A JUSTIÇA DA REFORMA Não é por muito mais tempo tolerável nem sustentável o actual estado de funcionamento da Justiça. A incapacidade que vem demonstrando é consequência de se ter tornado uma área manifestamente ingovernável. Há muito que os seus diferentes agentes se colocaram em regime de auto gestão e recusam abandonar as prebendas e notoriedades que foram amontoando. Sejam os funcionários, por um lado, o Ministério Público, pelo outro lado ou a Magistratura Judicial no seu vértice superior, todos se arrogam senhores do seu próprio destino. Os próprios órgãos institucionais de cúpula, actuando à revelia dos princípios democráticos da transparência e da publicidade, há muito deixaram de ter qualquer respeitabilidade ou credibilidade na opinião pública. Reconhecidos e olhados como a guarda pretoriana das respectivas corporações, são hoje factores de desunião e discórdia a que urge por termo. A legitimidade funcional do sistema de justiça, como primeiro pilar da sua credibilidade deverá ter uma base electiva que só o povo poderá conceder. Os seus órgãos directores deverão ter a mesma legitimidade que tem o poder de soberania que está subjacente à função judicial do Estado, ainda que isso desagrade profundamente ao videirismo do regime e aos carreiristas do sistema judiciário. A Justiça não pode continuar a viver sem uma rigorosa e competente fiscalização e controlo da sua funcionalidade. Não é mais possível continuar a esconder os baixíssimos índices de produtividade actuais, nem fazer vista grossa à incompetência, laxismo e negligência de muitos dos que ali se acoitam. Na presente legislatura e depois da intervenção externa a que ficámos sujeitos, como que desapareceram os habituais e crónicos “porta vozes da Justiça”, decerto por entre as “Lojas e capelinhas” mais ou menos conhecidas, no estafado jogo da sobrevivência dos lugares que ocupam. E é assim que assistimos ao actual vilipêndio da nossa classe, mais concretamente dos advogados de prática isolada, os mais frágeis e carenciados, como um dos bodes expiatórios da ineficácia e do despesismo do sistema. E que vemos uma vez mais preparar-se a diminuição e o corte das prerrogativas e direitos do cidadão, que cada vez menos tem como acorrer aos custos duma justiça feita por e à medida das elites reinantes. A hipocrisia tem limites e os tempos mudaram. Não vai ser possível continuar a esconder que dois terços do movimento processual que corre na maioria dos tribunais do litoral, têm afinal afectos à sua resolução um terço dos meios judiciários existentes. Que a grande maioria dos tribunais do interior do país está hoje com a sua capacidade de utilização reduzida a um terço. Que a uma população indigente se estão a exigir taxas de justiça milionárias, para sustentar os custos de funcionamento do sistema, com um nível incomportável. Que cerca de 85% dos processos actualmente a correr nos tribunais são execuções ou processos de cobrança de dívida que bem poderiam ser, esses sim, totalmente desjudicializados e administrativizados, o que possibilitaria depois uma autêntica reforma do mapa judiciário. Que se continuem a canalizar milhões e milhões de euros do Orçamento para escritórios privados da nossa advocacia política de influência, com pareceres estudos e tarefas que os juristas, funcionários públicos, podem e devem fazer nos seus gabinetes de trabalho. Fica aqui feito o aviso de quem já foi avisado, sobre as mudanças que esta troika à paisana nos convida a realizar, antes que uma outra fardada no-la ordene de seguida. A justiça que também tem vivido muito acima das suas possibilidades, não é veículo de enriquecimento ou diferenciação social. A justiça tem a sua função social e de soberania, não é palco de peraltas ou narcisos, nem coito de trambiqueiros ou caciques. Temos todos, funcionários, magistrados, procuradores, advogados, solicitadores e quem quer que seja, de trabalhar bem mais e melhor, em mais locais e durante mais horas diárias, cumprindo prazos e respeitando horários. E, se