Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/185 Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial II, 965-968 IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014 ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X Caracterização mineralógica preliminar de amostras do rejeito da antiga mineração de chumbo em Boquira, Bahia Preliminary mineralogical characterization of tailings samples from the former Boquira lead mine, Bahia L. C. Bertolino1*, F. E. A. Alves2, J. C. Mendes2, R. Neumann1 Artigo Curto Short Article © 2014 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP Resumo: No município de Boquira, interior do Estado da Bahia funcionou durante aproximadamente 30 anos uma mineração de chumbo. O rejeito do processo de beneficiamento do minério foi depositado de forma inadequada próximo à cidade e onde permanece até hoje em dia colocando em risco o meio ambiente e a população da região. O estudo tem como principal objetivo a caracterização mineralógica do rejeito da mineração de chumbo. Foram coletadas sete amostras em diferentes pontos da antiga bacia de rejeito e no seu entorno próximo à cidade. As análises químicas indicaram a presença de chumbo em todas as amostras analisadas. O chumbo ocorre associado principalmente à galena, cerussita e anglesita. A disposição inadequada desse tipo de rejeito coloca em risco o meio ambiente e a população que vive no seu entorno. Palavras-chave: Chumbo, Contaminação, Rejeito. Abstract: In the municipality of Boquira, the state of Bahia worked for approximately 30 years, a lead mining. The tailings from the ore beneficiation process was improperly deposited close to town and where it remains today endangering the environment and the population of the region. The study aims to evaluate the distribution of lead in the tailings pile. Seven samples were collected at different points of the old tailings basin and its surroundings near the town. The chemical analysis indicated the presence of lead in all samples. Lead occurs mainly associated with galena, cerussite and anglesite. The improper disposal of such waste endangers the environment and the people living in its surroundings. Keywords: Lead, Contamination, Waste. 1 Centro de Tecnologia Mineral. Av. Pedro Calmon 900, Cidade Universitária, Rio de Janeiro, Brasil. 2 Departamento de Geologia. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Av. Athos da Silveira Ramos, 274. Cidade Universitária, Rio de Janeiro, Brasil. * Autor correspondente / Corresponding author: [email protected] 1. Introdução O chumbo é um metal que provoca sérios problemas ambientais em vários países. Estima-se que 10 milhões de pessoas vivam em regiões contaminadas pelo chumbo. Insumo chave para fabricação de baterias de carro (três quartos da produção anual é destinada à indústria automotiva), o chumbo é liberado no meio ambiente por meio de processos de reciclagem informais e pela atividade de mineração. As principais formas de contaminação se dão pela ingestão de alimentos ou água contaminados, e pela inalação de partículas de poeira da substância, que pode se armazenar por até 30 anos no tecido ósseo (AG Solve, 2011; Alloway, 2013). A extração do minério de chumbo em Boquira começou no final da década de 1950 pela Penarroya S.A, que criou a Companhia Brasileira de Chumbo (Cobrac) para atuar no Brasil como sua subsidiária. Posteriormente, a empresa foi incorporada à Plumbum Mineração e Metalurgia Ltda. (Manzoni & Minas, 2002), pertencente ao Grupo Trevo (Anjos & Sánchez, 2001; Camelo, 2006; Barrero, 2008). O minério de chumbo lavrado e beneficiado em Boquira era transportado para Santo Amaro (BA), onde era produzido o chumbo metálico. O minério extraído continha cerca de 9% de chumbo, 3% de zinco e 32 gramas de prata por tonelada, e era beneficiado em dois concentrados de flotação, o de chumbo, com 70% do metal, e o de zinco, com 51%. A mina atingiu seu auge de produção nos anos 1970 (DNPM, 2006). No entanto, as reservas economicamente viáveis se esgotaram e a mina foi desativada em 1992 (Camelo, 2006). Uma das maiores preocupações em Boquira é com a disposição do rejeito do beneficiamento acumulado ao longo de mais de três décadas. O rejeito contém zinco, cádmio, arsênio, prata, além de chumbo e outros metais, e não foram dispostos segundo parâmetros ambientais aceitáveis, colocando em risco os mananciais e solos (DNPM, 2006). O estudo tem como objetivo principal caracterizar, por meio de amostragens e análises, o rejeito contendo chumbo da cidade de Boquira, na Bahia, com o intuito de determinar os teores e a distribuição do metal como subsídio à avaliação de seus possíveis danos à saúde da população que vive no entorno. 