O futuro do Sistema de Planejamento da cidade AUTOR: Milton Cruz As iniciativas dos governos municipais e entidades da sociedade porto-alegrense acabaram transformando o Plano Diretor no principal instrumento da política de planejamento urbano. Nos primeiros anos do século XX valorizaram-se as intervenções urbanas que simbolizavam a entrada da cidade na modernidade. A partir de 1959 incorporou-se o Plano Diretor como instrumento de planejamento e passou-se a buscar o ordenamento das funções urbanas “habitação, trabalho, lazer e circulação”, através do zoneamento das atividades. O 1° PDDU incorporou o modelo e os instrumentos anteriores, propôs a criação do sistema municipal de planejamento (centralizado na Secretaria do Planejamento Municipal - SPM), e introduziu a participação de colaboradores comunitários no Conselho do Plano Diretor. O PDDUA ampliou a participação social no Conselho e as competências do sistema de planejamento, criou instrumentos como o solo criado e introduziu um novo modelo de desenvolvimento da cidade no Plano Diretor. Criou espaços públicos de debate, como o projeto Cidade Constituinte, que viabilizou a construção de propostas consensuadas entre o governo, o SINDUSCON e setores populares. Mas o processo do PDDUA também deu visibilidade aos problemas urbanos e revelou a grande distância entre objetivos e propostas apresentadas pelo planejamento tradicional e os resultados obtidos em quase oitenta anos de estudos, projetos e planos (1914-1993). Problemas, como a fragmentação dos atores, divididos entre a priorização de demandas de bairros, temas de longo prazo (como o financiamento da cidade) e a disputa em torno das alturas, emergiram e representam um obstáculo para a formulação de um projeto de cidade democrática, participativa e sustentável. Um problema que segundo Henry Lefebvre (reconhecido estudioso da cidade e do urbanismo), é um “problema prático, portanto político”, que não será superado nem pelas prescrições administrativas, pela intervenção de especialistas nem pela via autoritária. O sistema de planejamento implementado revelou-se incapaz de realizar um processo de planejamento integrador de temas relacionados com o espaço urbano (como a mobilidade urbana, o desenvolvimento econômico, a sustentabilidade ambiental a preservação cultural), articulador da ação do conjunto das secretarias municipais, e organizador da agenda dos diferentes interesses da sociedade. Acabou restringindo-se e dando ênfase para o Plano Regulador (controle das alturas, etc.), priorizando a participação privilegiada de parte das comunidades científicas e dos técnicos (urbanistas e técnicos do planejamento), e desestimulando a participação de entidades empresariais, sindicais e associações de bairro como formuladores de soluções aos problemas da cidade. A crença do planejamento tradicional de que apenas uma área do conhecimento científico seria capaz de formular propostas para os problemas da cidade e da sociedade urbana foi sendo abalada e substituída pela crescente insatisfação dos atores que se manifestam a cada reformulação do Plano Diretor. É cada vez mais evidente a dificuldade dos poderes locais (Executivo e Legislativo) e dos planejadores em construir soluções que se articulem a um projeto de cidade sustentável (permanentemente debatido e aperfeiçoado), e romper com a prática que busca formular a política de planejamento da cidade a partir de demandas que fragmentam e fragilizam a sociedade urbana. Instituições como a Secretaria de Planejamento, Secretarias Municipais, e Câmara de Vereadores ainda não dispõe de estrutura, equipes e metodologias para conduzir um processo de planejamento que se caracterize pela participação ativa da cidadania, pela interação constante de técnicos de diferentes áreas do conhecimento (planejadores, urbanistas, sociólogos, educadores, etc.) e equipes capacitadas para a construção de consensos e a formulação de soluções para os problemas da sociedade urbana. Dez anos após a aprovação do PDDUA, Plano intensamente debatido de 1993 a 1999 a partir de um conceito de cidade 1, o Sistema de Planejamento, ainda não desdobrou as estratégias de planejamento em programas, projetos e ações. O Projeto de Lei Complementar que se propõe a reformular o PDDUA e o Sistema, encaminhado pelo Executivo para apreciação do Legislativo, não apresenta uma avaliação global sobre o funcionamento do Sistema de Planejamento; não faz um balanço sobre as estratégias e ações que foram implementadas e se houve avanço na articulação dos componentes do Sistema em sua atuação no planejamento e organização da cidade. Projetos que tem grande impacto no planejamento da cidade como Centro de Compras do Centro (Camelódromo), Projetos de mobilidade urbana (como o Portais da 1 Cidade com gestão democrática e participativa; promoção da qualidade de vida e do ambiente, integração