calhar, com sentido de dever funcional e humildade democrática, vamos ter de cumprir as nossas funções por metade dos rendimentos que agora temos. Estamos todos fartos da estafada desculpa da escassez de meios e da função mal paga, para que os vícios, hábitos reaccionários, tiques prepotentes e práticas calaceiras continuem a reinar. Vários milhares de advogados vão deixar de o ser, pura e simplesmente porque não vai haver trabalho senão para metade dos que hoje estão no mercado. Por certo mais de um terço dos Tribunais existentes deixarão de ter justificação e ficarão resignados a meros terminais de justiça, onde os agentes se deslocarão sempre que tal seja necessário. Por causa disso centenas de magistrados e procuradores terão de se dedicar a outra função porque vão deixar de ser necessários. Uma fiscalização funcional e técnica rigorosa e permanente, na dependência de um órgão de supervisão e controlo de carácter electivo, onde o escrutínio da competência seja a matriz e a fidelidade política e partidária factor de exclusão, tornar-se-á absolutamente incontornável. E aí terão lugar os melhores e os mais competentes, que não os mais expeditos e atrevidos ou apadrinhados. E não me venham com a crónica desculpa do ataque à independência dos Tribunais porque não é isso que está em causa. Nunca ninguém quis ou quer por em causa a liberdade e isenção absoluta do Juiz quanto às decisões que profere nos seus julgamentos. E haja recato, como antigamente havia e respeito que também se foi perdendo, na Justiça de que tanto se fala e sobre a qual tanta asneira se diz. O que não deve acontecer só na Justiça estará você a dizer... Pois é, e então? Somos todos operários desta nação, cada um no seu lugar. Vamos mas é trabalhar! CONCLUSÕES 1ª – A manifesta incapacidade do aparelho judiciário para dar resposta às exigências que à Justiça se colocam derivam, em larga medida, da sua ingovernabilidade, em consequência da prática auto gestionária adoptada por cada uma das sua corporações; 2ª – Os actuais órgãos dirigentes do sistema, numa próxima revisão constitucional, deverão ser substituídos por um organismo eleito pelo Parlamento, onde o escrutínio da competência, seriedade e transparência sejam a matriz e as fidelidades política e partidária factor de exclusão; 3ª – A Justiça não pode continuar a viver sem a rigorosa e competente fiscalização da produtividade dos seus agentes nem sem o exigente controlo da funcionalidade do sistema judiciário; 4ª – A Justiça não existe para a promoção e ou interesse de qualquer das suas corporações, antes lhe compete servir a defesa e o exercício das liberdades, direitos e garantias dos cidadãos em particular e do povo em geral; 5ª – Não é admissível que dois terços do actual movimento processual dos nossos tribunais tenha unicamente afecto à sua resolução, um terço dos meios judiciários existentes; 6ª – Pode e deve ser gradualmente reduzido a metade o aparelho judiciário actualmente existente, tendo em atenção que o seu custo está perfeitamente desajustado às capacidades do País e às necessidades duma população que na sua maioria se encontra num estado de indigência, promovendo-se para tanto a desjudicialização das acções executivas e de mera cobrança de dívida, o que reduziria o movimento em cerca de 80% do actual; 7ª – As mudanças que importa realizar, de racionalização, produtividade e eficácia no sector da Justiça, implicam necessariamente que milhares de advogados deixem de ter trabalho nos tribunais e centenas de magistrados e funcionários judiciais tenham de procurar outra ocupação fora do aparelho judiciário; 8ª – A Justiça não é o meio privilegiado para afirmação de interesses particulares de classe, nem para tráfico de influências políticas, antes o lugar expedito e competente de resposta aos anseios e resolução dos problemas dos cidadãos e da cidadania. Carlos Portugal Advogado Largo de São Domingos, 14 – 1º 1169-060 LISBOA-PORTUGAL Tel. +351 21 8823556 | + 351 236 209 650 [email protected] www.oa.pt