UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MARIA ELISA BITTENCOURT LEITÃO
PROFESSORES QUE ATUAM NA EDUCAÇÃO
ESPECIAL: TRAJETÓRIAS
DE VIDA E DE FORMAÇÃO ACADÊMICA
VITÓRIA
2008
MARIA ELISA BITTENCOURT LEITÃO
PROFESSORES QUE ATUAM NA EDUCAÇÃO
ESPECIAL: TRAJETÓRIAS
DE VIDA E DE FORMAÇÃO ACADÊMICA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação
em
Educação
da
Universidade Federal do Espírito Santo,
como requisito parcial para obtenção do
Grau de Mestre com ênfase em Edução
Especial: diversidade e práticas educacionais
inclusivas.
Orientadora: Profª. Drª. Ivone Martins de
Oliveira.
VITÓRIA
2008
2
MARIA ELISA BITTENCOURT LEITÃO
PROFESSORES QUE ATUAM NA EDUCAÇÃO ESPECIAL:
TRAJETÓRIAS
DE VIDA E DE FORMAÇÃO ACADÊMICA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de
Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito final para obtenção do
Grau de Mestre em Educação na Linha de pesquisa Diversidade e Práticas Educacionais
Inclusivas.
Aprovada em 18 dezembro de 2008.
COMISSÃO EXAMINADORA
____________________________________________
Profa. Dra. Ivone Martins de Oliveira
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientadora
____________________________________________
Profa. Dra. Anna Maria Lunardi Padilha
Universidade Metodista de Piracicaba
____________________________________________
Prof. Dr. Hiran Pinel
Universidade Federal do Espírito Santo
____________________________________________
Profa. Dra. Maria Aparecida Santos Corrêa Barreto
Universidade Federal do Espírito Santo
VITÓRIA
2008
3
AGRADECIMENTOS
O real não está na saída nem na chegada ele se dispõe
para a gente é no meio da travessia (GUIMARÃES
ROSA)
Essa travessia não se faz sozinha. Por isso, primeiramente, agradeço a Deus e a
todas as pessoas que, de alguma maneira, próximas ou distantes, acompanharam,
apoiaram, motivaram e colaboraram, tornando possível a construção do estudo que
decidi trilhar.
Aos meus pais, que estiveram ao meu lado, estimulando-me com muita sabedoria,
discernimento e bom senso, encorajando-me nas horas difíceis e me dando apoio e
inspirações necessários nessa caminhada.
Ao meu esposo, Antônio, pela colaboração, compreensão e força. Sem isso nada
seria possível.
Ao Fernando e à Júlia, meus filhos queridos, pelo carinho, ajuda e incentivo, sempre
presentes e decisivos em momentos difíceis.
Aos meus irmãos, José Álvaro, Maria Angélica, Nádia e a meus sobrinhos e
cunhados que acreditaram na conclusão deste trabalho.
À Profª Drª Ivone Martins de Oliveira, pela seriedade, dedicação, empenho e
compreensão durante o processo de orientação, muito obrigada por tornar possível
esta jornada.
À Profª Drª Agda, minha amiga, que gentilmente se dispôs a ajudar-me de forma
dedicada. Obrigada pela valiosa contribuição, dando-me tranqüilidade numa fase
crítica e estressante, quando muitas vezes ficávamos até tarde reunidas, dialogando
e ajustando os textos.
4
À Profª Drª Denise Meyrelles de Jesus, pela amizade, carinho, compreensão,
exemplo de força intelectual e generosidade. Por todo o empenho, sabedoria,
oportunidade de crescimento, ensinando-me que seriedade, afetividade e trabalho
são, juntos, dádivas do grande mestre.
À Profª Drª Maria Aparecida Santos C. Barreto e ao Prof. Dr. Hiran Pinel, que
participaram do Exame de Qualificação de forma carinhosa, mostrando-se atentos e
cuidadosos, possibilitando a redefinição desta pesquisa.
À Profª Drª Anna Maria Lunardi Padilha, pelo carinho e gentileza em aceitar o
convite formulado.
Ao Prof. Dr. Carlos Eduardo Ferraço pela amizade de longa data. Obrigada pelo
apoio e incentivo.
A todos os professores do Curso de Mestrado que participaram da construção deste
trabalho, pela oportunidade de crescimento, realização profissional e pessoal.
Aos amigos de curso que entenderam e passaram pelos mesmos momentos e
souberam dar apoio, atenção, carinho e “ombro amigo”.
Aos 17 profissionais participantes da pesquisa que me acolheram de forma afetiva,
confiando em mim suas histórias de vida.
Aos meus colegas de trabalho da E.M.E.F. “Álvaro de Castro Mattos” pelo apoio e
incentivo.
5
A leitura corrente é um verdadeiro trabalho de
adivinhação, nosso espírito colhendo aqui e ali
alguns traços característicos e preenchendo
todo o intervalo com lembranças-imagens que,
projetadas sobre o papel, substituem-se aos
caracteres realmente impressos e nos dão sua
ilusão. Assim, criamos ou reconstruímos a todo
instante.
Nossa
percepção
distinta
é
verdadeiramente comparável a um círculo
fechado, onde a imagem-percepção dirigida ao
espírito e a imagem-lembrança lançada no
espaço correriam uma atrás da outra.
(BERGSON)
6
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo analisar o percurso de constituição de professores
que atuam na área da Educação Especial. Tomando como referências autores,
como Nóvoa, Vigotski e Benjamin, enfoca a trajetória de vida desses sujeitos,
procurando identificar/compreender aspectos que tiveram participação ativa em sua
formação como professores da/na Educação Especial. Do ponto de vista
metodológico, constitui-se como um estudo de caso de professores que atuam na
área da Educação Especial. Tendo como foco a narrativa de 17 professores que
trabalham nos mais diversos contextos, em municípios do Espírito Santo, analisa
questões ligadas à vida, ao percurso de formação educacional e profissional que
permitiu a esses profissionais se constituírem professores na área Educação
Especial. Como critério para a escolha dos sujeitos, tomou como base egressos do
Curso de Pedagogia da UFES que cursaram a habilitação Magistério da Educação
Especial no período de 1998 a 2005. Inicialmente, analisa o percurso de formação
inicial de professores que atuam na Educação Especial, enfocando o interesse por
essa área, bem como experiências significativas vivenciadas. Em seguida, analisa
aspectos de atuação dos sujeitos na Educação Especial, destacando suas
percepções sobre a Educação Especial no contexto educacional atual, na
perspectiva dos sujeitos da pesquisa, elementos para compreender o percurso de
elaboração da identidade profissional dos entrevistados e práticas educativas na
área da Educação Especial. O percurso de análise dos dados, em consonância com
estudos desenvolvidos na área educacional, aponta o potencial das narrativas, no
que tange à compreensão do conhecimento do profissional, bem como o modo
como esse conhecimento se desenvolve diante de situações desafiantes
enfrentadas no espaço escolar, na medida em que lhe propicia a oportunidade de
falar/expressar sobre suas angústias, tensões e possibilidades. O estudo indica,
ainda, que a formação é um espaço de luta e conflitos que envolvem diferentes
concepções e um diálogo constante com o passado. Nesse processo, os
profissionais instrumentalizam-se, enfrentam dificuldades, questionam-se sobre
escolhas feitas, vivenciam experiências que reafirmam o compromisso com a
Educação Especial. Alguns passam a ter esperanças em mudanças na área social e
educacional como algo que está se fazendo e não como algo feito de uma única
7
forma, (re)significando o trabalho educativo de modo a possibilitar, no espaço/tempo
da escola, momentos significativos de democratização do conhecimento a todos os
alunos,
valorizando
suas
diferenças
e
organizando
novas/outras
práticas
pedagógicas.
Palavras-chave: Professor. Narrativa. Formação inicial. Formação continuada,
Educação Especial.
8
ABSTRACT
This study aims at analyzing the construction of the professional identity
development of Special Educational Needs (SEN) teachers. Drawing on the
theoretical work of Nóvoa, Vigotski, Fontana e Benjamin, the research attempts to
identify the main factors which impacted both their formation and practice
SEN
teachers. A case study and narrative analysis grounded our methodological
framework, and 17 SEN teachers from different city across the state of Espirito Santo
were selected. Inclusion criteria were narrowed to teachers with both a B.A. in
Pedagogy and a Special Educational Needs degree who took their course between
1998 and 2005. In its first stage, the study set out to analyze the SEN teachers’ initial
formation and the genesis of their interest in the area, as well as their meaningful
experiences which grounded their choice. Following this, we looked at the teachers’
perceptions underlying their practice as Special Educational Needs educators in
order to get a fuller understanding of the construction of their professional identity
and
how this translates into the pedagogical
practices of SEN. Data analysis
confirmed the potential of the narrative design as a powerful tool to apprehend how
teachers experience the conflicting realities and challenges of their professional
choice, for it provides a room for expressing their anxieties, self-doubts, tensions and
wishes. The study points to the fact that the construction of the SEN professional
identity involves the tension of balancing different conceptions, and a permanent
dialogue between the present and the past. In this process, teachers question their
own choice of career and undergo the hardships it poses, but ultimately their whole
experiencing of their journey reaffirm their commitment towards Special Educational
Needs. Some express hope in playing an active role in advancing changes in the
social and educational area, through a diversity of pedagogical practices and
interventions. Schooling would be thus reinvented by truly offering opportunities for
real democratization of knowledge and valuing diversity. Our findings may contribute
to offer insights into both theoretical and practical aspects of teachers’ professional
formation and their role in inclusive education, and how these intertwined processes
are experienced by them.
KEY WORS: Teacher, Narratives, Special Educational Needs, Training, Continuous
education
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...............................................................................................................12
1 NARRATIVA, MEMÓRIA E TRAJETÓRIA DA PESQUISADORA:
UMA REFLEXÃO APONTANDO PARA AS QUESTÕES DE
INVESTIGAÇÃO .......................................................................................................….15
2 CONSTITUIÇÃO DO PROFESSOR, PROFISSÃO DOCENTE E
NARRATIVA...................................................................................................................27
2.1 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO SOBRE A CONSTITUIÇÃO
DO PROFESSOR ...............................….......................................................................27
2.2 PROFISSÃO DOCENTE: MÚLTIPLAS FACES E DILEMAS...................................35
2.3 PROFESSOR, LINGUAGEM E NARRATIVA ……..................................................38
2.4 LINGUAGEM E NARRATIVA NA CONSTITUIÇÃO DO PROFESSOR...................41
3 EDUCAÇÃO ESPECIAL E DEMANDAS DE FORMAÇÃO
DOCENTE...................................................................................................................44
3.1 BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL……..........................................44
3.2 UM PROFESSOR PARA EDUCAÇÃO ESPECIAL COM FORMAÇÃO
EM CONSONÂNCIA COM O MOVIMENTO DE INCLUSÃO.........................................52
4 CAMINHO METODOLÓGICO …………………………................................................57
4.1 O CURRÍCULO DO CURSO DE PEDAGOGIA DE 1995 E OS SUJEITOS
DA PESQUISA……………………...................................................................................60
5 LEMBRANÇAS E NARRATIVAS: PERCURSOS DE FORMAÇÃO INICIAL
DE PROFESSORES QUE ATUAM NA EDUCAÇÃO ESPECIAL…..….......................65
5.1OS SUJEITOS DA PESQUISA.. ……………………..................................................67
5.1.1 Grupo I: Sujeitos que se formaram nos anos de 1998 e 2000..............................67
5.1.2 Grupo II: Sujeitos que se formaram nos anos de 2001 e 2002.….........................70
5.1.3 Grupo III: Sujeitos que se formaram nos anos de 2003 e 2005................….........73
10
5.2 O INTERESSE DOS PROFESSORES PELA EDUCAÇÃO ESPECIAL ................77
5.2.1 Grupo I: Sujeitos que se formaram nos anos de 1998 e 2000 ….........................77
5.2.2 Grupo II: Sujeitos que se formaram nos anos de 2001 e 2002 …........................81
5.2.3 Grupo III: Sujeitos que se formaram nos anos de 2003 e 2005 ….......................84
5.3 EXPERIÊNCIAS SIGNIFICATIVAS VIVENCIADAS NA FORMAÇÃO
INICIAL ....................................................................................................................87
5.3.1 Grupo I: Sujeitos que se formaram nos anos de 1998 a 2000 ….........................87
5.3.2. Grupo II: Sujeitos que se formaram nos anos de 2001 e 2002 ….......................92
5.3.3. Grupo III: Sujeitos que se formaram nos anos de 2003 a 2005 .....….................97
5.4. Períodos de conclusão do curso e experiências significativas de
formação................................................................................................................102
6 ATUAÇÃO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL E IDENTIDADE
PROFISSIONAL……...................................................................................................105
6.1 A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO CONTEXTO EDUCACIONAL ATUAL
NA PERSPECTIVA DOS SUJEITOS DA PESQUISA........................................... 107
6.2 ELEMENTOS PARA COMPREENDER O PERCURSO DE ELABORAÇÃO
DA IDENTIDADE PROFISSIONAL DOS ENTREVISTADOS................................118
6.3 PRÁTICAS EDUCATIVAS NA ÁREA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL...................... 123
6.4 FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES NA EDUCAÇÃO
ESPECIAL..............................................................................................................139
7 REFLEXÕES FINAIS................................................................................................134
8 REFERÊNCIAS.........................................................................................................141
11
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
L533p
Leitão, Maria Elisa Bittencourt, 1954Professores que atuam na educação especial : trajetória de
vida e de formação acadêmica / Maria Elisa Bittencourt Leitão. –
2008.
148 f.
Orientador: Ivone Martins de Oliveira.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito
Santo, Centro de Educação.
1. Professores de educação especial - Formação. 2.
Educação especial. 3. Educação permanente. I. Oliveira, Ivone
Martins de. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de
Educação. III. Título.
CDU: 37
12
INTRODUÇÃO
Não é por estarmos expostos à chuva que
podemos compreender os fenômenos de
vaporização que a originam. Não é por
vermos o sol que compreendemos sua função
no nosso sistema cósmico (FONSECA, apud
FEURSTEIN, 1995, p.89).
Discutir sobre a constituição do professor da área de Educação Especial é
essencialmente falar de sua formação, de sua memória, de sua vida, de sua
trajetória.
Trajetória significa caminhada, momentos, erros e acertos significativos em
determinadas fases de nossas vidas. Situações que vivemos e que nos remetem a
tomadas de decisões.
Ecléa Bosi (1994) indica que, na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas
refazer, reconstruir e reelaborar as experiências do passado, no trabalho de
recuperar a memória de uma vida. Fica o que significa. Segundo a autora, o
conteúdo dessas memórias sempre será avaliado com os recursos e os olhos
(imagens e idéias) do presente. Também nos adverte que lembrança é uma imagem
construída pelo conjunto de materiais que estão, em dado momento, disponíveis
para o sujeito que lembra.
A imagem da lembrança se materializa por meio da narrativa, que possibilita a
expressão significativa dessa memória, do vivido, do experienciado.
A narrativa fornece ferramentas para se perceber que a constituição do professor é
um campo de lutas, com diferentes concepções disputando espaços. Conhecendo
as lutas e as experiências do passado, o professor instrumentaliza-se, tem
esperança na mudança, na utopia como algo que está se fazendo.
13
Em suas narrativas, os professores são sujeitos do processo, sentem-se
construtores e participantes e vão tomando consciência de sua própria formação e
constituição pessoal e profissional.
Dentro dessa perspectiva, abordamos, neste estudo, narrativas e experiências de
professores, desvelando sua formação e constituição no campo profissional e
pessoal. O estudo está organizado em seis capítulos.
O Capítulo I trata da narrativa do percurso de constituição profissional da
pesquisadora e aponta as questões de investigação, partindo dessa constituição.
Seu conteúdo traz lembranças e memórias de passagens significativas no campo
pessoal, familiar e profissional, as quais contribuem para a problematização de
aspectos relativos à constituição do professor.
No Capítulo II, destacamos a análise de alguns estudos que enfocam a constituição
do professor e suas narrativas, bem como suas práticas dentro do cotidiano da
escola. Em seguida, abordamos idéias e conceitos de autores, como Sacristàn,
Vigotski, Nóvoa e Benjamin, em quem nos baseamos para compreender a
constituição do professor e para analisar suas narrativas.
O Capítulo III discorre acerca de aspectos históricos da Educação Especial,
evidenciando o movimento de educação inclusiva, as demandas e desafios da
formação docente. Para discutir sobre a formação do professor para a Educação
Especial, trazemos algumas contribuições de Meirieu.
O conteúdo do Capítulo IV enfoca o caminho metodológico da pesquisa, que se
constituiu em um estudo de caso de profissionais que atuam na Educação Especial
no Estado do Espírito Santo, os quais cursaram Pedagogia na UFES e realizaram a
habilitação Magistério da Educação Especial.
Na discussão do Capítulo V, destacamos as narrativas dos professores, trazendo
suas lembranças por meio de frases significativas de suas memórias. O capítulo
apresenta a história de vida, o interesse pela área da Educação Especial,
experiências significativas da formação dos docentes sujeitos da pesquisa.
14
No Capítulo VI, enfocamos a atuação dos sujeitos na Educação Especial,
destacando aspectos da constituição do eu pessoal e profissional. Abordamos
questões referentes à percepção dos sujeitos acerca do momento atual da
Educação Especial dentro dos sistemas de ensino no Estado do Espírito Santo, as
práticas desses sujeitos, bem como suas percepções sobre a formação continuada.
Fechando o estudo, apontamos as reflexões finais relativas à análise dessas
narrativas dos profissionais investigados, que contribuem para a compreensão da
constituição do professor que atua na Educação Especial.
15
1 NARRATIVA, MEMÓRIA E TRAJETÓRIA DA PESQUISADORA: UMA REFLEXÃO
APONTANDO AS QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO
Uma história pode ser nova e, no entanto, falar de
tempos remotos. O passado surge com ela (FONTANA,
2005, p. 104).
Um fato antigo, por mais nítido que se apresente na lembrança, não terá a mesma
imagem e idéia em outro momento da vida, já que, com o passar do tempo, nossa
percepção, nosso juízo de realidade e de valor são alterados. Não somos mais os
mesmos (BOSI, 2004).
Ao discutir, neste estudo, a constituição do professor, sinto-me instigada a refletir
sobre várias lembranças, que desvelam minha própria trajetória como professora,
focalizando passagens de minha vida pessoal, profissional e acadêmica.
Nóvoa (2003) indica-nos que, na área da educação e da cultura, nada faz sentido
sem a consideração do passado. Somos seres carregados de memória e, segundo o
autor, uma das tarefas da escola é trabalhar essa memória de forma que nos
possibilite lucidez para enfrentarmos os desafios do presente.
O autor também nos adverte que, em educação, nunca há história nem cultura a
mais, elas são condições essenciais para real transformação de nossas práticas
escolares e de nossas concepções pedagógicas, reafirmando nossa constituição
como profissionais da educação.
Nesse universo de lembranças, recordo-me da vida de meu pai. O mais velho de
oito irmãos, quatro homens e quatro mulheres. Fez o curso primário no Grupo
“Escolar Alberto de Almeida”, situado no bairro Santo Antonio, Vitória-ES. Após a
conclusão, parou para dar oportunidade aos outros irmãos. Seu pai achava que
quem deveria ter preferência nos estudos eram as suas irmãs. Ser professora era
importante, uma vez que o magistério era uma profissão considerada uma extensão
do lar, do cuidar dos filhos e que deveria ser exercida por aqueles que eram vistos
como um ser frágil, sensível, paciente, com o dom da maternidade.
16
Com 13 anos de idade, começou a trabalhar como auxiliar de serviços gerais. Aos
16, saiu de casa para trabalhar no município de Fundão - ES, como operário, na
reconstrução da linha férrea, ambiente onde a maioria dos operários era de
analfabeto funcional. Procurava fazer leituras e, com isso, o seu desejo de retomar
os estudos foi crescendo, de tal maneira que decidiu retornar à casa dos pais.
Um amigo de seu irmão ofereceu-lhe um emprego de ajudante de serviços gerais
em uma repartição pública ligada à companhia de navegação (Capitania dos
Portos), chamada Comissão de Marinha Mercante. Apresentou-se ao chefe que foi
logo lhe perguntando quanto pretendia ganhar. Respondeu-lhe que queria receber o
salário suficiente para retomar seus estudos.
Prestou exame de admissão ao ginásio e foi estudar no período noturno em uma
escola particular. Após, fez o curso científico no Colégio Estadual. Nessa época, já
dava aula particular de Matemática, pela qual tinha paixão. Tudo começou, quando
um professor de Matemática alcoolista, apresentando distúrbio de comportamento,
perseguia-o quando não comparecia às suas aulas, por motivo de trabalho. Isso o
revoltou de tal maneira, que resolveu dedicar-se a essa disciplina de forma intensiva,
passando a ensinar aos colegas de sala e muitas vezes aos seus filhos.
Dessa forma, foi se constituindo professor de Matemática, o que lhe possibilitou
iniciar trabalhos com alunos que apresentavam não só dificuldades durante o ano
letivo, como também com os que ficavam reprovados e teriam quer prestar exame
de segunda época. Chegou a ter sala com 60 alunos, e todos eram bem-sucedidos
em suas aprendizagens.
Como nos sugere Benjamin (1987), o passado não é apenas o que foi, mas uma
experiência de vida de cuja reminiscência nos apropriamos. Os modos de analisar e
significar o vivido não nascem em nós, neles materializam-se nossas interações com
as gerações que nos precederam.
Em meados de 1955, meu pai fez vestibular para Geografia na Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras do Espírito Santo. Ela estava em processo de formação,
portanto tinha como modelo a Faculdade Nacional de Filosofia, Ciência e Letras do
17
Rio de Janeiro. Sua turma era constituída de seis alunos, cujas famílias eram de
classe média e com conhecimentos e experiências distintos daqueles vivenciados
por ele, que era de origem humilde e apenas trilhava por esse caminho.
Na faculdade, envolvia-se tanto em movimento estudantil quanto no esportivo, este
último era a sua grande paixão. Foi atleta de basquete e de remo, chegando a
ocupar a presidência do esporte e a vice-presidência dos movimentos estudantis.
Justifica sua paixão pelo esporte por ser fundamental na vida de qualquer pessoa;
nele o preconceito não existe e a disputa é democrática, o que não ocorria nas
políticas estudantis e nos diretórios acadêmicos, onde o clima era elitista e bastante
tenso.
As leituras, as discussões e a participação no movimento estudantil levaram-no a
assumir a tese de que a educação possui uma função política, numa dimensão
transformadora. Durante sua vida acadêmica, participou, como dirigente, de duas
convenções políticas na União Nacional de Estudantes (UNE). Também foi um dos
fundadores do primeiro jornal universitário da Universidade Federal do Espírito
Santo “O Pensador”. Concluiu o Curso de Licenciatura em Geografia numa fase de
muitos conflitos ideológicos.
Contrariando a realidade da época, ele defendia maior participação da mulher na
luta por condições que a levasse a ter um destaque maior na sociedade. Acreditava
que a mulher deveria ser peça fundamental na construção de uma sociedade mais
justa, conseqüentemente, apresentando-se como sujeito consciente de seu papel.
Para isso, era preciso investir em sua formação, possibilitando-lhe a apropriação do
saber sistematizado, e uma competência técnica, crítica e racional, que lhe
permitisse uma ação ordenada e em favor da transformação e emancipação social.
Hoje, considero meu pai um dos idealistas de sua época.
Ao concluir o Curso de Geografia, foi convidado a dar aulas no período noturno em
duas escolas particulares profissionalizantes: Escola Técnica do Comércio Capixaba
e Escola Técnica de Vitória. As turmas eram constituídas, em sua maioria, por
alunos trabalhadores do comércio e de outras atividades autônomas. Na relação
professor-aluno, havia mais autonomia, cordialidade e respeito.
18
Os professores que atuavam no mercado de trabalho tinham status significativo na
sociedade. Em sua percepção, a sociedade atual vê os educadores com outro olhar,
isto é, como uma máquina de engrenagem que produz diploma para qualquer aluno.
Com isso, o educador se tornou objeto e não sujeito da ação educativa, o que
contribui para a desvalorização tanto da profissão quanto do profissional.
Na sala de aula, propiciava aos alunos uma aprendizagem enriquecedora e
agradável. Articulava os conteúdos teóricos à vida cotidiana deles. Isso era facilitado
por estar, também, ocupando um cargo em um órgão público federal que fazia
política de navegação, permitindo-lhe dominar conhecimentos de forma satisfatória
sobre economia, comércio exterior e exportação.
Não adotava livro didático, uma vez que este ficava desatualizado rapidamente.
Fazia planejamentos anual e semanal, trabalhava com textos, esquemas e
anotações, articulando informações que permitissem trazer o passado para o
presente. O sistema de avaliação dos alunos era por meios de notas, prova oral,
escrita e observações cotidianas. Sempre foi muito exigente com relação à
freqüência, porém procurava olhar o aluno respeitando suas limitações.
Mesmo criança, vivenciei parte dessa história de forma significativa. Os elos que
ligam as gerações mais velhas às mais novas aos poucos me levaram à escolha da
profissão de professora.
Fiz o curso científico (Antigo Segundo Grau, hoje Ensino Médio) e por me interessar
muito por Biologia, Química e Física e por gostar de questões referentes ao meio
ambiente, aos 18 anos, tinha a intenção de ser bióloga e trabalhar com pesquisas.
Em 1974, entrei na universidade e iniciei o Curso de Licenciatura em Biologia, com a
possibilidade de cursar o Bacharelado.
Paralelamente à faculdade, fui chamada, em 1975, para a minha primeira atividade
profissional: dar aula de Ciências, numa instituição educacional privada, que atendia
a alunos de 1ª a 8ª série do Ensino Fundamental.
19
Hoje, percebo que essa escola tinha uma prática baseada em uma concepção
tecnicista.
Orientados
por
essa
concepção,
os
professores
tinham
seus
planejamentos e planos de aulas centrados apenas nos objetivos que eram
operacionalizados de forma minuciosa; havia uma preocupação com os recursos
tecnológicos e audiovisuais, que pareciam sugerir uma modernização do ensino. A
ênfase nas técnicas de ensino, na mudança de comportamento e em uma
“tecnologia comportamental” apontava a preocupação com a formação de pessoas
aptas para o mercado de trabalho.
Como qualquer profissional em processo de constituição, na formação básica,
compartilhava de tudo, porém discordava de alguns desses procedimentos, que hoje
considero como homogeneização e uniformização do ensino. Percebo que este
controle sobre os professores favorecia uma desprofissionalização, desencadeando
uma crise de identidade profissional e, conseqüentemente, contribuindo para a
reprodução das desigualdades sociais.
Diante desse contexto, assumi as aulas de Ciências de 5ª a 8ª série. Salas cujo
número de alunos por turma variava entre 35 e 40. Conforme norma da escola, a
configuração das cadeiras na sala de aula era de forma enfileirada, não sendo
permitido alterá-la. Tinha como justificativa que o contrário poderia desencadear
tumulto, desestabilizando a organização vigente.
Inicialmente, diante de minha inexperiência e da pouca flexibilidade do contexto
escolar, senti-me intimidada, o que me casou certo nervosismo. Com o passar do
tempo, fui me adaptando à rotina de maneira a diminuir minha insegurança, já que o
foco de minha atenção era dar prioridade ao aprendizado dos alunos. Considerava
que estava assumindo um importante papel na formação de cidadãos e tentando
contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Estabeleci algumas ações que seriam desenvolvidas no cotidiano das aulas.
Trabalharia com: livro didático, aulas expositivas, aulas práticas, exercícios
individuais
e
trabalhos
em grupos,
envolvendo
temas
diversificados
que
contemplassem o planejamento anual e os interesses dos alunos. Nesse sentido,
procurava propiciar aos alunos aulas dinâmicas, criativas, atividades diversificadas e
20
direcionadas ao incentivo e desenvolvimento cognitivo. Afinal, era assim que estava
aprendendo na graduação.
Um aspecto relevante na minha construção profissional foi ter tido contato anterior
com a prática escolar em concomitância com o curso de licenciatura. Esse saber foi
construído na interlocução estabelecida entre o mundo acadêmico e o mundo da
escola. Penso que ter um pé na formação inicial e outro na prática escolar
possibilitou-me extrair experiências, saberes/conhecimentos essenciais para minha
formação profissional. Observei que o trabalho, em cada sala de aula, demanda um
saber-fazer próprio e às vezes exclusivo àquele contexto, ou seja, esse saber é
sempre provisório, o que possibilita mudanças e ajustes, sempre que necessário.
Ensinar Ciências significa envolver os alunos em atividades que produzam algum
sentido para eles, é passar por questões mais amplas, permitindo trazer aos seus
problemas físicos explicações causais dos fenômenos apresentados, possibilitando
refletir sobre experiências que quebrem resistências, facilitando a relação com os
conteúdos, dando, assim, um novo sentido aos acontecimentos.
Sempre mantive boas relações com os alunos. Ainda hoje, ao encontrá-los, sou
lembrada pelas práticas desenvolvidas durante as atividades escolares. A relação
estabelecida entre professor e aluno constitui o cerne do processo pedagógico. É
difícil desvincular a realidade escolar da realidade do mundo; essa relação é uma via
de mão dupla, pois ambos, professor e aluno aprendem mutuamente no fazer
pedagógico. Como afirma Freire, (1996, p.73), “[...] nenhum professor passa pelos
alunos sem deixar sua marca”.
O processo de avaliação dos alunos se dava continuamente por meio de provas
escritas, auto-avaliação e trabalhos práticos, havendo pouca evasão e repetência.
Em
contrapartida,
as
reuniões
de
pais
aconteciam
no
horário
noturno,
bimestralmente, após reunião do Conselho de Classe. Contava com um número
expressivo deles. Havia respeito e admiração pela figura do professor. Percebia que
a família, em sua grande maioria, participava da vida escolar de seu filho, pois
21
comentava, com riqueza de detalhes, as atividades desenvolvidas nas salas de aula,
bem como as tarefas a serem realizadas em casa.
Os professores também eram avaliados continuamente pela equipe dirigente da
escola. Algumas vezes, éramos comunicados, outras, só tínhamos conhecimento no
final do ano letivo, quando o professor era dispensado de suas atividades. Trabalhei
dez anos nessa escola e, quando saí, foi por decisão minha.
Ao concluir o curso de licenciatura, além de continuar nessa escola, ingressei nas
escolas públicas da Rede Municipal de Ensino de Vitória e trabalhei nessa instituição
durante três anos. Fui professora contratada, como conseqüência, atuei em várias
escolas, o que me possibilitou vivenciar diferentes realidades. Em 1984, fui efetivada
como professora, com carga horária de 30 horas semanais.
Hoje, percebo o quanto foi relevante em minha constituição profissional docente
cursar a licenciatura já atuando como professora, num processo contínuo. Essa
simultaneidade contribui de forma expressiva no modo de ser professor.
Em 1982, ingressei no Curso de Pós-Graduação em Educação, o primeiro a ser
realizado no Estado do Espírito Santo. Lia filósofos e pensadores buscando saberes
e entendimentos que contemplassem temas, principalmente, com relação às
tendências filosóficas e comportamentais da sociedade.
Após o nascimento do meu segundo filho, em 1995, precisamente seis meses
depois, e paralelamente a uma difícil situação de doença familiar, fui convidada a
assumir a direção de uma escola em processo de intervenção. A escola passava por
sérios problemas na sua organização pedagógica, administrativa e social. La
atuavam alguns profissionais da educação que, descompromissados com as
questões sociais, dentre outras ações, diariamente desligavam a bomba d`água,
inviabilizando as aulas, comprometendo, assim, todo o processo educacional.
Essa escola se localizava num morro que, já naquela época, era de difícil acesso às
pessoas desconhecidas. Para ingressar na comunidade, existia um acordo entre os
membros do centro comunitário, do Conselho de Escola e moradores. Tal acordo
22
permitia que transitassem livremente moradores locais e profissionais das seguintes
áreas: educação, saúde e religião. Esses cidadãos não seriam importunados, isto é,
não sofreriam assaltos, roubos e outros tipos de delitos.
As aulas de Educação Física só transcorriam normalmente se, em uma determinada
hora, a quadra fosse cedida para a comunidade. Os moradores eram: trabalhadores,
cumpridores de pena em regime de liberdade condicional, foragidos da Justiça,
traficantes, usuários de drogas, desempregados, dentre outros.
A situação era tal que a qualquer momento havia batidas policiais, tanto aéreas
quanto terrestres. As crianças inseridas nesse contexto ficavam agitadas, pois
sabiam que a ação dos policiais teria uma reação em nível familiar, ou seja, ao
chegar a suas casas, poderiam ser surpreendidas com a falta ou mesmo perda de
algum membro de sua família, da vizinhança ou de amigos próximos. O que fazer?
Como mudar isso? Perguntava-me freqüentemente.
Como diretora, contava com o apoio de alguns membros do Conselho de Escola e
da comunidade e também, com alguns profissionais da escola como: um professor
de Educação Física, alguns auxiliares de serviços gerais e dois funcionários da
secretaria, um deles era membro da Pastoral do Menor, ligada à comunidade.
