Nº 3192 /2014-ASJMA/SAJ/PGR
Mandado de Segurança 29.039/DF
Relator:
Ministro Gilmar Mendes
Impetrante: Associação dos Notários e Registradores do Brasil
(Anoreg/BR) e outro(a/s)
Impetrado:
Corregedor Nacional de Justiça
MANDADO DE SEGURANÇA. RESOLUÇÃO 80 DO CNJ. DECISÃO DO CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA. LIMITE
DO TETO REMUNERATÓRIO AOS OCUPANTES INTERINOS DAS SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. CONCESSÃO DA
SEGURANÇA.
1. Mandado de segurança interposto com o objetivo de
anular decisão proferida nos autos do Pedido de Providências 0000384-41.2010.2.00.0000, que estabeleceu o limite
do teto remuneratório, inscrito no art. 37, XI, da CF/88,
aos ocupantes interinos das serventias extrajudiciais.
2. Necessário tornar eficaz o art. 236, § 3º, da CF/88 por
meio da realização de concurso público para o provimento
de serventias extrajudiciais em todo o país, privilegiando o
sistema da meritocracia e os princípios da igualdade, moralidade e impessoalidade.
3 Regime jurídico-administrativo dos servidores públicos incompatível com o aplicado aos cartorários. Inaplicabilidade do
limite do teto remuneratório aos substitutos das serventias extrajudiciais.
4 Parecer pela concessão da segurança.
Trata-se de mandado de segurança ajuizado pela Associação dos
Notários e Registradores do Brasil contra decisão do Corregedor
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Nacional de Justiça exarada nos autos do Pedido de Providências
0000384-41.2010.2.00.0000.
A impetrante narrou que o suposto ato coator consistiu em
decisão monocrática prolatada pelo Corregedor Nacional de Justiça que determinou a submissão dos interinos de serventias extrajudiciais ao limite do teto remuneratório, ante a impossibilidade de
um preposto estatal apropriar-se da renda de um serviço público
cujo exercício foi revertido à Administração Pública.
Sustentou, em síntese: (I) que os notários e registradores são
particulares em colaboração com a Administração Pública, não lhes
sendo aplicável o teto remuneratório, pois dirigido aos agentes políticos e servidores estatais; (II) que os serviços prestados pelas serventias extrajudiciais são remunerados pelos particulares; ( III) o
caráter privado dos serviços notariais e de registro, em consonância
com o disposto no art. 236 da CF/88; (IV) que as receitas auferidas
pela serventia não são públicas e sim emolumentos que decorrem
dos serviços prestados; (V) impossibilidade de transposição da categoria de particulares em colaboração com o Poder Público para a
de agentes públicos; (VI) a legalidade da atividade desempenhada
pelo substituto, de acordo com o art. 39, § 2º, da Lei 8.935/1994.
Alegou que, se eventualmente for mantido o teto remuneratório para os interinos, não se deve obrigar o recolhimento dessa
quantia em favor do Poder Judiciário, pois é o Estado que possui a
competência residual sobre a atividade notarial e de registro, de
acordo com o art. 25, § 1º, da CF/88. Concluiu, dispondo que: o
suposto superávit, acaso devido, deve ser recolhido em favor da conta única
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do Estado (à Fazenda Pública Estadual) que, se assim entender, poderá
posteriormente revertê-lo em favor do Poder Judiciário por meio de dotação
própria consignada em lei orçamentária.
Ao final, requereu a concessão da liminar para suspender a decisão do Corregedor Nacional de Justiça. Com relação ao mérito,
pleiteou a concessão definitiva da segurança para que não seja aplicado o limite do teto remuneratório aos interinos e, subsidiariamente, que os valores sejam recolhidos em favor da Fazenda Pública
Estadual.
O Ministro Relator, em decisão monocrática, concedeu a liminar, sob a justificativa de que, aparentemente, inexiste fundamentação legal a embasar a submissão dos cartorários, ainda que
temporários, ao teto salarial dos servidores públicos.
As informações foram prestadas pela Corregedoria Nacional
de Justiça.
A Advocacia-Geral da União interpôs agravo alegando que, a
partir da declaração de vacância da serventia, consolida-se na
mesma pessoa, qual seja o Estado, a titularidade e o exercício dos
serviços notariais. Nesse sentido, impõe-se o regime jurídico-administrativo vigente, o que justificaria a aplicação do limite do teto
remuneratório. Por fim, requereu a reconsideração da decisão monocrática e a consequente cassação da liminar concedida.
