uma enorme fila para adquirir uma vaga no camping que, devo dizer aqui, era limitadíssimo e ainda,por ser verão, cada pessoa pode registrar-se por apenas sete (isso mesmo!!! Sete!!!) dias durante todo o verão. Isso nos obrigou a fazer um “cambalacho” onde apenas um se registrara com a barraca e outro permanecia ilegal no camping, sem dar bandeira aos Rangers, resultando num tempo legal de duas semanas (de tempo ilegal ficamos mais duas!!!). Já aclimatizados com o granito, nossa próxima meta era o Half Dome, na mais famosa de suas vias, a Regular Northwest Face Route de graduação VI 5.9 C1 ou 5.12. Compartilhávamos a mesma idéia de não “haullear” a merda toda pra cima, sem bivysack, sem portaledge, sem cordas fixas (apenas Texto: Luciana Maes uma de 60 metros, que aumenta o grau de comprometimento), sem haulbag, apenas um rack de friends e stoppers, Patricia Manzi www.mountainvoices.com.br Escalar um grade VI em apenas algumas horas do dia, pareceu prepotência minha e de meu parceiro de escalada Mike Schuwey. 13 uma estrada para a aventura O que passa pela sua cabeça quando alguém diz: “vou pra Patagônia”? A imagem que imediatamente me vem à mente é roupa molhada de suor e chuva, rosto queimado de sol, unhas encardidas, cabelos desgrenhados pelo vento, botas sujas de barro, olhos brilhantes e um sutil sorriso tatuado no rosto. www.mountainvoices.com.br GUILHERME CAVALLARI | SP Patagônia para mim é sinônimo de aventura. Desde 2004, quando fiz pela primeira vez trekking em Torres del Paine, fui fisgado. De lá pra cá visitei a Patagônia quase todos os verões, tanto na Argentina quanto no Chile. Muitas dessas viagens terminaram publicadas nos meus livros, como os roteiros de trekking em Torres del Paine, El Chaltén e na Ilha Navarino – todos presentes na coleção Guia de Trilhas Trekking. No verão de 2010/11 eu não inventei história, voltei à Patagônia, dessa vez para mapear toda a extensão da Carretera Austral, no Chile, incluindo também os principais roteiros de trekking em parques e reservas nacionais ao longo do caminho. Uma idéia bastante ousada, já que não existia livro algum, seja em inglês ou espanhol, com o mapeamento dessa estrada e dessa região em uma forma realmente detalhada. Minha proposta era produzir um livro multiesporte que falasse de mountain bike, off Road, escalada em rocha, montanhismo, canoagem, rafting e pesca esportiva, onde a Carretera Austral seria a espinha dorsal de uma “super aventura”, completa e complexa, capaz de satisfazer aos gostos mais exigentes. Mas, ao mesmo tempo, eu queria que fosse um roteiro acessível a praticamente qualquer um, mesmo que estivesse começando agora na aventura. Para completar, meu limite de tempo para a viagem era de 60 dias. Infelizmente, por conta desse limite de tempo, eu não poderia percorrer a Carretera Austral de bike, meu transporte favorito, então fomos de carro – eu e minha mulher, Adriana Braga. Levamos bikes, todo o equipo de trekking e acampamento, material de escalada, grampões e piolets, comida liofilizada e até nossos remos de fibra de carbono para caiaques. Estaríamos prontos para o que pintasse! Partimos de São Paulo no final de novembro e, passada uma semana, estávamos em Puerto Montt, marco zero da Carretera Austral. Mesmo depois de pesquisar na Internet, ler diversos livros e guias de viagem, conversar com conhecidos e amigos, participar de fóruns on-line e até trocar correspondência com eventuais contatos locais que descobrimos, chegamos a Puerto Montt com mais dúvidas que respostas. Não sabíamos, por exemplo, exatamente que trechos da Carretera Austral ainda estavam interditados devido à erupção do Vulcão Chaitén, ocorrida em 2008; ou quais serviços de balsa e barco funcionavam e quando; ou quais roteiros de trekking da nossa lista ainda existiam; ou sequer onde exatamente encontraríamos combustível para abastecer o carro ao longo do percurso. De cara, descobrimos que deveríamos ter 14 montanhismo reservado passagem no navio de transporte que conecta Puerto Montt a Chaitén... A bagaça estava lotada! Resultado: perdemos três dias nessa desinformação. Ou melhor, ganhamos três dias para pedalar em torno do Lago Llanquihue – o equivalente chileno ao Lago Nahuel Huapi, na Argentina, inclusive com a “prima chilena de Bariloche”, Puerto Varas. É como diz o ditado: “uma vez no inferno, abrace o diabo!”