Não me intimidei com a situação. Algo deveria ser feito em prol daqueles alunos em
condições desfavoráveis. Procurava demonstrar calma e segurança diante dos
argumentos contraditórios, freqüentemente apresentados por eles. Muitas vezes,
senti-me ameaçada e desanimada e, em alguns momentos, tive que negociar de
maneira insatisfatória, porém era necessário preservar minha integridade. Mesmo
querendo dar continuidade ao processo de resgate, percebi que teria pouquíssimas
chances de sucesso, pois havia muita resistência no cotidiano escolar.
Hoje, ao lembrar o que passei nessa trajetória como profissional da educação,
remeto-me a Gadotti (1997, p. 26) quando diz:
23
Se vocês me perguntassem: Você faria isso de novo? Eu responderia:
`sim`. Com o sonho que tinha na época e com o conhecimento de que
dispunha, e não com as idéias que tenho hoje [...] hoje, minha certeza é
outra – digo `certeza` porque precisamos de certezas para pensar e agir hoje eu creio que é na luta cotidiana, no dia- a- dia, mudando passo a passo
que a quantidade de pequenas mudanças numa certa direção oferece a
possibilidade de operar a grande mudança.
Entendemos que a grande mudança tão necessária para a transformação de
práticas educativas perpassa pela autonomia. Entretanto, para que tal possibilidade
ocorra, não basta que esteja outorgada por instrumentos legais, mas deve ser
construída conjuntamente com os profissionais envolvidos no processo de gestão e
organização escolar, mais precisamente nas relações interpessoais desse contexto,
de modo que se efetive numa prática cotidiana, voltada a ampliar a concepção de
democratização do espaço escolar.
Após um período afastada da regência, fui designada pela Secretária de Educação
do município da época para outra escola, cuja função seria retomar as atividades da
biblioteca que fora fechada por conflitos internos. Novos desafios apareceram, além
da necessidade de fazer um trabalho de harmonia e resgate com os profissionais da
escola. Não tinha a devida formação sobre o cotidiano de uma biblioteca. Fui buscar
conhecimentos, fazendo leituras e cursos. A biblioteca possibilitou-me percorrer
caminhos desconhecidos do conhecimento cognitivo, afetivo e social. Cresci,
amadureci, o que me possibilitou ajudar alguns dos colegas a entenderem a
importância da busca de leituras, pesquisas e a necessidade da formação
continuada em serviço.
Foram sete anos de persistência e resistência diante do trabalho desenvolvido na
biblioteca. Nem sempre os alunos são estimulados por seus professores a
freqüentar a biblioteca. Há educadores que resistem em buscar conhecimentos que
reflitam sobre suas práticas; não se permitem revisões que ampliem suas ações,
impedindo a busca e descobertas de caminhos, que certamente impulsionariam o
desvelar e de novas direções.
Segundo Paim (2005), Benjamin contribui para pensarmos a educação e a formação
de professores como um imenso campo de possibilidade. Leva-nos a pensar a
24
formação por meio de algumas de suas categorias, como experiências vividas,
memória, história aberta, e nos possibilita estar atentos a vozes que vão sendo
sufocadas pelo tempo saturado de agora. Possibilita pensar outra formação, que
permita ao professor fazer-se, ou seja, ter uma formação básica que lhe possibilite
ter autonomia suficiente para ser sujeito do processo educacional, ser autônomo na
relação com outros sujeitos e se perceber produtor de conhecimentos em conjunto
com seus alunos, com seus colegas, com as comunidades escolares, respeitando as
diferenças, compreendendo-os como possuidores de saberes que precisam ser
respeitados.
Nessa concepção, passar-se-ia do formar ao fazer-se professor. Essa passagem
ocorre quando se pensa o ato educacional como um campo de possibilidades, como
uma história que está aberta, por se fazer, e não como algo pronto, fechado,
determinado, em que o professor fala, expõe, e os alunos ouvem e repetem.
Benjamin (1983) fornece ferramentas para se perceber que a formação é um campo
de lutas, com diferentes concepções disputando espaços. Conhecendo as lutas e as
experiências do passado instrumentalizam-se, passam a ter esperança na mudança,
na utopia como algo que está se fazendo e não virá de qualquer forma. Os
professores
passam a
ser
sujeitos
do
processo,
sentem-se
construtores
participantes.
Refletindo sobre o percurso de meu pai e sobre o meu próprio na profissão de
professor/professora, percebo que o processo de constituição do ser professor é
complexo, multifacetado, prazeroso e dolorido, com interferências de vários
espaços-tempos, de vários saberes e fazeres. Todo esse processo me motiva a
aprofundar a discussão sobre como se constitui o professor. Entretanto, neste
momento, interessa-me a constituição de um professor em particular: o professor
que atua na Educação Especial.
Em 1999, a escola onde eu trabalhava na biblioteca começou a atender aos
primeiros alunos com necessidades educativas especiais. Como os demais colegas,
eu não tinha conhecimentos suficientes para atendê-las, mas o comprometimento e
a responsabilidade, associados ao interesse, curiosidade e minha caminhada
25
profissional, permitiram-me ir em busca de novas aprendizagens, facilitando o agir
de forma positiva e responsiva diante de mais um desafio.
Nesse sentido, Nóvoa (1995, p.15) nos diz: “Toda profissão afirma uma identidade e
esta por sua vez, não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um
produto”. Essa identidade é um lugar de lutas e conflitos, é um espaço em
construção, maneira de ser e de estar na profissão. Entretanto, conviver com essa
dinâmica de lutas e conflitos exige não apenas competência técnica, mas também
compromisso, permitindo avançar e corresponder à exigência humana do processo.
O contato com os alunos com necessidades educacionais especiais e a percepção
das dificuldades e resistência dos professores em trabalhar com esses alunos
motivaram-me a buscar mais informações a respeito da Educação Especial.
Mergulhada nesse contexto, desde 2002, participei do Seminário Educação
Inclusiva, na Universidade Federal do Espírito Santo. Fiz o primeiro Curso de Libras
dessa Universidade e, nos anos de 2003 a 2005, participei do Projeto Integrado de
Pesquisa, intitulado “Construindo uma Práxis Pedagógica Diferenciada Pela Via da
Formação Continuada”, promovido pelo Programa de Pós-graduação em Educação
/PPGE/CE/UFES, coordenado pela professora Denise Meyrelles de Jesus.
O projeto teve como proposta trazer para o campo teórico e prático um conjunto de
reflexões e análises de suma relevância no discurso sobre as práticas e
organizações educativas inclusivas, a partir da formação continuada de profissionais
da educação. A participação nesse projeto permitiu-me aprofundar reflexões sobre
as transformações necessárias para a implementação de uma escola inclusiva.
Também esse projeto possibilitou-me, ainda, coordenar, juntamente com quatro
colegas de diferentes áreas em uma escola pública, o “Projeto de Aprendizagem
Mediada”. Nesse projeto, vivenciei momentos inesquecíveis. Ele foi desenvolvido em
uma turma de 4ª série, composta de 30 alunos, com diferentes níveis de leitura e
escrita. Nessa turma havia uma aluna com necessidades educacionais especiais
(NEE).
26
Essa aluna apresentava dificuldades de coordenação motora fina, de oralidade, de
expressão de seu pensamento, de seguir regras e de relacionamentos com o grupo
e professores, por conseguinte resistia em realizar atividades propostas, mesmo
tendo condições cognitivas para fazê-las. Para isso, privilegiamos, em diferentes
momentos, o ensino coletivo, em pequenos grupos e individualmente, envolvendo
várias disciplinas e várias estratégias em diversos ambientes, tudo isso objetivando
fortalecer o apoio e a orientação entre os alunos. Com esse trabalho, percebemos
avanços no desenvolvimento social, afetivo e cognitivo dessa aluna. Também
constatamos a necessidade e as possibilidades de trabalhar com esses sujeitos na
escola.
Esse percurso leva-me a uma reflexão sobre a constituição do sujeito na
heterogeneidade das situações e, mais do que isso, motiva-me a pensar sobre a
formação do professor que trabalha com esses sujeitos na escola: como se constitui
o professor que atua na área da Educação Especial?
No ano de 2005, o Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Espírito Santo
possibilitava alunos em formação inicial cursar diferentes habilitações e, dentre elas,
a Habilitação em Magistério da Educação Especial. Após a graduação, esse
profissional poderia fazer cursos de aperfeiçoamento ou pós-graduação, para
continuar aprofundando reflexões na área. Atualmente, a formação inicial desses
profissionais se efetiva no Curso de Pedagogia ou Curso Normal Superior.
Na escola, esses conhecimentos são aperfeiçoados mediante o contato e a reflexão
sobre as ações realizadas com as crianças, a troca de experiências com outros
colegas de trabalho e com os projetos de formação continuada.
Diante desse contexto, interessa-me compreender como professores graduados em
Pedagogia se constituíram professores na área da Educação Especial. Analisando
as seguintes questões: o que interferiu nessa formação? Como a Universidade
participou desse processo? De que maneira as ações e experiências vividas no
contexto de trabalho repercutiram e repercutem nesse percurso?
27
2 CONSTITUIÇÃO
DO PROFESSOR, PROFISSÃO DOCENTE E
NARRATIVA
Com o objetivo de aprofundar a discussão sobre alguns desses aspectos,
apresentaremos alguns estudos que tratam da constituição dos professores, bem
como de suas práticas dentro do cotidiano da escola. Esses estudos abordam as
narrativas dos professores, enfocando temas, como formação do professor e o
cotidiano da escola, como propulsores dessa constituição profissional.
Em seguida, apresentaremos idéias de alguns autores e conceitos que tomamos
como base para compreender a constituição do professor e para analisar as
narrativas dos sujeitos desta pesquisa, focalizando as questões da Habilitação em
Educação Especial dos egressos do Curso de Pedagogia da UFES.
2.1
A
PRODUÇÃO
DE
CONHECIMENTO
SOBRE
CONSTITUIÇÃO
DO
PROFESSOR
Ao fazermos um levantamento de trabalhos produzidos a respeito da constituição do
profissional professor, constatamos que essa temática é abordada sob perspectivas
diferenciadas.
Entre outros trabalhos, podemos destacar Fontana (2005), que discute a
constituição da professora das séries iniciais do Ensino Fundamental. Para essa
pesquisa, a autora se baseia nos estudos de Vigotski sobre a constituição social do
sujeito, nos estudos de Bakhtin a respeito do papel do signo (palavra) na
constituição do sujeito e em Benjamim, que aborda a narrativa.
Conforme destaca Fontana (2005), alguns professores afirmam: “A gente aprende
dando aula”, “É no cotidiano que se aprende a ser professor e se vocaciona”; “O
docente organiza e recria o trabalho com base no aluno”. Entretanto, nem sempre se
discute ou problematiza o modo pelo qual esses processos e significados foram
produzidos e se consolidaram. Fala-se sobre o professor já constituído e não dos
28
processos pelos quais se foi constituindo. A gênese e o desenvolvimento nos
indivíduos, do seu “ser profissional” não são traçados. Ela é inferida a partir das
representações constituídas e da interpretação que dela se faz com base nas teorias
assumidas.
Em muitos estudos sobre o tema, o que se destaca são as representações já
constituídas que expressam as concepções que o sujeito revela sobre o vivido e
sobre o lugar por ele ocupado nas relações sociais. Na análise, o foco é colocado
sobre o indivíduo, busca-se explicar esse indivíduo a partir dele próprio, de como ele
pensa e vive sua atividade profissional.
Segundo Fontana (2000), durante muito tempo, nas pesquisas educacionais, o
corpo docente foi situado como assexuado, configurando uma profissão neutra do
ponto de vista do gênero. Porém, questões referentes à profissão de professor eram
abordadas sobre a ótica de um ordenamento masculino do mundo. Paralelamente a
isso, também se relacionou o homem com o espaço público, lugar das decisões
políticas, da vida profissional; e a mulher com o privado, doméstico e familiar.
Com o tempo, as mulheres ingressaram no mercado de trabalho e passaram a
exercer a profissão de professoras, a maioria nas séries iniciais do ensino
fundamental. Essa situação acabou por cindir a professora em, (no mínimo) duas
personagens distintas “que não deveriam se misturar”: a profissional e a mulher
(mãe, esposa dona de casa, etc.).
Analisando narrativas de cinco professoras das séries iniciais do ensino
fundamental, a respeito de como se constituíram professoras, Fontana (2000)
aponta que essas professoras foram se constituindo, silenciosamente, ora
entrelaçadas à filha que se opunha ao pai ou que acatava a sugestão da mãe, ora
entrelaçadas à mãe que, pelas mãos dos filhos que aprendiam, reencontrou em si a
professora; ora entrelaçadas às alunas que foram no passado. O tempo, também,
marcou essas histórias. Essas professoras não nasceram professoras, nem se
fizeram professoras de repente. O fazer-se professora foi-se configurando em
momentos diferentes de suas vidas.
29
Segundo a autora, a multiplicidade e o conflito que a professora vive nas relações
sociais em que se constitui também se produzem dentro dela: a professora é uma
multiplicidade de papéis e de lugares sociais internalizados que ora se harmonizam,
ora entram em choque. Cada professor(a) não é apenas professor(a), também é
mulher/homem, negro(a), mulato(a), branco(a), brasileiro(a), estrangeiro(a) em
nosso próprio chão, velho(a), a professora mais antiga da escola, aquela que está
iniciando o seu primeiro ano de trabalho, a professora militante, a professora não
sindicalizada, aquela que não depende de seu salário para viver, etc.
As relações sociais que se estabelecem entre o professor(a) e seus pares, seus
alunos, suas leituras, seus superiores hierárquicos marcam o sujeito e sua história.
As interações, elas próprias determinadas, configuram o sujeito singular.
No estudo de Fontana (2000), as professoras foram se constituindo num jogo
inquieto, nas relações sociais. Suas histórias são marcadas pelo sofrimento e
desestabilização, pelas perdas, alegrias e desilusões. Também pelo silenciamento,
isolamento e solidão do trabalho. “Tornar-se professora”, mais do que uma condição,
foi também o processo pelo qual elas se inseriram, de modo específico, no trabalho
como mulheres e trabalhadoras, na corrente das relações de trabalho e das práticas
educativas.
Gomes (2004) também se interessou em investigar aspectos da constituição do
professor das séries iniciais do ensino fundamental. O objetivo de seu estudo foi
analisar a construção de conhecimentos do professor no cotidiano escolar sobre a
própria prática pedagógica, a partir de análise de seus registros escritos.
Como referencial teórico, Gomes (2005) utilizou, dentre outros, os estudos de
Vigotski (1979), Bakhtin (2000), Foucault (2004) e Fontana (2003). Vigotski (1979)
contribui com sua visão sobre o desenvolvimento humano como um processo
sociocultural em que o homem se desenvolve a partir da apropriação da cultura, na
relação com outros homens. Em Bakhtin (1992), a autora busca os conceitos de
dialogia e polifonia para compreender as diferentes vozes que atravessam os
enunciados do sujeito e que o constituem; destaca que elaboramos o mundo e nos
elaboramos no mundo pela palavra do outro, da qual nos apropriamos. Também
30
Foucault (2004), é utilizado para auxiliar na compreensão do papel da escrita na
constituição da subjetividade; para ele, a escrita é reveladora de uma verdade já
dita, vivida com o intuito de revê-la e reafirmá-la como verdadeira, com singularidade
própria de cada fato e com a particularidade do contexto em que esses fatos
acontecem.
Como metodologia da pesquisa, Gomes (2004) utiliza o estudo de caso de uma
professora que atua nas séries iniciais do ensino fundamental, analisando o
processo de constituição do conhecimento do professor sobre a prática pedagógica.
Para isso, enfoca os sentidos que emergem das relações estabelecidas no espaço
escolar, o trabalho pedagógico em frente à diversidade de fatores presentes no
cotidiano escolar, a constituição do conhecimento a partir da prática do registro.
Essa autora observou as aulas, analisou os cadernos de registros da professora,
que continham informações sobre o planejamento das aulas e relatórios do
andamento dessas aulas, entrevistas e diário de campo.
A autora analisa as diferentes vozes que atravessam os registros escritos da
professora. Para isso, discute a construção do conhecimento a partir da relação do
sujeito com o outro, ou seja, aponta que o saber docente é plural, composto por
diferentes saberes com os quais os professores estabelecem relações. Dentre essas
diversas vozes, destacam-se aquelas que remetem às práticas institucionalizadas de
organização do trabalho educativo na escola, às teorias, às práticas de ensino da
leitura e da escrita estabilizadas no contexto escolar e aquelas que emergem do
próprio processo de escrita.
Paim (2005) tem como objetivo investigar e avaliar aspectos da formação inicial de
professores e professoras do curso História da Universidade do Oeste de Santa
Catarina UNOESC – Chapecó, em início de carreira. Também avalia suas
experiências como profissionais bem como o fazer-se profissional dos professores
do Curso de História em início de carreira.
Para seu estudo, Paim (2005) baseia-se nas discussões de Thompson (1981) sobre
relações de trabalho, as quais são remetidas ao contexto escolar, possibilitando
abordar alunos e professores como produtores de conhecimentos, com saberes e
31
sensibilidades diferentes, como sujeitos que têm culturas diferentes e que precisam
ser respeitadas. Também se apóia nas contribuições de Vigotski para pensar os
professores como produtores de conhecimento, numa ação partilhada, nas relações
entre o sujeito-professor e o objeto do conhecimento, entre o sujeito-professor e os
alunos, os colegas professores, a direção e a comunidade escolar.
Em sua pesquisa, os estudos de Bakhtin e de Benjamim também são utilizados
como suporte para discutir as narrativas dos professores. Paim (2005) utiliza a
narrativa de 20 profissionais (18 professoras e 2 professores egressos do Curso de
História da UNOESC – Chapecó no período de 1998/99). Avalia as experiências
vivenciadas na passagem de acadêmicos para profissionais. Para nortear a
pesquisa, utilizou questões embasadas nos seguintes aspectos: subjetividade do
novo professor; atividades docentes; relacionamento profissional; avaliação da
formação inicial; participação nas lutas da categoria bem como formação
continuada.
O autor utiliza, como fonte da pesquisa, relatórios de estágios e de pesquisas
produzidos pelos professores depoentes, materiais técnicos da universidade,
memórias e experiências vividas pelos professores em início de carreira, gravações
das entrevistas, estudos historiográficos e, com as ferramentas teóricas, fez recortes
e diálogos necessários.
Paim (2005) analisa as relações entre o eu e o nós, em diferentes espaços
vivenciados pelos depoentes, e aponta que os relatos evidenciaram que o professor,
ao concluir uma graduação, não está pronto, formado. A formação é um eterno
fazer-se; há, durante toda a carreira, um movimento contínuo de aprendizagem,
pois, como humanos, estamos em permanente processo de construção. Faz uma
distinção entre as funções do professor universitário que, como pesquisador, é
também construtor de conhecimento e do professor da escola básica, que tem como
função ensinar o conhecimento produzido na universidade.
O autor destaca, como pontos relevantes, no constituir-se professor(a), que, o
profissional ouse, busque, inove, ouse experimentar, enfim, vá além dos modelos
idealizados quer pelos projetos do curso de licenciatura, quer por meio de pesquisa.
32
Reconhece a importância ou de se “estabelecer”, ou de se trabalhar as relações com
os alunos, de dialogar para além da relação professor/aluno, objetivando ser
entendido e entendê-los. Conclui que há, entre ambos, um entrecruzamento de
diferentes trajetórias situadas em tempo e espaço produzido com diferentes sujeitos.
As pesquisas destacadas até o momento abordam diferentes aspectos da
constituição de professores que atuam na educação básica. Discutem questões,
como: o fato de a profissão ser composta predominantemente por mulheres e suas
implicações para a constituição da identidade profissional; o entrelaçamento de
diferentes lugares e funções desempenhadas por esse professor nos diferentes
espaços de sua vida; as marcas que as relações estabelecidas com alunos, com
colegas de trabalho e com a própria profissão deixam no sujeito e em sua história; a
compreensão de que a formação é um processo constante, um eterno fazer-se.
Continuando a abordagem de trabalhos produzidos sobre a constituição do
professor, apresentaremos alguns estudos produzidos especificamente na área de
Educação Especial.
Outra pesquisa que investiga aspectos da formação do professor é a de Almeida
(2003), que tem como objetivo investigar a transformação da prática educativa dos
profissionais do ensino a partir da pesquisa e reflexão crítica da ação pedagógica
pela via da formação continuada em contexto, em uma escola que trabalha com
alunos com necessidades educacionais especiais.
A autora baseia-se em Habermas (1987a) que discute a relação entre o teórico e o
prático, numa abordagem crítico-social do conhecimento e da prática educacional, e
em Giroux (1997), que enfatiza ser fundamental, na formação dos profissionais da
educação, a responsabilidade de preparar crianças e jovens para uma nova forma
de pensar e viver a realidade e a sociabilidade que contemplem a diversidade.
A autora utiliza, ainda, pensamentos de Sacristan (2002), que ressalta a importância
do ato educativo e propõe uma reflexão sobre a aprendizagem voltada para os
interesses dos alunos.
33
Almeida (2003) realiza uma investigação de natureza qualitativa, a partir da
pesquisa-ação crítica, focada na colaboração-intervenção em um estudo de caso. A
pesquisadora evidencia que as reflexões e análises do processo de pesquisa
mostram a importância da colaboração entre todos os envolvidos no fazer educativo,
bem como a implementação de grupos auto-reflexivo-críticos, como possibilidade de
efetivação e ressignificação da formação continuada em contexto. Também destaca
que o referido trabalho possibilitou vivenciar o desenvolvimento profissional docente,
a partir da pesquisa de sua própria prática, com vistas à consolidação da inclusão
educacional. Indica como pontos relevantes: a formação continuada na escola e a
necessidade de que os próprios profissionais a concebam e implementem; a
relevância de os coordenadores responsáveis pela execução do ato educativo
assumirem-se como articuladores e gestores do sistema de ensino, garantindo
políticas públicas que assegurem aos professores o domínio do saber para que seu
fazer seja consciente, planejado e seguro.
Além disso, o estudo evidencia que, para a construção de práticas educativas
inclusivas que atendam à diversidade dos alunos, alguns pontos precisam ser
considerados: a aprendizagem cooperativa; o planejamento e a organização
sistemática do ensino; o manejo das relações em sala de aula; a flexibilização e a
adaptação curricular; a observação constante e sistemática dos alunos a partir da
investigação didática; o compromisso com o ensinar; a adoção da crítica e da
cooperação; a melhoria das práticas, tomando como princípios norteadores a
pesquisa e a relação teoria/prática. Enfatiza, também, a importância do pensar e agir
coletivamente, uma vez que todos são responsáveis pelo processo de ensinoaprendizagem dos alunos.
Martins (2005), também interessada em transformações na prática escolar, investiga
a atuação do pedagogo na escola. Destaca as possibilidades e as necessidades do
desenvolvimento de ações colaborativas entre pedagogos e professores, de modo a
favorecer um trabalho co-partícipe na construção de práticas pedagógicas
diferenciadas, buscando atender à diversidade dos alunos na escola.
Apóia-se em estudos de Ardoíno (2004), que enfatiza a educação e o pensamento
complexo. A autora também se baseia em Morin (2004), que propõe uma educação
34
emancipadora, que favoreça o questionamento, a reflexão do cotidiano e a
transformação social.
Por fim, busca contribuições em Alarcão (2003), quando ela defende uma escola
viva que permita a professores, alunos, pais e funcionários interagirem diretamente
no seu cotidiano, proporcionando a todos um espírito colaborativo que supere a
competição; que tenha o aluno como elemento central da ação educativa; que
compreenda seu passado e o seu presente, sua história de aprendizagem e o seu
nível de desenvolvimento sociocultural e veja o professor como profissional do
humano.
Utiliza, como metodologia, a pesquisa-ação crítico-colaborativa. Esse estudo ocorreu
em uma escola municipal de Vitória, tendo como sujeitos: alunos de 5a série do
ensino fundamental, o pedagogo, uma professora, a equipe de apoio, bibliotecária,
estagiaria da Educação Especial, coordenadora do laboratório pedagógico e a
professora especialista.
A autora mostra possibilidades de viabilização de discussões, visando a práticas
pedagógicas diferenciadas, via encontros/desencontros em planejamentos, reuniões
pedagógicas dos profissionais da educação; avanços na problematização/
compreensão da escola como espaço social, entendimento de como o aluno
pensa/sente a escola/professor que deseja e de que necessita; ressignificação da
relação pedagogo x professor. Também aponta a necessidade de reestruturação da
escola para atender à diversidade dos alunos; com um trabalho coletivo que
possibilite aos profissionais se sentirem responsáveis pelo processo educacional,
com intervenções partilhadas por professor e pedagogo, dando “voz” aos
professores e estabelecendo diferentes relações nos movimentos de resistência.
Baseando-se na pesquisa-ação, os estudos desenvolvidos por Almeida (2003) e
Martins (2005) adentram na escola e se propõem a uma ação colaborativa, atuando
com os profissionais no sentido de criar condições para a reflexão sobre o processo
de inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais.
Para isso, o
trabalho de investigação envolveu professores e equipe técnico-administrativa, além
dos alunos.
35
Esses estudos contribuem para refletirmos sobre a constituição do professor na
escola inclusiva, especialmente, daqueles que atuam com alunos com necessidades
especiais, na medida em que fornecem um panorama do contexto em que essa
constituição vem ocorrendo.
A reflexão sobre esses estudos leva-nos à necessidade de aprofundar a discussão
sobre a profissão docente.
2.2 PROFISSÃO DOCENTE: MULTIPLAS FACES E DILEMAS
Nóvoa (1995), discorrendo sobre a importância da constituição do professor e sobre
as investigações relacionadas com o papel do educador, aponta-nos três grandes
fases no percurso evolutivo da investigação pedagógica: a primeira enfatiza a
procura de características intrínsecas ao “bom professor”; a segunda objetiva
encontrar o melhor método de ensino; e a terceira caracteriza-se pela análise do
ensino no contexto real da sala de aula.
Assim, esse mesmo autor nos indica que os professores têm passado por momentos
difíceis nos últimos anos. Nesse sentido, refere-se aos anos 60 como um período
em que os professores foram ignorados fazendo com que eles se sentissem
desvalorizados. A década de 70 é considerada como aquela em que os professores
foram “esmagados” com acusação de colaborar com a reprodução das
desigualdades sociais. Para o autor, os anos 80 concentraram-se na multiplicação
de
instâncias
de
controle
desses
profissionais
em
consonância
com
o
desenvolvimento de práticas institucionais de avaliação como controle da ação
pedagógica.
Os professores têm se voltado ao palco das investigações e regressam por meio de
estudos que enfocam aspectos, como a identidade profissional, a formação, a
carreira docente e as condições de trabalho.
Estudos desenvolvidos por Nóvoa (2002) e colaboradores apontam a necessidade
de uma atenção maior para os dilemas que envolvem a profissão, bem como
36
questões referentes à identidade profissional, à formação do professor. Como foi
apontado, a profissão docente apresenta-se de forma complexa, abarcando
múltiplas faces e, no contexto atual, muitos dilemas.
Conforme ressalta Sacristan (1995), o conceito de profissionalidade está em
permanente construção, sofrendo mudanças de acordo com a realidade social e o
momento histórico.
Para o autor, a profissionalidade docente ressalta o que é específico na ação
docente que se traduz no conjunto de valores, atitudes, concepções, conhecimentos,
diretrizes e comportamentos específicos do ser professor. Esse conjunto de
aspectos configura a prática pedagógica. Uma prática que sinaliza o modo como o
professor pensa e age sobre a realidade educacional e sobre si num dado contexto
social histórico.
A profissionalidade se apresenta absorvida por esse contexto e é afetada por ele.
Nesse sentido, Sacristán (1995, p. 68) pontua que, “No essencial, a profissão
docente não detém a responsabilidade exclusiva sobre a atividade educativa, devido
à existência de influencias mais gerais (políticas, econômicas, culturais)”.
Dessa forma, a profissionalidade docente e a prática do professor estão alicerçadas
em costumes e crenças próprios de uma determinada cultura, que delineiam o modo
de ser de cada professor e sua prática dentro das escolas.
Ao abordar o conceito de profissionalidade docente, o autor não se limita somente à
sala de aula. Discute, também, outras práticas institucionais escolares, destacando:
práticas do sistema educacional e sua estrutura; práticas organizativas de cada
escola; práticas didáticas e educativas de cada sala de aula e práticas educativas
fora do espaço escolar.
Porém, analisando o conceito de profissionalidade docente, Sacristàn (1995) enfoca
o ensino escolar e indica-nos que a educação é uma prática social que se consolida
na relação professor x aluno, bem como no ensinar e no aprender, como um reflexo
da cultura e do contexto social.
37
Discorrendo sobre a formação do professor para assumir as funções historicamente
definidas para a profissão, Sacristàn (1995, p.68) se questiona se atualmente os
professores dominam esses conhecimentos:
As profissões definem-se pelas suas práticas e por um certo monopólio das
regras e dos conhecimentos da atividade que realizam. Será que os
professores dominam a prática e o conhecimento especializado ao nível da
educação e do ensino? Em termos gerais, a resposta é negativa, ainda que
a educação institucionalizada tenda a ser da sua competência.
Estudos realizados (PAIM, 2005; NÓVOA, 2002) reafirmam essas suposições de
Sacristàn. Há algumas décadas, as agências de formação não têm conseguido
fornecer aos professores um suporte básico que lhes permita um olhar amplo sobre
o processo de ensino e, a partir daí, o desenvolvimento de ações apropriadas ao
aprendizado de todos os alunos, independentemente de suas especificidades.
Discorrendo sobre a profissão docente, Nóvoa (2002) ressalta que a existência de
uma cultura partilhada e assumida socialmente pelos professores sobre o fazer
pedagógico é importante para a compreensão de uma sociologia profissional que
tem como base o ensinar e o aprender.
Ao abordar os dilemas da profissão docente, o autor destaca a necessidade de se
repensar o próprio conhecimento docente. Diante dos desafios enfrentados na
profissão e das dificuldades do professor em lidar com esses desafios, Nóvoa afirma
que o professor precisa reconstruir o conhecimento profissional a partir de sua
própria prática, aprendendo analisar e analisar-se. “No que se refere à profissão
docente, o estudo da actividade é a única maneira de resolver o dilema do
conhecimento” (NÓVOA, 2002, p. 259).
Nesse sentido, o autor indica, ainda, a necessidade de uma busca ou construção de
autonomia por parte do professor. Como profissional da educação, o docente
precisa repensar o seu trabalho para poder organizar e se organizar dentro do
projeto da escola e dentro de seu próprio projeto no âmbito do projeto coletivo de
toda a comunidade escolar.
38
Para Nóvoa (2002), o professor precisa redefinir o sentido social de seu trabalho.
Precisa saber relacionar e relacionar-se com o espaço público o qual a escola
pertence, desenvolvendo ações que remetem não só aos saberes e fazeres
específicos da profissão, como também ao envolvimento político, na realidade em
que está inserido.
2.3 PROFESSOR, LINGUAGEM E NARRATIVA
Como vimos, atualmente, alguns autores têm buscado, nos estudos de Vigotski
(1979), elementos para compreender a trajetória e a constituição do professor
(FONTANA, 2000; PAIM, 2005; OLIVEIRA, 2006).
Em seus estudos, esses autores destacam aspectos, como o papel do contexto em
que esse professor vive na sua formação como pessoa e como profissional.
Os diferentes espaços onde o professor se insere no transcorrer de toda a sua vida,
interferem de forma substancial em suas idéias sobre o que é ser professor e sobre
suas práticas.
Desde a infância, as experiências vividas por esse sujeito na família e depois,
especialmente na escola, servem como referência para suas concepções sobre o
que é ser professor.
Assim, as relações que esse professor estabelece na infância, na adolescência e no
inicio da juventude com alguns professores, colegas e familiares de modo geral
marcam significativamente suas escolhas em relação à profissão bem como o seu
percurso profissional.
Porém, como isso ocorre? Vigotski (2000a; 2000b) auxilia-nos nessa reflexão. Para
o autor, a constituição do homem só se torna possível mediante um processo de
relação com outros homens. Tudo que é internalizado pelo indivíduo passa primeiro
pela esfera interpessoal, ou seja, pela relação estabelecida com os outros no espaço
39
social, para, mais tarde, tornar-se intrapessoal, de domínio próprio do sujeito.
Escreve Vigotski, no Manuscrito de 29:
[...] qualquer função no desenvolvimento cultural da criança aparece em
cena duas vezes, em dois planos – primeiro no social, depois no
psicológico primeiro entre as pessoas como categoria interpsicológica,
depois – dentro da criança (VIGOTSKI, 2000a, p. 26).
O que define o homem como ser cultural é uma rede de relações. Para compreender
esse ser de relações, é preciso pensá-lo a partir do contexto cultural e histórico onde
ele se constitui. É nas relações sociais nas quais ele está envolvido que se pode
explicar seu modo de ser, de agir, de pensar e de relacionar-se com os outros.
Nesse contexto, a palavra emerge como a mediadora do processo de conversão do
pensamento do outro em seu próprio pensamento. Os signos produzidos e
compartilhados é que tornam possíveis as relações entre os sujeitos e dos sujeitos
com eles mesmos.
A partir dessa perspectiva, podemos pensar a construção da identidade do professor
e do seu fazer pedagógico como um processo de apropriação de modos de ser, de
conhecimentos percebidos por ele na relação com os outros. Esse processo está em
constante estado de reformulação. O desenvolvimento humano não é um processo
puro e simples de acumulação, mas, sim, dinâmico, de transformações que
envolvem várias dimensões.
