SOCIODIVERSIDADE Sociodiversidade é a posse de recursos sociais próprios, de modelos diferentes de autoridade política, de acesso a terra ou de padrão habitacional, de hierarquias próprias de valores ou prestígio. Além de ser um princípio disciplinar da antropologia, a sociodiversidade é um requisito imprescindível para a reprodução das sociedades indígenas nos nichos espaciais e políticos a elas reservados no panorama global, e, nesse sentido a reflexão sobre sociodiversidade precisa colocar em discussão como essa sociodiversidade tem sido tematizada no movimento ambientalista e nas políticas públicas, avaliando-se as implicações destas visões e destas políticas para a sustentabilidade ambiental e para a continuidade sociocultural e qualidade de vida destas populações. A Sociodiversidade em Saúde desenvolve investigações científicas através de abordagens sócio-epidemiológicas de forma a produzir conhecimentos sobre o processo saúde/doença, bem como dos significados histórico-culturais desse mesmo processo. Entre os objetivos de seus projetos principais está: Desenvolver análises da relação entre condições de vida e situações de saúde com ênfase em abordagens sócio-epidemiológicas e ambientais da produção, reprodução e modulação dos processos de saúde /doença. Desenvolver investigações sócio-antropológicas que viabilizem a apreensão dos significados culturais do processo saúde/doença na Amazônia, promovam a articulação entre ciências sociais e epidemiologia e possibilitem a construção de objetos interdisciplinares de estudos em saúde nas populações vulneráveis (indígenas, afro-descendentes, ribeirinhos, moradores de periferia dos grandes centros). Para entender a sociodiversidade brasileira é preciso refletir sobre o modo como os povos indígenas na América Tropical e Subtropical desenvolveram nas suas cosmologias - modos de objetivação da natureza (outras formas de vida, animais, humanos, astros, etc.) e da sociedade - avaliando as implicações desses modos de objetivação nas suas práticas de reprodução societária e ambiental, aprofundado a nossa compreensão desses modos de identificação (Descola, 2000) e permitido uma consciência mais profunda de nossos próprios regimes de objetivação e dos princípios diretores de nossas próprias cosmologias. Com base nesse debate poderemos também aprofundar a compreensão de nossa forma de conceber natureza e sociedade e suas implicações nas práticas sociais. Pode-se dizer que a década de 80 testemunhou uma grande mudança nas abordagens antropológico-ecológicas na Amazônia. Se, por um lado, os pioneiros concentraram-se sobre fatores limitantes de larga escala, a geração dos anos 80 investiu exatamente naquilo que a Amazônia tem de mais importante: na sua extrema heterogeneidade de sistemas naturais e, por conseguinte, na extrema sociodiversidade apresentada por suas populações nativas e tradicionais, resultado, obviamente, de respostas adaptativas, de cunho social, a essa miríade de possibilidades de sustentação material à produção e reprodução das sociedades envolvidas. Nesse sentido, os estudos da sociodiversidade precisam dar conta de como as distintas paisagens interferiram na formulação das organizações sociais de suas populações humanas, organizações sociais aí entendidas como soluções adaptativas para o enfrentamento de questões de sustentabilidade material (ou seja, questões de adaptação e a adaptabilidade social). Ao mesmo tempo, ao estudos sobre sociodiversidade precisam verificar não somente como as sociedades humanas são capazes de agir sobre ecossistemas naturais, forjando aquilo que William Balée denomina "florestas culturais", mas também como determinados compartimentos reconhecidos pela ecologia ocidental desdobram-se em nuances de diversidade, quando lidos à luz do conhecimento nativo. Portanto, a sociodiversidade é inseparável da biodiversidade. E para falar de Sociodiversidade e Biodiversidade no Brasil é preciso falar de Modos de Vida, Territorialidade e Meio Ambiente, desenvolvendo uma reflexão conjunta sobre as questões da terra, da diversidade sociocultural e da sustentabilidade ambiental, a partir da análise da variedade dos modos de vida contemporâneos historicamente constituídos (populações indígenas, quilombolas, afro-descendentes, ribeirinhos, seringueiros, caboclos e outros), de suas formas de territorialidade e os correlatos padrões de ocupação do espaço e uso dos recursos naturais. Precisamos atentar para a grande sociodiversidade existente no interior do Brasil: grupos indígenas, pequenos produtores rurais; assentados da reforma agrária, pequenos posseiros