Comunicação e Interação em Ambientes de Aprendizagem Presenciais e Virtuais Antonio Simão Neto Pontifícia Universidade Católica do Paraná Coordenadoria de Educação à Distância [email protected] Resumo Este trabalho busca inicialmente uma reflexão teórica sobre os meios de comunicação, procurando contrapor os meios de massa, lineares, aos novos meios digitais, interativos. Em seguida, faz uma associação entre o ensino tradicional e as mídias lineares e propõe uma ligação entre as novas mídias e propostas de renovação pedagógica. Por último, analisa o uso de um ambiente tecnológico (o Eureka) na PUCPR, sob o enfoque proposto nos momentos anteriores e faz algumas sugestões para o desenvolvimento de ambientes virtuais de aprendizagem. Palavras-chave Interação – ambientes virtuais de aprendizagem – meios de comunicação – tecnologias educacionais Abstract This paper compares, firstly, the mass media to the new interactive, digital media, using a theoretical framework based on the degree of interaction and communicative exchange of both kinds of resources. Then it attemps to further this analysis by linking traditional classroom lectures to linear media and new pedagogical approaches to the new interactive media. It ends by presenting the virtual learning environment developed at PUCPR (Eureka), bringing some suggestions for new learning strategies in virtual spaces. Key-words Interaction – virtual learning environments – communication and media educational technologies “A tecnologia é a fogueira em volta da qual hoje contamos nossas histórias.” Introdução Com esta frase Laurie Anderson, artista, cantora e performer multimídia, referese ao papel central desempenhado pela tecnologia na nossa sociedade, aproximando as pessoas e intermediando as relações humanas. A imagem da fogueira não é gratuita. Em volta da fogueira nossos ancestrais se reuniam não somente para se esquentar ou para assar seus alimentos, mas também (quem sabe principalmente) para trocar idéias e experiências, contar casos, relatar as lides do dia, explicar o que não entendiam, ensinar os mais jovens, glorificar os heróis, repreender os faltosos e assim por diante. Em torno da fogueira cada grupo criava, reproduzia e reforçava sua visão de mundo e sua identidade como grupo e como indivíduos no grupo. Se o espaço em torno da fogueira era um bom para promover a coesão social, era limitado enquanto meio de comunicação. Só podíamos falar para quem estivesse ali, perto de nós e naquele mesmo momento (“aqui e agora”). Pessoas que estivessem afastadas (do outro lado do morro, por exemplo, ou em outra vila) não podiam participar - por limites espaciais, ficando fora do alcance de nossa voz e dos nossos gestos e expressões. Pessoas que não estivessem ali naquele momento (mas que estariam ali na próxima noite ou na próxima lua, por exemplo) também não estavam excluídas, por limites temporais. Para superar estes limites espaciais e temporais, inventamos os meios de comunicação. O ancestral de todas as mídias talvez tenha sido o sinal de fumaça – ou o tambor –, meios criados para fazer chegar mensagens àqueles que estivessem distantes demais para ouvir nossa voz ou ver nossos rostos e gestos. Tudo o que era preciso era um meio e um código compartilhado: era necessário que quem ouvisse o tambor ou visse os sinais de fumaça compreendessem o código utilizado. Para aqueles que não estivessem ali, naquele momento, os sinais e desenhos, no início e a escrita, mais tarde, permitiram que participassem também do grupo e sua visão de mundo, ainda que de forma assíncrona. Com o passar do tempo, as sociedades foram se tornando mais complexas e os meios e formas de comunicação foram se transformando. Não era mais possível conhecer pessoalmente cada um dos membros da polis. Ainda assim, um dramaturgo como Sófocles, por exemplo, poderia ao escrever suas peças fazer previsões bem acuradas sobre o gosto e a reação do seu público – um público que ele conhecia muito bem, mesmo não conhecendo individualmente cada um dos componentes da platéia. Com este conhecimento o autor podia criar um diálogo bem direto e significativo para o seu público. Se dermos um salto no tempo e nos deslocarmos agora para o século XIX, veremos que esta noção de “público” se transformou radicalmente. Com a expansão européia no mundo, a industrialização, a formação das grandes metrópoles, o crescimento populacional e outros fatores, os meios de comunicação passaram a dirigir-se não mais para um público, mas para “o público”. As pessoas passam de membros de uma platéia para a condição de “espectadores” – do latim “expectare”: ficar olhando... Apocalípticos e integrados, ontem e hoje Daí o termo “massa” que foi e é utilizado para designar tanto esta sociedade (sociedade de massa) quanto os meios (meios de comunicação de massa) preferenciais usados por esta sociedade. Umberto Eco definiu em seu clássico livro as duas posições opostas com relação às mídias de massa: os apocalípticos e os integrados. Os apocalípticos denunciam a grande ameaça à cultura trazida pelas novas formas, voltadas para a “massa”, esse agregado informe e sem identidade. A “cultura de massa” é uma contradição em termos, uma vez que cultura é algo que exige sensibilidade e inteligência, atributos ausentes na