Essas concepções, em relação ao desenvolvimento humano, também se encontram
nos estudos de Bakhtin e de seu círculo. Está presente a idéia de sujeito situado em
seu contexto social e histórico concreto. Um sujeito atravessado e constituído pela
linguagem. Para Bakhtin (1986, p. 35), a:
[...] consciência adquire forma e existência nos signos criados por um
grupo organizado, no curso de suas relações sociais. Os signos são
alimento da consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento, e ela
reflete sua lógica e suas leis.
40
De acordo com Bakhtin (1986), o diálogo é uma forma de interação verbal; assim,
pode-se compreender a palavra “diálogo” num sentido amplo, isto é, não apenas
como a comunicação em voz alta de pessoas colocadas face a face, mas também
como toda comunicação verbal de qualquer tipo.
É na interação verbal que o homem se constitui, por meio da apropriação das
palavras dos outros. Nossos enunciados estão repletos de ecos e lembranças dos
enunciados dos outros, lembra-nos Bakhtin (1992).
Em contrapartida, Nóvoa (1995, p.32) contribui para aprofundarmos a discussão
sobre a identidade desse profissional, quando aponta a necessidade de levarmos
em conta a dimensão pessoal e profissional do professor: ``[...] não é possível
construir um conhecimento pedagógico para além dos professores, isto é, que
ignore as dimensões pessoais e profissionais do trabalho docente``.
Ao discorrer sobre as dimensões pessoais e profissionais, Nóvoa (2001) chama a
atenção tanto para aspectos referentes às atividades do professor quanto para o
modo como ele interage com essa atividade. Nos dias atuais, a profissão coloca ao
professor uma serie de desafios que o afetam emocionalmente, não sendo possível
desvincular a discussão sobre sua identidade profissional desses aspectos.
Conforme ressalta Nóvoa (2001, p.255):
[...] a atividade docente caracteriza-se igualmente por uma grande
complexidade do ponto de vista emocional. Os professores vivem num
espaço carregado de afectos, de sentimentos e de conflitos. Quantas vezes
prefeririam não se envolver [...] Mas sabem que tal distanciamento seria a
negação de seu próprio trabalho.
Em suas reflexões, Nóvoa (2001) afirma que a maneira como cada professor ensina
está ligada diretamente à imagem que tem da profissão e essa imagem está
relacionada diretamente com aquilo que ele é como pessoa, sua constituição.
A imagem da profissão e da constituição do professor habita suas narrativas, suas
memórias, seu passado, sua história, seu presente.
41
2.4 LINGUAGEM E NARRATIVA NA CONSTITUIÇÃO DO PROFESSOR
Paim (2005) considera a questão do “outro” trabalhada por Bakhtin (2002) como
central para a compreensão das narrativas dos professores. Isso se apresenta, em
nossa constituição, como forma de interligação indispensável entre dois indivíduos
que fazem parte da mesma troca lingüística, colocando-os assim em destaque como
seres possuidores do mesmo contexto social. Bakhtin (2005, p.72, apud Paim) nos
diz: “[...] nossas palavras não são ‘nossas’ apenas; elas nascem, vivem e morrem na
fronteira do nosso mundo e do mundo alheio; elas são respostas explícitas ou
implícitas às palavras do outro [...]”.
Ao discorrer sobre a narrativa, Benjamim (1993) também contribui para pensarmos a
constituição do professor ao trazer elementos importantes para (re)pensarmos a
formação desse profissional com imenso campo de possibilidades. Suas idéias
permitem dar vozes aos sujeitos às suas experiências vividas. Para o autor, a
narrativa. “Mergulha a coisa na vida de quem relata a fim de extraí-la outra vez dela.
É assim que adere a narrativa à marca de quem narra como à tigela de barro a
marca das mãos do oleiro” (BENJAMIM, 1983, p.63).
Abordando essa narrativa, o autor nos leva à questão da memória, possibilitando
pensá-la de forma não hierarquizada, racionalizada tecnicamente. Para ele,
memórias são plenas de conhecimentos e sensibilidades, associam-se ao vivido.
Memória é também esquecimento, apaziguamento com o passado. A (re)memória
está sempre relacionada com o presente, é um entrecruzamento de tempo, espaço,
vozes; não é uma autobiografia no sentido clássico. Memória é vida, possibilidade
da experiência vivida.
Nesse sentido, as reflexões de Benjamin (1983, p. 62) indicam-nos que a narrativa
``[...] não se exaure, conserva coesa a sua força e é capaz de desdobramento”. A
narrativa faz sentido quando tece e fia, constituindo novas possibilidades.
Como afirmam Vaz et al. (2001, p. 3), “É possível lidar com os conhecimentos
práticos dos professores sem aprendermos a ouvir suas narrativas”. Nesse sentido,
a narrativa se constitui fonte de eloqüência para as necessidades dos professores.
42
Essa narrativa ganha desdobramentos e vai mostrando a constituição do professor e
constituindo-o por meio da história de vida e da experiência profissional.
Dentro dessa perspectiva, Vaz et al. (2001, p. 3) nos perguntam: “Mas o que faz da
narrativa algo tão especial?”. Os mesmos autores respondem que “[...] o homem é
essencialmente um contador de história que extrai sentido do mundo através das
histórias que conta” (VAZ et al. 2001, p. 4).
Reportando-se às reflexões de Connelly e Clandinin(1995, p.4), os autores
ressaltam que
[...] a principal razão para o uso da narrativa na investigação educativa é
que os seres humanos são organismos contadores de histórias,
organismos que individualmente e socialmente vivem vidas relatadas. O
estudo das narrativas, portanto, é o estudo da forma como seres
experimentam o mundo.
Dessas palavras, compreendemos que o homem organiza o mundo e a si mesmo
por meio das narrativas. Elas estão na base de nossos conhecimentos, crenças e
valores.
Entendemos como o autor que a narrativa manifesta e releva o conhecimento do
profissional, articulando teoria e prática, tornando-se um recurso facilitador de
expressão e também de sua constituição, de sua vivência.
Oliveira (2007), em seus estudos, aponta que o caminho das narrativas permite um
acesso ao âmbito da prática dos professores, pois seus relatos estão impregnadas
de suas concepções teóricas e práticas.
A narrativa é um recurso ancorado à linguagem, permitindo desvelar o aspecto
pessoal, individual,que se manifesta também no aspecto coletivo. O narrador busca
comunicar-se, expressar-se, tem em mente uma audiência, um interlocutor. Para o
pesquisador, o uso da narrativa permite levantar um véu que desvela a prática e
conhecimentos do professor.
43
Vaz et al. (2001) afirmam que as narrativas são como confecções de colares de
contas. O narrador vai utilizando as contas e, interligando-as, forma um colar. Assim
o autor estabelece com a narrativa uma metáfora de colar de contas:
Uma narrativa é como um colar de contas. Ao narrar algo o narrador vai
encadeando casos como contas são presas a um fio para formar o colar. A
escolha dos casos e a ordem em que eles são encadeados são
potencialmente informativos sobre sentimentos ou convicções enraizadas
[...] (VAZ, 2001, p. 6).
Benjamin (1983) corrobora essas reflexões, quando afirma que, quanto mais o lugar
da narrativa se confronta com a experiência pessoal do narrador, mais satisfação
tem em contá-la. O autor acredita ser possível reingressarmos numa verdade
fechada do passado para contá-la de outra maneira. Porém, a narrativa é uma arte
de recontar as histórias que necessitam de uma comunidade de escuta e implica
presença do interlocutor, seja ele ouvinte, seja leitor. Assim,
Narrar histórias é sempre a arte de as continuar contando e esta se perde
quando as histórias já não são mais retidas. Perde-se porque já não se
tece e fia enquanto elas são escutadas. Quanto mais esquecido de si
mesmo está quem escuta, tanto mais fundo se grava nele a coisa escutada
(BENJAMIN, 1983, p. 62).
Nessa ótica de escuta de que fala Benjamin, é que temos estruturado nosso estudo
investigativo da constituição do professor. Escutar suas narrativas e analisar suas
histórias têm-se tornado nosso principal objetivo, buscando extrair e apreender a
identidade pessoal e profissional dos narradores.
44
3 EDUCAÇÃO ESPECIAL E DEMANDAS DE FORMAÇÃO DOCENTE
Neste capítulo, faremos uma breve retomada histórica da Educação Especial, bem
como discutiremos alguns pontos da legislação vigente que orientam a prática da
inclusão escolar e a formação docente de forma a delinear o contexto de atuação do
professor que trabalha nessa área. Em seguida, abordaremos alguns aspectos
imprescindíveis para a prática do professor que atua nesse campo.
3.1 BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
Os primeiros movimentos de que temos notícia objetivando ensinar o deficiente
iniciaram-se na Espanha, por volta do ano de 1500. Nessa época, alguns
educadores interessados se tornaram receptores de algumas crianças deficientes,
trabalho este que teve início apenas com crianças surdas, filhos de pessoas que
tinham boa situação econômica. Só em 1700, encontramos informações de pessoas
cegas que começaram a receber algumas instruções. As pessoas com déficit
intelectual e as que não tinham condições econômicas continuaram a ser internadas
em asilos.
Segundo
Bueno
(1993),
em
1760
e
1784,
na
França,
foram
criados,
respectivamente, o Instituto Nacional dos Surdos e o Instituto dos Jovens Cegos. Em
conseqüência, surgiram pessoas interessadas nesses estudos, iniciando, assim, o
aprendizado da leitura e da escrita, dos cálculos e das artes, para esses sujeitos.
Entretanto, isso ocorreu muito lentamente, uma vez que não havia apoio da
sociedade.
Na Alemanha, em l832, foi criado o primeiro instituto para atendimento ao portador
de deficiência física. Somente em l848, surgiu, nos Estados Unidos, o atendimento a
pessoas com deficiência mental.
45
A partir desse período, houve não somente um significativo crescimento das
instituições especializadas no atendimento a pessoas com eficiência, como também
expansão no atendimento a outros distúrbios, especialmente em países como
Estados Unidos e o Canadá.
A história da Educação Especial é marcada pelo preconceito e por movimentos
segregadores. Entretanto, lentamente, os saberes simplificadores e as crendices
foram, em parte, desconstruídos, dando lugar a estudos nos quais a “cura“ era o
principal objetivo a ser alcançado. O século XVIII, período de segregação e
categorização dos indivíduos, no que se refere à exclusão, foi marcado por um
grande movimento de internação de pessoas com deficiência mental, as quais eram
colocadas no mesmo patamar das consideradas loucas, devassas e/ou libertinas.
O primeiro programa sistemático de Educação Especial foi elaborado no século XIX,
na França, por Jean Itard, que realizou a primeira experiência na tentativa de
recuperação e educabilidade de Victor de Aveyron “o menino selvagem”. Victor foi
encontrado em uma floresta no Sul da França, vivendo entre animais, no final do
século XVIII. Com aproximadamente 12 anos, tinha hábitos considerados selvagens
e não falava, locomovia-se tanto de pé quanto utilizando mãos e pés.
Jean Itard relacionava as características de Victor com as condições de vida a que
foi submetido na floresta, junto de animais, sem qualquer contato com seres
humanos. Na busca de Itard em propiciar a Victor uma educabilidade, surgiu uma
das primeiras tentativas de educar e modificar o potencial cognitivo de uma criança
com características diferenciadas.
As primeiras classes especiais no contexto das escolas regulares surgiram por volta
de 1900, posibilitando que as crianças fossem atendidas educacionalmente. Muitas
conquistas só se deram por volta de 1950, em virtude de movimentos
reivindicatórios organizados pelos pais, em favor dos direitos de seus filhos.
No Brasil, a institucionalização da Educação Especial tem pouco mais de três
décadas. Em termos de legislação, aparece pela primeira vez na Lei de Diretrizes e
Base nº 4.024/61, aprovada em 20 de dezembro1961, apontando que a educação
46
dos excepcionais devia, no que fosse possível, enquadrar-se no sistema geral de
educação. Na Lei nº 5.692/71, que tratou da reformas do ensino de 1º e 2º grau de
11 de agosto de 1971, foi previsto tratamento especial para os alunos que
apresentam deficiência física, mental e para os superdotados.
Também nessa década, foi criado, no MEC, o Centro Nacional de Educação
Especial (CENESP), com o objetivo de centralizar e coordenar as ações de política
educacional. Em toda a sua trajetória, esse centro manteve uma política
centralizadora, que priorizava os recursos financeiros para instituições privadas.
Em 1986, é criada a Coordenadoria Para Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência (CORDE), na Presidência da República. Extinto o CENESP, criou-se a
Secretaria de Educação Especial do MEC. Em 1989, a CORDE foi transferida para o
Ministério da Ação Social e a área da educação do MEC tornou-se coordenação,
configurando uma redução do poder político da área nos dois casos. Em 1993,
voltou a existir a Secretária de Educação Especial (SEESP), no Ministério de
Educação. Isso nos mostra o quanto a Educação Especial tem se apresentado no
plano secundário das políticas públicas e também o quanto a descontinuidade tem
marcado sua trajetória.
Progressivamente, por meio do tempo, a legislação brasileira incorporou as suas leis
a vários artigos que expressam a garantia dos direitos às pessoas com
necessidades
educativas
especiais, impulsionando
mecanismo
de
ação
e
regulamentação de acesso ao espaço social e educacional.
As Leis. nº 4.024/61 e 5.672/71 trouxeram ao sistema da época poucas
contribuições. Embora essa legislação reforçasse a determinação de que os
portadores de deficiência deveriam ser atendidos na rede regular de ensino e,
quando necessário, receber tratamento especializado, o que ocorria é que esse
atendimento era realizado em turmas especiais, dentro das próprias instituições. Os
alunos dessas turmas eram rotulados e discriminados, não conviviam com outras
crianças e as práticas de ensino não contemplavam as especificidades dos alunos.
47
A partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal, foi estabelecido que a
educação é direito social de todos os cidadãos brasileiros. O art. 208 prevê, como
dever do Estado, o atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiências e preferencialmente na rede regular de ensino. Posteriormente, esse
dispositivo legal apareceu revisto na Lei nº 9.394/96, que afirma ser dever do Estado
promover o atendimento educacional na rede regular de ensino (art.4º, III).
Essa mesma lei prevê serviço de apoio especializado e abre possibilidades de
atendimento em classe comum. A implementação prática desse dispositivo de lei
requer a participação coletiva, visando primeiramente à mudança de atitude do
professor, novo processo de formação desse profissional que atuará com essa
clientela,
nova
proposta
de
gestão
educacional,
suspensão
de
barreiras
arquitetônicas, além da criação de suporte técnico especializado para atender às
especificidades desses educandos.
A Constituição de 1988 garantiu, em seu art. 206, a igualdade de condições para o
acesso e permanência na escola, A educação, como direito de todos, é dever do
Estado e da família (art. 205). Esse dispositivo estende-se, também, ao atendimento
educacional especializado (aos deficientes), art. 208, III, preferencialmente na rede
regular de ensino.
A partir da década de 90, as discussões referentes à educação das pessoas com
necessidades especiais tomaram nova dimensão em virtude da regulamentação da
Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de l996, Lei das Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Instituíram-se algumas mudanças na educação brasileira, principalmente a
Educação Especial, que deveria ser oferecida, preferencialmente, na rede regular de
ensino, objetivando atender a portadores de necessidades educativas especiais.
Isso significou uma nova forma de entender a inserção dessas pessoas na escola.
A partir da década de 90, movimentos favoráveis à inclusão, instituídos em nível
internacional, têm repercussão na Educação Especial no Brasil.
Nessa década, a UNESCO organizou, em Jomtien, Tailândia, com o apoio do
PNUD, do Banco Mundial e do FNUAP, a Conferência Mundial da Educação Para
48
Todos, tendo como objetivo satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem de
todas as crianças, jovens e adultos. Declararam, também, entender que a educação
é de fundamental importância para o desenvolvimento das pessoas e da sociedade,
contribuindo “[...] para conquistar um mundo mais seguro, mais sadio, mais próspero
e ambientalmente mais puro e que ao mesmo tempo favoreça o progresso social,
econômico e cultural, a tolerância e a cooperação internacional”(1990).
Após essa aprovação, vários países, dentre eles, o Brasil, começaram a discutir o
documento e a proposta de educação para todos, incorporando os princípios e
metas apontados nas políticas públicas de educação. Influenciado por esse
movimento, o Brasil elaborou o seu Plano Decenal de Educação para Todos, que
criou um conjunto de diretrizes políticas para a recuperação da escola de ensino
fundamental, estabelecendo o compromisso com a eqüidade, qualidade e avaliação
do sistema escolar (MENDES, 2002).
Em 1994, na “Conferência Mundial Sobre Necessidades Educativas Especiais:
acesso e qualidade”, organizada pelo governo da Espanha em cooperação com a
UNESCO, com a participação de vários países e organizações internacionais,
produziu-se um documento denominado Declaração de Salamanca. Nesse
documento, reafirmou-se a preocupação e o compromisso com uma educação para
todos, especialmente para as crianças, jovens e adultos com necessidades
educativas especiais dentro do sistema regular de ensino.
Defende esse documento que cada criança tem características, interesses,
necessidades de aprendizagem que lhe são próprios e os sistemas educativos
devem ser organizados para atender às peculiaridades de cada criança.
As escolas regulares devem elaborar um projeto pedagógico não só para as
crianças ditas normais, como também para as deficientes. Isso que dizer que os
programas de estudos devem ser adaptados às necessidades das crianças e não ao
contrário. Também os administradores e orientadores das instituições de ensino
devem ser convidados a criar procedimentos mais flexíveis de gestão, remanejando
recursos pedagógicos, diversificando ações educativas, estabelecendo relações com
49
os pais e a comunidade. Os professores deverão partilhar a responsabilidade do
ensino ministrado à criança com necessidades especiais.
As declarações de Salamanca (1994) e de Jomtien (1990) fortaleceram o processo
de inclusão de pessoas com necessidades educativas especiais na escola regular
brasileira, por reafirmar que o movimento pedagógico deve ser pluralista, não
garantindo apenas o acesso, mas também a permanência do aluno nos diversos
níveis de ensino, respeitando fundamentalmente sua identidade social, ressaltando
que as diferenças são normais e a escola deve considerar essas múltiplas
diferenças, promovendo as adaptações necessárias que atendam às necessidades
de aprendizagem do educando no processo educativo.
Nessa perspectiva, o sistema educacional inclusivo, no qual a escola deve acolher
todos, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, étnicoraciais e lingüísticas, representa a possibilidade de combater a exclusão e responder
às especificidades dos alunos.
Assim, entre as ações governamentais, no sentido de favorecer o sistema
educacional inclusivo, no Brasil, podemos destacar o programa “Educação Inclusiva,
Direito à Diversidade”, instituído em 2004, que objetiva a disseminação da política de
inclusão nos 5.562 municípios brasileiros e no Distrito Federal, a formação de
gestores e formação de redes de apóio no processo de inclusão.
Participam do programa 106 municípios – pólo que atuam como multiplicadores para
demais os municípios de sua área de abrangência, tendo alcançado, nos últimos
anos, 23 mil professores de 1.869 municípios. O programa utiliza referenciais que
devem orientar a ação do município, da escola e da família para a organização de
sistemas educacionais inclusivos e também disponibiliza documentos de formação
docente para atendimento educacional especializado.
Com o apoio do MEC, a formação de professores se efetiva por meio de programas
como: “Interiorizando Braille” para divulgação do sistema integral e código
matemático unificado, projeto “Educar na Diversidade; formação docente para
práticas pedagógicas inclusivas”, envolvendo cerca de 15 mil professores de escolas
50
públicas das 27 unidades federadas e o projeto para o ensino de “LIBRAS” para a
aprendizagem da língua brasileira de sinais, tradução e interpretação da língua
portuguesa para surdos.
Ainda em relação ao ensino de LIBRAS, temos a orientação do Decreto nº 5.626, de
22 de dezembro de 2005, especificando:
Art. 3o A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos
cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível
médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino,
públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
§ 1o Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o
curso normal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o
curso de Educação Especial são considerados
cursos de formação de professores e profissionais da educação para o exercício
do magistério.
§ 2o A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos demais cursos
de educação superior e na educação profissional, a partir de um ano da
publicação deste Decreto (BRASIL, 2005, p. 1).
Dessa forma, fica instituído que o ensino de LIBRAS é obrigatório em todas as
licenciaturas, o que ajuda na efetivação de uma prática mais inclusiva em relação ao
aluno surdo, já no início da formação do professor.
Diante disso, percebemos um crescimento dos estudos na área de Educação
Especial,
com
pesquisadores
interessados
em
investigar
as
deficiências
relacionadas com o movimento de inclusão iniciado em 1994. Esse movimento
resultou em mudanças na legislação brasileira que determinaram o acesso e
permanência de sujeitos com necessidades educativas especiais na escola regular.
Entretanto, o acesso desses sujeitos à escola tem gerado uma série de desafios:
percebe-se a presença de professores que não conseguem trabalhar com esses
alunos, muitas vezes por resistência, outros sobrecarregados ou mesmo
despreparados e se sentindo solitários para resolver os problemas. Na tentativa de
reverter esse quadro a formação inicial do professor tem sido revista para dar melhor
base às práticas educativas nos processos de inclusão escolar.
51
Tomamos como exemplo as indicações contidas na Resolução nº CNE/CP 1, de 18
de fevereiro de 2002, que
institui as Diretrizes Curriculares Nacionais Para a
Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de
licenciatura, de graduação plena. Uma dessas indicações, contidas nos arts. 1º e 2º,
I e II, orienta que a formação deverá preparar o graduando para uma atividade
docente, visando à aprendizagem do aluno e ao acolhimento da diversidade na sala
de aula.
Art. 1º As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da
Educação Básica, em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação
plena, constituem-se de um conjunto de princípios, fundamentos e procedimentos
a serem observados na organização institucional e curricular de cada
estabelecimento de ensino e aplicam-se a todas as etapas e modalidades da
educação básica.
Art. 2º A organização curricular de cada instituição observará, além do disposto
nos artigos 12 e 13 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, outras formas de
orientação inerentes à formação para a atividade docente, entre as quais o
preparo para:
I - o ensino visando à aprendizagem do aluno;
II - o acolhimento e o trato da diversidade [...] (BRASIL, 2002, p. 1).
Desse modo, é garantida, pelas diretrizes, a obrigatoriedade de incluir em todo e
qualquer Curso de Licenciatura estudos sobre a Educação Especial e inclusão
escolar.
Na realidade das escolas, os professores destacam que geralmente não possuem
suporte adequado para trabalhar com esses alunos. O que vemos, então, é um
quadro no qual os alunos que apresentam necessidades educacionais especiais
nem sempre são incluídos nas atividades de sala, nas brincadeiras e no recreio; em
muitas escolas, não há planejamento de um trabalho coletivo, que envolva os
diferentes profissionais no atendimento e educação desses alunos.
No mesmo documento que trata das diretrizes para a formação do professor, ainda o
art. 2º, VII, aponta que a formação inicial deverá propiciar o trabalho coletivo, o
trabalho em equipe para melhor organização das atividades nas escolas.
As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006, específicas para o Curso de
Graduação em Pedagogia, demonstram uma preocupação com a questão da
52
diversidade e do trabalho coletivo na escola, indicando, em seu art. 5º, X e XI, que o
egresso do Curso de Pedagogia deverá:
[...] X - demonstrar consciência da diversidade, respeitando as diferenças de
natureza ambiental-ecológica, étnico-racial, de gêneros, faixas geracionais,
classes sociais, religiões, necessidades especiais, escolhas sexuais, entre
outras;
XI - desenvolver trabalho em equipe, estabelecendo diálogo entre a área
educacional e as demais áreas do conhecimento (BRASIL, 2006, p. 2).
A inclusão escolar depende da organização da escola, uma organização em que
todos possam, dentro de um coletivo, trabalhar para efetivar práticas educativas que
contemplem a diversidade e a aprendizagem de todos os alunos. É imperativo que a
formação inicial seja um elemento disparador desse tipo de ação coletiva nas
escolas, por meio dos estágios, pesquisa e extensão.
3.2 UM PROFESSOR PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL COM FORMAÇÃO EM
CONSONÂNCIA COM O MOVIMENTO DE INCLUSÃO
Meirieu (2005), em seu livro “O Cotidiano da Escola e da Sala de Aula”, aponta
elementos identificadores de um profissional capaz de introduzir uma autêntica
“cultura escolar”. Em sua dinâmica, possibilita ao professor transpor obstáculos, abrir
perspectivas, criar oportunidades, assegurar o equilíbrio necessário aos alunos em
sala de aula, além de se envolver no jogo criativo da reflexão, do diálogo e da
palavra. Possibilita, ainda, a esse profissional saber recuar, avançar e oscilar,
apropriando-se de um conhecimento incorporado a outros que ele já possui,
desencadeando novos saberes e, ao mesmo tempo, possibilitando preparar o aluno
para a vida social e cultural necessária na construção e domínio de novos saberes.
Na perspectiva desenvolvida pelo autor, o profissional deve avaliar previamente
seu(s) aluno(s) tanto no plano cognitivo, quanto no afetivo, permitindo-lhe, assim,
pensar um planejamento que respeite os conhecimentos prévios desses alunos,
53
considerando-os em suas diferenças e reagrupando-os de forma a respeitar suas
necessidades comuns e específicas.
O autor nos adverte que, mesmo numa sala de aula considerada homogênea, os
alunos apresentam inúmeras características particulares de apropriação de
informações, em suas sensibilidades, em suas aquisições anteriores, em suas
estratégias e em suas relações com os saberes.
Também ressalta que as instituições escolares sempre tiveram seu trabalho
complementado, por meio dos chamados “trabalho de casa”. Nestes, o aluno é
levado a apropriar-se sozinho dos saberes “supostamente” ensinados, em função de
suas necessidades específicas complementares às informações coletivas recebidas
em sala de aula. Com isso, o educador, ao remeter para fora da sala de aula a
apropriação de conhecimento, dilui em uma infinidade de procedimentos o trabalho
educativo e exime-se de suas responsabilidades. Em conseqüência, exclui o aluno
de vivenciar a aventura coletiva da sala de aula, os embates, as buscas de verdade
e a construção de aprendizagens mais objetivas, bem como da relação de diálogo e
cumplicidade do adulto professor e do “fazer junto” com seus colegas.
Para isso, é necessário um planejamento que respeite seus conhecimentos
anteriores que, agregados aos novos, desencadeariam situações de aprendizagens.
Diante dessas reflexões, o autor conclui que atualmente:
A homogeneidade estrutura o funcionamento da escola, com todos os
desvios bastante conhecidos: reforço sistemático das forças centrípetas
nos grupos e exclusão de qualquer diferença vista como impureza não
assimilável, aprisionamento dos indivíduos em uma “natureza” que, no
início, era apenas um diagnóstico puramente hipotético e estritamente
funcional, criação dos guetos e última análise, desmoronamento dos
próprios princípios da instituição escolar (MEIRIEU 2005, p. 123).
Meirieu (2005) considera a escola um espaço de desenvolvimento psíquico de cada
criança. É nela que se realizam sistemática e intencionalmente “[...] as construções e
a gêneses das funções superiores”. Para ele, essas funções psíquicas seriam
54
resultado “[...] das influências culturais nas aprendizagens e no desenvolvimento”
(MEIRIEU, 2005, p.44) E o autor prossegue: ``Só quem não se lembra da própria
história não se recorda desse estado estranho que se apodera de um aluno no
momento que ele é compelido pelo professor e envolve-se em uma nova
aprendizagem`` ( p.114).
Entendemos que toda aprendizagem mexe com a curiosidade e com a inquietude,
uma vez que todo passado nos remete não só às lembranças duvidosas carregadas
da singularidade da história individual, como também dos desafios pessoais que
estabelecem o sujeito com o mundo.
Nesse mesmo sentido, precisamos encontrar uma forma de reduzir ou de amenizar
o acompanhamento insatisfatório que vem sendo dado à diversidade, trabalhando
em níveis diferentes de aprendizagens, possibilitando, assim, que as diferenças
individuais possam integrar-se a outros meios e a outras histórias, numa construção
identitária comum. Ouvindo uns aos outros, todos se sentem forçados a rever seus
pensamentos,
a
reavaliar
suas
aquisições,
permitindo
aproximações
que
desenvolveriam a imaginação e perspectivas estimuladoras em busca de novos
conhecimentos, possibilitando vir à tona a escola pensada para todos.
O autor nos adverte:
[...] não se pode fazer da heterogeneidade um princípio de funcionamento
que exclua toda homogeneidade, para que as pessoas possam enriquecerse com suas diferenças, é preciso, ao mesmo tempo, que [...] todos
dominem as ferramentas técnicas ou conceituais, que tenham a mesma
compreensão das instruções e que estejam de acordo quanto ao modo de
funcionamento de seu grupo (MEIRIEU, 2005 p.126).
Segundo Meirieu, os professores desprezam os níveis escolares e se queixam da
heterogeneidade da classe, não se dando conta de que é a heterogeneidade de
comportamento que pode ajudar nas atividades das disciplinas e no alcance dos
objetivos de aprendizagens. A heterogeneidade raramente se coloca como algo
significativo na instituição escolar contemporânea.
Sempre há uma série de
55
dispositivos
postos
para
bani-la,
como
repetências,
orientações,
ensino
especializado – tudo que exclua de forma “satisfatória à sociedade“.
Em oposição a essa situação, o autor afirma que a qualidade das trocas intelectuais
parece garantir mais claramente as chances de progressão, de descobertas e de
criatividade, uma vez que esse modo de ser proporciona aos alunos criar situações
facilitadoras de alçar vôos, amadurecimento psíquico de forma a articular novas
situações de aprendizado.
Nessa perspectiva, Meirieu permite “instituir a escola” que, para ele, significa não se
ancorar nas estruturas do passado, buscando a facilidade ou cedendo às pressões
sociais por homogeneidade ou exclusão das diferenças, mas, sim, uma escola que
leve ao trabalho coletivo, onde há construção conjunta de regras necessárias para
adquirir saberes, dando a todos condições de dialogar com o outro dia a dia, vendo
no outro um companheiro de troca, em que juntos construirão uma história. Todos
aprenderão a argumentar em grupos heterogêneos, permitindo aos professores
acompanhar cada aluno. Todos poderão viver suas diferenças nas mesmas
condições.
Dessa forma, o autor assinala também que a escola deve criar não somente
condições que permitam aos alunos adquirir “um viver junto”, “um aprender junto”, a
partir de situações que lhes façam questionar, compreender as mesmas coisas,
como também argumentar e ouvir o outro. Portanto, uma escola que trabalhe sobre
a unidade e a diferença, de forma que, uma vez identificada a deficiência, esta seja
integrada ao grupo, propiciando aos indivíduos viverem suas diferenças na mesma
condição que os outros.
Diante do exposto, concluímos que, quando os educadores estão motivados e se
empenham em seu trabalho, encontram soluções que acabam também beneficiando
as crianças rotuladas, por alguns, com “dificuldades de aprendizagem”.
Enquanto as políticas públicas não se concretizarem em práticas educativas
satisfatórias, fazem-se necessários estudos que visem a contribuir para a alteração
desse quadro. Entendemos que investigar como se constitui o professor que atua na
56
Educação Especial pode contribuir para auxiliar nos projetos de formação inicial e
continuada dos profissionais da educação que trabalham com esses alunos.
57
4 CAMINHO METODOLÓGICO
Tendo em vista o objetivo desta investigação, que é analisar o percurso de
constituição do professor que atua na Educação Especial, optamos pela realização
de uma pesquisa qualitativa. Realizamos um estudo de caso de alunos egressos do
Curso de Pedagogia que fizeram a habilitação Magistério da Educação Especial e
que atuam na área, e também de alunos egressos do Curso de Pedagogia que
fizeram a habilitação Magistério da Educação Especial e que trabalham na área.
O estudo de caso insere-se numa abordagem qualitativa de pesquisa, que se apóia
em uma perspectiva que valoriza o papel ativo do sujeito no processo de produção
do conhecimento e que concebe a realidade como uma construção social. O foco de
estudo é o mundo do sujeito ou significados que este atribui às suas experiências
cotidianas e relações sociais.
Conforme André (2005), estudos de caso são estudos pontuais que tomam porção
reduzida da realidade, abordando-a de forma aprofundada. Não é um método de
pesquisa, mas uma forma particular de estudo, um tipo de conhecimento. O
conhecimento gerado a partir do estudo é mais concreto, mais contextualizado, mais
voltado para a interpretação do leitor e é baseado em populações de referências
determinadas.
Nesse tipo de pesquisa, somente um caso será estudado, embora possa ser
representativo de muitos outros, ou seja, completamente distinto de outros casos.
Assim, diferentemente da pesquisa tradicional, o leitor participa, ao estender a
generalização para populações de referência.
No estudo de caso, as perguntas das pesquisas são preferencialmente do tipo
“como e por quê”. O pesquisador vai para o campo de pesquisa com questões mais
amplas, que serão delimitadas melhor no transcorrer da coleta de dados.