Diante de tal recurso, o Ministro Relator reconsiderou sua
decisão e cassou a liminar, nos seguintes termos:
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Com efeito, ainda estão vagas mais de 4.700 serventias extrajudiciais apesar dos esforços do próprio CNJ em declarar
a vacância há mais de 4 anos. Em pelo menos 15 unidades
da Federação não se realizou sequer um certame para
preenchimento dessas vagas, em verdadeiro desprezo ao
prazo constitucionalmente consignado e desprestígio da regra do concurso público.
Por outro lado, a aplicação do teto remuneratório do serviço
público não implica violação à dignidade da pessoa humana,
nem risco relevante à subsistência dos atingidos, razão pela
qual entendo afastado o indispensável periculum in mora.
Em síntese, o relatório.
Com razão o Ministro Relator ao afirmar o descumprimento
do art. 236, § 3º, da Constituição Federal, que determinou a realização de concursos públicos em todo o país e vedou a vacância
das serventias extrajudiciais por mais de seis meses.
Passados vinte e cinco anos da promulgação da Carta Constitucional, verifica-se que as referidas serventias persistem em situação
irregular em dissidência com o princípio da máxima efetividade da
Constituição Federal.
A questão da remuneração dos substitutos, contudo, é polêmica e de difícil solução.
Sabe-se que o STF não possui jurisprudência assentada. Há
decisões monocráticas determinando a observância do limite constitucional, inscrito no art. 37, XI, pelos delegatários de serviços
extrajudiciais, sob o argumento de que a interinidade se equipara
ao regime dos servidores públicos. Há outro entendimento – que
reflete de forma mais adequada o regime jurídico dos serviços no-
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tariais e de registro – de que, apesar de serem órgãos estatais despersonalizados, não possuem cargos públicos.
Nesse sentido, a atividade cartorária, que é uma delegação do
Poder Público de caráter privado, da qual os delegatários recebem
emolumentos integrais correspondentes aos serviços prestados, não
se submete a limitações do teto (cf. MS 29.039 MC/DF, Relator:
Ministro GILMAR MENDES, DJe, 27 out. 2010; MS 29.109 MC/DF,
Relator: Ministra CÁRMEN LÚCIA, DJe, 6 set. 2010; AC 2.717/DF,
Relator: Ministro TEORI ZAVASCKI, DJe, 25 nov. 2013).
Recentemente, o Ministro TEORI ZAVASCKI prolatou decisão na
Ação Civil Originária 2.312, que aborda a questão com precisão:
Por outro lado, há também decisões em sentido diferente,
entendendo que os delegatários das serventias extrajudiciais,
ainda que ocupantes da titularidade de forma temporária,
não são equiparados aos servidores públicos. […] Esta segunda orientação, s.m.j., é a que reflete de forma mais adequada o regime jurídico a que estão submetidos, segundo a
jurisprudência desta Corte, os serviços cartorários e notariais.
A retribuição dos correspondentes atos se dá por via de emolumentos, de valor preestabelecido por norma estatal, incidente
sobre cada ato praticado na serventia. Ora, independentemente de ter ingressado – ou não – por meio de concurso
público, ou mesmo da legitimidade ou não do exercício do
cargo (tema que aqui não está em questão) o autor é titular
de serventia extrajudicial por ter sido designado pela Corregedoria de Justiça do Estado e recebe emolumentos pelos
serviços específicos e divisíveis que presta, sobre os quais incide taxa estadual, independentemente de exercer a delegação de modo definitivo ou interino. Em consequência, e por
não ser um servidor público, mas um delegatário de serviço
público que recebe emolumentos correspondentes aos serviços
prestados, esse regime de retribuição, por sua própria natureza, não
é suscetível de qualquer equiparação com a dos servidores públicos,
notadamente no que diz respeito a limitações de teto.
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É de se recordar, ainda, que são os titulares de serventias e os
substitutos, na sua ausência, são os responsáveis pelos encargos decorrentes da gestão administrativa da serventia.
O art. 21 da Lei 8.935/1994 estabelece que:
Art. 21. O gerenciamento administrativo e financeiro dos
serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição
de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a
obter a melhor qualidade na prestação dos serviços. Outrossim, há que se considerar também uma questão de ordem
prática.
Por fim, reitera-se a necessidade de cumprimento urgente do
art. 236, § 3º, da CF/88, refutando-se a perpetuação do substituto
efetivado como titular após a promulgação da Constituição Federal,
o que afronta os princípios republicanos da igualdade, da moralidade e da impessoalidade.
Pelo exposto, o parecer é pela concessão da segurança, exclusivamente para que não seja aplicado ao interino da serventia extrajudicial o teto constitucional da remuneração dos servidores
públicos.
Brasília (DF),12 de junho de 2014.
Rodrigo Janot Monteiro de Barros
Procurador-Geral da República
BFS
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