tradicionais; comunidades extrativistas, grupos de “alternativos” migrantes da classe média urbana em direção ao campo. Desse encontro resulta uma grande diversidade de histórias de vida, origens geográficas, referências ideológicas e crenças coletivas. Essas diferenças mostram-se, há um só tempo, potencial e obstáculo na execução de projetos sociais e ecológicos. Processos associativos e dissociativos sucedem-se naturalmente no ciclo de um projeto que apresente um grupo muito diverso de atores envolvidos. Os casos de projetos executados em assentamentos da reforma agrária, que vem sendo implementada pelo Governo Federal brasileiro, representam um paradigma empírico dessa contradição. Isso porque um assentamento de reforma agrária, por si só, é um contexto social bastante complexo, onde já há extraordinária heterogeneidade interna. Tratam-se de famílias e indivíduos vindos de diferentes regiões do país, inclusive, de zonas urbanas, assentados de forma relativamente aleatória. A análise de projetos implementados nesses contextos permite aferir algumas regularidades. Nos assentamentos, por exemplo, com presença expressiva do Movimento Sem Terra (MST), verifica-se que o movimento ajuda na constituição de um elemento subjetivo de identificação social - a defesa de um modelo de organização política e social dentro do assentamento -, mas por vezes se constitui também em mais uma linha de força nesse cenário, capaz de gerar e alimentar dissensões. Por exemplo, um fator de forte constrangimento sobre projetos de produção de alimentos e fitoterápicos tem sido a ação da Vigilância Sanitáriai, havendo inúmeros casos de interdição das unidades produtivas, por serem consideradas fora dos padrões recomendados de higiene e saúde. Há indícios, contudo, de que muitas vezes essa intervenção não se dá unicamente com base em critérios técnicos, mas que se justificam também por interesses econômicos, especialmente de grandes indústrias como a farmacêutica. De todo o modo, a legislação sanitária vem sendo questionada de forma crescente, havendo inclusive experiências de políticas públicas, em níveis estaduais e municipais, de incentivo à pequena agroindústria e que incluem a adaptação da legislação, para viabilização desses pequenos empreendimentos. O pressuposto nesse tipo de ação, é de que as normas sanitárias, sob alguns aspectos, tem sido proibitiva para a consolidação de pequenas unidades produtivas, refletindo apenas a realidade de grandes e médias indústrias. O poder do significado das palavras obriga-me a definir algumas aqui. A exemplo de biodiversidade – palavra e conceito formulados em 1985 por Walter G. Rosen, para dizer do conjunto constituído pelas diversidades: genética, específica (espécies) e ecológica, assim como das interações entre elas. Portanto, biodiversidade refere-se à diversidade da vida nos níveis genéticos, da espécie, populacional e dos ecossistemas. A junção do vocábulo “sócio”, tanto à diversidade quanto à biodiversidade, confere-lhes significados distintos, a saber: “sociodiversidade” é a diversidade das culturas sociais e “sociobiodiversidade” é a diversidade resultante da fusão dos significados de biodiversidade e sociodiversidade. Sociobiodiversidade diz respeito à complementaridade entre diversidade cultural e biológica, englobando as diversidades cultural, populacional e dos ecossistemas. “Trocando em miúdos”, quer dizer que cada cultura constrói relações com os ecossistemas de modo a criar nichos de saberes que lhes possibilita sobrevivência, logo sociobiodiversidade é o conhecimento e a dependência que cada cultura tem dos ecossistemas, a exemplo dos bosquímanos do deserto do Kalahari e dos pigmeus, povos que sedimentaram culturas integradas ao ambiente em que vivem. Há o recente exemplo das seis tribos primitivas indianas do Golfo de Bengala, das ilhas de Nicobar e Andaman – jawaras, onges, shompenes, sengaleses e grande andamanenses, que datam de 20 a 60 mil anos, do alto paleolítico e do mesolítico, que detectaram a iminência da catástrofe observando o canto dos pássaros e a mudança de conduta dos animais. Sobreviveram ao tisunami em 26/12/2004, graças a conhecimentos ancestrais. Os nicobarenses, residentes em 12 ilhas do arquipélago indiano, com 30 mil pessoas, até 3 de janeiro de 2005 computaram 656 mortos e 3.000 desaparecidos. Os nicobarenses datam do neolítico (5 a 7 mil anos) e deduz-se que o acúmulo de saberes é bem menor ou menos consolidado e difundido entre seus membros. i Órgão governamental brasileiro responsável pela fiscalização das condições de higiene e saúde em unidades produtivas.