Nosso objetivo é analisar como egressos do Curso de Pedagogia da Universidade
Federal do Espírito Santo-UFES se constituíram como professores na área de
58
Educação Especial e que, atualmente, trabalham nessa área. Assim, em nossa
pesquisa, o foco de interesse é um fenômeno contemporâneo e que visa a contribuir
para uma compreensão maior dos desafios e das perspectivas para a formação do
profissional que trabalha na área da Educação Especial.
André (2005) aponta qualidades determinantes para um pesquisador que se envolve
com o estudo de caso, principalmente se for estudo de caso qualitativo: tolerância à
ambigüidade, aprendendo a conviver com as dúvidas e incertezas dessa modalidade
de pesquisa; flexibilidade no trabalho, o que implica ter um plano de ações, mas, ao
mesmo tempo estar aberto aos imprevistos; sensibilidade em relação às percepções
dos sujeitos sobre o fenômeno investigado.
O pesquisador deve ser comunicativo, empático, fazer boas perguntas e saber ouvir
atentamente os sujeitos. Deve ser paciente com as pausas, com as explicações,
com as dúvidas e ter um profundo respeito e uma postura ética diante de seus
depoimentos. Também é necessário manter uma atitude de vigilância, tentando
distanciar-se o mais possível para não contaminar os dados e as interpretações.
Este estudo trata-se, portanto, de um estudo de caso coletivo, em que a
pesquisadora se concentra não apenas no caso de um sujeito, mas de vários.
Nossos sujeitos foram professores que cursaram a Habilitação Magistério da
Educação Especial do Curso de Pedagogia da UFES, no período de 1998 a 2005. A
definição desse período se deve ao fato de 1998 ter sido o anos de conclusão da
primeira turma do Curso de Pedagogia que realizou a habilitação Magistério da
Educação Especial e 2005 foi o ano em que iniciamos a pesquisa de campo.
Para este estudo, destacamos alguns objetivos específicos: identificar a história de
vida de cada sujeito envolvido na pesquisa; como se constituiu o interesse pela área
da Educação Especial; analisar as passagens significativas na formação inicial dos
sujeitos; conhecer a experiência profissional dos sujeitos na Educação Especial.
Para a coleta de dados, utilizamos, especialmente, entrevistas semi-estruturadas,
seguindo o caminho das narrativas dos sujeitos envolvidos na pesquisa. Segundo
59
Oliveira (2007), seguir o caminho das narrativas possibilita o acesso ao
conhecimento produzido no âmbito da prática dos professores.
[...] os conhecimentos docentes surgem como resultado de experiências práticas,
teóricas e pessoais [...] possuem características singulares e se expressam nas
ações cotidianas de seu trabalho [...] a narrativa, como instrumento de
investigação, permite ter acesso a esses conhecimentos produzidos no âmbito da
prática (OLIVEIRA, 2007, p. 251-252).
Para as entrevistas semi-estruturadas, utilizamos questões abertas que contribuíram
para que pudéssemos perceber o modo como os participantes da investigação
concebiam a sua formação na área de Educação Especial.
A entrevista semi-estruturada, como material empírico privilegiado na pesquisa,
constitui uma opção teórico-metodológica que está no centro de vários debates entre
os pesquisadores. Durhan (1986) nos adverte para muitas armadilhas embutidas no
processo de identificação subjetiva que se estabelece nesse tipo de coleta de dados,
especialmente quando o entrevistador e entrevistado compartilham um mesmo
universo cultural. Ressalta que se corre sempre o risco de começar a explicar a
realidade pelas categorias “nativas”, ou seja, de passar a olhar a realidade
exclusivamente pela ótica do interlocutor. Assim, aponta também a necessidade de
o pesquisador estar atento a essa situação.
Como em todas as etapas da pesquisa, é preciso ter o olhar e a sensibilidade
armadas pela teoria, operando com conceitos e referencial teórico para olhar, as
anotações do diário de campo, as entrevistas de áudio e vídeo (quando
necessários), os documentos, gerados no trabalho de campo, de forma a abranger
os diferentes universos de significados dos sujeitos envolvidos na pesquisa. Assim,
ao focalizar as entrevistas, tivemos o cuidado de analisar a forma e o conteúdo da
fala do entrevistado, tons, ritmos e expressões gestuais que acompanhavam ou
mesmo substituíam suas falas.
Também utilizamos a consulta de documentos, como Atas de Colação de Grau dos
formandos do Curso de Pedagogia da UFES, em que consta a relação dos nomes
60
dos alunos que concluíram o Curso de Pedagogia com Habilitação em Magistério da
Educação Especial, entre os anos de 1998 a 2005, com o objetivo principal de
complementar as informações apresentadas pelos sujeitos durante as entrevistas,
além do projeto do curso, currículo 1995.
4.1 O CURRÍCULO DO CURSO DE PEDAGOGIA 1995 E OS
SUJEITOS DA PESQUISA
Com a implantação das Diretrizes Curriculares Para o Curso de PedagogiaLicenciatura, houve mudanças significativas no currículo do Curso de Pedagogia da
UFES, a partir do ano de 2006. Porém, como os sujeitos desta pesquisa cursaram o
currículo
anterior,
optamos,
neste
trabalho,
por
apresentar
as
principais
características do currículo 1995 do referido curso.
O currículo do Curso de Pedagogia da UFES, implantado em 1995, era constituído
por uma habilitação básica que formava o professor para atuar nas séries iniciais do
ensino fundamental. Além disso, possuía habilitações complementares que
formavam profissionais para trabalhar nas áreas de Educação Especial, Educação
Infantil, Educação de Jovens e Adultos e no Magistério das Disciplinas Pedagógicas
do Ensino Médio.
Em 2001, foi instituída a Habilitação em Gestão Educacional
(Supervisão, Orientação, Administração e Inspeção Escolar), que até este momento
tinha o conteúdo e a certificação ofertada em nível de Especialização pelo próprio
Centro de Educação.
Entretanto, o interesse pela Educação Especial pode ser observado no curso já em
1979.
Conforme apontam dados do relatório do projeto de pesquisa piloto desenvolvido em
2006/02, na disciplina “Estágio em Pesquisa” (LEITÃO, 2006), em 1979, na
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), foi incluída, no currículo do Curso
de Pedagogia, uma disciplina ministrada pela professora Maria de Fátima Prates
61
Ferreira, chamada “Problemas Comportamentais do Educando”, cujo objetivo era
abordar e trazer conhecimentos práticos sobre o aluno excepcional, porém de uma
forma muito ampla.
O interesse que o tema despertou foi em tal proporção, que levou a professora a
buscar leituras bem como outras informações sobre o tema, contribuindo, assim,
para que os estudos se desenvolvessem de forma satisfatória. Em 1988, essa
professora, que então retornava de estudos especializados na área da Educação
Especial, teve novamente a oportunidade de assumir a disciplina, que possuía,
nesse momento, um outro nome: “Tópicos Especiais”.
Nessa época, a Educação Especial continuava tendo boa aceitação entre os alunos.
Eram poucas as pessoas com deficiências que andavam nas ruas, por isso, à
medida que os alunos iam tendo mais conhecimentos, ficavam curiosos e sentiam
necessidade de visitar instituições, como: APAE, Pestalozzi, Instituto Braille. A
reação dos alunos era de medo, entretanto, nesses espaços, ainda não existiam
pessoas com deficiências severas (hidrocefalia, deficiência múltiplas, etc.).
No mesmo período, foi criada a Comissão de Reformulação do Currículo do Curso
de Pedagogia de 1989, aprovada pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão
(CEPE) da UFES, por meio da Decisão nº 332/89 - CEPE/UFES, que teve uma
atuação significativa para a criação da habilitação Magistério da Educação Especial,
nesse curso. Essa comissão era composta pelos seguintes professores: Maria de
Fátima Prates Ferreira, Denise Meyrelles de Jesus, Ana Lúcia Baptista Rocha,
Regina Lúcia Gianórdoli, Terezinha de Jesus Balestreiro e Liney Orlandina Lucas.
A versão curricular de 19891 possuía duas habilitações, que se destinavam a formar
o professor para atuar no Magistério das Disciplinas Pedagógicas da Escola Normal
e no Magistério da Pré-Escola e Séries Iniciais do Ensino Fundamental. Nesse
currículo, identificamos uma disciplina que contemplava discussões sobre a
1
Até o ano de 1989, o Curso de Pedagogia da UFES possuía as seguintes habilitações: Orientação Educacional,
Supervisão Escolar, Administração Escolar e Magistério das Disciplinas Pedagógicas do 2º Grau.
62
Educação Especial: “Alternativas de Atendimento ao Aluno Especial”.2 A principal
mudança instituída com o currículo 1995 foi a criação de novas habilitações.
Entendendo que o Centro de Educação da UFES, diante de seu papel de formação
de profissionais para atuar na educação básica, deveria assumir a responsabilidade
também pela produção de conhecimento e formação de professores para trabalhar
na Educação Especial, essa comissão, instituída 1990, após estudos, propôs a
criação da Habilitação Magistério da Educação Especial, para integrar o novo
currículo do curso, juntamente com outras habilitações.
Como justificativa para essa habilitação, ressaltem:
As decisões internacionais referentes à igualdade de oportunidades como
direito de todos impõe ações principalmente aos segmentos sociais
capazes de intervir para o cumprimento desse direito e para melhoria da
qualidade de vida dos cidadãos. A constituição brasileira (1988), seguindo
tal orientação, garante o direito ao atendimento educacional especializado
aos portadores de deficiência; preferencialmente, na rede regular de
ensino.` A universidade brasileira, enquanto responsável pela promoção de
análises críticas e por propor alternativas visando uma sociedade mais
justa se inclui enquanto uma das organizações que deverão se ocupar de
tal tarefa (CENTRO DE EDUCAÇÃO, 1997, p. 1).
Nessa proposta, a habilitação Magistério da Educação Especial possuía uma carga
horária de 540 horas. Essa habilitação era composta pelas seguintes disciplinas:
Introdução à Educação Especial (60 horas); Portadores de Necessidades Educativas
Especiais: desenvolvimento e aprendizagem (60 horas); Desenvolvimento Curricular
no Ensino Especial I (60 horas); Desenvolvimento Curricular no Ensino Especial II
(60 horas); e Estágio em Educação Especial (300 horas).
Em 10 de agosto de 1994, por meio da Resolução nº 30/94 – CEPE/UFES, o
Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) da UFES aprovou a proposta
2
A ementa dessa disciplina era: “Educação Especial no contexto social. A política da Educação Especial no
Brasil e no Espírito Santo. Áreas de excepcionalidades. Avaliação psicopedagógica. Alternativas de
atendimento. Procedimentos educacionais. Planejamento em Educação Especial.” (1995).
63
curricular elaborada pela comissão e ratificada pelo Conselho Departamental do
Centro de Educação.
No período de 1998 a 2005, a Universidade Federal do Espírito formou 78
pedagogos com habilitação em Magistério da Educação Especial no Curso de
Pedagogia, no Centro de Educação da UFES.
Na tabela a seguir, destacamos o número de alunos que se formaram na habilitação
em Educação Especial no Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Espírito
Santo, entre os anos de 1998 e 2005.
Tabela 1
Alunos formados na habilitação Magistério da Educação Especial entre os
anos de 1998 a 2005
Ano
1º semestre
2º Semestre
Total
1998
5
5
10
1999
3
20
23
2000
-
1
1
2001
12
1
13
2002
-
11
11
2003
-
1
1
2004
-
4
4
2005
7
8
15
Total
27
51
78
Fonte: Atas de Colação de Grau dos formandos do curso de Pedagogia da UFES
(1998 a 2005)
De maneira a compreender o percurso de constituição do professor que atua na
Educação Especial, nosso olhar voltou-se para alguns desses egressos do curso
que realizaram a habilitação Magistério da Educação Especial e que, diante disso,
se inseriram em contextos escolares com demandas para alunos com necessidades
especiais. Assim, entrevistamos profissionais que atuaram ou atuavam na educação
64
básica, como professores regentes, professores itinerantes, professores de
laboratórios, em secretarias de educação e/ou no ensino superior.
65
5
LEMBRANÇAS E NARRATIVAS: PERCURSOS DE FORMAÇÃO
INICIAL DE PROFESSORES QUE ATUAM NA EDUCAÇÃO ESPECIAL
As lembranças puras, chamadas do fundo da memória,
desenvolvem-se em lembranças–imagem cada vez mais
capazes de se inserirem no esquema motor. À medida que
essas lembranças adquirem a forma de uma
representação mais completa, mais concreta e mais
consciente, elas tendem a se confundir com a percepção
que as atrai ou cujo quadro elas adotam. Portanto, não há
nem pode haver no cérebro uma região onde as
lembranças se fixem e se acumulem (BERGSON, apud
BOSI,1999, p. 146).
Conforme ressalta Bosi, a lembrança é capaz de se revelar por meio de clarões
repentinos, pequenos flashes que trazem à tona algo que já vivemos. Porém, as
lembranças não emergem exatamente como aconteceram, mas transformadas pela
lente do presente, reconstruções. O emergir das lembranças é semelhante a uma
justaposição ou fusão do já vivido com o vivido no presente.
Ao se referir à imagem–lembrança, a autora esclarece que “[...] esta nos traz à tona
momentos únicos, singulares, não repetidos, irreversíveis da vida [...]. A imagem
lembrança tem data certa: refere-se a uma situação definida, individualizada” (1994,
p. 49). Explicita que, em cada indÍviduo, as lembranças favorecem situações
emocionais diferenciadas que podem modificar o modo de perceber hábitos e afetos.
A autora exemplifica esse fato afirmando que o indivíduo, “[...] enquanto evoca, ele
está vivendo atualmente e com uma intensidade nova a sua experiência” (BOSI,
2003, p. 44).
Nesse sentido, Bosi enfatiza a importância da lembrança, do rememorar,
esclarecendo-nos que o conhecimento do passado, a organização e localização
cronológica do tempo, possibilitando-nos buscar elementos para refletir sobre o
presente e, conseqüentemente, projetar e reconstruir o futuro. As considerações
dessa autora auxiliam-me na reflexão sobre as narrativas dos professores a respeito
de seu percurso de constituição.
66
Segundo Jobim e Souza (2005, p. 13), “[...] reconstruir a própria trajetória é tomar
consciência do percurso histórico e singular de cada um e, assim, conciliar os limites
de cada opção particular às circunstâncias mais amplas em que ela se deu”. Essas
palavras da autora destacam a possibilidade de reconstrução da história de vida do
sujeito e, no caso particular de professores, também de retomada do percurso de
sua formação pessoal e profissional.
Para o trabalho de pesquisa, acompanhar e analisar a reconstrução de passagens
desse percurso, relatado por professores, auxilia na compreensão do próprio
processo de constituição desses sujeitos como professores.
Com o objetivo de compreender o percurso de constituição do eu pessoal e do eu
profissional de egressos do Curso de Pedagogia que cursaram a habilitação
Magistério da Educação Especial, entrevistamos 17 profissionais da educação que
atuam em municípios da grande Vitória.
Indagamos esses sujeitos sobre a origem do interesse pela área da Educação
Especial, buscamos informações sobre passagens significativas na formação inicial,
na área de Educação Especial; sobre momentos relevantes na formação desses
sujeitos, após concluírem o curso de graduação, bem como aspectos relevantes da
sua prática pedagógica desses sujeitos em salas de aula, além de procurar captar a
percepção dos sujeitos da pesquisa sobre o momento atual da Educação Especial
nos sistemas de ensino.
No processo de análise, focalizamos as narrativas dos sujeitos, buscando elementos
para discutir aspectos relacionados com a formação inicial, com a experiência
profissional na Educação Especial e com a formação continuada.
Neste capítulo, apresentaremos os sujeitos da pesquisa, destacaremos aspectos de
suas histórias de vida, o interesse pela área da Educação Especial e as experiências
mais significativas vivenciadas no Curso de Pedagogia por meio das categorias que
emergiram nas narrativas.
67
5.1 OS SUJEITOS DA PESQUISA
A análise inicial dos dados apontou a relevância de se abordar as condições de
formação inicial dos sujeitos da pesquisa tendo, como referência o período em que
concluíram a habilitação Magistério em Educação Especial.
Assim, inicialmente, os sujeitos foram distribuídos em três grupos: sujeitos que se
formaram nos anos de 1998 a 2000; sujeitos que se formaram nos anos 2001 e
2002; sujeitos que se formaram nos anos 2003 a 2005.
5.1.1 Grupo I: Sujeitos Que Se Formaram Nos Anos de 1998 a 2000
O Grupo I é composto de sete sujeitos, os quais aparecem neste estudo com os
seguintes nomes fictícios: Augusto, Ana, Margarida, Ivan, Ingrid, Luíza e Vânia.
Entre os sujeitos deste primeiro grupo, a faixa de idade varia entre 35 e 40 anos, e a
grande maioria é do sexo feminino. Todas as cinco mulheres desse grupo são
casadas. Três possuem dois filhos, uma tem apenas um filho e uma não tem filhos.
Os dois homens se declararam solteiros.
Em relação à origem socioeconômica, constatamos que os sujeitos se distribuem
entre camadas populares e classe média à maior parte estudou apenas em escola
pública.
No que se refere à continuidade dos estudos, após a conclusão do Curso de
Pedagogia, observamos que a maior parte se interessou-se em fazer pósgraduação: temos uma doutora, dois doutorandos e um especialista.
Destacamos, a seguir, informações gerais sobre cada um dos sujeitos, partindo de
frases significativas que expressam suas idéias, seus desejos e sua constituição
como professor na Educação Especial.
68
Margarida
“Acho que a pior parede que se levantou na Educação Especial é a não crença
de alguns professores na aprendizagem desses alunos.”
Margarida nasceu no interior do Estado do Espírito Santo, de família simples, pai
operário de construção e mãe costureira. Tem três irmãos. Tem 40 anos de idade, é
casada, tem uma filha com 19 anos. Estudou em escola pública, fez Curso de
Magistério no ensino médio. Em 2000, concluiu o Curso de Pedagogia e fez duas
habilitações: Educação Especial e Formação de Professores. Em seguida, fez o
curso de Mestrado e Doutorado. Atua há sete anos na área educacional.
Augusto
“Eu ouvi um professor falar: `Eu não fui preparado para isso`, e eu pergunto:
alguém está preparado para a vida? A mãe foi preparada para ter um filho
especial? quando estaremos preparados?”
Augusto fez magistério no ensino médio com estudos adicionais nas séries iniciais.
Em 1998, concluiu o Curso de Pedagogia com habilitação em Educação Especial,
deu continuidade aos estudos fazendo o curso de mestrado e atualmente cursa
doutorado na linha de pesquisa de Diversidade e Práticas Educacionais Inclusivas.
Ana
“Eu não gosto de fingir que faço, para depois não ter que fingir que acontece.”
Ana é natural do Vitória/Espírito Santo. Tem dois irmãos é a única mulher, vem de
família simples. Seu pai é engenheiro e sua mãe professora de Português. É
casada, tem dois filhos pequenos. Estudou em escola particular, inclusive no ensino
médio. Em 1998 concluiu o Curso de Pedagogia com habilitação em Educação
Especial, tem 11 anos de experiência na área educacional.
Luíza
“Foi na APAE que conheci a prática, foi lá que comecei a produzir
possibilidades”.
Luíza nasceu no Estado do Rio de Janeiro, tem 30 anos e veio para Vitória com oito
anos de idade. Seu pai funcionário público federal e sua mãe professora. Tem um
69
irmão que é mais novo, é casada e não tem filho. No ensino fundamental estudou
tanto na escola pública quanto na escola particular. Fez o Curso de Magistério no
ensino médio. Em 1999, concluiu o Curso de Pedagogia com habilitação em
Educação Especial. Já na época do magistério, trabalhou em escola de 1ª a 4ª série
como estagiária de uma unidade escolar que hoje não existe mais, era localizada na
Praia do Canto chamada Caminhos do Saber, que depois virou Rubem Braga e, por
último, é denominada Escola Crescer.
Ingrid
“Vejo que as pessoas tratam a Educação Especial com descaso. Acho que
ainda não entenderam o que é a Educação Especial, a necessidade desta
modalidade.”
Ingrid nasceu no interior do Estado de São Paulo, tem quatro irmãos, duas mulheres
e dois homens, sendo ela a do meio. Seu pai, tendo como profissão caminhoneiro,
veio a falecer tragicamente muito cedo, deixando-a órfã com apenas cinco anos de
idade. Sua mãe é uma costureira que, por força das circunstâncias, assumiu o
sustento da casa. É casada, tem dois filhos e 44 anos de idade. Fez o ensino
fundamental em escola pública e o ensino médio em uma escola particular. Após um
período de interrupção e morando na cidade de Vitória no Estado do Espírito Santo,
retomou seus estudos fazendo o Curso de Magistério e, posteriormente, o Curso de
Pedagogia com habilitação em Educação Especial, concluído em 2000. Fez PósGraduação em Educação, focando o Trabalho do Coordenador Pedagógico.
Continuou sua vida acadêmica fazendo o Curso de Mestrado na linha de pesquisa
de Educação Especial e, atualmente, faz o curso de doutorado nessa mesma linha
de pesquisa.
Ivan
“Nós somos Ph.D. em identificação de problemas e leigos em busca de
soluções dos mesmos. Se estamos tendo problemas [...]quais são as ações e
as soluções?”
Ivan vem de família simples, nasceu no município de Cariacica/Espírito Santo, tem
seis irmãos, seu pai só tem “leitura de mundo” (analfabeto), sua mãe é do lar.
Solteiro, sempre estudou em escola pública. Fez o Curso de Magistério com estudos
70
adicionais em Ciências, no Município de Cariacica. Em 1999 concluiu o Curso de
Pedagogia com habilitação em Educação Especial. Tem 20 anos de experiência
profissional.
Vânia
“Eu acredito muito na sensibilização das pessoas, sensibilizar as autoridades,
as empresas, o outro, através das pesquisas (divulgando-as), mostrando que
existem possibilidades das pessoas especiais crescerem em suas
potencialidades.”
Vânia vem da cidade de Muqui, interior do Estado do Espírito Santo. Seus pais são
professores. Tem 40 anos, é casada e tem dois filhos pequenos. Sempre estudou
em escola pública, No ensino médio, ainda em Muqui, fez, paralelamente, o Curso
de Magistério no turno matutino e Técnico em Contabilidade no noturno. Com 20
anos, veio para Vitória por ter sido aprovada no concurso público do Banestes. Em
1999, concluiu o Curso de Pedagogia com habilitação em Educação Especial, tem
curso de pós-graduação em Administração de Recurso Pessoal, área em que atua
como analista de Recursos Humanos. Trabalha há três anos com as deficiências em
seu contexto de trabalho.
Ao selecionarmos as frases dos sujeitos, procuramos destacar aquelas que, a nosso
ver, foram mais significativas de forma a caracterizar o conjunto de suas respostas a
respeito de como se colocam em relação à Educação Especial. Constatamos que
essas respostas são perpassadas por questionamentos sobre a prática educativa
envolvendo alunos com necessidades educacionais especiais, constatações de
desafios e manifestações de expectativas e anseios em relação ao trabalho
educativo desenvolvido nessa área.
5.1.2 Grupo II: Sujeitos Que Se Formaram Nos Anos de 2001 e 2002
O Grupo II é composto de cinco sujeitos, os quais aparecem neste estudo com os
seguintes nomes fictícios: Creuza, Vitória, Deise, Clara e Suzana.
71
Esse grupo se constitui exclusivamente de mulheres, numa faixa etária entre 35 e 49
anos. As cinco mulheres desse grupo têm origem socioeconômica vinculada à
camada popular da sociedade. Quatro delas são casadas e apenas uma é solteira.
Das que se declararam casadas, três possuem dois filhos cada e uma apenas um
filho.
Os dados, ainda, apontam que todas as entrevistadas estudaram em escolas
públicas. Em relação à continuidade dos estudos após o Curso de Pedagogia,
observamos que três das entrevistadas possuem Mestrado em Educação.
Apresentaremos, a seguir, informações sobre esses sujeitos, mais uma vez
destacando frases significativas que expressam suas idéias, desejos e sua
constituição como professor na Educação Especial.
Creuza
“Enquanto o município não vê a Educação Especial como prioridade, fazendo
parte do ensino, parte do sistema, a sociedade também não a vê, e aí dificulta
o trabalho dentro da escola”
Creuza nasceu em Vitória/Espírito Santo. Vem de uma família de nove irmãos, três
homens e seis mulheres, sendo a mais velha delas. Seu pai é um comerciante que
veio a falecer quando ela tinha apenas dez anos. Sua mãe, dona de casa, assumiu o
lugar do seu pai no comércio. É casada, tem dois filhos e tem 49 anos de idade.
Estudou em escola pública, fez o Curso de Magistério e, em 2001, concluiu o Curso
de Pedagogia com habilitação em Educação Especial. Em seguida, fez o curso de
mestrado na referida linha de pesquisa. Tem sete anos de experiência profissional.
Vitória
“Nós não estamos na Educação Especial porque somos bonzinhos, nem o
aluno está na sala de aula por caridade, mas por direito, ele tem direito de
permanecer ali.”
Vitória nasceu no Estado do Espírito Santo, no município de Vila Velha. De família
simples e pequena, sua mãe morreu muito jovem e, em virtude disso, ela e sua
única irmã foram para um colégio interno. É casada e tem uma filha também casada.
No ensino médio fez o Curso de Magistério, tem duas graduações, uma na área de
72
História e outra em Pedagogia com habilitação em Educação Especial, tendo
concluído em 2003. Atualmente, cursa Mestrado em Educação, tem 20 anos de
experiência profissional.
Deise
“Fui fazer Educação Especial, porque acreditava que, na minha sala de aula
regular comum, eu ia ter aluno com necessidades educacionais especiais e
que eu teria que estar preparada para recebê-los.”
Deise é natural do Espírito Santo e sempre morou no município de Cariacica, Tem
27 anos e dois irmãos. Sua mãe é do lar e seu pai empresário. É solteira, sem filhos.
Estudou em escola pública, porém no ensino médio, foi para a escola particular onde
fez o Curso Técnico em Contabilidade. Em 2002, concluiu o Curso de Pedagogia
com habilitação em educação infantil e gestão educacional, Após, iniciou o Curso de
Mestrado na linha de pesquisa de Diversidade e Práticas Educacionais Inclusivas
concluindo-o em 2006. Atua há cinco anos na educação.
Clara
“Temos que ter outra forma de educação, outro caminho, onde as pessoas
tenham direitos de ter conhecimentos. Que a administração mude sua forma
de ver o profissional. Muitos profissionais gostam de trabalhar, mas têm suas
limitações.”
Clara é natural do município de Cariacica/ Espírito Santo, tem seis irmãos, e ela a
mais nova. Sua mãe uma é lavadeira e seu pai é ferroviário. Tem 31 anos, é casada
e tem dois filhos, um com oito anos o outro com seis anos. Sempre estudou em
escola pública, cursou ensino médio no Colégio Estadual de Vitória. Fez Curso de
Pedagogia com habilitação em Educação Especial, tendo concluído em 2002. Tem
seis anos de experiência na área educacional.
Suzana
“Quando eu comecei, eu tinha um aluno com síndrome de Down, outro autista
e outro com síndrome West, eu pensei: Gente, como eu vou trabalhar com
essas crianças?”
Suzana nasceu no interior do Estado do Espírito Santo, vem de uma família
constituída por cinco irmãos. Ela é a única do sexo feminino. É casada e tem duas
73
filhas adolescentes. Estudou em escola pública, fez ensino médio no Colégio
Estadual de Vitória com estudos adicionais em Técnico de Enfermagem. Concluiu,
em 2003, o Curso de Pedagogia com habilitação em Educação Especial. É
funcionaria pública federal há 15 anos e há a quatro atua paralelamente na
Educação Especial.
Neste grupo, destaca-se, nas frases dos sujeitos, a preocupação com políticas
públicas na área de Educação Especial. Também já identificamos a repercussão do
movimento de inclusão nas escolas regulares, nas opções dos ex-graduandos no
que se refere à própria formação, bem como ao interesse em se preparar para atuar
com alunos com necessidades educacionais especiais.
5.1.3 Grupo III: Sujeitos Que se Formaram Nos anos de 2003 A 2005.
O Grupo III é composto de cinco sujeitos, os quais aparecem neste estudo com os
seguintes nomes fictícios: Marlene, Aline, Nilda, Mônica e Rose.
Este grupo é composto, em sua totalidade, por cinco mulheres na faixa etária entre
25 e 27 anos. Três das entrevistadas são solteiras e duas são casadas e não
possuem filhos.
Em referência à origem socioeconômica, três das entrevistadas indicam pertencerem
à camada popular e duas à classe média. Quanto aos dados relacionados com a
escolarização, temos: duas oriundas de escola pública e três que mesclaram seus
estudos em escolas públicas e particulares.
Neste grupo, três das componentes possuem Mestrado em Educação e duas
possuem Curso de Especialização.
74
Marlene
“O movimento da inclusão é um movimento sóciopolítico que envolve reflexão,
nova concepção de escola, de aluno, de homem, enfim de toda sociedade.”
Marlene nasceu na cidade de Vila Velha no Estado do Espírito Santo, depois foi
morar no município de Cariacica. Tem uma irmã (gêmea), filha de pai assalariado,
que cursou até a 4º série do ensino primário e mãe do lar, que cursou até a 8º série
do ensino fundamental. Sempre estudou em escola pública. No ensino médio fez o
Curso de Magistério no Instituto de Educação em Vitória. É solteira, e tem 25 anos
de idade. Concluiu o Curso de Pedagogia em 2005 com habilitação em Gestão e
Educação Especial. Atualmente, cursa Mestrado em Educação na referida linha de
pesquisa. Tem cinco anos de experiência profissional.
Aline
“A realidade não é bonita, não, a gente tem que dar um pouco de afeto, sim, eu
não aprendi que meu aluno de seis anos iria presenciar sua mãe ser morta, e
que tal fato traria dificuldades de aprendizagens.”
Karolini nasceu em Colatina, interior do Estado do Espírito Santo. Tem 26 anos, é
casada e sem filhos. No ensino médio, ainda em Colatina, fez Curso Técnico em
Contabilidade. Durante o Curso de Pedagogia, fez algumas habilitações, como
Psicopedagogia e Literatura Infanto-Juvenil. Em 2005, concluiu o Curso de
Pedagogia, com habilitação em Educação Especial. Tem dois anos de experiência
na área de educação.
Nilda
“Comecei a sentir aceitação pelos professores que diziam: `Eu não entendo
disso ainda, mas você pode ler isso ou aquilo, minha área é essa`. Poucas
coisas existiam no Espírito Santo, em relação ao surdo, mas a Universidade
não esteve fechada.”
Nilda nasceu no Estado do Espírito Santo, no município de Vila Velha, tem 25 anos,
solteira, filha única de pais surdos. Estudou da 1ª à 8ª série em escola pública,
depois fez o ensino médio regular numa escola particular. Concluiu em 2005 o Curso
de Pedagogia com habilitação em Educação Especial. Tem cinco anos de
experiência profissional.
75
Mônica
“Acredito que seja mesmo, através de uma carga de decepções, de não ter
visto resultados, da desvalorização e falta de condições de trabalho que vêm a
desmotivação.”
Mônica nasceu e sempre morou em Vitória/ Espírito Santo, tem uma irmã mais nova,
mãe pedagoga e pai que trabalha com vendas. Na educação infantil, freqüentou a
escola pública e fez da 1ª série até o segundo grau em escola particular onde fez
curso profissionalizante na área de informática. Tem 27 anos, é casada e não tem
filhos. Em 2005, concluiu o Curso de Pedagogia com habilitação em Educação
Especial. Atualmente cursa o mestrado na linha de pesquisa de Diversidade e
Práticas Educacionais Inclusivas. Tem cinco anos de experiência na área de
Educação.
Rose
“Acho que a educação liberta da ignorância, traz perspectiva de vida, mas a
gente tem que acreditar e ter convicção disso.”
Rose tem 26 anos, é solteira. Nasceu no Estado do Espírito Santo, tem um irmão e
uma irmã, e é a mais nova da família. Seu pai, por ter ficado órfão muito cedo, não
teve oportunidade de estudar. Já sua mãe fez magistério. Estudou em escola pública
de 1ª a 8ª série e na escola particular o 2º grau, onde fez o Curso Técnico em
Processamento de Dados. Em 2003, concluiu o Curso de Pedagogia com duas
habilitações, uma em gestão e outra em Educação Especial. Fez pós-graduação em
educação infantil e, posteriormente, mestrado na linha de pesquisa de Diversidade e
Práticas Educacionais Inclusivas. Tem quatro anos de experiência na área
educacional.
As narrativas neste item indicam que os três grupos têm semelhanças na origem
socioeconômica. Os professores são oriundos das camadas populares e pertencem
à classe média. A maioria dos sujeitos é do sexo feminino. Dentre os 17 sujeitos
apenas dois são do sexo masculino.
A faixa etária varia entre 25 e 49 anos. Dos sujeitos que prosseguem os estudos,
temos desde indicação de Curso de Especialização ao doutorado, o que mostra que
estão envolvidos com a formação continuada.
76
Para permitir uma compreensão maior das características dos sujeitos da nossa
pesquisa, apresentamos, a seguir, um quadro contendo as principais informações
apresentadas sobre eles.