. No primeiro trecho do mapeamento fomos de Puerto Montt a Hornopirén, parando dois dias em Cochamó, destino conhecido entre os escaladores do mundo todo como o “Yosemite sul-americano”. Paredões de granito puro, esbranquiçado, com vias de 1.200 m verticais e quase todas em livre. Mapeei o trekking de aproximação até o fundo do vale do Rio Cochamó, onde os paredões formam um anfiteatro monumental e de tirar o fôlego. Esse trekking de 20 quilômetros, ida e volta, acompanha todo o tempo as águas verde-esmeralda e cristalinas do Rio Cochamó, com praias naturais de areias brancas exigindo um mergulho... Mas tem que ter coragem, a temperatura do rio não deve chegar aos 10°C. No fundo do vale há um simpático refúgio, de propriedade de um casal de escaladores, Daniel e Silvina – ele norteamericano e ela argentina. Na aconchegante cabana de madeira nunca falta uma chaleira cheia de água sobre o fogão a lenha, para o mate dos anfitriões e visitantes. O camping que eles dirigem fica no gramado de um antigo pasto, cercado de montanhas rochosas. É acordar, sair da barraca e amarrar a cadeirinha à primeira corda que aparecer. Nessa região, próximo de Puerto Montt, visitamos o Parque Nacional Alerce Andino e mapeamos um roteiro de trekking de 2 a 4 dias de duração, dependendo do ânimo de cada um. Esse parque existe para preservar gigantescas árvores de 4.000 anos de idade, 60 metros de altura e 6 metros de largura, ameaçadas de extinção pela indústria madeireira. O alerce tem uma madeira maciça e quase indestrutível, muito usada na construção civil e naval. Ao longo da Carretera Austral é possível encontrar casas e igrejas centenárias feitas dessa madeira, ainda sólidas e firmes, como se fossem de concreto novo. No parque o clima estava perfeito, sem uma nuvem no céu apesar da região ser muito úmida nessa época do ano. As trilhas, porém, estavam ainda obstruídas pelas agruras do inverno, com árvores caídas, galhos atravessados e eventuais desmoronamentos. A temporada de verão ainda não havia começado e a administração do parque não havia reorganizado os caminhos. Fizemos inclusive um relatório final ao guarda-parque no final da excursão, para ajudar no trabalho de manutenção dos caminhos. Mesmo no auge do verão os parques e reservas nacionais em torno da Carretera Austral recebem um fluxo muito pequeno de turistas, muito diferente de Torres del Paine, por exemplo, que chegam a ter 300 mil turistas no verão. No final tivemos o parque todo só para nós e não fizemos pouco caso disso, nadamos pelados nos rios e lagoas, passamos um dia extra só relaxando, tomando sol e ouvindo a mata, exploramos alguns caminhos interditados. Pode-se dizer que a Carretera Austral começa de verdade depois de Chaitén, acessível pelo Chile apenas por mar. Passada essa cidade devastada pela erupção vulcânica, quanto mais ao sul nos deslocávamos, mais isolados nos sentíamos, Um roteiro tradicional. Chuviscava quando começamos a caminhada. Quanto mais penetrávamos os vales fechados, pior o tempo ficava. Depois do meio dia a chuva começou a cair forte e montamos acampamento, no final da tarde, debaixo de muita água. No dia seguinte a chuva não diminuiu e decidimos descansar na barraca, afinal estávamos na Patagônia e o sol poderia aparecer a qualquer instante, ou não. Acordamos na madrugada da segunda noite com muito frio. Olhei o termômetro e fazia 5°C dentro da barraca. Lá fora estava - 5°C. Era o primeiro dia de verão. Pela manhã a neve caia em baldes. No fim do dia havia 30 centímetros de neve para todo lado. O paso logo adiante de nós, único trecho mais técnico da travessia, estava fechado por muita neve, gelo