massa. O que a massa assimila como cultura não passa de um arremedo, uma cópia barateada, um pastiche da verdadeira cultura, que se vê encurralada pelo avanço inexorável da indústria cultural e de seus produtos feitos para o entretenimento e o consumo. Já os integrados argumentam que a verdadeira razão dos gritos indignados dos apocalípticos não é a preocupação com o nível cultural da sociedade – mas com a manutenção de seus privilégios de guardiões da cultura, ameaçados – esses sim – pelo desenvolvimento dos meios de comunicação e a democratização do acesso aos bens culturais promovidos por estes meios. Cultura sempre foi privilégio de poucos. Com os novos meios, a grande maioria da população, até então excluída, passa a ter acesso às obras até então restritas a quem podia viajar para visitar museus, galerias, bibliotecas, arquivos e acervos culturais e a quem tinha recursos para estudar e adquirir os produtos culturais feitos por uma elite para uma elite. Os meios de comunicação de massa democratizam o acesso à cultura (e por isso devem ser glorificados) ou ameaçam a cultura de extinção em favor de uma farsa (e por isso devem ser execrados e evitados)? Este debate, muito quente nas décadas de 60 e 70 (alimentado pela contribuição de autores como MacLuhan, Barthes e outros), está sofrendo um reaquecimento em função do advento das novas tecnologias, principalmente o computador e a internet. Tecnófobos e tecnófilos, neoluditas e digerati são os novos personagens dessa polarização entre os que acusam e os que defendem os meios de comunicação e suas tecnologias. Antes de abordarmos esta nova dimensão de uma discussão já quarentona, precisamos relacionar as principais características dos meios de comunicação de massa para compará-las na seqüência às características distintivas dos novos meios interativos. Em seguida, associá-los à prática educativa tal como acontece na escola, tomada como espaço comunicativo. Meios lineares e meios interativos Resumidamente, são características essenciais dos meios como a televisão, o rádio, o jornal e outros meios de comunicação de massa (MCM): • o controle centralizado o conteúdo e a forma das mensagens são decididas inteiramente por aqueles que controlam os meios – e esse controle está centralizado nas mãos de poucos • a comunicação em via única o processo comunicativo é unidirecional, fluindo daqueles que têm o controle para aqueles que consomem os produtos, por uma via de mão única • meios pouco participativos conforme a definição de MacLuhan certos meios pedem pouco do receptor, mandando as mensagens praticamente acabadas, como no caso do cinema, enquanto outros envolvem o receptor, que “completa” as mensagens, como no caso do rádio • o espectador ao receptor somente cabe o papel passivo de espectador: ficar lá simplesmente olhando • múltiplas mensagens em um único meio cada meio condensa as mensagens, atribui formas próprias a elas dentro de cada linguagem específica e disputa com os demais meios a atenção do espectador • linearidade os MCM impõem uma seqüência e um ritmo obrigatórios, num fluxo linear com temporalidade própria, que não permite desvios, acelerações ou caminhos alternativos Em contraposição, podemos relacionar como características dos novos meios interativos como a Internet: • o controle descentralizado a Internet é o primeiro grande meio de comunicação sem um poder central controlador, sem proprietários e regulamentos, aberto a todos que desejarem • a comunicação em mão dupla ou em múltiplas vias o processo comunicativo é multidirecional, formando uma grande teia (web) de vias pelas quais circulam as mensagens, sem centro fixo; a internet permite a comunicação em mão dupla, possibilitando trocas comunicativas • a interatividade extrapolando a definição de MacLuhan para os MCM, a Internet é um meio muito mais participativo, por sua natureza interativa e aberta • o “usuário” não existe ainda um nome para designar este novo tipo de espectador, que participa, que interfere, que redireciona, que manipula, que coloca as mãos nas mensagens e nos meios • a multimídia múltiplos meios difundem múltiplas mensagens, utilizando múltiplos estímulos, num universo de mídias cada vez mais integradas pelo formato digital comum • navegabilidade, não-linearidade a navegabilidade é a possibilidade que temos de “surfar” nas informações, construindo trajetórias não-lineares, seguindo os fios de uma rede rizomática que não tem pontos fixos de partida ou de chegada nem ritmos pré-definidos Dadas as características diferenciais dos novos meios interativos com relação aos anteriores, podemos pensar agora nas suas implicações para a educação. A escola como espaço comunicativo Para fazer a conexão entre mídias e ambientes educacionais, é preciso pensar nas características principais dos meios de comunicação de massa relacionadas acima e analisar o que se passa tradicionalmente numa sala de aula. É possível encontrar muitas semelhanças, como as que relacionadas a seguir. Na sala de aula – assim como nos MCM – o controle é centralizado. O professor comanda o espetáculo, decidindo quando e o que falar, usando os meios e linguagens que decidir empregar. Na sala de aula a comunicação flui unidirecionalmente, do professor para o aluno. Nesta rua de mão única, o aluno