Grupo Sujeitos
Idade Ano
da
Situação
conclusão
familiar
Atuação
Tempo
de
profissional
atuação
na
Estado Filhos (cargo/função) área
educacional
Grupo III
Grupo II
Grupo I
civil
Ana
37
1999
Casada
2
Professora
11
Augusto
40
1998
Solteiro
_
Professor
20
Ingrid
45
2000
Casada
2
Professora
20
Ivan
37
1999
Solteiro
_
Professora
20
Luíza
37
1999
Casada
_
Professora
8
Margarida 40
2000
Casada
1
Professora
3
Vânia
40
1999
Casada
2
Func. Pública
3
Clara
31
2002
Casada
2
Professora
6
Creuza
49
2001
Casada
2
Especialista
7
Deise
27
2002
Solteira
_
Prof. e Gestora
5
Suzana
37
2003
Casada
2
Professora
15
Vitória
49
2002
Casada
1
Professora
20
Aline
26
2005
Casada
_
Prof. e Espec.
2
Marlene
25
2005
Solteira
_
Professor
5
Mônica
27
2005
Casada
_
Professora
5
Nilda
25
2005
Solteira
_
Professora
5
Rose
26
2003
Solteira
_
Professora
4
Quadro 1: Características dos sujeitos da pesquisa
No caso desse grupo, as frases mais significativas identificadas por nós apontam um
olhar para o cotidiano escolar e uma busca de distanciamento e reflexão sobre esse
contexto.
77
5.2 O INTERESSE DOS PROFESSORES PELA EDUCAÇÃO ESPECIAL
Neste item, destacaremos das narrativas aspectos que apontam a gênese do
interesse pela Educação Especial dos sujeitos envolvidos na pesquisa.
5.2.1 Grupo I: Sujeitos que se formaram nos anos de 1998 a 2000
Analisando as narrativas dos sujeitos, percebemos que o interesse pela área de
Educação Especial surge em momentos distintos de suas vidas, desde experiências
vividas na infância até aquelas vivenciadas no Curso de Pedagogia.
Ingrid aponta que, para ela, o interesse surgiu da própria história de sua vida. Relata
que, em várias ocasiões, passou por situações ou fases com momentos difíceis de
superação que foram despertando nela esse interesse. Relembra um episódio
ocorrido com sua avó e relata:
Minha avó gostava muito de meu pai. Durante muito tempo chorou a
morte dele. Um dia, após levantar da cama, chegou à mesa e falou:
`Nunca mais vou derramar uma lágrima pela morte do Wilson`. O
que aconteceu? Ela respondeu: `Tive uma revelação de como ele
ficaria se tivesse ficado vivo`. Disse ter tido um sonho e nele visto
meu pai que aparecia numa cadeira de rodas todo bobo, sem
movimentos nenhum, babando, todo mundo tendo que dar atenção,
ela falou que aquilo foi à gota final para parar de chorar a morte
dele, que nunca mais choraria e, realmente, foi o que a aconteceu,
ela passou a ver a coisa de forma diferente.
Essa experiência descrita por Ingrid a ajudou a começar a pensar nas questões que
perpassam as pessoas que apresentam deficiência. Porém, o interesse continuou
no momento em que começou a lecionar e teve contato com crianças que
necessitavam de mais atenção e apoio especial.
Margarida, Luiza e Ana identificam esse interesse em uma etapa posterior de suas
vidas, a partir de experiências vivenciadas no e pelo Curso de Magistério em nível
de ensino médio e no cursinho pré-vestibular. “No Magistério, tive oportunidade de
estagiar [...] o trabalho coletivo foi muito bom, pois ia inventando coisas para todos,
78
inclusive para os dois alunos com necessidades educacionais especiais”
(MARGARIDA).
Fui estagiária durante três anos, período todo do Magistério. Lá eu conheci a
Educação Especial (LUIZA).
Na época do cursinho, tinha uma colega com síndrome de Down [...] foi quem
despertou a Educação Especial em mim (ANA).
O interesse de Margarida pela Educação Especial surgiu no magistério quando teve
oportunidade de estagiar numa escola da prefeitura de Jeribá, onde houve os
primeiros contatos com os alunos com necessidades educacionais especiais. Na
sala de aula, dentre os alunos, havia dois meninos, um com deficiência intelectual e
outro com uma deficiência não identificada. O trabalho coletivo de intervenção foi
satisfatório, ela planejava ações que contemplavam todos os alunos, que favoreciam
a leitura e escrita bem como a socialização e aprendizagem dos alunos com
necessidades educativas especiais. Isso deu certo, graças às orientações dadas
pelas professoras do magistério que as ajudaram na formação de saberes sobre
Psicologia, Sociologia e Filosofia da Educação, o que lhe trouxe muito prazer e
vontade de descobrir outros conhecimentos.
A narrativa de Margarida revela que seu interesse pela Educação Especial parece
estar relacionado com uma questão mais ampla, que diz respeito às injustiças
sociais. Em seu relato, a depoente narra passagens vividas em sua infância que
evidenciam a emergência de uma percepção das desigualdades sociais e da
discriminação vivida por sujeitos em condição social desfavorecida. Nesse sentido, o
interesse pela Educação Especial surge como uma maneira de atuar em prol do
sujeito que, como ela, vivera algum tipo de discriminação.
Porém, Margarida narra que, aos 11 anos de idade e ainda morando em São Paulo,
sua família queria que ela fosse artista, cantora. Ela achava muito ridículo. Eles
queriam que ela participasse de programas de calouros na TV e do programa infantil
onde era escolhida a “Princesa de Sílvio Santos”, mas ela sempre dizia que queria
ser professora e sua mãe ficava muito irritada. Seu mundo era muito diferente do
79
que a família queria. Nessa perspectiva, ela achava que a educação ia dar mais
conhecimentos, por isso, fez magistério.
Ana narra que, em sua sala, estudava uma aluna com síndrome de Down que se
apegou a ela. Relata: “Parecia coisa de ímã, ela sentava do meu lado, eu ajudava
muito ela, não era muito comprometida na aprendizagem. Nós conversávamos
muito, estudávamos juntas, os professores a deixavam fazer alguns trabalhos
comigo”. Então o professor de Geografia trouxe para ela uma revista com um artigo
referente à pessoa com necessidades educacionais especiais. Depois de ler a
revista, resolveu fazer vestibular para Pedagogia.
Luíza foi estagiária de 1ª a 4ª série durante quase três anos, período em que
cursava o magistério. Na escola em que estagiava, havia a política de receber o
aluno com necessidades educacionais especiais. Teve uma aluna com síndrome de
Down, com quem diz manter contato até hoje, embora ela esteja morando no Norte
do País. Mesmo não tendo clareza do que seria, nem visão do que era a Educação
Especial, ela já havia determinado que iria fazer alguma coisa nessa área.
Examinando o caderno de inscrição para o vestibular da UFES, decidiu fazer o
Curso de Pedagogia com Habilitação em Educação Especial.
Outros sujeitos tiveram o interesse despertado a partir de experiências vivenciadas
no próprio Curso de Pedagogia. Augusto comenta que os professores da área de
Educação tiveram uma participação decisiva em sua escolha pela área: “Eu comecei
a gostar da coisa, muito em função dos professores [...] que abriam uma perspectiva
para a Psicopedagogia [...] comecei a me interessar pelo autismo.”
Já nos primeiros meses da formação inicial, Augusto sentiu-se interessado pela
Educação Especial, em virtude da atuação de professores do Curso de Pedagogia,
que
também
lhe
mostraram
perspectivas
para
a
atuação
na
área
de
Psicopedagogia. Começou a se interessar pelo autismo e encantou-se de tal forma
que pensou na possibilidade de, posteriormente, fazer cursos na área de Medicina
como: Psiquiatria, Neuropsicologia, enfim, algo que contribuísse para entender a
condição fisiológica do sujeito, bem como trabalhar e fazer intervenções com os
alunos portadores dessa deficiência.
80
Analisando a narrativa de Ivan, percebemos que o interesse pela área da Educação
Especial surgiu a partir de uma identificação com os sujeitos da Educação Especial.
O narrador relata:
Quando iniciei no Curso de Pedagogia, estava passando por
momentos difíceis de minha vida. Tinha saído de minha casa,
terminado um relacionamento afetivo, vivenciando momentos de
conflito interior muito grande, estava desanimado, não me
encontrando na habilitação de Educação Especial, rejeitava e
perguntava: o que eu estou fazendo neste lugar? Não aceitava
aquelas crianças. Certa vez, numa aula de campo juntamente com a
professora Denise e um grupo de alunos, fomos para a escola [...],
época em que a Prefeitura de Jeribá estava implantando o projeto
das escolas pólo da Educação Especial. Num dado momento,
caminhando sozinho nas dependências da escola, encontrei um
aluno deficiente auditivo, que apontou para minha orelha que tinha
um brinquinho e me cutucou, apontando para a mesma e fez um
gesto indicando minha identidade sexual. Aquilo foi um grande
choque, caiu a ficha, eu que era excluído, estava excluindo também.
Eu pensei: Sou tão marginalizado quanto eles, como posso
contribuir para uma sociedade melhor, onde as pessoas sejam
aceitas pela sua singularidade, se também excluo? Aquele menino
me fez ver, com aquela comunicação, que nos éramos iguais,
pertencíamos a esta sociedade excludente. Foi daí que comecei a
me encantar e abraçar a Educação Especial como causa. Este foi
um momento muito significativo tanto na minha vida pessoal quanto
na acadêmica (IVAN).
A narrativa de Ivan nos remete ao desafio de pensar na inclusão dentro da
sociedade como um todo, para todos, com todos, sem preconceito.
Finalmente, Vânia interessou-se pela Educação Especial devido ao mercado de
trabalho, pois suas colegas já atuavam nessa área. Um de seus professores
orientou que o mercado estava aberto para essa área e deveria ficar atenta às
oportunidades, porque Educação Especial é um diferencial para quem é professor.
As empresas têm um percentual de oferta que atende às pessoas com
necessidades educacionais especiais. As escolas já recebem esses alunos, embora
saibamos que, muitas vezes, eles não têm um acolhimento satisfatório. Diante desse
contexto, a professora revela ter feito sua opção e, no decorrer do percurso, foi
aprendendo a gostar dessa habilitação.
81
5.2.2 Grupo II - sujeitos que se formaram nos anos de 2001 e 2002
No processo de rememorar o que ocorreu durante as narrativas, Suzana nos lembra
da multiplicidade de facetas que vão se mostrando nos ecos, nas lembranças do
tempo e que nos permite alargar horizontes e buscar outros modos de ver. Isso se
exemplifica neste relato:
Esses dias mesmo, eu estava pensando por que havia escolhido a
Educação Especial, foi quando me lembrei de um fato interessante:
quando eu era pequena, com quatro ou cinco anos de idade, tinha
um vizinho que era doente mental. Eu gostava muito dele, vivia
brincando com ele, minha mãe tinha medo. Naquela época, as
pessoas deficientes eram muito mais discriminadas, mas eu era
muito amiga dele, eu o adorava, então ele morreu, fiquei muito triste,
tinha muita saudade, vivia sonhando com ele. E, certo dia, sonhei
que ele me chamava para ir morar com ele. Contei à minha mãe e
ela ficou enlouquecida [com medo] risos... fui crescendo e
observando que sempre gostei de me aproximar das pessoas que
eram discriminadas, como: as que não se gostavam, negros,
pobres, enfim, eu sempre me aproximava deles tornando amiga. As
pessoas perguntavam:
`Mas por que isso?´. Eu não sabia
responder, mas sempre tive isto comigo, sabia que queria trabalhar
com elas. Sempre tive um olhar voltado para as pessoas que
precisavam de atenção’ (SUZANA).
No relato de Suzana, é possível perceber que sua história de vida e suas interações
sociais a instigaram em direção à área da Educação Especial, o que nos faz refletir
sobre a importância da valorização da história de vida dos professores e como isso
se reflete em sua prática educativa. Uma experiência vivida na infância com um
vizinho que era doente mental se destaca no interesse pela Educação Especial,
além de uma preocupação com as pessoas discriminadas.
Em contrapartida, Vitória interessou-se pela Educação Especial quando atuava
como professora, mesmo antes de cursar Pedagogia. Vitória destaca marcas das
diferentes culturas
escolares vivenciadas,
marcas
significativas
que
foram
despertando seu interesse pela Educação Especial. Marcas que indicavam um modo
específico de se trabalhar com crianças com necessidades educacionais especiais
na escola regular. Constatamos isso quando ela nos contou:
Tudo começou quando atuava numa escola pertencente ao Estado
e aconteceu um fato interessante; na escola tinha uma salinha
82
separada das outras, onde tinha uma professora que trabalhava
com alunos especiais. Eu ficava curiosa com esta sala primeiro
porque ela era separada das outras e a professora dessa sala, não
participava com a gente em nenhum momento, de planejamentos,
de recreios, nem de nada. O recreio tanto dela, quanto das crianças
era separado. E aquilo me deixava curiosa do porquê. E esta
professora aposentou. Então a diretora me chamou e pediu para
assumir aquela sala. Foi um choque, você não acredita. A sala era
homogênea, tinha meninos que estavam ali seis até sete anos.
Tinha um menino que não aprendia a ler e escrever, e fiquei curiosa
por que aqueles meninos estavam tanto tempo lá. Consegui exame
de vista para alguns alunos. E esse menino foi um deles, o que ele
tinha era oito graus de miopia, ele não enxergava nada. Ele não
aprendia porque não enxergava nada. A partir do momento que ele
começou a usar óculos, ele saiu da sala e foi seguindo até a quarta
série. Nesta série, ele sofreu um acidente vindo a falecer. Ele já
estava adulto, tinha perdido um tempo enorme naquela sala,
simplesmente porque não enxergava. E era um menino normal, mas
não sei por que a professora nem a família não perceberam isso. E
ali dentro tinham outros casos semelhantes (VITÓRIA).
Diante desse relato, somos desafiados a olhar o professor no sentido de romper com
a dicotomia entre os que pensam e os que executam a educação. É preciso que ele
repense sua prática, tenha um olhar construtivo, articule-se ao desejo político que se
traduz no compromisso de aprofundamento teórico permanente, sistematizado,
responsável; uma consciência humanizadora sobre a realidade social. Como Freire
(2002, p.85), penso que “Nosso papel no mundo não é só de quem constata o que
ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito da ocorrência”. Nesse
sentido, entendemos que a mudança é possível, uma vez que mudar significa não
estar alheio à nossa postura, à tomada de decisão, mas estar imerso numa condição
de protagonista desse contexto.
De forma semelhante a Augusto, do grupo I, o interesse de Creuza e Clara pela
Educação Especial surgiu a partir de experiências propiciadas pela universidade:
Eu conheci o professor [...] maravilhoso, da criança que ele falava.
Eu tinha aquele histórico, tinha sido essa criança, também tive
dificuldades e alguém acreditou em mim [...] comecei a pensar
nesse professor da sala de aula, qual o papel dele, da importância
que ele tem [...] e vi que realmente queria fazer Educação Especial
(CLARA).
83
Estava dentro de mim, sempre achei que deveria buscar mais [...] fiz
habilitação em Educação Especial e foi aí que me envolvi [...] foi que
optei pela Educação Especial por esta linha de trabalho (CREUZA).
Em sua narrativa, Creuza destaca que seu interesse pela Educação Especial deu-se
durante a graduação por influência de professores da área de Educação Especial e
a partir do trabalho desenvolvido no Núcleo de Pesquisa e Extensão em Educação
Especial
(NEESPE/CE/UFES),
onde
teve
contato
com
as
crianças
com
necessidades especiais. Porém, ressalta que foi no Curso de Mestrado que
realmente fez opção de trabalho pela referida área.
Em uma das aulas do Curso de Pedagogia, Clara ouviu o professor discorrer sobre
dificuldades de aprendizagem dos alunos e procedimentos diante daquelas
situações.
Enquanto ele falava, Clara foi se identificando com aquele histórico.
Tinha sido aquela criança e alguém tinha acreditado nela, entretanto foi a sua
professora. Começou a refletir sobre essa situação e a questionar o papel do
professor de sala de aula, principalmente daqueles com dificuldades especiais. Após
conversar com esse professor, ele conseguiu para ela um espaço na APAE.
Trabalhou nessa instituição durante algum tempo e viu que realmente queria atuar
na área da Educação Especial.
Por outro lado, a narrativa de Deise ressalta o ambiente de trabalho como fator
preponderante em sua escolha. Afirma que foi quando começou a trabalhar na
APAE que conheceu o que era ser especial, o quanto valia a pena brigar e lutar por
eles, chorar por alguém, seja na educação infantil área em que trabalha como
professora no turno matutino, seja na APAE, onde é gestora no turno vespertino.
Assim, o interesse pela Educação Especial passa pela vivência dos sujeitos em seu
cotidiano social, na sua experiência no espaço profissional e, principalmente, dentro
da universidade, por meio das disciplinas e vivência no Curso de Pedagogia.
84
5.2.3 Grupo III: Sujeitos Que Se Formaram Nos Anos de 2003 a 2005
Entre os sujeitos do terceiro grupo, encontramos Mônica e Nilda que viveram
experiências anteriores à universidade, as quais foram significativas em suas
escolhas profissionais. Destacamos o papel da escola básica e da família nessas
escolhas.
Inicialmente, Mônica passou por uma experiência marcante quando, aos 14 anos,
cursava a 8ª série do ensino fundamental. A narradora relata:
Sabia que queria trabalhar com a deficiência em virtude de um fato
marcante ocorrido. Quando estava com14 anos e estava cursando a
8ª série, na escola a aconteceu uma feira de ciências. Meu grupo
escolheu trabalhar sobre doenças, enfocando as síndromes. Então
fomos para APAE onde tive a oportunidade de conhecer os
trabalhos que eram desenvolvidos pela mesma. Foi aí que entrei na
sala de fisioterapia (estimulação). Tinha um menino com deficiências
múltiplas, fazendo exercícios na barra. Seu nome era Leonardo,
pedi autorização à sua mãe que estava perto da porta para tirar
umas fotos dele, ela autorizou. Então o chamei: `Vem, Leo, tirar
foto!`. Aí ele soltou as mãos, dando vários passos em minha direção
e, com muita alegria, me abraçou. Eu fiquei encantada e sua mãe
perplexa. A partir daí, vi que era aquilo que queria, mais pela visão
da fisioterapia.
Paralelamente a isso, sua avó enfrentava uma doença que demorou muito tempo
para ser diagnosticada, era uma esclerose múltipla. Os músculos iam atrofiando,
embora ela se encontrasse mentalmente muito bem. Essa situação era muito triste.
A narradora se imaginava na função de fisioterapeuta, o que lhe possibilitaria
contribuir para a autonomia do outro. Porém, sua mãe, que era pedagoga, insistia
que teria que fazer o Curso de Magistério. Mônica resistia, não era o que queria. No
ensino médio, fez um Curso de Informática. Após a conclusão desse curso, ainda
passou por períodos conflituosos com sua mãe. Tentou vestibular para Psicologia,
mas não conseguiu aprovação na segunda fase. No ano seguinte, fez curso prévestibular e, muito a contragosto, tentou vestibular para o Curso de Pedagogia.
Passou.
85
Durante muito tempo, ela diz ter chorado, porém conta que foi pela trajetória dos
professores que começou a se apaixonar e ir modificando sua visão referente ao
curso. Enfatiza que foi precisamente no quarto semestre. Teve uma professora que,
como uma “fada madrinha”, mudou toda sua história acadêmica. Essa professora a
acompanhou por um bom tempo, relembra com muita emoção. Diz considerá-la
como um anjo que abriu portas, janelas, enfim, mostrou-lhe que estava no caminho
certo. Reconhece também que outros professores foram significativos na
reconstituição do que estava “quebrado” dentro dela.
Em contrapartida, o interesse de Nilda tem relação com a experiência familiar:
Eu tinha acesso às escolas relacionadas à educação dos surdos, já
que ia visitar junto com meus pais, via que pouca coisa havia
mudado desde a época deles até a data que tinha ido lá. Então
comecei a me incomodar e querer fazer Pedagogia (NILDA).
A mãe de Nilda é surda e, um dia, vendo televisão junto com sua filha, surpreendeuse com uma reportagem que mostrava várias crianças surdas falando em LIBRAS,
língua de sinais, ela comentou que, se a educação mudasse, e tivesse a língua de
sinais na escola, ela voltaria a estudar. Esse fato levou Nilda a refletir sobre as
pessoas que, assim como sua mãe, não tiveram oportunidade de escolarização na
idade correta, bem como nas várias crianças que estão no processo de
escolarização por meio da oralização. Ela compreendia bem essa realidade. Foi
quando se interessou pelo Curso de Pedagogia.
Marlene, Aline e Rose tiveram seu interesse pela área despertado quando já
estavam cursando Pedagogia.
No 4º período, Marlene fez estágio extracurricular numa escola particular na
educação infantil. Ao término, foi contratada para outro estágio na Educação
Especial numa escola da Prefeitura Municipal de Jeribá. Lá, acompanhou duas
crianças especiais, uma deficiente visual e outra com deficiência intelectual.
Conversava muito com a professora de apoio pedindo orientações sobre o ensino
em Braille e sobre a deficiência intelectual. Junto com a professora regente, fazia os
planejamentos. Segundo Marlene, foi um trabalho muito interessante e possibilitou-
86
lhe escolher e amadurecer o que queria do Curso de Pedagogia. Em conseqüência
disso, fez a habilitação em Educação Especial. Também sentiu necessidade de
fazer outros cursos que contribuíssem para melhor entender a deficiência mental.
Como não estava trabalhando enquanto cursava Pedagogia, Aline decidiu que iria
aproveitá-lo de forma que lhe permitisse apropriar o máximo de conhecimentos. Tal
atitude levou-a a fazer vários cursos como também a Habilitação em Educação
Especial: “[...] aí você começa a ver com outros olhos, sua visão muda, você
aprende com a realidade”, afirma ela.
Rose destaca que até o quarto período não tinha nenhuma motivação, chegando a
pensar, inclusive, em mudar para outro curso; no entanto, afirma: “Tudo mudou
quando conheci a Educação Especial no Núcleo Ensino, Pesquisa e extensão em
Educação Especial, quando fez iniciação científica``. O trabalho desenvolvido na
briquedoteca desse núcleo foi o que impulsionou seus estudos. A partir daí, foi
descobrindo o Curso de Pedagogia. No projeto desenvolvido na brinquedoteca,
atendiam as crianças de escolas públicas e de orfanato. Filmavam e discutiam as
situações que levassem a refletir sobre o que tinha sido feito, o que poderia ser
melhorado e quais eram as outras opções de trabalho. Tinham momentos de
formação nos grupos de estudos e faziam avaliações das práticas. Nesse contexto,
também estavam as crianças com deficiências.
A partir das narrativas das integrantes do Grupo III, fica evidenciado que, para
algumas, o interesse pela área da Educação Especial surgiu de suas vivências antes
da entrada na universidade, como é o caso de Mônica e Nilda. Para Marlene, Aline
e Rose, o percurso dentro da universidade foi o que instigou a escolha por adentrar
na área da Educação Especial.
Assim, podemos inferir que o interesse pela área surge em momentos diferentes
para as entrevistadas, consolidando-se na trajetória dentro da universidade durante
a formação inicial, apontando em definitivo a importância do conhecimento e da
vivência acadêmica em suas escolhas.
87
5.3 EXPERIÊNCIAS SIGNIFICATIVAS VIVÊNCIADAS NA FORMAÇÃO INICIAL
Ao discorrerem sobre as experiências vivenciadas no Curso de Pedagogia da
Universidade Federal do Espírito Santo–UFES, os sujeitos entrevistados destacaram
aspectos referentes à: parte prática do curso, disciplinas e leituras, professores,
participação em monitorias e projetos de iniciação científica e convivência com os
colegas. Desses aspectos, os mais enfatizadas pelos sujeitos foram os professores
e a parte prática do curso.
5.3.1 Grupo I: Sujeitos que se formaram nos anos de 1998 a 2000
a) Os professores
A grande maioria dos sujeitos entrevistados aponta os professores como parte dos
aspectos mais significativos vivenciados no curso. Os professores destacados e
mencionados nas narrativas são docentes que integraram a proposta curricular
iniciada em 1995, quando o Curso de Pedagogia da Universidade Federal do
Espírito Santo passou a oferecer as seguintes habilitações: Magistério da Educação
Especial, Magistério da Educação de Jovens e Adultos, Magistério das Disciplinas
Pedagógicas do Ensino Médio.
A estrutura do currículo implantado em 1995 estendeu-se até o ano 2001 e teve a
perspectiva da docência como base principal da formação da identidade do
estudante de Pedagogia. Em 2001, houve uma alteração curricular, com a
implantação da habilitação em Gestão Educacional, que até aquele momento era
ofertada em nível de Pós-Graduação lato sensu.
Nesse contexto, destaca-se nas narrativas, especialmente, a atuação dos
professores em sala de aula, pautada pelo conhecimento teórico, pelas estratégias
para levar os alunos a um processo de reflexão crítica, pela organização e uso
adequado dos recursos didáticos para o processo de ensino e aprendizagem. A
esse respeito, Vânia relata: Na formação inicial, existiram professores que me
88
marcaram muito, como as duas professoras de Educação Especial e também tem
outra [...] era muito exigente, trabalhava as questões das leis na educação [...]. Mas
por que elas me marcaram? Pelo conteúdo que elas tinham, por colocar a gente
para pensar e cobrar. Elas tinham orientações para passar para a gente, mas não
era de graça, eu acho que este é o papel da universidade mesmo, apresentar
soluções fazendo a gente pensar, o que não acontece na escola pública.
No entanto, para alguns, parece ter tido um peso maior a postura de acolhimento,
atenção e incentivo de alguns professores em momentos críticos, durante o curso,
conforme o relato de Ivan.
Quando iniciei o Curso de Pedagogia, estava passando por
momentos difíceis [...] vivenciando momentos de conflito interior
muito grande, estava desanimado, não me encontrando na
habilitação de Educação Especial [...] não aceitava aquelas
crianças. [...] as primeiras disciplinas eu não gostava [...], a
professora me deu aquela sacudida, só que ela sabia do momento
de vida que eu passava, eu aprendi muito com ela, construí uma
outra relação com a professora da Educação Especial. Ela é meu
sonho de consumo (IVAN).
Em sua narrativa, fica clara sua rejeição inicial às disciplinas de Educação Especial,
entretanto, a postura firme, porém afetiva de uma professora o conquistou,
modificando sua visão em relação à Educação Especial.
De forma semelhante ao relato de Ivan, as narrativas de Ana, Ingrid, Vânia e
Margarida indicam a influência dos professores de várias disciplinas dentro do Curso
de Pedagogia. No entanto, em algumas dessas narrativas, os professores de
Educação Especial são lembrados como os que mais lhes marcaram durante a
formação inicial, como podemos destacar em alguns depoimentos que se seguem:
Eu gostei da Matemática, da parte de Ciências, mas, com certeza, o
que me marcou foi a Educação Especial (ANA).
Os professores que mais me marcaram foram a professora de
Educação Especial e a professora de Matemática (INGRID).
As narrativas dos sujeitos nesse item mostraram a importância e influência da
prática e postura dos professores dentro da universidade. Para Nóvoa (2000), a
89
universidade no Século XXI deve privilegiar a situação pedagógica. Para o autor, em
toda situação pedagógica, há um professor, um aluno e um saber. Nesse sentido,
Nóvoa enfatiza que estamos caminhando na perspectiva de privilegiar a relação
aluno e saber, estando o professor na posição de apoio na construção e na
conjugação desse saber.
b) Parte prática do curso
Nesse grupo, dois entrevistados fazem referência à parte prática do curso,
mencionando a experiência vivenciada no estágio curricular supervisionado. Dentro
da grade curricular do Curso de Pedagogia, o estágio tem uma carga horária de 300
horas para cada habilitação e segue o caminho da vivência do cotidiano das escolas
aliado à pesquisa, principalmente, nas disciplinas da Habilitação em Educação
Especial, como ressaltado nas narrativas dos sujeitos.
Assim, nas narrativas de Vânia e Margarida, aparecem lembranças referentes ao
estágio em Educação Especial como nos relatam:
[...] foi na escola pública, eu acompanhei uma criança que tinha uma
situação diferente dos outros alunos, no estágio que fiz numa escola
municipal no Bairro M. O. O menino não se concentrava e a
professora regente não tinha canal aberto com ele, não havia uma
atividade diferenciada para ele estar desenvolvendo suas
potencialidades. Mas, com a orientação da professora de Educação
Especial, eu aprendi como trabalhar. A gente começou a pesquisar
o que ele fazia, o que ele gostava de fazer, como era a vida dele,
daí, passei a fazer atividades com o que ele gostava, como pesca,
peixe, siri (VÂNIA).
[...] a professora de Educação Especial ajudava nas questões da
pesquisa, com a pesquisa-ação e ela só teve um período com a
disciplina Estágio em Educação Especial, que foi o suficiente para
deslanchar em nós a questão da pesquisa (MARGARIDA).
Dessas duas narrativas, podemos inferir que o período de estágio em Educação
Especial vivenciado pelas duas componentes do Grupo I é marcado pela articulação
com a pesquisa, com o cotidiano das escolas e com a proximidade da realidade do
aluno com necessidades educacionais especiais.
90
Essa articulação, dentro do estágio supervisionado, tem favorecido a construção de
um significado mais forte para a práxis dos alunos do Curso de Pedagogia, como
nos coloca Barreto (2007, p. 272)
A nossa intenção é que o estágio supervisionado seja um momento
importante na formação do futuro professor [...]. Nesse contexto as
disciplinas de estágio em Educação Especial [...] vêm ganhando
novo significado, à medida que devem constituir-se como momentos
`articuladores` entre os estudos teóricos do curso de pedagogia e a
docência vivenciada na escola.
c) Disciplinas e leituras
Um outro aspecto bastante ressaltado pelos sujeitos diz respeito às aulas e às
leituras propostas nessas aulas. O Curso de Pedagogia está organizado em dois
turnos: matutino e noturno, tendo o seguinte quadro de disciplinas como base
curricular:
O currículo do Curso de Pedagogia se fundamenta na relação
teoria-prática. Além das disciplinas de Fundamentos da Educação
(Filosofia da Educação, Sociologia da Educação, Psicologia da
Educação, História da Educação, etc.), as Metodologias de Ensino
(Português, Matemática, Ciências, História e Geografia) incluem, em
seus programas, conteúdos específicos e metodologias também
específicas. Nos períodos finais do curso e visando a integração de
conteúdos, o aluno deverá fazer 600 horas de Estágio
Supervisionado (300 horas para cada habilitação) (CENTRO DE
EDUCAÇÃO, 1995).
Nas narrativas dos sujeitos entrevistados, temos lembranças das metodologias
usadas pelos professores como: aulas dialogadas, reflexão em grupo a partir de
aulas de estágios, ligados à prática da pesquisa, orientação para produção de
artigos científicos, leitura de relatórios de pesquisas, leituras de livros como
aprofundamento teórico e avaliação como um processo dinâmico envolvendo
docentes e discentes.
91
Augusto faz alguns apontamentos que fornecem indícios de como percebe hoje as
aulas ministradas no passado:
Esta noção de compreender como a criança aprende e cria
possibilidades de aprendizagens e desenvolvimento para todos [...]
organizar cognitivamente o aluno de maneira a facilitar o
aprendizado, foi dada pela Educação Especial. A professora
trabalhava com essa noção de apostar nisso que dá certo, uma vez
que existe uma trajetória no pensamento de toda criança que o
professor precisa saber. As aulas tinham uma seqüência, a coisa
estava traçada num modelo histórico-cultural, isto ficava bem nítido
para nós, alunos. Elas tinham um eixo teórico condutor um momento
muito significativo.
Em seu relato, Augusto chama a atenção para a base teórica do curso, apontando
que as disciplinas tinham um “eixo condutor”. Especificamente no que se refere à
Educação Especial, destaca a ênfase à abordagem do desenvolvimento infantil, à
dimensão cognitiva às possibilidades de organizar o trabalho pedagógico de maneira
a provocar desenvolvimento em todos os alunos.
Ampliando os comentários sobre o eixo condutor do curso, Margarida relata as
contribuições que disciplinas da área de fundamentos da educação tiveram em sua
formação, desencadeando reflexões e desejo de mudança na educação.
Em uma direção semelhante, Vânia menciona o livro “Ninguém vai ser bonzinho na
sociedade inclusiva”, de Cláudia Werneck, que a marcou muito, por enfocar o que é
o sofrimento de uma família ao receber uma criança com necessidades
educacionais especiais, bem como por auxiliar na busca de caminho para atuar com
essa criança: o que fazer, como começar.
d) Participação em projetos de monitoria e/ou iniciação científica e estágios
não curriculares
Desde o ano de 2001, as pesquisas na Universidade Federal do Espírito Santo vêm
sendo regidas pela Resolução nº 35/2001 que caracteriza e regulamenta todas as
92
atividades relacionadas com a pesquisa e extensão. Destacamos um trecho dessa
resolução, no que tange às atividades de iniciação científica:
§ 3º As atividades de iniciação científica serão regidas pelas
presentes normas e por regulamentação específica, estabelecida
em convênios com agências de fomento. Art. 2º As atividades de
pesquisa compreendem: I) a investigação de questões ou problemas
científicos e culturais na busca de respostas inovadoras; [...] III) a
preparação de futuros investigadores por meio da iniciação científica
e sua formação mais avançada nos programas de pós-graduação
(RESOLUÇÃO nº 35/2001, p. 1)
Dentro do Grupo I, apenas um sujeito menciona a participação em projetos de
monitoria e/ou iniciação científica.