podre e neblina. Esperamos mais um dia. Mais neve e mais chuva. No quarto dia, com o suprimento de comida defasado, abortamos a travessia e voltamos para o início da trilha, para a Carretera Austral, para pedir carona de volta à Villa Cerro Castillo e ao nosso carro. Na neve em volta da nossa barraca encontramos pegadas de huemules (um cervo andino em risco de extinção), raposas e pumas. Era 24 de dezembro e uma deliciosa ceia de Natal nos esperava na pousadinha familiar onde nos hospedávamos. Afoguei minha frustração em garrafas de excelente Merlot chileno e terminei tão grogue que caí da cama na hora que fui dormir, rachando o bico e feliz da vida. Mais ao sul, em Puerto Río Tranquilo, visitamos umas lindas formações rochosas no grande Lago General Carrera conhecidas como Capillas de Mármol (capelas de mármore). Fomos de caiaque oceânico duplo, eu e Adriana em um barco e os dois guias em outro. Navegamos por dentro das rochas, que lembram cogumelos gigantes brotando do fundo do lago. Com a ponta dos remos e dos dedos, tocávamos a superfície áspera e fria da rocha, listrada de branco e cinza. O famigerado vento patagônico vinha em lufadas e che- gava a empurrar a pá dos nossos remos para baixo, para a água, como se houvesse um peixe de dez quilos amarrado a elas. Só conseguíamos remar quando o vento tomava fôlego. Não havia perigo sério, apenas um possível banho gelado, mas fizemos bastante força e confirmamos a regra: na Patagônia quem manda é a Patagônia. Em Cochrane – última cidade ao sul da Carretera Austral com alguma estrutura urbana – mapeamos um trekking de quatro dias dentro da Reserva Nacional Tamango. A região é criadouro de huemules e conseguimos ver e fotografar vários. Não havia outros turistas na reserva e, novamente, as trilhas ainda não estavam prontas para a temporada de verão. Os bosques de árvores centenárias, cobertas por musgos como gigantescas teias de aranha, pareciam ilustrações de contos de Edgar Allan Poe. O silêncio chegava a incomodar. Na parte alta da reserva, onde caminhei sozinho por 14 horas consecutivas e ininterruptas, senti presença de um puma que devia estar me seguindo. O guarda-parque havia me alertado para uma puma e dois filhotes que rondavam a área. Infelizmente (ou felizmente) não vi os bichos, mas sentia fortes arrepios premonitórios na nuca e, de vez em quando, um cheiro azedo de urina felina no ar. Caminhei todo o tempo com a máquina fotográfica em punho. Se o bicho me comesse eu pelo menos tiraria sua foto, em close. Terminamos esse trekking a tempo de comemorar o Ano Novo em um chalé á beira do Rio Cochrane, com a lareira acesa, comida caseira, mais Merlot chileno e uma cama quentinha de lençóis limpos para completar. Quem consegue imaginar um Reveillon melhor? A Carretera Austral termina na Villa O’Higgins – meia dúzia de ruas, uma pousada e um aeródromo – de onde é possível atravessar por barco e trilhas de cavalos do Chile para a Argentina, até El Chaltén e algumas das montanhas mais famosas do mundo – Cerro Torre e Monte Fitz Roy. Mas como estávamos de carro, simplesmente fizemos meia volta e retraçamos toda a Carretera Austral de volta até Puerto Montt. Em exatos 59 dias de viagem, conseguimos mapear 1.689 quilômetros de estradas da rede Carretera Austral, sendo 80% de terra e cascalho, mais cinco roteiros de trekking somando 102 quilômetros de trilhas, uma viagem extra de bike de 163 quilômetros em torno do Lago Llnaquihue e o projeto se concretizou. Consegui publicar, agora em janeiro de 2011, o Guia de Trilhas Carretera Austral, com 136 páginas, sete mapas e 184 fotos coloridas. Missão cumprida? De jeito nenhum. Se você me perguntar, não fiquei satisfeito... Faltou fazer a Carretera Austral de bike, que é como ela deve ser feita. Então serei obrigado a voltar lá e fazer tudo de novo, dessa vez no pedal... Aí aproveito para terminar o trekking do Cerro Castillo, explorar a região do Vale Chacabuco – onde uma organização preservacionista internacional está organizando o