das ações públicas e privadas; cidade culturalmente diversificada, atrativa e competitiva; promoção de estratégias de financiamento; estratégias de desenvolvimento metropolitano; fortalecimento da regulação pública sobre o solo urbano; integração horizontal entre os órgãos e conselhos municipais. Cidade, Plano Cicloviário), Projeto Lomba do Pinheiro, Instituto de Planejamento 2, entre outros, não estão sendo debatidos pelos componentes nos fóruns do Sistema de Planejamento, de modo a incorporar o acúmulo dos órgãos municipais, conselhos municipais e regiões de planejamento no aprimoramento das estratégias definidas e o conceito de cidade que se quer produzir. A fragmentação do debate e formulação dos programas e das ações opera como um poderoso método de deslegitimação do Plano Diretor, e do Sistema de Planejamento, como instrumentos que se propõe integrar esferas de governo, técnicos e representantes das regiões de planejamento e do Orçamento Participativo. A SPM, que historicamente acumulou experiência para se responsabilizar pelo Plano Regulador (de interesse principalmente dos empreendedores da construção civil), e o DEMHAB, em cuidar das áreas irregulares e habitação para a população de baixa renda, sempre tiveram grandes dificuldade para desenvolver trabalhos em conjunto. O Legislativo não desenvolveu a tradição de envolvimento no debate e formulação de propostas para o planejamento e organização da cidade. O Executivo assumiu o papel de formulador e o Legislativo tem se limitado a apreciar, emendar e votar Projetos de Lei. A cada reformulação do PDDUA a Câmara de Vereadores inicia os debates como se partisse do zero, pois não conta com o apoio de relatórios executivos avaliando o Sistema de Planejamento e seus componentes, nem a situação da organização da cidade. Não se criou um sistema de avaliação permanente. A proposta de criação de um Instituto para debater o futuro de Porto Alegre poderia resultar de um debate mais amplo e consistente sobre as causas das deficiências do Sistema de Planejamento proposto desde o período do governo Villela. As recomendações de diferentes campos do conhecimento científico de transformar o Plano Diretor em instrumento de participação de técnicos de várias áreas, entidades comunitárias, sindicais e empresariais, e do governo; e de integração de órgãos como a SPM, DEMHAB, SMT/EPTC, SMF, entre outras, não vem encontrando apoio nos métodos utilizados pelo governo. Este método de planejamento tende a consolidar a fragmentação que não contribui para a construção da identidade cidadã nem para o desenvolvimento de uma capacitação institucional capaz de formular soluções a partir de consensos construídos a partir da interação dos diferentes interesses. A consolidação deste novo cenário reforçaria a tendência de transformar o Plano Diretor 2 Que está sendo proposto por entidades como a Sociedade de Engenharia. em um simples Plano Regulador, na contramão e em detrimento do aprofundamento dos instrumentos propostos pelo Estatuto da Cidade. A não criação do Conselho da Cidade, o não encaminhamento de Lei específica propondo os instrumentos tributários (como o IPTU progressivo) para a regularização urbana, a não apresentação de zonas gravadas no território, como Áreas Especiais de Interesse Social, indicam que o Sistema de Planejamento não foi “acionado” para operar o aprimoramento das estratégias de desenvolvimento da cidade e para a inclusão dos instrumentos aprovados pelo Estatuto da Cidade. O Plano de Desenvolvimento Urbano Ambiental (1999) não tem sido utilizado pelo Governo como instrumento de Estado para o planejamento e a organização da cidade de Porto Alegre. A política de planejamento urbano, nos marcos do projeto democráticoparticipativo, demanda um projeto de cidade que exige a adesão ativa de atores formuladores de soluções para problemas que vão além daqueles que se fazem presentes na agenda do OP (demandas por infra-estrutura, habitação de caráter social, serviços públicos). O projeto de cidade relaciona-se com estratégias, programas e projetos para seu desenvolvimento, sua sustentabilidade ambiental e seu sistema de tomada de decisão, entre outros. O contexto de globalização da economia e a introdução da participação, que projetou Porto Alegre no cenário nacional e internacional, desafiam governantes e a sociedade local a continuar avançando na formulação de um projeto de desenvolvimento capaz de promover as vantagens comparativas locais (como o turismo, a qualificação da cidade em saúde, o pólo universitário e tecnológico, a tradição participativa), resgatar a dívida histórica com os grupos excluídos e minimizar os impactos negativos do crescimento. Processo que pode colocar Porto Alegre como cidade capaz de contribuir decisivamente na formulação de um projeto nacional de desenvolvimento autônomo e sustentável para o século XXI.