Nas recordações de Ana, perpassam fatos significativos do Curso de Pedagogia
referentes à sua participação, como bolsista de iniciação científica, apontando, em
sua narrativa, uma articulação entre formação inicial e pesquisa na vivência da
universidade, como destacamos em sua fala:
Eu me lembro do professor de História da Educação com quem
trabalhei durante um ano e meio como bolsista do Conselho
Nacional de Pesquisa C.N.P.Q. Aí conheci a professora da
Educação Especial que convidou a mim e a uma outra colega para
sermos bolsistas. O projeto era sobre informática aplicada na
Educação Especial. Ela nos apresentou o projeto de pesquisa para
lermos e estudarmos, colocou a gente para estudar mesmo,
trabalharmos com os softwares, como eles funcionariam na
Educação Especial. E aí, eu me identifiquei mesmo com o curso. Foi
bom porque aproveitei o máximo que a universidade podia me
oferecer. O Curso de Pedagogia foi um curso bom, eu acho que o
curso é o aluno que faz, você que busca, procura esclarecer as
coisas, eu acredito que quem faz a universidade, o conhecimento é
o aluno (ANA).
5.3.2. Grupo II: Sujeitos que se formaram nos anos de 2001 e 2002
a) Professores
93
No Grupo II, os entrevistados também fazem referência aos professores, ao
destacar os aspectos significativos do curso. Os professores lembrados pelos dois
sujeitos do grupo são caracterizados como docentes compromissados com o ato de
ensinar, de mediar o conhecimento aos alunos.
Destacamos, por um lado, que, ao mesmo tempo em que os sujeitos desse grupo
enfatizam a boa atuação dos professores na área da Educação Especial, por outro
lado, indicam uma precariedade no número de professores efetivos que estavam de
licença para a capacitação para doutorado e pós-doutorado, o que diminuía a
possibilidade de pesquisa, pois atividades ligadas às pesquisas só podem ser
realizadas por professores efetivos, como é destacado nas falas de Vitória e
Suzana:
Também tinha a realidade da UFES, tinha muito professor fora
fazendo curso [...] (VITÓRIA).
O que mais senti falta, foi de práticas, não havia muita articulação
entre a teoria e a prática. Muitos professores saíram para fazer
cursos [...] (SUZANA).
Mesmo com o quadro de professores efetivos reduzido, os alunos apontam um
“prazer de participar” das aulas de alguns deles, os conhecimentos que possuíam e
o modo como instigavam à reflexão. Até os professores que “pegavam pesado”,
especialmente nas provas, causando estresse e “sofrimento”, foram lembrados com
carinho pelos sujeitos.
No entanto, aqui também se ressaltam as narrativas que evidenciam uma
participação dos professores no sentido de auxiliar os ex-alunos a superar
determinadas dificuldades, durante a realização do curso.
Podemos constatar, nas lembranças de Vitória, um elo forte com a figura do
professor durante a formação inicial, que soube responder aos seus anseios dentro
da universidade, apoiando-a, incentivando-a a prosseguir seus estudos:
Quando começou o ano letivo, chegando no corredor da
universidade, vi uma grande quantidade de jovens e, quando
94
cheguei na porta da sala, uma pessoa me perguntou: `Você que é a
professora?`. Aquilo acabou comigo, eu me senti em desvantagem
em relação à juventude [...].A professora de Filosofia me ajudou a
refletir muito sobre isso, em que contexto acontece, qual contexto
político. Ela me deu muita força, gostava muito de mim por participar
das aulas [...]. No meu imaginário eu era velha demais para estar
naquele ambiente, mas eu sempre tive isso, tenho uma vontade
louca de estudar. Eu faço porque gosto, eu gosto do ambiente
acadêmico (VITÓRIA).
Na mesma direção, Clara indica como conseguiu superar sua dificuldade na escrita
por meio da ajuda de duas professoras do Curso de Pedagogia, apontando esse fato
como ponto positivo e marcante de sua formação inicial, como podemos analisar,
em seu relato:
Tinha uma grande dificuldade na universidade. Na minha família
ninguém tinha visto uma universidade, não existia oportunidade. A
professora de História da Educação passou um trabalho, imaginei
que era como na escola. Peguei um livro e respondi às perguntas.
Nem imaginava que na universidade tinha biblioteca central, os
outros colegas fizeram certo. Eu estava perdida, ela me deu nota
dois e chamou-me para conversar, mas, antes, ela havia
conversado com os outros professores a meu respeito, como eu
estava indo nas disciplinas. Eles responderam que estava bem.
Quando cheguei na sala dela, ela disse que queria saber como eu
havia tirado aquela nota, eu respondi que não sabia, já que tinha
dado as respostas iguais as que estavam no livro. ´Mas não é assim
que se pesquisa`, ela disse. `Tinha que trazer o pensamento de
outros autores`, e eu, por não saber, consultei apenas um livro.
Então, ela explicou como deveria ter sido feito e pediu outro
trabalho, fiz e tirei nota oito. Fiz um trabalho para a disciplina da
professora de Educação Especial. Quando ela me entregou ela
disse: `Você tirou sete, mas poderia ter tirado oito e meio, você acha
que tem dificuldades? Acha que deve melhorar na escrita? Nossas
dificuldades a gente tem que superar, faça um curso, se aperfeiçoe,
não é motivo para se preocupar, você vai passar tranqüila, vai
superar`. Aí eu fiquei tranqüila, foi diferente, me deu forças. Ela
sabia da minha dificuldade e me mostrou um caminho sem me
constranger. A nota baixa tem seu lado positivo. Se as duas
professoras não tivessem conversado comigo, eu não teria crescido.
Eu sabia da minha dificuldade na escrita, foi muito importante
(CLARA).
Notamos que a postura e as ações de alguns professores buscando conhecer
melhor o aluno, a partir de conversas com outros professores, bem como dialogando
com eles, apontando suas potencialidades e limitações (levando esses alunos a uma
95
reflexão) e incentivando-os a superá-las foram essenciais para o avanços desses
alunos nos estudos.
b) Parte prática do curso
Nas lembranças de Suzana, as experiências significativas se voltam somente para o
estágio. Ao se reportar às lembranças do estágio que cursou em duas escolas,
destaca os momentos de discussões sobre as situações vivenciadas no cotidiano
escolar. A professora colaborava trazendo suas experiências e, após, faziam um
fechamento.
Deise apresenta um relato mais detalhado sobre os aspectos na parte prática do
curso. Aponta as experiências na área da Educação Especial, que, segundo ela,
foram “bem marcantes”. Relata que, no curso, havia a prática de se fazer em
reflexões sobre o que poderia ser feito para motivar ou tentar modificar as situações
vivenciadas pelo professor na escola. Pelo seu relato, constatamos que essa prática
teve repercussões em seu trabalho como professora, atualmente. Deise afirma que,
hoje, em sua prática, pensa: “Quando um menino diz que não quer algo, eu relembro
o que passei e questiono: será que ele não quer mesmo ou existe algo por trás?”.
Ainda no relato de Deise, no que diz respeito ao estágio, podemos perceber uma
reflexão crítica referente a questões contraditórias vivenciadas no cotidiano escolar,
como exemplificado em sua fala:
[...] fizemos estágio [...] era específico da Educação Especial em
uma escola municipal. Eu observava que o professor não estava
nem aí para o aluno especial. Ele andava pela sala, fazia o que
queria, era uma turma de 4ª série. A prática que eu queria era a que
o professor realmente se interessasse pelo aluno [...].
A fala de Deise aponta a questão da exclusão dentro da escola, partindo da prática
docente em frente ao aluno com necessidades educacionais especiais, uma prática
que ignora a possibilidade do aluno, excluindo-o dentro da escola.
96
Os relatos de Deise e Suzana nos reportam às reflexões de Gentili (2001, p.32),
quando discorre acerca da forma invisível da exclusão que segrega incluindo:
[...] segregar incluindo; quer dizer, atribuir um status especial a
determinada classe de indivíduos, os quais não são exterminados
fisicamente nem enclausurados em instituições especiais [...]. Esta
forma de exclusão significa que determinados indivíduos estão
dotados das condições necessárias para conviver com os incluídos,
só que em uma condição inferiorizada, subalterna [...].Poderíamos
dizer que, em nossas sociedades fragmentadas, esta é a forma
´normal` de excluir. E, sendo `normal`, é a forma transparente,
invisível, de excluir.
O estágio, para Deise, proporcionou um momento de reflexão, que a instigou a
pensar outra prática que atendesse às necessidades dos alunos. Assim, o estágio
cumpre a função de mostrar a realidade da educação, do cotidiano da escola,
apontando possíveis transformações da realidade no sentido de repensar as práticas
em favor da real inclusão do aluno.
c) Disciplinas e leituras
Não houve menção às disciplinas e às leituras pelos sujeitos deste grupo.
d) Participação em projetos de monitora e iniciação científica
Neste grupo, apenas uma entrevistada faz referência à participação em projetos de
monitoria e/ou iniciação científica, ressaltando a relevância que essa experiência
teve em sua formação, como podemos analisar em sua narrativa:
A experiência significativa na formação inicial foi meu trabalho no
Núcleo de Pesquisa e Extensão, onde tive contato com as crianças
com deficiências, que realmente precisam de atenção mais
específica, mais individualizada e não tinham atenção na sala de
aula comum. Aqui eu tive a oportunidade de trabalhar com crianças
com deficiência e ter um novo olhar para as necessidades deles, e
foi aqui, no Núcleo, durante as discussões e a proximidade com o
conhecimento, que foi bastante significativo (CREUZA).
97
Creuza atuou como bolsista no ano de 2001. Nesse projeto, trabalhava
colaborando nas atividades realizadas com crianças com necessidades
educacionais especiais, além de participar de reuniões e realizar leituras que
embasavam o trabalho realizado.
5.3.3. Grupo III: sujeitos que se formaram nos anos de 2003 a 2005
a) Os professores
Em referência à importância dos professores, dentro do Grupo III, temos as
narrativas de Aline e de Mônica que indicam algumas professoras como
responsáveis pelo sucesso e continuidade no Curso de Pedagogia. Apontam a
trajetória dos professores que servem como exemplo para os alunos, o interesse e o
acompanhamento de seus percursos, como podemos constatar nas falas abaixo:
O que me marcou mais positivamente durante o curso de
Pedagogia, foram às professoras de Currículo e de Educação
Especial (ALINE).
Foi pela trajetória dos professores que eu comecei a me apaixonar e
ir modificando o que eu achava referente ao curso. No quarto
semestre, eu tive a professora de Educação Especial, que, para
mim, foi uma mãe. Ela me acompanhou desde o começo. Considero
como um anjo, ela abriu portas, janelas, enfim, vi que estava no
caminho certo (MÔNICA)
b) A parte prática do curso
Marlene e Aline, componentes do Grupo III, em seus depoimentos, relembram a
prática do estágio como parte fundamental de sua formação inicial. Chamam a
atenção para características do estágio cursado, como participação em projetos de
pesquisa e extensão, produção de trabalhos a partir dessas experiências em
98
conjunto com professores e apresentação em congressos, como destacamos nos
relatos a seguir:
O estágio muito contribuiu para minha prática na formação inicial,
como também para ajudar a refletir sobre o Curso de Pedagogia que
eu estava fazendo. Então minha formação inicial contribuiu para
muitas reflexões, permitiu, juntamente com a prática,
questionamentos do cotidiano, por exemplo, quando a professora de
Educação Física pedia para planejarmos, admirava a parceria que
existia entre eu e a professora de sala de aula. Este estágio me
possibilitou escolher e amadurecer o que eu queria do Curso de
Pedagogia. O estágio era aliado à intervenção, aonde não íamos
para a escola só para observar, mas fazíamos pesquisa, projetos,
seminários que apresentávamos em congresso, unindo ensino e
pesquisa (MARLENE).
À noite fazia Educação Especial e Educação Infantil por escolha
própria. No estágio de Educação Especial, apresentei um estudo de
caso, fiz estágio supervisionado nas escolas municipais de Jeribá.
Tive suporte da universidade. Na escola, eu tinha apoio da
pedagoga e de uma mestranda na área da Educação Especial que
planejava as aulas, também tinha a professora da universidade que
orientava o estágio. Três dias ficava na sala, fazia planejamento
com a professora regente e, na outra escola, fazia estágio sozinha.
O professor da universidade me orientava e eu ia observar os
alunos na sala de aula (ALINE).
c) Disciplinas e leituras
Apenas Marlene faz referência às disciplinas e às leituras realizadas, ao falar
sobre as experiências significativas durante o curso. Destaca disciplinas em que
os professores “exigiram mais” dos alunos, em que desenvolveram atividades de
pesquisa e aquelas que remetiam mais à prática em sala de aula. Marlene relata:
Também na disciplina História da Educação era exigido muito que
nós estudássemos, desenvolvendo pesquisa. O primeiro artigo que
a gente publicou foi com o professor de Matemática e foi
interessante, aliando ensino e pesquisa. Essas disciplinas que
exigiram mais da gente foram as que realmente marcaram [...].
Foram momentos significativos na formação inicial disciplinas como
Filosofia, Sociologia, Psicologia Geral, mas os períodos que me
marcaram foram os da fase final do 5º Período em diante, porque as
disciplinas estavam mais ligadas à nossa prática de sala de aula.
99
d) Participação em projetos de monitora, iniciação científica e estágios não
curriculares
No Grupo III, as narrativas de Rose e de Mônica expressam, de forma veemente,
suas vivências na universidade e a repercussão dessas oportunidades para sua
formação pessoal e profissional.
A pesquisa, durante a formação inicial, é o que aparece de mais significativo nas
lembranças de Rose e Mônica, como destacam:
A experiência de iniciação científica foi o que impulsionou meus
estudos. Nos momentos de formação nos grupos de estudos,
fazíamos avaliações de nossas práticas, sempre filmávamos nossos
atendimentos no núcleo de Educação Especial e, na hora das
discussões, a gente observava situações que nos levavam a refletir
sobre o que tinha feito, o que poderia ainda ser feito e quais outras
opções que poderia ter para trabalhar, com os alunos que
apresentavam necessidades especiais. Tivemos orientações com
três professores que estavam fazendo suas pesquisas. Nós tivemos
oportunidades de vivenciar o outro lado da universidade, fora da sala
de aula. Viajávamos para apresentar nossos trabalhos. Isto era uma
coisa nova e muito boa (ROSE).
Quando estava no quarto período, começaram a abrir as bolsas de
monitoria para o NEESP. Fiz e acabei sendo umas das selecionadas
[...]. Trabalhava como monitora de Educação Especial no projeto de
iniciação científica, no projeto da brinquedoteca, fui monitora de duas
professoras da Educação Especial. A gente planejava aulas juntas.
Para mim foi uma oportunidade única, isso me deu uma carga de
estudo muito grande. Também tive oportunidade de participar de
eventos, como a Reunião da Associação Nacional de Pesquisa em
Educação (ANPED) e na Reunião Anual da Sociedade Brasileira
Para o Progresso da Ciência-SBPC (MÔNICA).
Essa vivência em pesquisa narrada pelas componentes do Grupo III confirma a
necessidade de investirmos cada vez mais em pesquisas na graduação, ofertando
aos alunos oportunidades que refletirão em sua formação.
A narrativa dos sujeitos coloca em evidência a relevância da participação em
projetos de pesquisa e de extensão, além da iniciação para a formação do futuro
profissional.
100
No caso da área de Educação Especial do Centro de Educação da UFES, a maioria
dos projetos de pesquisa e extensão desenvolvidos no período em que os sujeitos
fizeram sua formação inicial estiveram ligados ao Núcleo de Ensino Pesquisa e
Extensão em Educação Especial (NEESP/UFES).3 A maior parte dos nossos
entrevistados participou de projetos realizados no NEESP. Nesse sentido,
concordamos com Barreto e Victor (2006), quando enfatizam a importância do
Núcleo de Ensino Pesquisa e Extensão em Educação Especial na formação dos
graduandos do Curso de Pedagogia:
[...] o NEESP tem sido o espaço de desenvolvimento de muitas
pesquisas organizadas, principalmente, pelos professores do Centro
de Educação em parceria com professores de outros centros [...].
Essa confluência nos possibilita compartilhar conhecimentos sobre a
Educação Especial e a Educação Inclusiva em suas mais variadas
formas de troca de experiências e promover a interlocução das
diferentes áreas envolvidas a respeito do que se sabe ou do que
ainda não se sabe sobre o assunto (BARRETO; VICTOR, 2006, p.
182).
Nilda, que compõe o Grupo III, em seu relato, demonstra a preocupação por não ter
muito conteúdo acerca do aluno surdo, na universidade, bem como analisa como
ponto positivo o fato de esta buscar alternativas para trabalhar a questão, como no
caso de pesquisas e atividades de extensão, realizadas no Núcleo de Educação
Especial do qual Nilda pôde participar. Esse relato é apresentado na fala que se
segue:
Comecei a sentir certa aceitação pelos professores que diziam: `Eu
não entendo disso ainda, mas você podia ler isto, ou aquilo`. [...]
comecei a entender que poucas coisas existiam no Espírito Santo
em relação ao surdo, mas a universidade não estava tão fechada
[...]. No 6º período, o NEESP ofereceu uma oficina de libras para a
comunidade, e aí eu reencontrei uma pessoa que eu já conhecia
quando era pequena, de comunidades surdas, mas não tinha muito
contato. Percebi que tinha outra pessoa que falava o que eu
gostaria de ouvir. E, a partir daí começamos a manter contato,
afinar nossos discursos, continuamos juntas nessas questões. Ela
me auxiliando mais. Por já estar mais avançada, me dava
referências para ler, aí fui ficando mais animada, a idéia de mudar
3
O Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação Especial vem realizando pesquisas na área de
Educação Especial/inclusão escolar desde o ano de 1996, contando com a participação de professores dos cursos
de licenciaturas, do Curso de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade federal
do Espírito Santo (BARRETO; VICTOR, 2006).
101
de curso já não passava mais pela minha cabeça. Percebi a
escassez da área (NILDA).
As narrativas de Rose, Mônica e Nilda destacam a importância da vivência no
NEESP. Essa vivência com atividades de pesquisa tem sido o eixo de articulação
entre teoria e prática dentro do NEESP, uma vez que os atuais objetivos desse
núcleo se caracterizam por desenvolver trabalhos de extensão e pesquisa na área
de Educação Especial, articulados com as atividades de docência no curso de
Pedagogia (BARRETO; VICTOR, 2006).
No Núcleo de Educação Especial, uma série de pesquisas foi desenvolvida desde a
sua criação. No caso específico citado por Rose, a investigação envolveu a
participação de três professores – dois do Centro de Educação e um do Centro de
Educação Física – que realizavam um projeto integrado de pesquisa cujo objetivo
era discutir aspectos referentes ao jogo, à criança com desenvolvimento típico e
atípico e à mediação pedagógica, na abordagem histórico-cultural.
Cada um dos três professores coordenadores era responsável por um subprojeto.
Os sujeitos dessas pesquisas eram crianças, entre três e seis, que viviam em um
orfanato e crianças com síndrome de Down que viviam com suas famílias. Esse
projeto contou com o financiamento do Fundo de Apoio a Pesquisa (FACITEC) e
implicou a construção de uma brinquedoteca nas dependências do NEESP. Para o
desenvolvimento do projeto, os professores coordenadores tiveram a participação de
alunas de iniciação científica dos Cursos de Pedagogia e Educação Física e de uma
bolsista de aperfeiçoamento.
Todos os projetos previam situações de intervenções lúdicas com as crianças. Para
o desenvolvimento dessas ações, eram realizadas reuniões semanais com as
alunas para avaliação do trabalho desenvolvido com as crianças, análise de
filmagens feitas durante a intervenção e planejamento das ações subseqüentes.
Como parte das atividades de Iniciação Científica, as alunas tinham que produzir
relatórios sobre as ações e reflexões desenvolvidas nas pesquisas.
102
Desses projetos implementados, resultou a produção de artigos que foram
apresentados em diferentes eventos regionais e nacionais, além de publicações em
anais de congressos e capítulos de livros.
Ações como essas que fizeram parte da formação inicial de Rose, de Mônica – e de
outros sujeitos de nossa pesquisa – e que são manifestadas em suas lembranças
revelam-se como fundamentais para sua constituição como professoras na
Educação Especial, o que também é destacado por Barreto (2007), ao discutir sobre
a importância da pesquisa na formação inicial do professor no Curso de Pedagogia:
[...] a pesquisa e a prática docente, assim como o contexto escolar têm
permeado as atividades de nosso curso [...] .A pesquisa em Educação e
em educação especial vem contribuir para a formação do futuro professor,
a partir do momento em que o ajuda a entender a prática docente e as
teorias que procuram fundamentar essa prática [...] Dessa forma,
incentivamos a iniciação científica dos alunos/estagiários nas pesquisas em
educação que buscam a especificidades e a compreensão dos
dilemas/complexidades do contexto escolar que demanda a coletividade, o
diálogo e a parceria na construção de uma escola para todos (BARRETO,
2007, p. 278-279).
5.4 PERÍODOS DE CONCLUSÃO DO CURSO E EXPERIÊNCIAS SIGNIFICATIVAS
DE FORMAÇÃO
As narrativas apresentadas nos itens referentes às experiências significativas
vivenciadas na formação inicial nos mostram muitas reflexões acerca da formação
dos professores. Uma dessas reflexões que destacamos é a prática da pesquisa
como propulsora do conhecimento para os entrevistados.
Aliada à pesquisa aparece a importância da figura do professor como aquele que
desperta interesse pela área da Educação Especial e constrói possibilidades de
novas posturas, novos olhares em frente aos alunos e à educação.
Essa nova postura, relatada pelos componentes dos três grupos, caracteriza-se
como uma preocupação de articular as questões teóricas às questões da prática, o
103
que possibilita uma ação sobre a realidade. Essa postura fica evidenciada nos
relatos acerca dos estágios.
Paim (2005), em sua análise, destaca o estágio como algo que pode “Ser uma coisa
meio traumatizante”. Justifica enfatizando que, muitas vezes, falta diálogo entre o
professor regente e o estagiário. Isso acontece, porque o professor não percebe (ou
não quer perceber) a importância que tem para os sujeitos em formação inicial,
vivenciar experiências e partilhar contribuições significativas com quem já esta na
prática a algum tempo. Contribuições que sinalizam possibilidades de parcerias,
trabalhando teoria e prática de forma integrada que se unam no cotidiano, vinculado
à história dos alunos, permitindo, ao mesmo tempo, a “aprendizagem de escuta”.
Esse processo pode possibilitar, assim, uma ação pedagógica permeada pela
reflexão na ação, pela discussão de novas possibilidades que possivelmente que
emergirão novas realidades.
Nóvoa (2000), refletindo acerca da formação inicial e continuada, aponta a
necessidade de pensarmos no desenvolvimento profissional do professor. Em sua
visão, os primeiros anos de vida docente são direcionados para a socialização
profissional e criação de uma identidade própria. Nóvoa enfatiza que a construção
do conhecimento profissional implica dimensões da experiência, da reflexão e da
reformulação.
Na narrativa de Luíza, componente do Grupo I, podemos encontrar indícios da
construção dessa identidade profissional e da construção de conhecimentos,
fomentados pela universidade. Luíza em sua entrevista, reconhece a importância da
universidade na formação inicial quando afirma:
[...] Devo à universidade meu conhecimento teórico e a minha habilitação em
Educação Especial. Quando, na prática, a nossa professora apresentava para
nós condições de fazer a trajetória histórica do nosso país, quando nos
apresentou os estudos de Benjamin Constant e falou das possibilidades de
podermos encontrar alunos com diversas deficiências na escola regular e nos
movimentos sociais que vêm junto com essa movimentação da Educação
Especial (LUÍZA).
Desse modo, entendemos que a prática do estágio e da pesquisa, o perfil do
professor, além das leituras, durante a formação inicial, orientam significativamente
104
a construção da identidade profissional do professor, mesmo com sua história
pessoal e acadêmica anterior à universidade.
105
6
ATUAÇÃO
NA
EDUCAÇÃO
ESPECIAL
E
IDENTIDADE
PROFISSIONAL
Neste capítulo, abordaremos as narrativas que denotam a experiência profissional
dos sujeitos na Educação Especial.
Os sujeitos desta pesquisa passaram por experiências diferenciadas em sua vida
profissional. Atuaram e/ou atuam:
a) em cargos distintos em Secretarias de Educação de municípios do Estado e em
escolas especiais;
b) como professores regentes em salas de aula regulares e especiais;
c) como professores de apoio, atuando em salas de aula ou salas de recursos;
d) como pedagogos na escola regular;
e) em departamento de recursos humanos.
Dos 17 sujeitos entrevistados, apenas um não atuava, no momento da coleta de
dados, em instituições de ensino, embora suas atividades profissionais contemplem
o atendimento a pessoas com necessidades especiais.
Constamos que essa diversidade de espaços de atuação bem como de tempo de
envolvimento com a Educação Especial se reflete nas narrativas dos sujeitos.
A análise das narrativas apontou, como momentos relevantes no percurso de
constituição dos profissionais, questões ligadas ao cotidiano das escolas, suas
práticas, seus desejos de mudanças e sua visão do panorama atual na área da
Educação Especial. Questões que, indubitavelmente, perpassam o eu pessoal de
cada sujeito entrevistado, o que indica a impossibilidade de separar o profissional do
pessoal, como afirma Nóvoa (1995, p.33):
[...] no professor, não é possível separar as dimensões pessoais e
profissionais [...] os professores constroem a sua identidade por
referência a saberes práticos e teóricos, mas também por adesão a
um conjunto de valores, etc. Donde a afirmação radical de que não
há dois professores iguais e de que a identidade que cada um de
106
nós constrói como educador baseia-se num equilíbrio único entre as
características pessoais e os percursos profissionais.
O autor destaca ainda a importância de refletirmos sobre como cada professor se
torna
professor,
apontando
as
seguintes
dimensões:
adesão,
ação
e
autoconsciência.
Para Nóvoa, a adesão significa comprometimento do profissional, buscando
envolvimento do aluno em situações que lhe possibilitem ações desencadeadoras
de suas potencialidades. A dimensão da ação remete à necessidade de uma relação
íntima com a pessoa que somos, de forma a propiciar situações que nos permitam
tomar decisões que favoreçam o investimento contínuo na reavaliação permanente e
crítica reflexiva sobre as práticas educativas e, a partir disso, definirmos um percurso
norteador de mudanças.
A autoconsciência ganha destaque como aquela que permite ao professor uma
atitude reflexiva sobre a própria ação, uma vez que uma prática educativa eficaz é
fruto de uma reflexão da experiência pessoal partilhada entre os pares. Nesse
sentido, a escola se evidencia como o local privilegiado nesse processo de formação
e autoformação docente. Sendo assim, a ação educativa implica conhecimento de si
num movimento constante de construção e reconstrução da aprendizagem pessoal e
profissional.
Dentro dessa perspectiva, podemos refletir que as experiências, no campo
profissional e pessoal, estão imbricadas na identidade do professor e, dessa forma,
podemos afirmar que:
O processo identitário passa também pela capacidade de
exercermos com autonomia a nossa actividade, pelo sentimento de
que controlamos nosso trabalho. A maneira como cada um de nós
ensina, directamente dependente da imagem que temos da
profissão, está em relação directa com aquilo que somos como
pessoa [...] (NÓVOA, 1995, p. 36).
107
Assim, passamos a destacar, nas narrativas dos sujeitos envolvidos na pesquisa,
suas identidades e seus percursos profissionais, tendo como foco a singularidade
presente em suas trajetórias.
Tomamos, como referência de análise, quatro aspectos mais marcantes que
emergiram dos depoimentos dos sujeitos, a saber:
a) a Educação Especial no contexto educacional atual, na perspectiva dos sujeitos
da pesquisa;
b) elementos para compreender o percurso de elaboração da identidade
profissional dos entrevistados;
c) práticas educativas na área da Educação Especial;
d) formação continuada dos professores na Educação Especial.
6.1 A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO CONTEXTO EDUCACIONAL ATUAL NA
PERSPECTIVA DOS SUJEITOS DA PESQUISA
Compreender aspectos da constituição do professor que trabalha com a Educação
Especial implica delinear o contexto em que este atua bem como compreender a
maneira como esse profissional percebe esse contexto.
Neste item, analisaremos aspectos dos depoimentos dos professores, os quais
apontam sua percepção sobre o momento atual da Educação Especial nos sistemas
de ensino no Estado do Espírito Santo e na APAE, enfatizando um panorama da
Educação Especial no Estado do Espírito Santo como um todo.
Em contrapartida, há um destaque a alguns avanços em relação à Educação
Especial em determinados municípios do Estado.
Para Rose, Nilda e Aline, componentes do Grupo III, o momento atual da Educação
Especial tem mostrado alguns avanços em determinados municípios, como
destacado em seus depoimentos:
108
Acho que a Educação Especial, em Jeribá, tem avançado muito
suas discussões em relação a outros estados do País, e em relação
aos municípios na perspectiva da inclusão, porém ainda precisamos
progredir mais. Tenho realizado estudos exploratórios no Centro
Municipal de Educação Infantil (CEMEI) em Jeribá, por isso venho
acompanhando. Até por que a maioria das pessoas que estão na
coordenação em Jeribá são pessoas que passaram pelas
discussões da Universidade. Quanto ao município de Cambará,
penso que está difícil e precário em sua caminhada, da mesma
forma Aroeira, que parece querer melhorar (ROSE).
Podemos dizer que Pequi foi o primeiro município a sair na frente
aqui no Espírito Santo, no que se refere à educação bilíngüe. Em
alguns municípios, eu vejo interesse nessa perspectiva, tanto que
me procuraram para dar curso de libras lá. O que falta são
profissionais, mas, graças a Deus, a gente já não conta com aquela
barreira de oralistas. É possível construir... Trabalhar com esta
gente, agora é possível construir. Em Pequi, na construção da nossa
política, fizemos reuniões com a comunidade surda para que eles se
colocassem, falassem tudo que não queriam, e propusessem aquilo
que queriam, [...]. Pequi tem feito isto, quebrando paradigmas
(NILDA).
A Secretária de Educação de Aroeira é muito dinâmica. Não falta
material para trabalho, tem formação continuada. A escola é que
gerencia suas necessidades, já que o dinheiro é depositado no caixa
escolar, então tudo que precisamos temos. Na prefeitura de
Cambará tudo é muito difícil, a verba é pequena [...]. Gosto muito de
Aroeira, embora tenha problemas, acho que eu consigo fazer um
bom trabalho (ALINE).
Assim, essas narrativas indicam avanços nas discussões acerca da Educação
Especial, levando em conta a participação das pessoas com necessidades
educacionais especiais e uma crescente valorização do professor em relação à
disponibilidade de material didático e formação de professores, principalmente em
municípios componentes da Região Metropolitana da Grande Jeribá.
Entretanto, ressaltam-se muitos aspectos que devem ser amplamente debatidos de
forma a se proceder a uma avaliação e redefinição dos rumos da política
desenvolvida pelas Secretarias Municipais de Educação, de forma a se avançar no
trabalho desenvolvido. Esses aspectos dizem respeito especialmente a: condições
de trabalho nas diferentes instituições, lugar dos professores da Educação Especial
na escola regular, demandas da Educação de Jovens e Adultos com necessidades
educacionais, processo de “exclusão” do aluno com deficiência incluído na escola
regular.
109
Os desafios a serem enfrentados são destacados por Ingrid e Ana, componentes do
Grupo I, ao apresentarem um panorama da Educação Especial no Estado do
Espírito Santo como um todo. Ingrid enfatiza que não há uma política, um encontro
de idéias e metas entre os municípios e seus sistemas, concernente à Educação
Especial. Ana ressalta que a inclusão é um processo em conquista nos municípios.
Eu diria que está um caos, cada um fazendo um pouco, da forma
que entende, da forma que compreende. Tem municípios que falam
assim: `Olha, nós não temos uma legislação, nós estamos pensando
em fazer um Plano Municipal de Educação`. Mas os municípios têm
psicólogos, fonoaudiólogos, centro de referência, trabalham com
salas de recursos, enfim, uma gama de dispositivos, porém não têm
uma política. Um problema sério também que eu tenho percebido, é
que, se nós não temos uma política na zona urbana, na zona rural
não tem absolutamente nada, é muito triste. Você começa a pensar
que a Educação Especial não tem sido vista com a devida atenção,
que ela tanto merecia (INGRID).
Vê-se claramente a falta de uma política educacional igualitária. O
processo de inclusão é uma história muito nova na educação,
começou de um jeito, foi se transformando em outro, isso incomoda
aos professores. Eu acho que ele está sendo conquistado, quer em
Pequi, quer em Jeribá, quer nas APAES (ANA).