Parque Patagonia –, voltar a Cochamó com tempo de escalar um pouco, repetir o rafting no Futaleufu... Enfim, mais um verão na Patagônia. Mas, cá entre nós, será que algum dia a gente consegue ficar satisfeito de aventura? O Birdbeak da marca A5 é um micro piton que pode ser usado como hook se a colocação for boa e não necessitar martelar. Cliff Talon da Black Diamond, que tem três formas de uso: duas para agarras e uma para buraco de talhadeira. Este é um cliff bem estável se a superfície for plana. www.mountainvoices.com.br Carretera Austral menos pessoas encontrávamos na estrada, mais sentíamos a Patagônia ao nosso redor. Mapeamos um desvio na Carretera Austral que chega até Futaleufu, uma vilazinha acolhedora e turística às margens do Rio Futaleufu, considerado um dos cinco melhores do mundo para rafting. Com a temporada de verão ainda não havia começado, o volume de água do “Futa” estava duas vezes e meia superior ao recomendável para descidas comerciais. Uma represa em território argentino regula essa vazão de água e o decorrente humor dos remadores chilenos. No camping onde estávamos acampados, um grupo de guias resolveu fazer um treino e faltava um remador no bote. Sem saber no que estava me metendo, pulei pra dentro. Nosso capitão era um italiano com experiência no Quênia, EUA, Suíça e Nepal. Os remadores eram todos guias profissionais. O único café-com-leite no bote era eu. As ondas de refluxo, redemoinhos e os paredões de água nas curvas do rio tinham o tamanho de carros, ônibus e casas. Os comandos de remo eram do tipo: “tudo pra direita ou a gente morre!”, “esquerda, p*** que pariu!”, “se alguém cair na água aqui, f**eu!”, e assim por diante, ora em inglês, ora e espanhol e eventualmente em italiano mesmo. Em determinado momento nos chocamos com uma pedra meio submersa e quase trocamos de lugar em pleno ar – quem estava na direita foi para a esquerda e vice e versa –, nosso capitão aterrissou de cara no meio do bote e demorou alguns segundos para se recompor. No final da descida, o remo de madeira que eu usei ficou com as minhas impressões digitais esculpidas nele. Nunca passei tanto medo na vida! E não vejo a hora de repetir a dose... Mais ao sul, aos pés do Cerro Castillo – uma imponente montanha de rocha negra e de aparência podre, toda despedaçada e pintada de neve, que lembra muito um castelo – tentamos fazer uma travessia em trekking de quatro dias. 15 www.mountainvoices.com.br Neste verão, Alessandra e eu fizemos uma longa viagem pelo Norte e Centro Oeste do Brasil, para visitar algumas regiões específicas, e Carolina no Maranhão era a principal delas. Lá foi criado um dos mais novos parques do País, com formações planas em forma de mesas e grandes cachoeiras de águas cristalinas. Bem, infelizmente a realidade mostrou-se mais modesta do que nossas expectativas, como você verá a seguir. A História de Carolina As maneiras mais rápidas de lá chegar são por Araguaína (100 km) ou Imperatriz (200 km), cidades de porte médio em Tocantins e no Piauí, onde existem aeroportos e cujo acesso a Carolina é feito por bom asfalto. Em ambos os trajetos, você terá de cruzar o Rio Tocantins, no primeiro caso por uma balsa que chega diretamente na cidade e, no segundo, por uma ponte em Estreito, onde está sendo terminada uma usina hidrelétrica. Carolina é uma pequena vila de 20 mil habitantes e um certo aspecto depressivo, talvez explicado por sua história curiosa. Fundada por criadores de gado da Bahia e Piauí, era nos inícios do século XX um importante elo fluvial e aéreo, devido à proximidade com o Tocantins e à instalação de aeroporto. A cidade tornou-se rica e culta, com usina elétrica, indústria, cinema, hospital e escola, até que nos anos de 1960 o declínio dos transportes fluvial e aéreo e a passagem da Belém-Brasília por Estreito, distante 100 km, desviasse definitivamente de lá o fluxo do comércio e, portanto, do progresso. À semelhança de Parati e Minas Novas, Carolina não soube compensar a mudança da rota