2. Características da área de estudo A antiga mina de chumbo do município de Boquira (BA) localiza-se, aproximadamente, na latitude 12°51'45"S e na longitude 42°30'23"W, na mesorregião do Centro-Sul do Estado da Bahia. A mineralização de chumbo da região de Boquira está associada à Formação Boquira, que consiste de clorita- 966 L. C. Bertolino et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial II, 965-968 granada-biotita xistos, quartzitos, calcários, mármores, itabiritos e anfibolitos. O minério oxidado é formado principalmente por cerussita, smithsonita, goethita e anglesita com proporções menores de piromorfita, hemimorfita, hidrozincita, crisocola, bornita, covellita, malaquita e azurita. O minério não alterado é formado por lentes maciças de galena, esfalerita e pirita quase sem ganga. A galena totaliza quase 90% dos sulfetos, com exceção das extremidades dos filões, onde a pirita prevalece sobre os outros sulfetos (Schobbenhaus & Coelho, 1988). 3. Materiais e métodos Foram coletadas 7 amostras com cerca de 3 kg cada na antiga bacia de rejeito localizada próximo à cidade de Boquira. As amostras foram homogeneizadas, e quarteadas e classificadas a úmido nas peneiras com abertura de 0,210, 0,105 e 0,053 mm. As amostras foram caracterizadas através da difratometria de raios X (DRX), microscopia eletrônica de varredura (MEV/EDS), microscópio petrográfico de luz refletida e análise química por fluorescência de raios X (FRX). Os difratogramas foram obtidos em um equipamento Bruker-AXS D4 Endeavor, nas seguintes condições de operação: radiação CoKα (40 kV/40 mA); velocidade do goniômetro de 0,02° 2θ por passo com tempo de contagem de 0,5 segundos por passo e coletados de 5 a 80º 2θ, com detector sensível à posição Lynxeye. As interpretações qualitativas de espectro foram efetuadas por comparação com padrões contidos no banco de dados PDF02 (ICDD,2006) em software Bruker DiffracPlus. Análises quantitativas, a partir dos dados de raios X, foram calculadas pelo método de refinamento de espectro multifásico total (método de Rietveld), com software Bruker AXS Topas, v. 3.0. A identificação dos minerais, sua composição e as relações texturais das amostras foram determinadas em secções polidas no microscópio eletrônico de varredura (MEV) FEI Quanta 400, equipado com um sistema de microanálise química por dispersão de energia (EDS) Bruker Quantax. As amostras foram recobertas com carbono antes da análise. A composição química das amostras foi obtida através do método de FRX (PanAlytical Axios) em pastilhas fundidas produzidas com a mistura de boratos (66,3% Li2B4O7 – 33,3% LiBO2). Foi realizado o fracionamento das amostras através da separação por líquido denso (iodeto de metileno d = 3,32 kg/L) a fim de concentrar a fração de maior densidade, obter melhores difratogramas de raios X e melhor identificação da composição mineralógica. 4. Resultados e discussão As análises granulométricas indicaram que as amostras apresentam uma grande variação granulométrica, sendo as mais finas a B2 e B6, com cerca de 79 e 85% abaixo de 0,053 mm, respectivamente. Nos difratogramas de raios X das amostras brutas foram observados os picos característicos do quartzo, cummingtonita, magnetita, hematita, chamosita, dolomita, muscovita, gipsita, pirita, talco, magnetita, cerussita, galena e serpentina. As amostras apresentaram pequena variação na composição mineralógica. Na tabela 1 são apresentados os resultados da quantificação dos minerais pelo Método de Rietveld das frações afundada e flutuada. Os principais minerais portadores de chumbo são a galena, cerussita e anglesita. A cerussita ocorre em todas as amostras, a galena nas amostras B2, B3, B5, B6 e B7, já a anglesita só foi determinada na amostra B6. Através do microscópio eletrônico de varredura pode-se observar que os minerais portadores de chumbo estão presentes em todas as frações granulométricas na forma de partículas livres ou inclusos em outros minerais. Na figura 1 são apresentadas imagens de elétrons retroespalhados da amostra B 2, frações flutuada (Fig. 1A) e afundada (Fig. 1B), onde observam-se grãos de galena. Também foram observados minerais de hábito fibroso concentrados principalmente na fração mais fina (< 0,053 mm). Na tabela 2 são apresentados os resultados dos teores de PbO (% em massa), obtidos através de análises químicas, pelo método de fluorescência de raios X, das amostras brutas e das frações de granulometria 0,210, 0,105, 0,053 e <0,053 mm. O chumbo encontra-se presente em todas as amostras analisadas, sendo que os maiores valores foram encontrados na amostra B7 (2,1%) e o menor valor na B4 (0,85%). As análises granuloquímicas indicam que nas amostras B1, B2 e B3 há uma tendência do chumbo concentrar nas frações mais finas (0,053 e <0,0053 mm). Os valores encontrados nas amostras estão acima dos valores de referência para o chumbo, segundo o CONAMA (420/2009). 