Também podemos destacar das narrativas ainda do Grupo I, os depoimentos de
Margarida e Ivan que apontam, dentro do momento atual da Educação Especial, as
precárias condições de trabalho dos professores nas escolas que contribuem para
um desencanto entre os profissionais, como podemos analisar a seguir:
[...] há hoje em dia um desencanto, as crianças carregam em seu
corpo as marcas de uma sociedade desestruturada pela falta de
apoio das famílias, de condições financeiras, de saúde. São órfãos
desta sociedade. A professora também tem os seus desencantos,
baixos salários, desvalorização profissional. Porém a professora
chega à escola cheia de vontade e encontra essa tristeza. Mas não
podemos parar, os alunos estão órfãos e a professora também, a
escola está cheia de órfãos. A começar por ela, que, muitas vezes,
não tem suporte das Secretarias, das famílias e, às vezes, dos
próprios colegas. Mas ela não pode desistir, tem que ir em frente,
resistir e tentar mudar esta história porque o que está estabelecido
tem que mudar (MARGARIDA).
Um colega levou um vídeo, onde mostrava uma professora de 26
anos de idade dando depoimento que ela faz tratamento psicológico
para lidar com os problemas do cotidiano da escola, porque o
110
profissional termina se apropriando dos problemas vividos pelos
alunos. Outra coisa que desencanta o profissional são os baixos
salários, sobrecarga de trabalho, dificuldade muito grande de lidar
com toda gama de diversidade que encontramos hoje na escola.
Temos que pensar possibilidades, como enfrentar isto. Aí eu digo,
que nos especializamos em problemas e não vemos soluções. Até
porque buscar soluções é muito mais demorado, requer
planejamento e o profissional se desencanta (IVAN).
Além de falar de questões relativas ao desencanto dos professores diante da
desvalorização profissional, os sujeitos indicam a sobrecarga de trabalho e a
dificuldade de lidar com a diversidade encontrada no cotidiano da escola.
Podemos apreender das narrativas desses sujeitos que ainda não há uma política
efetiva dentro do Estado que sustente as ações dos sistemas municipais como um
todo. Os depoimentos apontam as tentativas isoladas de cada sistema. Porém, os
pontos negativos que se apresentam estão muito próximos, como os baixos salários
e a dificuldade de reorganização das escolas em busca da educação inclusiva.
Como Barreto (2008), entendemos que é preciso investir e definir as prioridades em
relação à Educação Especial: “Apesar de reconhecida a limitação de recursos nos
municípios do interior do Espírito Santo, é importante afirmarmos que Política
Pública não é intenção; é definição de prioridades e investimentos [...]” .
Ainda dentro do Grupo I, temos as narrativas contundentes de Ana e Luíza que
indicam o momento atual da Educação Especial, por meio da visão que alguns
professores regentes têm do papel dos professores que atuam na Educação
Especial. Analisemos suas falas a esse respeito:
Trabalhei em uma escola que era escola pólo na época, senti-me
descriminada por ser contratada e professora da Educação Especial
dos alunos. Como eu trabalho direito, eu não abaixo a cabeça, eu
sou responsável, não chego atrasada, trabalhava com compromisso.
A pedagoga achava que eu tinha que esperar após o meu horário os
pais dos alunos chegarem, como babá. Eram os alunos da mesma
escola, e outros que vinham no contraturno. A gente não pode
obrigar as pessoas a nada. A conscientização é uma coisa de cada
um, não adianta construir algo com alguém que não quer. Quando
você começa o ano como contratada, as pessoas são estranhas
para você, com o passar dos meses você vai estabelecendo
vínculos (ANA).
111
A gente tem que reaprender e reconstruir algumas idéias que foram
construídas. Eu tive que buscar para fazer uma nova construção de
algumas situações. O professor de 1ª a 4ª serie tem aquela coisa
assim de `Tenta me ajudar`. Se for para você entrar na sala e ficar
só com ele, está bom. Também têm aqueles que falam `Que bom
que você chegou! Vamos pensar juntos`. Eles não têm aquela visão
de 5ª a 8ª serie de `Ele está me vigiando`. Eles pensam ´Por que
trabalhar na minha sala?`. `Trabalha lá fora!`. Então existe essa
resistência ainda, não são todos (LUIZA).
As narrativas dessas duas professoras apontam como algumas escolas ainda vêem
e trabalham a inclusão escolar como uma demanda somente do professor
especialista e não como uma responsabilidade da escola e todos os seus
profissionais. Nesse sentido, Mendes (2002) ressalta a importância do trabalho
coletivo entre os profissionais, quando discute sobre as necessidades dos alunos e
as demandas de adaptações ou modificações na prática docente. Afirma que “A
delimitação das tarefas de adaptações e arranjo devem partir de orientações de
profissionais especializados com o professor da classe comum (MENDES, 2002, p.
79).
Um aspecto em especial é ressaltado por Creuza e Vitória, integrantes do Grupo II: a
dificuldade que encontram de aceitação de seu trabalho em sala de aula, por parte
do professor regente. Já para Clara a dificuldade que se apresenta é a questão do
horário para o planejamento, como podemos verificar a seguir:
Falta consolidar esta estrutura e a gente começou a pensar uma
política diferenciada no ano passado [...] porque há uma dificuldade
enorme de aceitação deste professor de apoio na sala de aula, que
é fazer um trabalho articulador dentro da sala.[...] a Educação
Especial, no município de Cambará, não tem muita autonomia [...].
Com raras exceções, a aceitação do aluno especial dentro da sala é
muito difícil, as salas de aula são cheias, então é muito complicado
trabalhar com estes alunos nas salas (CREUZA).
[...] falam com a gente, `Não tem uma vaguinha para mim lá, não?`.
Essa visão sempre foi a cara da prefeitura de Jeribá e permanece
até hoje. E até justifico esse tipo de fala, porque, na verdade, a
Educação Especial sempre foi um caso à parte na educação da
prefeitura de Jeribá. [...] muitas vezes a gente não era bem recebido,
as pessoas não acreditavam que havia possibilidades no trabalho,
entretanto a gente começou a crescer, isto em 2004. Como
coordenadora, eu fiz um trabalho que eu nem sei se eles
consideraram positivo, porque sempre, na Secretaria de Educação,
112
eles têm algum problema em relação a isto. Então fui para outra
escola, onde tinha uma pedagoga muito boa, fazíamos um trabalho
muito bom, não posso chamar de excelente, porque tinham
professores que não aceitavam a gente dentro da sala, não
aceitavam o trabalho colaborativo, queriam que continuássemos a
pegar o aluno e tirá-lo da sala porque era mais cômodo (VITÓRIA).
O erro da escola regular é a falta de tempo para o professor
planejar, porque só tem dois horários, um na hora da Educação
Física, que o pedagogo usa para olhar a pauta, ele não lhe ajuda,
não pergunta nada, porque tem medo da gente perguntar algo que
ele não saiba responder, e terá que pesquisar. Ele é inseguro. Em
50 minutos, o professor não faz um planejamento, ele precisa
estudar para fazer atividades que atendam a todos (CLARA).
Em seus depoimentos, Vânia, componente do Grupo I, e Mônica e Marlene,
integrantes do Grupo III, fazem referência ao aluno da Educação Especial.
Por outro lado, a narrativa de Vânia aponta a necessidade de pensarmos a
Educação de Jovens e Adultos com necessidades educacionais especiais, dentro
dos três turnos disponibilizados nos sistemas de ensino:
A dificuldade que eu tive com o projeto envolvendo o
deficiente surdo foi quando tive que indicar escolas, para que
eles pudessem estudar, pois o primeiro momento era apenas
de sensibilização, para mostrar a importância do estudo, o
porquê estudar, o que ia representar para eles. Mas as
escolas no diurno só têm crianças, então houve muita
dificuldade de integrá-lo nas mesmas, eles reclamaram que
eram muito velhos, e que não iam se sentir bem no meio da
garotada (VÂNIA).
Para Mônica e Marlene, o momento atual da Educação Especial encontra-se
representado por situações como a exclusão do aluno com deficiência e a falta de
colaboração entre os profissionais da escola:
Nessa escola que estou tendo mais problemas, os
professores queriam que eu desse conta dos alunos que não
reconheciam as letras. Quando a pedagoga substituta
chegou, eu falei: `Que bom que você chegou! Vamos
trabalhar juntas` e coloquei a situação ora vigente, ela me
apoiou, mas, quando vou para sala de aula as professoras
dizem: `Olha, eu estou sozinha`. [...] Tentei mudar isso,
através da articulação nos trabalhos. O processo de entrada
é mais fácil, porém o trabalho coletivo é mais difícil. Eu fui
convencida pela diretora para expor meu trabalho e tive um
bom retorno, eles saíram de lá falando: `Precisamos
113
trabalhar coletivamente`. Mas, infelizmente, isto pouco
acontece. Há pouco tempo eu passei por uma situação: a
diretora e a pedagoga queriam levar um aluno para APAE, o
mesmo não apresenta nenhum comprometimento definido,
ele é uma criança com desenvolvimento completo, mas a
APAE queria um relatório para justificar a entrada dele.
Então, chegando nessa escola numa certa manhã, a diretora
falou para a pedagoga: `Vamos pedir para Mônica assinar o
relatório`. Eu perguntei: `Que relatório?`. Ela me explicou e
eu disse: `Eu não vou assinar, acho que você tem que fazer
o relatório sim, mas não criando situações que não ocorrem
com o aluno` (MÔNICA).
Depois de formada, como professora de apoio na Rede
Municipal de Aroeira, alguns de meus desafios foram a falta
de conhecimento, de informações sobre a área e a
resistência dos professores. As professoras não dão
condições para os nossos trabalhos. Essa dificuldade de
trabalhar em conjunto, a dificuldade de partilhar tarefas com
o outro professor, que já está acostumado a trabalhar
individualmente. Mudar essa concepção, esse modo de
fazer. Quando a gente fala em inclusão, em trabalho coletivo,
professor de apoio, é também uma das principais
dificuldades. Na escola, não há uma cultura de valorizar o
planejamento e, se não há um planejamento, como fazer um
trabalho colaborativo? (Marlene).
Na fala dos entrevistados, destaca-se, ainda, a figura do estagiário que é contratado
para atuar em salas de aula onde há alunos com necessidades educacionais
especiais.
O aluno da Educação Especial tem uma estagiária que toma
conta dele e a professora fica com os outros ditos normais.
No município de Cambará não tem estagiário, a professora
tem que dar conta de todos os alunos da sala. Às vezes tem
um professor itinerante que visita a escola uma vez por
semana e atende o aluno especial durante uma hora, isto eu
estou vivenciando. No município de Aroeira, tem um
professor itinerante que só atende o turno vespertino, já que
eles alegam que o número de professores itinerantes são
insuficientes para dar conta de toda a municipalidade ou que
não tem condições de contratar mais profissionais. Isso é o
que eles alegam, porém não sabemos ao certo. Nessa
situação, o professor tem que se virar e o pedagogo têm que
dar suporte a eles, pelo menos deveria, já que este é o seu
papel. O pedagogo, de um modo geral, é muito burocrático,
acho que não leva a nada. O que ele tem que fazer é dar
suporte ao professor ajudando nos planejamentos, isto é,
fazer acontecer na prática, no cotidiano da escola (ALINE).
114
Enquanto estagiária, tinha muitos problemas, como: a falta
de diálogo com o professor do laboratório, a falta de
oportunidade de participar dos planejamentos. [...] alguns de
meus desafios foram a falta de conhecimento, informações
sobre a área e a resistência dos professores. As professoras
não dão condições para os nossos trabalhos. [...] a
dificuldade de partilhar tarefas com o outro professor, que já
está acostumado a trabalhar individualmente (MARLENE).
Ao refletirmos sobre essas narrativas dos professores referentes ao momento atual
da Educação Especial, pudemos visualizar uma amostra do quadro que tem sido
desenhado em relação à organização da Educação Especial dentro do Estado do
Espírito Santo. Os professores apresentam um panorama da Educação Especial no
Estado e destacam alguns avanços em determinados municípios.
Porém, na narrativa de todos eles, percebemos ênfase em uma série de desafios a
serem superados, como: a sobrecarga de trabalho; a dificuldade dos profissionais da
escola de lidar com a diversidade encontrada no cotidiano escolar; uma visão de
inclusão escolar como responsabilidade somente do professor especialista e não da
escola como um todo; a falta de colaboração entre os profissionais da escola e a
necessidade de um investimento maior em políticas de Educação de Jovens e
Adultos com necessidades educacionais especiais.
4
Enfim, em suas narrativas, a
maioria dos sujeitos ressalta, ainda, a exclusão do aluno com deficiência no contexto
da escola regular, bem como uma certa indefinição do lugar e do porquê dos
profissionais que atuam com alunos com necessidades de Educação Especial.
As narrativas aqui apresentadas se encontram em concordância com Jesus (2008),
quando analisa dados de sua pesquisa em relação às políticas e às ações acerca da
Educação Especial no Estado do Espírito Santo:
A matrícula de alunos com necessidades educacionais
especiais por deficiência parece que se materializa em todo o
Estado. No entanto, fica evidente que nem todas as
especificidades estão presentes igualmente em todos os
4
A condição de exclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais dentro da escola
aparece com muita força nos depoimentos dos entrevistados, o que nos indica que a prática da
educação inclusiva não se efetiva com a matrícula dos alunos com deficiências.
115
municípios e nem de longe estamos garantindo o acesso a
todos [...] O atendimento dos alunos é `lembrado` como se
realizando predominantemente em espaços fora da sala de
aula comum, mesmo que aconteçam no espaço da escola
(JESUS et.al, 2008, p. 24).
Assim, é preciso repensar a organização da escola e as práticas educativas para
que passemos a viver outro momento na Educação Especial no Estado do Espírito
Santo. Não podemos deixar de reconhecer que alguns municípios já encaminham
propostas de avanços na área, porém estamos no início desse processo.
Precisamos de uma política mais definida que abarque ações na totalidade do
Estado para que a inclusão se efetive, não apenas por matrícula, mas também por
uma escola para todos.
Além de relatar sobre suas percepções a respeito da Educação Especial na escola
regular, os sujeitos também se manifestaram sobre a atuação da Associação de
Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE).
A prática, dentro da instituição especial, foi foco de discussão de cinco entrevistados
que já atuaram ou ainda atuam nesses espaços e, sendo parte de suas vivências,
ganha destaque em suas narrativas.
Dentro do Grupo I, apenas Ana e Luíza narram experiências em instituições
especiais. As falas das duas entrevistadas trazem sentimentos opostos em relação à
prática na instituição especial. Para Ana, a instituição se revela muito paternalista,
fugindo da função de educar. Luíza a vê como o lugar ideal para os alunos com
necessidades educacionais especiais.
[...] a APAE era meio paternalista, achava que eu tinha que
assumir não só a criança especial, mas também a situação
financeira do aluno. Eu vejo de forma negativa,
principalmente, porque são famílias muito simples, que
confundiam as coisas, viam os professores como babá e eu
não aceitava assumir isso. Com 12 alunos na sala, é muito
desagradável, e hoje continua a mesma coisa, não mudaram
esta visão, isto é horrível. Tenho amigos que continuam lá e
dizem que continua a mesma coisa. Quando a gente cuida
como babá de uns, como ficam os outros? Tem pessoal de
apoio, mas de apoio não tem nada. Eu já me vi no banheiro
cuidando de um aluno enquanto na sala outros estavam
116
brigando, se machucando. Os outros profissionais
reclamavam da mesma coisa relacionada a tal fato, isso em
2000. Eu aprendi muito (ANA).
Foi na APAE de Jeribá que conheci a prática, foi lá que
comecei a produzir possibilidades. Aprendi o que é inclusão
dentro da APAE. Lá que os municípios buscam as
orientações e recursos, você tem que vê, nós não temos
alunos só da escola especial, mas também alunos do ensino
regular [...] de vez em quando, digo eu sou o movimento
`APAEANO` em pessoa, eu defendo a escola especial. Eu
tenho uma visão de que os alunos devam passar o dia inteiro
dentro de uma escola especial e, se você virar para mim e
falar que eles têm que estar numa escola regular, eu digo:
`Acho uma maldade, é cruel` (LUIZA).
Encontramos, dentro do Grupo II, também como no Grupo I, dois depoimentos
opostos em relação à instituição especial. Deise se reporta à instituição como o local
em que há uma possibilidade de desenvolver as noções básicas de autocuidado nos
alunos com necessidades educacionais especiais. Clara, em seu relato, deixa clara
sua discordância com esse tipo de ação, pontuando que os profissionais, por suas
ações, demonstram não crer no potencial desse alunado.
Aqui, na APAE do município de Aroeira, nós temos muitos
meninos com seqüelas, então dificilmente eles vão fazer
leitura e escrita, não espere isto deles. Mas, pode ir ao
banheiro, andar, sentar numa cadeira, já deve dar-se por
muito feliz, a gente sempre tem que esperar algo deles. Não
se pode ver a vida do menino passando e dizer: `Problema,
eu não estou nem a`. [...] Dentro da APAE a gente trabalha
com formação, é capacitação para inserir o aluno no
mercado de trabalho. A gente visa isto só que tendo como
referência a deficiência mental. Há uma grande dificuldade
para esta inserção, porque é característica deles
esquecerem, não decorarem, ter dificuldade de saber seu
próprio nome enfim, uma série de limitações. Na verdade o
que as empresas mais buscam são os surdos, os deficientes
físicos. Os Downs com nível de comprometimento baixo é a
minoria. Geralmente eles têm grau de comprometimento
moderado e grave. Quando uma mãe vem na APAE, a gente
orienta para matricular numa escola regular, só que ela tem
uma certa resistência (DEISE).
Trabalhei na APAE [...] lá é um mundo à parte. Ela já foi
válida, hoje tenho minhas restrições. Os anos vão passando
e o sistema não muda, não se refaz. Colocar todas as
crianças na escola regular não é o ideal. Eu acompanhei
algumas crianças que freqüentavam os dois sistemas de
117
ensino. Com relação à educação, no tempo que estive lá,
não vi nada que pudesse crer, alguns educadores têm a
visão de que os alunos não são capazes de aprender, não
incluem nos projetos, argumentam que vão ensinar-lhes
pontilhar seu nome, que visão é esta? Alguns sabem ler, os
trabalhos que aparecem para o mundo são daqueles que
conseguem, não são de todos, tanto que são alguns que
participam de determinadas oficinas (CLARA).
A narrativa de Rose é o único depoimento referente à instituição especial, dentre os
componentes do Grupo III. Sua narrativa indica a importância da instituição, no
entanto mostra a necessidade de repensar as práticas, como podemos observar em
sua fala:
Acho que a APAE tem uma contribuição para dar, embora
tenha um histórico de segregação. Vejo que Apae pode
contribuir muito se reformular a forma de atendimento dela.
Foi daí que me engajei e pensei, vou continuar na Educação
Especial, é importante conviver com a deficiência. Falar é
fácil, mas a experiência com ela é que define efetivamente,
transforma, você acaba com os estereótipos, você aprende
com a criança. Une o que você aprende com a prática. A
APAE é uma instituição especial que como outra carece de
recursos em todos os sentidos também [...]. Tanto na
instituição especial quanto na escola regular, existem
situações, como: questões da rotatividade de profissionais,
questão da formação continuada, falta de recursos, questão
que tudo vem de cima para baixo. Relacionamentos
conflituosos, etc. Acho até que na APAE eles vivenciam de
forma mais marcante, porque lá tem um clima de quartel
general. Tudo é muito centralizado, passa pela mão do
diretor, pela mão do presidente, então, se você sair da linha
você dança. Tudo lá é centralizado, há também uma disputa
de poder muito grande (ROSE).
Ingrid também faz uma reflexão crítica sobre a APAE e ressalta seu papel no
contexto educacional atual:
O que eu tenho visto nessa corrida com a pesquisa em
relação às escolas especiais é como um diretor de uma
escola falou: `Nós estamos num processo de transição, a
APAE hoje está deixando de ser APAE educadora para ser
APAE clínica`. Outros pensam que as escolas especiais não
podem deixar de existir, senão vamos ficar sem verbas.
Então vejo ainda as escolas especiais como um mal
necessário, é preciso pensar uma parceria sem gerar uma
dependência. Parece que tudo necessita da APAE. Tem
118
município que a formação dos professores é iniciativa da
APAE (INGRID).
Essas seis narrativas representam bem o debate atual acerca do papel da instituição
especial em tempos de inclusão. Por um lado, vemos um discurso em defesa dessas
instituições; por outro, observamos uma recusa, uma negação desse espaço por
profissionais da área educacional.
O debate, hoje, necessita avançar no sentido de pensarmos outro perfil para essas
instituições. Um perfil que se comprometa com a inclusão escolar fomentada na
escola, com essas instituições atuando como parceiras que contribuam com o
conhecimento e a implementação de ações que fogem ao cotidiano da escola.
6.2 : ELEMENTOS PARA COMPREENDER O PERCURSO DE ELABORAÇÃO DA
IDENTIDADE PROFISSIONAL DOS ENTREVISTADOS
Em seus estudos, Guarnieri (1996) aborda o início da carreira docente, compactua
da idéia de que é no decorrer do exercício profissional que se edifica o processo de
tornar-se professor, sugerindo que o seu aprendizado se dá naturalmente, ou seja, a
partir de seu exercício o profissional, vai adquirindo mais conhecimento no processo
de aprender a ensinar, efetivando, assim, a articulação entre o conhecimento
acadêmico e o cotidiano escolar. Nessa perspectiva, também afirma Guarnieri
(1996, p.6):
O professor iniciante pode abandonar ou mesmo rejeitar os conhecimentos
teóricos acadêmicos que recebeu em sua formação, porque não consegue
aplicá-lo em sua prática [...] Tal postura do professor contribui para sua
adesão integral à cultura existente na escola, à medida que vai
incorporando rotinas, tarefas, procedimentos e valores presentes nessa
cultura, que são considerados adequados pelos mais antigos. Assim sendo,
o professor iniciante pode tornar-se passivo, resistente à mudança e
procurar evitar conflitos, pela adesão a um modelo aceito e inquestionável.
Entendemos que o contexto escolar fornece condições essenciais para que o
profissional professor desencadeie processos essenciais para desenvolvimento e
articulação da teoria com a prática, favorecendo o relacionamento no conhecimento
119
pedagógico na formação com o cotidiano escolar. Nesse sentido, ressaltamos que é
no convívio com o outro que vamos nos constituindo
profissionalmente
Por outro lado Bolívar (2002), ao abordar a idéia de tempo de atuação profissional na
carreira, ressalta três questões. Para ele, a primeira tem duas dimensões: dimensão
objetiva, que destaca a variedade seqüencial de posições que o profissional ocupa
no transcorrer da vida; e dimensão subjetiva que enfatiza as experiências
individuais, profissionalmente reconstruídas no passado e no futuro, referenciandoas na construção do presente.
Na segunda questão, o autor declara que, sendo a carreira profissional um
mecanismo de mudança individual, a pessoa, ao ocupar variados cargos, vai
modificando sua identidade. Tal fato se evidencia quando o profissional se apresenta
ao outro, demonstrando posturas e interações diferenciadas.
Na terceira questão, o autor esclarece que, na carreira do professor, há um
entrelaçamento entre as estruturas individuais e sociais. Tal forma tem como objetivo
oferecer ao mundo social um único modelo organizacional de trabalho.
Na concepção do autor, observamos modificações sobre a carreira profissional e
experiências individuais, ressaltadas as condições individuais de tempo e lugar
ocupados por experiências pessoais. Acontece pelas situações de oportunidades
vividas no mecanismo de mudança.
Bolívar ( 2002, p. 52), retrata de forma significativa esse pensamento, quando diz:
O desenvolvimento de uma carreira é um processo que, embora
pareça linear, apresenta avanços recuos, descontinuidades ou
mudanças imprevisíveis. A carreira de professor ou professora será
uma criação conjunta da interação dialética entre os que queriam
ser (fatores maturativos e psicológicos) e os fatores do ambiente
social.
120
Nessa perspectiva, entendemos que, ao longo da carreira do professor, vão
aparecendo diferentes possibilidades profissionais, são desvelados diferentes
processos de aprendizagens e comportamentos, o que contribui para que a
identidade do docente se consolide. Nesse se fazer professor, pode sentir-se
autônomo chegando a ter posturas de flexibilidade no cotidiano da classe, o que
possibilita vislumbrar e expressar diferentes formas do papel docente.
As narrativas que se seguem desvelam o caminho percorrido pelos sujeitos da
pesquisa, mostrando como suas identidades foram desenhadas a partir das
demandas vivenciadas no espaço escolar.
No relato de Ivan, são destacas dúvidas e angústias que acompanham
especialmente profissionais que estão iniciando seu percurso como professor na
Educação Especial. Augusto indica, ainda, os conflitos, os “guetos” e os
desencantos que, por vezes, emergem entre esses profissionais:
Eu tenho uma preocupação muito grande com as questões que
permeiam a inserção dos alunos com necessidades educacionais
especiais. Eu diria que as pessoas têm medo em lidar com a
diversidade, acabam ficando nervosas e ansiosas em virtude de não
terem conhecimentos, mas, no convívio com eles, como
amadurecem, crescem! (IVAN).
O profissional que trabalha na perspectiva histórico-cultural corre
todos os riscos, ele tem muitas vezes que `quebrar o pau` na escola
[...]. Daí o mesmo ser renegado pelos colegas, criam-se os guetos,
ninguém lhe ouve. [...] Os motivos que levam o professor a não
querer ensinar, é a falta de condições objetivas, materiais, recursos
adequados etc. Ele é gente, tem amor, têm vontades, desejos como
fazer caminhadas e não pode, desejo de fazer a unha e não pode,
desejo de viajar e não pode. Ele precisa de um pouco de paz
(AUGUSTO).
Nesse contexto caracterizado por uma ampliação das demandas colocadas à escola
e aos seus profissionais, pelas dúvidas e angústias, Ivan, Vânia e Mônica indicam
algumas características que deveriam permear a atuação desses profissionais da
educação como um todo.
121
Ivan ressalta especialmente o “equilíbrio entre o racional e o emocional” e a
disposição para o trabalho colaborativo entre esses profissionais:
Para ser gestor de escola pública, tem que saber trabalhar o
racional e o emocional de forma equilibrada. Diferente da particular
que enfoca mais o racional. A gente tem que se preocupar com o
cognitivo destas crianças, principalmente nesta sociedade do
conhecimento tão competitiva, tão bárbara que estamos
vivenciando, temos que trabalhar os saberes. O cognitivo é um ato
democrático, a escola tem um grande papel na transformação deste
novo possível [...] (IVAN).
Acho que o desafio é ter um trabalho mais colaborativo, coletivo,
que o diálogo esteja presente na busca de soluções, do
enfrentamento de problemas, que o profissional saia deste lugar e
tome posições. Tenho gerado algumas polêmicas justamente para
que os profissionais reajam, criem situações em favor dos alunos
(IVAN).
Vânia destaca a motivação, a valorização da profissão e a sensibilidade das
autoridades, de empresas e da universidade para o estabelecimento de pesquisas,
de diretrizes e de ações que possibilitem mudanças de atitudes em relação aos
sujeitos com necessidades especiais:
Eu acho que a falta de valorização da profissão. O salário é crÍtico?
É, mais a valorização está acima disso, pois meu encantamento
pela profissão vem de meus pais, pois eles, quando passavam na
rua, as pessoas diziam: `Este é o meu professor de Matemática,
esta é a minha professora de Francês`, eles tinham orgulho da
profissão. Este encantamento da profissão vem quando você
escolhe ser alguma coisa, como: professor, educador, médico, etc.
Você tem primeiro o gosto por aquilo que você faz. Para mim a
motivação vem de dentro, isto é, tenho que estar motivado para
acontecer a ação. Agora a valorização externa é muito importante,
eu diria que até ganhando pouco a pessoa faz muito, então a
valorização pessoal é tão importante quanto a profissional. Todo
mundo sabe que professor não tem valor, ganha mal. A própria
terminologia dar aula, ele dá. Os outros profissionais não fazem isto,
eles vendem seu trabalho, eles prestam consultoria. Muitas vezes a
pessoa que não tem uma profissão definida, vai ser professor
(VÂNIA).
Mesmo diante dos desafios que se colocam, alguns entrevistados, especialmente
dos Grupos II e III, apontam, por um lado, o encantamento pela profissão e, por
outro, o receio do desencantamento e da descrença quanto à atuação na Educação
Especial.
122
O relato de Nilda nos traz um receio acerca do desencantamento, principalmente,
provocado pela burocracia vivenciada na escola, como podemos analisar em sua
fala:
A burocratização do sistema, a desvalorização, isto vai juntando,
juntando, e fazendo com que o profissional se desencante, perca
sua visão inicial, dando murro em ponta de faca. É horrível. E eu
não quero passar por tudo isso. De coração, sei que vai ser difícil.
Nem cheguei a analisar isto ainda, mas aquilo que meu pai e minha
mãe passaram, não quero que as outras crianças passem por isso.
Eu quero mirar bem nisso para que nunca perca este gás. Quero
que o surdo tenha um futuro melhor, alcance o mercado de trabalho,
que não fiquem fadados ao insucesso. Só porque são surdos não
podem ocupar um cargo político, ser um médico? Eu quero lutar por
isso.
Podemos vislumbrar no relato de Nilda o medo do desencantamento e, ao mesmo
tempo, um desejo de resistir ao que está posto, mostrando a efervescência e a
consolidação de sua identidade profissional. O desabafo de Nilda nos remete ao
pensamento de Pinel (2007), quando discorre sobre as angústias vividas pelos
educadores que lutam pela efetivação da inclusão:
O desenvolvimento humano (e, por conseguinte, profissional)
depende desse manejo (espécie de resistência e resiliência), que
não se trata de regras prescritas. Não há verdades absolutas, mas
emissão ou transparência dos `modos de ser sendo si mesmo no
cotidiano do mundo` diante das vicissitudes que a existência
provoca mostrar-se, dentro de determinados contextos ambientais e
sócio-históricos, além de uma vida íntima sobrecarregada (PINEL,
2007, p. 194).
Deise, que atua como gestora em uma instituição de ensino especial, destaca os
desafios do cotidiano escolar e as possibilidades de aperfeiçoamento profissional
que surgem no enfrentamento desses desafios:
Quando você ouve os relatos das mães, que geralmente são
pessoas que amaram muito e agora estão sofrendo, ou pessoas que
largaram a vida para viver a vida desse menino [...] Eu aprendo
123
muito a cada dia e o que mais gosto são os desafios, pensar que
nunca vai acontecer e ver acontecer, uma síndrome que você pensa
que nunca ia ver e se depara com ela (DEISE).
Mônica, integrante do Grupo III, relata:
Muitas vezes me pergunto se, um dia, vou me decepcionar. Vejo
muitas críticas, as pessoas com falas negativas, nunca positivas,
pessoas cansadas, debilitadas, com doenças. Isto eu vejo acontecer
em todas as escolas que passei até agora, eu me coloco neste
lugar. Quanto tempo vai demorar para eu continuar com essas
mesmas idéias? Em que momento este processo vai conseguir me
vencer? Sei que estas pessoas desanimadas também podem ter
começado como eu, com muito comprometimento, porém sei que é
difícil se comprometer pelos outros, porque você vai querer se
envolver por você e mais 20 da escola. Vem o desencantamento, o
cansaço de caminhar. Acredito que seja mesmo através de uma
carga de decepções, de não ter visto resultados, da desvalorização
e falta de condições de trabalho que vem a desmotivação. O
`Projeto Cidadão` que veio de cima, nem sequer procuraram saber
se a escola tinha estrutura para recebê-lo como uma sala. Então, o
que aconteceu, não tendo sala, eles juntaram duas turmas em uma,
tornando-a superlotada, então me pergunto: `Como gerar condições
mais amplas sem estrutura para isso?` (MÔNICA).
Com muita sensibilidade, Mônica traz um drama vivido por professores iniciantes na
profissão. Professores altamente motivados, mesmo diante das dificuldades
enfrentadas, mas que se perguntam se essa motivação durará muito tempo, tendo
em vista todos os desafios apontados neste trabalho.
Esses relatos de intensa vivência dos entrevistados vão mostrando o pano de fundo
que nos permite compreender como a identidade desses profissionais vai se
elaborando dentro do percurso trilhado na escola. Podemos refletir, a partir dessas
narrativas, que a escola e as demandas que se apresentam são elementos que
contribuem para a construção da identidade profissional dos entrevistados.
6.3 PRÁTICAS EDUCATIVAS NA ÁREA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
Neste item, enfatizaremos as descrições das práticas educativas que foram
destacadas na narrativa de sete professores entrevistados, focalizando o cotidiano
124
da sala de aula e o envolvimento com os alunos com necessidades educacionais
especiais.
Dentro dessas narrativas do Grupo I, a prática aparece como destaque nos
depoimentos de Ingrid, Augusto e Ivan. As descrições das práticas de Ingrid e de
Augusto denotam uma crença no potencial do aluno com necessidades
educacionais especiais, eles buscam meios para estimular a aprendizagem desses
alunos, mesmo quando a escola como um todo não reconhece essa possibilidade,
como podemos analisar em suas falas a seguir:
[...] Na escola que eu trabalhava eu era única que fazia Habilitação
em Educação Especial, então todo alunos que a escola achava que
eram ´problema`, mandava para mim. Tive o Carlos, que foi meu
aluno na 3ª série. Ele tinha a fala comprometida, tinha espasmos,
não conseguia escrever direito, tive que fazer um trabalho com ele,
ele tinha vergonha de falar e eu precisava que ele falasse, então
passei a dar aulas com microfone e uma caixa de som, e isso
motivava o Carlos a participar mais das aulas, aí eu comecei a tirar,
o microfone. Como ele tinha espasmo, ele não conseguia escrever
direito, então eu trabalhava os textos dele, enquanto os demais
alunos copiavam as atividades do quadro. Eu trazia os textos dele
impressos e trabalhava também com perguntas que ele respondia e
eu registrava, o que deu muito certo. Ele foi o despertar da escola,
para enxergar que é possível dar conta de alguém comprometido
(INGRID).