comercial e entrou em decadência, tendo hoje apenas 2/3 da população de 30 anos atrás. É uma vila estranha, com avenidas muito largas, grandes praças vazias, casario pobre e pouca ocupação, que lhe dão um ar triste e desanimado. A Chapada das Mesas No fim de 2005, foi criado o Parque Nacional da Chapada das Mesas, abarcando alguns municípios do Sul do 16 montanhismo BELAS PEDRAS XLI Maranhão, o principal dos quais sendo Carolina. Os objetivos declarados para a criação desta unidade de 160 mil ha foram a defesa do cerrado, das nascentes e, em especial, das cachoeiras. Dizse que o cerrado da região é o mais preservado do Brasil, talvez devido à pobreza do solo e à fragmentação fundiária. Como nenhum ocupante foi indenizado, a área é ainda ocupada por fazendas de gado de porte médio, pertencentes em sua maioria a pequenos fazendeiros. Quem sabe por causa disto tenha havido pouca oposição local à criação do Parque. Sua integridade pode vir a ser ameaçada pelo enchimento do lago da UHE de Estreito, que deve afetar o Rio Farinha, sua principal atração. Adentrando o Parque A entrada para o Parque fica a 30 km de Carolina por asfalto. Ele tem um estranho dente, num vale entre duas serras paralelas, que faz com que o PN só comece após mais 30 km de estrada em areião. Este ponto é assinalado apenas por uma placa, quando você deve abandonar o rumo leste e seguir à esquerda a norte. Quando estive lá, a estrada era razoável, se bem que o areião fundo exija veículo com tração. O Parque apresenta vegetação de cerrado e campo sujo, sem grande apelo visual. Não tem nenhuma estrutura, carece de sinalização e tem um único funcionário. Os tabuleiros em forma de mesas são pouco atraentes: compostos por antigos arenitos um tanto heterogêneos e recobertos por vegetação, não apresentam belos perfis definidos. Nesta integração entre rocha e planta, eles se parecem um pouco com a natureza criada no filme Avatar. Mas foram eles que deram o nome ao Parque. É bom lembrar que lá não existe nenhuma chapada, como a de Diamantina ou dos Veadeiros, pois a altitude não passa dos 250 metros, as terras sendo portanto de planície. E que, também, suas serras em tabuleiro estão longe de terem a regularidade das mesas. O clima é também irregular, com a rápi- da formação de chuvas das mais fortes que conheci. Vale aqui uma observação. Devido à internet, o mundo está se tornando muito visual. Suas imagens podem nos induzir a visões sedutoras. Os panoramas que vimos antes da viagem nos fizeram imaginar um Parque repleto de mesas em arenito estriado, com perfis sugestivos. Sinceramente, elas de forma alguma existem no Parque e, fora dele, são poucas e nem tão belas. Voltando ao nosso percurso, na extremidade norte do Parque, depois de mais 15 km de areião, corre o Rio Farinha, com duas esplêndidas cachoeiras, Prata e São Romão. São grandes volumes de água e alturas interessantes, da ordem de 20 metros. Apesar de algumas pedras curiosas, com a da Igreja e a da Figura, estas quedas me pareceram as únicas reais atrações do Parque. Suspeito que, para preservá-las, não seria necessária uma unidade tão grande. Entretanto, há hoje a prática da criação de áreas verdes interligadas, para proteção da natureza. Apesar de seu aspecto sofrido, o cerrado tem uma fauna diversificada, com onças, veados, antas e emas. A riqueza da flora é surpreendente, com inúmeras palmáceas (babaçu, macaúba, buriti, tucumã) e árvores (mangabeira, pequi, murici, angelim), cujos frutos costumam ser medicinais ou alimentícios. O Morro do Chapéu Mas existem fora do Parque bonitos locais na região, em especial ligados às águas. Não deixe de conhecer a impressionante Pedra Caída em Carolina, onde o rio jorra por dentro de uma câmara, semelhante a um cilindro oblongo de pedra, ao qual você chegará dentro d´água por um estreito cânion rio acima. Parece uma visão encantada de sonho - não é só maravilhosa, é também comovente. Há ainda os cristalinos Poço Azul e Encanto Azul a 70 km, no município de Riachão - são