5. Considerações finais Os resultados indicam que as amostras coletadas em diferentes pontos da antiga barragem de rejeito e no seu entorno apresentam considerável teor de chumbo, apresentando um potencial risco à saúde da população que vive nas suas proximidades. O chumbo está associado principalmente à galena (PbS), cerussita (PbCO3) e anglesita (PbSO4), podendo ser encontrado na forma de grãos livres ou inclusos em outro mineral. Esses minerais quando expostos às condições intempéricas podem sofrer alteração e podem liberar o Pb para o meio ambiente. Também foi observada uma grande quantidade de minerais de hábito fibroso, como a lizardita, o que pode implicar em risco à saúde da população quando respira o ar com essas partículas. Caracterização mineralógica do rejeito de Boquira 967 Tabela 1. Composição mineralógica das frações afundadas por DRX/ método de Rietveld (% massa). Table 1. Mineralogical composition of the fractions sunk by XRD/Rietveld method (% mass). Tabela 2. Resultados das análises químicas por FRX (% em massa de PbO) de amostras brutas e frações granulométricas. Table 2. Results of the chemical analysis by XRF (wt% PbO) of crude samples and granulometric fractions. A B Fig. 1. Imagens de partículas amostra Boquira 2. A- fração 150-270 Flutuada, B- fração 48-150 Afundada. Elétrons retroespalhados. Fig. 1. Images of sample Boquira 2. A- fraction 150-270 floated, B- fraction 48-150 sunken. Backscattered electrons. 968 L. C. Bertolino et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial II, 965-968 Agradecimentos Os autores agradecem ao Centro de Tecnologia Mineral (CETEM) e ao Departamento de Geologia da UFRJ pela oportunidade de utilização dos seus laboratórios. Ao CNPq e à FAPERJ, pelo apoio financeiro. À CAPES pela bolsa Estágio Sênior no Exterior. Proc. 3955-13-3. Referências AG Solve, 2011. Os seis poluentes tóxicos que mais ameaçam o planeta. Disponível em: http://www.agsolve.com.br/noticias/os-6poluentes-toxicos-que-mais-ameacam-o-planeta. (Consultado em 06/03/ 2014). Alloway, B.J., 2013. Heavy Metals in Soils: Trace Metals and Metalloids in Soils and their Bioavailability. Dordrecht: Springer. 3rd Ed. 613 p. Anjos, J.A.S.A., Sanchez, L.E., 2001. Plano de Gestão ambiental para sítios contaminados com resíduos industriais: o caso da Plumbum em Santo Amaro da Purificação - BA. In: Bahia Análise & Dados, Salvador/BA. Disponível em: http://jangello.unifacs.br/downloads/Projeto_Purifica.pdf. Consultado em: 06/03/2014. Barrero, F.M.C., 2008. Análise de áreas degradadas pós mineração em municípios da Bacia do rio Paramirim. Disponível em: http://www.iica.int/Esp/regiones/sur/brasil/Lists/DocumentosTecn icosAbertos/Attachments/489/Fl%C3%A1vio_Marques_Castanho _Barrero_-_107444_-_ING%C3%81.pdf. (Consultado em 13/09/2012). Camelo, M.S.M., 2006. Fechamento de mina: análise de casos selecionados sob os focos ambiental, econômico e social. Tese de mestrado, Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto (não publicada), 127 p. Disponível em: http://www.nugeo.ufop.br/joomla/attachments/article/11/PaginasA rquivos_16_76.pdf. (Consultado em 14/09/2012). DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), 2006. DNPM e Secretaria de Meio Ambiente da Bahia se reúnem em Salvador. Disponível em: http://www.dnpm.gov.br/conteudo.asp?IDSecao=99&IDPagina=7 2&IDNoticiaNoticia=196. (Consultado em 06/03/ 2014). Manzoni, P., Minas, R., 2002. Poluição por chumbo em Santo Amaro da Purificação. Instituto para o Desenvolvimento Ambiental. Disponível em: http://jangello.unifacs.br/stoamaro/poluicao_stoamaro.htm. (Consultado em 06/03/2014). Schobbenhaus, C., Coelho, C.E.S., 1988. Principais depósitos minerais do Brasil. Vol. 3 – Metais básicos não ferrosos, ouro e alumínio. Publicação do Convênio DNPM/CVRD/CPRM, Brasília (DF, Brasil), 670 p.