Eu tinha um aluno, ele dizia: `Não adianta, eu não aprendo`. Falava
batendo na cabeça. Certo dia, dividi a sala com atividades variadas.
Como tinha feito assinatura de revistas em quadrinhos, dei para uns,
para outros jogos e outros livros que trouxera de casa. E comecei a
ensiná-lo, ele, então, desencadeou o processo de aprendizagem, foi
incrível (AUGUSTO).
Em seus depoimentos, Ingrid e Augusto ressaltam a disponibilidade para observar e
conhecer os alunos com necessidade educacionais especiais. Destacam-se,
também, a crença em sua capacidade de aprender, bem como um investimento na
busca e estratégias para atingir cada aluno, com sua singularidade.
Esse interesse relatado pelos entrevistados remete-nos às reflexões de Padilha
(2001) que destaca, em seu estudo, que a prática educativa deve basear-se na
crença no potencial do aluno com necessidades educacionais especiais. A autora
enfatiza:
125
Move-me a busca dos sujeitos que são todos os deficientes mentais
- sujeitos simbólicos, que mesmo com o mundo aos pedaços,
continuam capazes de sonhar, imaginar, desejar, aprender e
também amar. Eles esperam dos seus educadores maior
compreensão de suas possibilidades [...]. Esperam poder participar
do mundo cultural das pessoas consideradas normais (PADILHA,
2001, p. 43).
Ainda na narrativa de Ivan fica expressa, por um lado, a preocupação com o papel
da escola em ter um trabalho coletivo e, por outro lado, a preocupação com o papel
da família, como destacamos abaixo no trecho de sua fala:
A semana passada esteve aqui na escola uma mãe para matricular
uma menina com problema de bexiga. Ela faz suas necessidades
fisiológicas na calça. Avisei à mãe que tinha vaga, porém esperasse
um pouquinho. No outro dia, sentei com os professores, pedagogo e
a coordenação, relatei a história dessa aluna, para, a partir de um
entendimento, haver um acolhimento possível. Às vezes a família
acha que a escola é responsável por tudo. Os pais devem
reconhecer o que é direito deles e o que é de dever da escola. Falta
autoridade dos pais com os filhos. Vejo meninos de sete a oito anos
que os pais não têm autoridades com eles, entretanto eles cobram
esta autoridade da escola. Então eu falo: `Posso ter esta autoridade
que você não tem?´, mas ele é o seu filho. Há uma inversão de
papéis, uma vez que é competência da escola transmitir os saberes
necessários, para o crescimento do indivíduo, como fazer isso se os
educadores estiverem ocupando o lugar da família? (IVAN).
A descrição dessas práticas relatadas por três componentes do Grupo II revela uma
atuação superando desafios dos alunos com necessidades educacionais especiais
impostos pela própria escola, como é o caso das narrativas de Vitória e Clara.
A gente levava os meninos para uma salinha, para fazer exames,
era um atendimento com fichas separadas, horários determinados,
prontuários, era uma visão medicalista, modelo médico mesmo.
Nesta época, já tinham as escolas pólo da Prefeitura de Jeribá. A
Prefeitura de Jeribá sempre teve convênio com APAE. Na minha
visão, eu sempre achei que não se pode aprender com as pessoas
que são iguais, sempre achei que você tem que aprender na interrelação com o outro, sempre pensei que isto não ia dar certo, nunca
fui favorável. Mas, a Prefeitura de Jeribá sempre concordou com
isso, tanto que as crianças eram levadas para fazerem exames, e
permaneciam um ou dois dias na APAE. Muitas vezes a escola
fingia esquecer esses alunos lá e dizia: `Ah! Deixa ele lá, a escola
não agüenta, não dá conta`. Aí nós começamos a tentar modificar
isto, Íamos para as escolas para saber o que estava acontecendo,
saber o que o professor pensava sobre isto, o que eles precisavam,
efetivamente, porque a gente nunca tinha contato com eles, só
126
através de relatório anual que a escola recebia e às vezes nem lia
(VITÓRIA).
Tiago realmente era terrível. Ligava o ventilador toda hora, abria a
porta e fugia. A diretora dizia: `Deixa´, mas eu corria atrás dele e
colocava-o na sala novamente, isto o tempo todo. Eu dizia comigo
`Você vai ficar dentro da sala!`. Ele não sentava, ficava em pé, eu
dava aula vigiando a porta. Foi aí que pensei: “tenho que dar limites
que ele possa suportar”. Então conversava com ele e dizia: `Você
vai correr porque eu estou permitindo!`. Mandava ele ligar o
ventilador e falava a mesma coisa.Todo dia antes do recreio, ele
tinha que fazer uma atividade pequena de três ou quatro minutos,
dentro do que ele podia suportar, depois ele ia para o recreio. Para
descobrir isto, demorei um mês, aí ele achou que tinha perdido a
graça e foi melhorando. Tiago começou a ler. Eu levava vários livros
e trabalhava com ele. Estava com 12 anos e três anos na primeira
série. Eu queria que ele avançasse, mas a pedagoga achava que
ele estava dando certo, então devia continuar ali. Isto era previsto, já
que na 4a série, tinha um homem de barba, bigode, usava botas,
camisa de manga comprida e óculos, que estava há dez anos na
escola no meio daquelas crianças.Ele não tinha nem o nome na
pauta. Ela queria que acontecesse a mesma coisa com Tiago.
Gritou comigo e disse: `Ele vai ficar retido!´. Pesquisei em vários
livros e fiz um relatório justificando minha posição, acrescentei as
atividades desenvolvidas por ele e assinei. Falei com a mãe dele
que o mesmo tinha sido aprovado, entreguei a pauta junto com o
relatório, a pedagoga leu não perguntou nada, mas ficou morta de
raiva de mim. Fiz o que achava certo (CLARA).
Nesses depoimentos, vemos dois profissionais empenhados em instituir novas
práticas educativas na escola. Destacam-se a preocupação e o investimento na
superação de visões resistentes ao trabalho com alunos com necessidades
especiais nas salas de aula na escola regular.
O investimento desses profissionais aponta uma postura de desconstrução de
conceitos cristalizados e deterministas, em busca de práticas inclusivas que passem
a ter sentido para o aluno com necessidades educacionais especiais, bem como
para o próprio educador, transformando a sala de aula em “[...] um espaço de
investigação dos processos cognitivos, psicomotores, sociais e ou afetivos dos
discentes (dos docentes também)” (PINEL, 2008, p. 246).
Os relatos de Vitória e Clara evidenciaram que, nesse processo de investimento em
prol do aluno com necessidades educacionais especiais, a avaliação e a progressão
são colocadas como um desafio a ser enfrentado dentro da própria escola.
127
Em relação aos desafios da e na escola, Padilha (2006), analisando a especificidade
do trabalho educativo, aponta-nos a necessidade de uma “escola mediadora” que
promova práticas educativas voltadas para o desenvolvimento humano dentro de um
processo histórico de objetivação do gênero humano. Nesse sentido, a autora
afirma:
[...] a maioria das pessoas não está se apropriando das riquezas
materiais e intelectuais das obras da humanidade. Se a educação
fica esvaziada de conteúdo, há esvaziamento do ser humano. O que
se busca é a valorização da escola, do saber do professor, do
conhecimento científico socialmente existente [...] (PADILHA, 2006,
p. 131).
Para que a escola se torne mediadora, Padilha (2008) discorre que é preciso levar
em conta as relações de ensino com a apropriação do conhecimento de nossos
alunos. Dessa forma, a autora nos instiga a pensar e refletir nas práticas elaboradas
nas escolas em relação à aprendizagem dos alunos enfatizando:
Muitas precisam da escola para que possam entrar em contato, às
vezes pela primeira vez, com toda a agenda escolar (lápis,
cadernos, direção da escrita, saber copiar, desenhar...). E nem
todas conseguem aprender tudo isso em classes lotadas como são
as nossas, ainda mais se não forem ensinadas. Se, para Marx, o
produto não se separa dos modos de produção, para os estudiosos
de sua teoria, os resultados do ensino não se separam das formas
como se processam, portanto, as formas, os processos e os
métodos são fundamentais para que os alunos se apropriem dos
conhecimentos (PADILHA, 2008, p. 113).
A narrativa de Suzana mostra o sucesso do trabalho colaborativo entre professor
regente e professor especialista. Um sucesso de um espaço/escola que se abre
para a aprendizagem do aluno e do professor por meio de uma prática coletiva:
Eu trabalho junto com professor regente na sala de aula, trabalho os
alunos da Educação Especial de acordo com o conteúdo que a
professora esteja dando. Nós temos muito entrosamento. Tenho um
aluno que é deficiente auditivo, eu não sei LIBRAS. Ele está
aprendendo na escola oral-auditiva, então conversei com ele: `Você
esta aprendendo LIBRAS e vai me ensinar`. Nós estamos fazendo
um livro de receitas de aproveitamento de alimentos, digitei o
alfabeto em LIBRAS onde aparecem as mãozinhas que indicam o
alfabeto, então eu digito as letras e ele vai transcrevendo para
LIBRAS e nós vamos trabalhando [...]. Eu fico direto nas salas de
aulas, só quando o aluno autista está muito agitado eu tiro ele um
128
pouquinho, mas sempre retorno à mesma. Ele era resistente em
fazer as atividades de sala, eu vivia insistindo e ele não fazia, até
que, um dia, eu não disse nada, peguei uma folha com atividades e
comecei a fazer. Daí em diante, ele pegou uma folha também e foi
fazendo, então passou a me pedir ajuda, assim como também peço
ajuda a ele (SUZANA).
Mendes (2006), analisando os resultados de vários estudos e pesquisas na área da
inclusão escolar, mostra que o apoio ao professor regente, por parte de um
professor especialista, é fundamental tanto para a aprendizagem do aluno com
necessidades educacionais especiais quanto para a formação do professor em seu
espaço de sala de aula.
Os resultados apontaram que muitas são as possibilidades quando
se estabelece um ambiente colaborativo entre o professor do ensino
comum e o professor de educação especial [...]. Os professores
avaliaram que as estratégias implementadas beneficiaram não
apenas seus alunos surdos, mas todos os demais [...] o potencial da
colaboração entre professores do ensino comum e especial,
enquanto estratégia de formação e de facilitação da inclusão escolar
(MENDES, 2006, p. 165).
No Grupo III, temos apenas a narrativa de Aline apontando a descrição da prática
dentro da escola, uma descrição que chama a atenção para a necessidade de apoio
ao professor regente que trabalha com alunos com necessidades educacionais
especiais, como enfatizado em sua fala:
Minha turma aqui, no município de Cambará, é de 2ª série com 30
alunos, dentre estes, 16 alunos não sabiam nem o alfabeto, dois são
especiais, e 12 são alfabetizados. É uma turma muito difícil, porque
eles são muito agitados. Agora, no final, do ano que a professora
itinerante começou a vir dar atendimento uma vez por semana,
durante uma hora aos dois meninos especiais. Eu já havia relatado
as dificuldades deles, mas ninguém me escutava. Um deles não
tinha nenhuma reação, nem para pedir para ir ao banheiro. Há três
meses resolvi dividir a turma e fazer um trabalho diferenciado, mas
foi uma experiência muito desgastante, vi que precisava de alguém
para me ajudar e não tinha. Por isso não tive como continuar o
trabalho (ALINE).
Os depoimentos desses sete professores demonstram a descrição de suas práticas
e desenham o retrato de como os alunos com necessidades educacionais especiais
129
estão dentro das escolas. Vemos que muitas escolas não sabem o que fazer com os
alunos e os encaminham para a instituição.
Em outras escolas, os profissionais da Educação Especial são os únicos
responsabilizados pela escolarização desses alunos, ou seja, não há uma
participação efetiva dos professores regentes. Também fica evidenciado que a
família tem, em alguns casos, relegado à escola a tarefa do cuidado desses alunos e
não à escolarização.
Assim constatamos, por meio das narrativas, que alguns professores da Educação
Especial conseguem, mesmo diante das dificuldades apresentadas nas escolas,
desenvolver um bom trabalho com os alunos que apresentam necessidades
educacionais especiais, mas ao mesmo tempo fica evidenciado que é urgente a
necessidade de pensar em projetos coletivos, ações colaborativas, relacionamento
de ajuda entre os profissionais, como indicado por Pinel (2000, p. 169):
“Relacionamento de ajuda impõem um sentir-pensar-agir que pode ser sinônimo de
´caminhar juntos´ [...]. Este trabalho, o de relacionar para ajudar, exige com-partilhar
conflitos, tristezas, alegrias, esperanças, sonhos [...]”.
Entendemos que os relacionamentos de ajuda entre os profissionais da escola
encaminham o sucesso na aprendizagem dos alunos, dos professores e de toda a
escola. As narrativas destacadas neste item refletem, assim, a necessidade de
repensarmos a prática da escola como um todo para que a inclusão se efetive.
6.4 FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES NA EDUCAÇÃO ESPECIAL
Diante dos relatos dos sujeitos da pesquisa, constatamos que a prática educativa
dos professores que atuam na Educação Especial é permeada por desafios, como o
enfrentamento da resistência de professores e equipe de gestão da escola a um
trabalho educativo que efetivamente inclua o aluno com necessidades educacionais
especiais. Em contrapartida, ao se referirem especificamente à ação educativa com
130
esses alunos, evidencia-se como fundamental o interesse, a crença nas
possibilidades
de
desenvolvimento
desses
alunos
e
a
criatividade
no
estabelecimento de estratégias de ensino que os motivam e os levam ao
aprendizado.
O tema “formação continuada” aparece com destaque na narrativa de seis sujeitos
dos diferentes grupos. De modo geral, essas narrativas enfocam concepções de
formação continuada que, segundo os sujeitos, estariam em consonância com
políticas de formação apropriadas ao movimento de inclusão nas escolas regulares.
Apontamos, nos trechos a seguir, o que é mais representativo para cada
entrevistado em relação ao tema.
As narrativas de Marlene, Rose e Aline, integrantes do Grupo III, enfocam a
formação continuada como um dispositivo de reflexão dos professores e da própria
escola. Destacamos, nos trechos a seguir, seus depoimentos:
A formação continuada hoje tem duas perspectivas, que é aquela
formação dada pela Secretaria da Educação, onde vem pessoas de
fora para dar seminários, palestras, e aquela feita na própria escola,
que eu acho importantíssima porque os professores e pedagogos
pensam sobre o seu fazer naquela escola, pois tem tanta coisa na
rotina da escola que várias coisas se perdem. Então eu acho que
essa formação continuada feita pelos próprios professores tem sua
importância, ver o que está acontecendo nas outras escolas. A
maioria dos professores tem curiosidade de voltar a estudar, de
pensar, de refletir sobre [...]. Há uma boa recepção dos professores,
mas há uma reclamação com relação a esses cursos dados, que são
temáticas muito gerais que não atendem às necessidades da escola,
não têm relação com a prática deles. E aí também nos leva a pensar
sobre o que é formação continuada, porque a Secretaria oferece
curso, curso, curso, mas se restringe a isso? Que formação
continuada é essa que a gente está propondo para escola? A gente
precisa guardar um momento de reflexão, um projeto educativo para
as crianças, num projeto coletivo, e não só essa coisa de curso, que
rende muita reclamação e resistência (MARLENE).
Quanto às políticas da Educação Especial, tivemos alguns avanços,
principalmente em Jeribá, mas ainda está por engatinhar. Política
passa pela formação, se a gente não investir na formação inicial e
continuada, a gente não avança (ROSE).
131
No município de Aroeira estou fazendo um curso de afrodescendente, eu estou gostando muito, estou tendo outra visão do
que foi a escravidão. Tem uma formação em serviço dentro do
calendário, mas são três vezes no ano. O professor de 5ª a 8ª série
já é diferente, ele tem formação no dia do planejamento (ALINE).
Marlene inicia sua fala discorrendo sobre o que classifica como “dois tipos de
formação continuada”. Uma formação que vem pronta da Secretaria de Educação e
outra formação que acontece no cotidiano da escola. A narrativa de Marlene aponta
aquilo que chamamos de formação em contexto, que objetiva tratar dos assuntos do
cotidiano e realidade local sem se esquecer da contextualização da realidade macro.
Os depoimentos contidos nessas três narrativas apontam a necessidade de se
investir, prioritariamente, em formação do professor.
As reflexões acerca da formação continuada dentro do Grupo I advêm das narrativas
de Ivan e Margarida. Os dois componentes do grupo indicam a formação continuada
como aquela que deve trazer mudanças no cotidiano da escola a partir da reflexão
sobre as práticas lá vivenciadas:
Às vezes, o professor vem à escola, mas não vive a mesma. Já
estive em escola onde tinham professores que estavam em todos os
espaços que estivesse ocorrendo formação continuada, mas não se
apropriavam desse saber. O papel da formação continuada é tirar o
sujeito desse lugar de conforto, se apropriar de saberes, questionar
atitudes, reformular-se, repensar suas ações. Aqui, quando dá
11h30min, eu falo que foi dado à largada, porque eles saem para ir
dar aulas em outros lugares, como: Goitacaz, Pequi, Cambará. A
gente tem no calendário momento de parada, de formação
continuada, entretanto encontramos resistência dos professores.
Muitos falam: `Eu já fiz tudo isso`, porém eu pergunto: `Mas como
você fez isso? Em que momento? De que modo foi esse fazer?`
Então podemos refazer a receita e modificar os dados. É possível
modificar isso na escola (IVAN).
A formação continuada que está aí não atende às necessidades do
profissional muito menos do cotidiano escolar. Para mim, a
formação continuada é aquela que traz mudanças. Ela precisa partir
da escola, do contexto do indivíduo, da rede de reflexões. Não
adianta participar de um grande evento uma vez por mês ou uma
vez por ano, sendo que este evento está descolado das coisas do
cotidiano da escola. Como a escola pode produzir o seu
conhecimento? Penso que a formação continuada é para isto, é
para as pessoas se aprofundarem, se interligarem com o macro da
escola (MARGARIDA).
132
As narrativas desses dois professores destacam a formação continuada como uma
ferramenta que deva ser capaz de ajudar nas reflexões da escola e de seus
profissionais em busca de transformações e mudanças nas práticas educativas.
Em uma mesma direção, a narrativa de Vitória, componente do Grupo II, expressa
seu entendimento e anseio pela formação continuada, partindo da prática de
pesquisas em colaboração com pesquisadores da universidade, como destacamos
abaixo em sua fala:
Acho que a universidade ainda está longe do chão da escola, mas
uma coisa eu percebo, as pesquisas dos mestrandos e dos
doutorandos que vão para as escolas que fazem a diferença, porque
fizeram lá na escola com certeza tanto que até incentivou o diretor a
fazer mestrado. Os professores passaram a estudar e pesquisar
mais, eu acho que esse é o caminho certo, mas, no momento que eu
precisei, quando eu estava na escola, eu vim até a universidade,
procurei orientação com uma professora da Educação Especial,
porque ela tinha sido minha professora e através do pesquisador a
gente conseguiu profissionais para ir à escola fazer um trabalho
colaborativo no sentido de formação, de conversar com os
professores, de discutir alguns assuntos. Na escola surtiu efeito, mas
eu não tenho conhecimento de outro lugar. Acho que a universidade
tem que estar mais próxima das escolas com suas pesquisas. A
gente vê a alegria deles, quando a universidade chega (VITÓRIA).
Essas seis narrativas mostram dois aspectos que precisam ser levados em
consideração na organização da formação continuada dentro dos sistemas de
ensino.
O primeiro aspecto é o que aponta a formação continuada como aquela que deve
privilegiar as questões do cotidiano da escola para que as práticas sejam
repensadas. Nesse sentido, Jesus (2006) afirma que a formação em contexto, no
cotidiano, por meio de pesquisas pode promover outras formas de o professor se
colocar dentro da escola:
[...] temos buscado criar dispositivos teórico-metodológicos
instituintes de outras práticas pedagógicas escolares, pela via da
formação continuada em contexto [...] . Assim sendo, o envolvimento
dos profissionais da educação com processos de pesquisa se
coloca como uma forma constituidora de uma atitude de
investigação, portanto instituinte de uma outra forma de estar na
profissão [...] (JESUS, 2006, p. 90).
133
O outro aspecto que aparece nessas narrativas, em relação à formação continuada,
é o que destaca a formação continuada como um momento de aprendizagem para
cada profissional e não somente como um “pacote” pronto a ser seguido pela escola,
ou pelos profissionais em eventos esporádicos que são organizados pela
Secretarias.
Assim, a análise das narrativas indica que a formação continuada precisa ser vista
como parte integrante do processo de ensino, pois é, também, por meio da formação
continuada que as reflexões ocorrem, experiências acontecem, o que favorece
inovação das práticas educativas.
134
7 REFLEXÔES FINAIS
Nunca se pode saber de antemão de que são capazes as
pessoas, é preciso esperar, dar tempo ao tempo, o tempo é
que manda, o tempo é o parceiro que está a jogar do outro
lado da mesa, e tem na mão todas as cartas do baralho, a nós
compete-nos inventar os encartes com a vida (JOSÉ
SARAMAGO- Ensaio sobre a cegueira).
Neste trabalho, mergulhamos nas narrativas de professores que atuam na Educação
Especial de maneira a conhecer suas histórias, compreender os percursos que os
levaram a essa área, analisar aspectos de sua formação e de sua vida profissional.
Nesse processo, fomos recolhendo elementos para compreender como se
constituíam professores na Educação Especial.
No mergulho que fizemos na história de vida desses sujeitos, Saramago nos auxiliou
a enxergar alguns processos. O tempo se coloca como elemento para reflexão.
Tempo para amadurecer processos. Tempo para uma visão mais ampla dos
fenômenos educacionais. Tempo para fazer escolhas. Tempo para investir
laboriosamente na formação. Tempo para viver o cotidiano da escola e para se
inserir no movimento de construção de práticas pedagógicas que possibilitem a
inclusão efetiva de todos os alunos na escola.
Nesse percurso, “Nunca se pode saber de antemão de que são capazes as
pessoas”. Os sujeitos de nossa pesquisa, em alguns momentos, surpreenderamnos. Encontramos identidades impregnadas por um passado de luta pela
sobrevivência numa sociedade marcada pela desigualdade, injustiça e preconceitos,
que atravessaram a vida desses sujeitos. Além disso, o egoísmo e o individualismo
extremado dessa mesma sociedade, impostos de forma impiedosa pela classe
dominante, por meio do poder que concentra, também afloraram, de forma decisiva,
na vida de alguns de nossos entrevistados. Entretanto, esses mesmos sujeitos
mostraram que dessas condições emergiram força de vontade para intervir e
modificar o rumo dessa história. Muitos demonstraram postura e racionalidade que
traduzimos como admiráveis, uma vez que carregam uma forte dose de flexibilidade,
135
dinamismo e competência, de onde surgem novas práticas sociais bem como novas
formas de pensar em uma educação mais justa, participativa e igualitária.
As narrativas dos professores aqui apresentadas e analisadas alcançam um
patamar para além de um depoimento. Essas narrativas constituem-se como
memórias significativas de um percurso trilhado, percurso entrelaçado pelo
cotidiano, pelas experiências e pela formação.
O conjunto dessas narrativas indica que a constituição do professor tem seu início
formal não só durante o curso de graduação, mas também mostra que essa
constituição está permeada pelas condições históricas e sociais vivenciadas,
levando-nos a visualizar a importância do papel da família que marca, de forma
definitiva, o relato de todos os sujeitos da pesquisa como uma memória significativa,
o que impõe refletirmos na inseparabilidade do eu pessoal e do eu profissional.
No processo de entrevista e de análise, constatamos que as narrativas, ao mesmo
tempo em que possibilitaram a cada sujeito da pesquisa falar de si mesmo, também
propiciaram, em alguns casos, a alguns deles tomar consciência de sua trajetória.
Nas narrativas, a vida e a palavra se encontraram: "[...] a matéria da narrativa é a
própria vida humana, os instrumentos utilizados para a construção dessa história
são as palavras. É a palavra que possibilita a sistematização da experiência vivida"
(OLIVEIRA, 2007, p. 252).
As palavras dos sujeitos mostram que, se a opção pela educação e pela Educação
Especial tem sua origem em situações vivenciadas na infância ou na adolescência, a
formação inicial é um momento crucial no processo de constituição do professor. Um
momento de consolidação de escolhas feitas, de reafirmação das opções que foram
gestadas em etapas anteriores.
Na formação inicial, alguns aspectos se destacam para que essa opção se
consolide: o perfil de alguns professores que, com compromisso e atenção aos
alunos se apresentam como modelos a serem seguidos; a possibilidade de vivenciar
experiências de formação em que teoria e prática estejam articuladas e em que os
alunos possam ter contato efetivo com o cotidiano escolar, orientados pelo olhar de
136
seus professores, seja na realização de estágios ou da participação em projetos de
pesquisa e de extensão.
A universidade aparece, assim, como uma força motriz, impulsionando o olhar e
ações em direção à consolidação da escolha ou à opção pela Educação Especial.
Um relato emocionante acerca da formação inicial é apontado na narrativa de Rose
que nos permite refletir o quanto esse é realmente um momento crucial na formação
do professor. Para Rose, uma formação mais humana começa pelo respeito e
solidariedade, como descrito abaixo:
Durante a formação inicial, tivemos vários momentos marcantes.
Dentre eles, uma situação atípica dentro da sala de aula. Uma
colega nossa estava com leucemia. Ela muito nova, não se deixava
abater nunca, saía da quimioterapia e vinha para as aulas. A gente
ajudava bastante. Víamos seus cabelos caírem... quando passava
mal, devido à reação dos medicamentos, nós a levávamos para fora
de sala. Quanto ela ficava internada, a gente ia para o hospital
também. Ficamos amigas da mãe dela, já que ela mesma começou
a vivenciar a sala de aula. Então o grupo viveu a doença, foram dois
semestres, todos com ela. Ela não queria que ninguém tivesse
pena. Seu rosto era lindo. Muito vaidosa, vinha para as aulas,
sempre com brincos, batom e muito arrumada. Nós cuidávamos da
dor dela, foi uma vitoriosa. Hoje, curada, ela vai se casar. Continuou
os estudos, fez uma pós-graduação em Engenharia e tem o
emprego dela. Até hoje nós nos encontramos. Isso aconteceu entre
2000 e 2001, foi uma vitória nossa. Os professores falavam: esta
turma é diferente. E nós éramos diferentes mesmo, turma pequena,
15 alunos, porém cada um de um jeito. Tinha gente conflituosa,
outra muito autoritária, outra arrogante e lidávamos com toda esta
diversidade com muito respeito (ROSE).
Partindo desse relato, nossas reflexões ganham força no sentido de pensarmos um
espaço na universidade permeado por reflexões de uma sociedade mais justa para
todos. Um espaço que favoreça a vivência de um cotidiano mais humano e mais
solidário, que instigue o futuro professor a vivenciar e construir universos solidários
também dentro da escola em que irá atuar.
No percurso de constituição do professor, a profissão também se destaca como
espaço fundamental. As escolas comuns bem como a instituição especial aparecem
como universos constituidores do professor, espaços nos quais ele é marcado pela
137
realidade do sistema. Sua constituição é afetada pelo modo como se organiza a
escola como instituição.
O cotidiano da escola torna-se o centro das memórias dos entrevistados. É no
cotidiano da escola que se apresenta o aluno com necessidades educacionais
especiais, é sobre esse aluno que recai as principais preocupações, porque ele é
beneficiado ou prejudicado pela formação e constituição do professor.
É nessa escola que a realidade do sistema educacional é vivenciada, como pontuou
o elenco dos entrevistados nesta pesquisa. Temos um desabafo de uma professora
entrevistada que nos mostra como é preciso pensar nesse cotidiano, nessa escola,
nessa instituição, nesse sistema, nessa formação:
Não acredito na Educação Especial de hoje, não neste molde que
ela está, nem tanto pelo professor de apoio, nem itinerante e nem
em laboratório. Acredito numa mudança na educação. Não dá mais
para trabalhar com séries, neste modelo de seriação, nem nesta
divisão de professor da Educação Especial e professor do ensino
regular. É preciso conversar com este aluno que está crescendo,
não sei de que forma, mas alguém tem que pensar isto, num outro
tipo de educação que atenda a todos na sua singularidade (CLARA).
O desabafo de Clara aponta a necessidade de pensarmos em uma educação que
privilegie a singularidade humana, uma educação que desconstrua os preconceitos
e dê lugar às possibilidades de práticas mais humanas para todos dentro da escola.
A escola está inserida dentro de uma sociedade e, nesse sentido, Padilha (1999)
faz-nos alguns questionamentos:
O que somos nós quando não sabemos lidar com as crianças que
são diferentes da imagem que fazemos de criança inteligente e
capaz? Operamos com a realidade de cada um de nossos alunos?
Classificamos o mundo e compreendemos a crueldade do sistema
capitalista? [...] Conseguimos mudanças radicais na escola?
Conseguimos que os professores sejam mais valorizados? Então
não sabemos seriar, incluir, comparar... Então somos todos
deficientes cívicos. Deficientes em nossa cidadania... (PADILHA,
1999, p. 17).
138
As perguntas da autora nos levam a pensar na sociedade em que a escola está
inserida, uma sociedade padronizada que discrimina a singularidade que é própria
da humanidade. É diante desse quadro que a formação continuada se apresenta
como possibilidade de reflexão dentro da escola, como apontaram as narrativas dos
sujeitos da pesquisa. É nas memórias relativas a esse cotidiano que a formação
continuada aparece como elemento essencial para o prosseguimento de sua
formação.
Entendemos, como os sujeitos da pesquisa, que a escola hoje é espaço
fundamental para a organização da formação continuada. Um espaço que busque a
ética, o conhecimento de si mesma, o compartilhamento de idéias e soluções em
conjunto e, como nos indica Nóvoa (1992, p 27): "Uma das pedras-de-toque da
eficácia das escolas é a implementação de programas de formação contínua e
profissional do seu pessoal, nomeadamente do pessoal docente". A escola, dessa
forma, é parte importante na constituição da profissionalidade e identidade do
professor.
O relato de cada sujeito apontou que é na escola, junto aos alunos, que o
profissional docente revela toda sua constituição, todo seu perfil profissional e
pessoal, por isso a necessidade de repensar o espaço escola, como apontaram as
narrativas analisadas.
O aluno é parte principal de toda a formação do professor, porque é ele que se
beneficiará da atuação do professor. O aluno com necessidades educacionais
especiais aparece com muita força nas narrativas dos professores, de modo que
eles fazem parte, também, da constituição do professor. As necessidades dos
alunos aparecem nas narrativas como o cerne das preocupações e lutas dos
docentes. Conforme ressalta Pinel (2007, p. 195-196).
O discente, este sim, está em boa parte do tempo em estado
imediato e mergulhado nas injustiças cotidianas; envolvido nos
terrores frente às ameaças, que se cumprem ou não; à fome (de
comida e de afeto sincero e legítimo); penetrado pela miséria
(econômica) e humana [...]. O ético e o estético aparecem evocando
cuidado, e exigem posicionamentos do educador [...].
139
É esse posicionamento de cuidado, buscando práticas que efetivem a valorização
humana de que fala o autor que permeou todo o nosso estudo na análise das
narrativas.
Nossa intenção neste estudo foi refletir acerca de como o professor vai se
constituindo em sua identidade, em sua profissionalidade. Identificamos que o
contexto social e histórico onde esse professor vive tem um papel fundamental em
sua constituição. Destaca-se a família, a universidade, por meio da formação inicial
e a escola, pelo cotidiano do trabalho docente.
Na universidade, a formação inicial, o conhecimento teórico adquirido vai sendo
materializado, não só na forma de se relacionar com os outros como também no
modo de visualizar o mundo num contexto social e político atrelado à contínua
reflexão. A formação inicial oficializa e alimenta um processo que se revela contínuo,
dependente das relações sociais, do contexto socioeconômico, do cotidiano da
escola, da formação continuada, da presença do aluno, da vida vivida.
Na escola, pensamos que as relações cotidianas entre professor e aluno favorecem
interações que possibilitem perspectivas que conduzam às mudanças. O ambiente
de trabalho, bem como o cotidiano da escola, são imprescindíveis nesse fazer-se, na
construção dessa identidade profissional e pessoal.
Também observamos as oscilações docentes relacionadas com o tempo de
experiência e destacamos que esse tempo de experiência influencia na colaboração
de um colega mais experiente, ou seja, que o favoreça com uma conduta
colaborativa e o ajude na partilha de ações disparadoras de práticas inovadoras.
As narrativas também permitiram um olhar mais amplo, além do muro da escola, no
que tange à profissão docente, à medida que possibilitaram captar mudanças,
compreender melhor a escola no contexto social mais amplo, enfocando as
condições de trabalho do professor, sua formação, e refletir sobre políticas
educacionais.
140
Finalmente, as palavras contidas nas narrativas nos mostraram que a constituição
do professor é entendida como um processo contínuo que se faz com vários elos,
espaços e tempos. Uma constituição em que não é possível separar o eu pessoal e
o eu profissional.
141
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