passeios muito populares na região, ou seja, prepare-se para encontrar bastante gente (não pudemos visitá-los). E ainda o cênico Portal da Chapada, que ao por do sol pode ser contemplado do mirante de uma bonita pe- dra em arenito à beira da rodovia, numa rápida subida, na volta de algum passeio. De todas as formações, chama a atenção o Morro do Chapéu, com 505m, este sim um tabuleiro regular. Há na região duas mesas mais elevadas, a Torre da Lua (555m) e a Serra da Malícia (525m). Entretanto, o Morro do Chapéu impressiona pelo visual imponente e o grande tamanho, que parece ameaçador, emergindo acima dos campos planos, sob a luz escura da sua vegetação de encosta. Senti que seria uma dessas montanhas inacessíveis e inglórias. Entretanto, foi relativamente fácil chegar até o morro: seguindo 6 km pela Estrada do Marajá, que sai do asfalto, tomamos a esquerda num curral e seguimos na sua direção por mais 4 km, até a sombra de uma mangueira. A estrada foi sempre plana e atravessou algumas áreas úmidas, mas não foi de todo má. Entretanto, exige veículo alto com tração, pois foi usada em recente Rally do Sertão. A aproximação a pé foi curta, atravessando em diagonal uma área de mata rala de ainda pouca declividade. A trilha a seguir é bastante clara e muito íngreme, pois não contorna a parede, subindo sempre reta, na direção leste. Muitos trechos exigiram pequenas escalaminhadas entre muitas rochas e pedras soltas. Na minha experiência, não é usual um caminho tão direto, mas ele mostrouse eficiente em poupar muita volta e tempo. Se você não se impressionar com sua verticalidade, em cerca de 1 ½ horas desde a saída, os 350 metros da parede poderão ser superados. O calor úmido tornou bem dura esta subida: no verão, você chegará encharcado lá em cima, como se tivesse mergulhado num riacho. Como vivo no Sudeste, onde as altitudes são bem maiores, pareceu estranho tanto esforço para conquistar apenas 500 metros de altitude. O Morro do Chapéu é bem plano, correndo no sentido norte-sul por cerca de 1 ½ km, com trechos estreitos, de talvez 100 m de largura. Devido à falta de elevações significativas, a vista de seu cume é apenas panorâmica. Porém, algumas formações são bem peculiares, como o Portal da Chapada, o Morro do Tamanduá e o Prato Fino, cada qual com seu formato diferente. Lá longe, o casario de Carolina e o espelho do Tocantins também podem ser vistos. A volta exige cautela, devido à declividade da trilha escorregadia. Apesar do tamanho da montanha, poderá ser feita em 1 hora. Se você tiver saído cedo, procure compensar o calor nas muitas águas próximas, em especial nos banhos das esplêndidas cachoeiras da Pedra Caída. Apesar do seu fácil acesso, à beira do asfalto, é a principal atração de Carolina. www.mountainvoices.com.br Neste artivo, descrevo a visita ao sul do Maranhão, num dos mais recentes Parques Nacionais brasileiros, um áspero cenário de serras areníticas e vegetação de cerrado. Ao longo de grandes distâncias, conheci esplêndidas cachoeiras e subi ao topo do Morro do Chapéu, o mais impressionante dos tabuleiros da região. 17 Assine Mountain Voices e ajude na divulgação de seu esporte Mountain Voices é um informativo bimestral de circulação dirigida ao excursionismo brasileiro e patrocinado pelos anunciantes. Seu objetivo é fomentar a pratica deste esporte no Brasil, em suas várias modalidades: montanhismo, escalada e espeleologia. Reprodução somente com autorização dos autores, e desde que citada a fonte. Não temos matérias pagas. Frizamos que o excursionismo expõe o praticante a riscos, inclusive de morte, que este assume deliberadamente. O uso de equipamento de segurança, bem como o acompanhamento de guia especializado, se faz necessário, porém não elimina totalmente o risco de acidentes. Editores: Eliseu Frechou, Vitor B. Frechou Artur B. Frechou e Jorge B. Frechou. Contatos: Cx.Postal 28, São Bento do Sapucaí, SP, cep 12490-000. E-mail: [email protected]. 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