é somente um espectador. Dele se espera somente que receba passivamente o “conteúdo”, transmitido pelo professor. As aulas são formas lineares, cujo ritmo e direção são ditados pelo professor, sem a possibilidade de interferência por parte dos alunos. Vistas como mídia, as aulas são meios extremamente frios... A informação essencial, pré-selecionada pelo professor, contida em seus recursos de apoio (livro didático, mapas, transparências e outros) é levada aos alunos de forma linear, seqüencial, em aulas justamente chamadas de “expositivas”. O aluno só pode se deixar conduzir, pois tem poucas condições de procurar outros caminhos diante dessa linearidade pronta para assimilação e consumo. Organizada dessa maneira, a informação é apresentada em um único nível de profundidade, dificilmente permitindo que o aluno vá mais a fundo, que chegue a níveis mais complexos ou mais detalhados. Aqueles que podem e querem aprender mais não conseguem ir além; aqueles que estão com dificuldades de aprendizagem acabam ficando para trás. Aprendizagem, multimídia e interação Como superar este modelo educacional tão parecido com os meios de massa? Talvez uma das respostas possíveis esteja indicada pelas novas tecnologias interativas, que estão difundindo outras formas de comunicação. A universidade poderia aprender com estas novas formas comunicativas e implementar modelos educacionais que fossem igualmente descentralizados, participativos, colaborativos, permeados por múltiplos estímulos e que permitissem o acesso ampliado à informação e aos meios de produção do novo e de livre circulação das idéias. Uma universidade que não tome o aluno como espectador passivo, mas sim como esta nova figura que ainda não foi nem batizada: o espectador que quer colocar a mão, participar, criar, modificar. Os informatas o chamam de “usuário” (um tanto bancário demais...) ou de internauta (muito restrito à internet). Um nome melhor? Como educadores podemos chamá-lo simplesmente de... estudante. É claro que se trata de um outro tipo de aluno, bem diferente do aluno que fomos quando estivemos sentados nas carteiras escolares e universitárias. Os alunos que chegam hoje até nós não aceitam mais as velhas aulas expositivas, “mono-mídia”, pouco interativas e pobre de estímulos. Esperam – e alguns até exigem - o mesmo grau de envolvimento das mídias com as quais convivem fora dela. Esta aí o grande desafio para os educadores de hoje. É preciso avançar para novas formas de ensinar e aprender – e estas formas com certeza envolvem recursos tecnológicos abertos e interativos. Para isso, porém, os professores também devem se transformar, buscando um território comum no qual seja possível uma verdadeira comunicação com seus alunos. Se não incorporarem às suas práticas as linguagens com as quais os alunos se sentem à vontade, os professores estarão se distanciando cada vez daqueles que são a razão da existência de todos os sistemas educacionais. Como disse Douglas Rushkoff (2000) devemos nos interessar pelos jovens não somente porque são jovens, isto é, adultos ainda em gestação, mas porque são novos. Os jovens de hoje não são iguais a nós quando éramos da sua idade, mas são, sem dúvida, diferentes. Aprender deve e pode ser uma atividade prazeirosa, envolvente e estimulante. A universidade e a escola, como espaços comunicativos, devem ultrapassar o modelo criado pelos meio de comunicação de massa e olhar com toda a atenção para os novos meios interativos e multimidiáticos, se quiserem ser realmente significativas para os alunos e para a sociedade. Metáforas aquáticas Navegar na Internet, surfar na web, mergulhar na informação... metáforas aquáticas que revelam algo da natureza desse novo meio. Surfar sugere um passeio pela superfície, seguindo uma força que nos carrega – como quando seguimos links e threads. Navegar já nos faz pensar nos exploradores, que partiam de um porto conhecido para descobrir novas terras, sem saber onde iriam chegar. Navegar é ousar, investigar, seguir um caminho sobre uma superfície fluida e mutável. Mergulhar é mais interessante ainda: trata-se de penetrar no oceano da informação e descer mais fundo, ir além da superfície. Neste novo meio, a informação pode estar organizada em diferentes níveis, o que nos permite descer a instâncias mais complexas partindo da superfície na qual surfamos e navegamos. Educativamente, as três instâncias são importantes. Por exemplo: o professor pode indicar pontos de partida (problematização) e incentivar seus alunos a seguirem caminhos diversos, surfando, navegando e mergulhando nas informações até chegaram a um porto mais estável: sua resposta aos problemas propostos. Muitos outros encaminhamentos são possíveis dentro dessa visão, mas se trata ainda de uma abordagem centrada no conteúdo, corporificado pelo oceano de informações no qual estamos imersos (mais imagens marinhas...). Se queremos contribuir para o estabelecimento de ambientes de aprendizagem centrados no aluno, na investigação, na descoberta, na colaboração e na construção ativa do conhecimento, temos de avançar para além das ações meramente informativas e procurar novos caminhos. A sala de aula, mesmo enriquecida por tecnologias educacionais como o video e a TV, não constitui um caminho novo, pois impõe limites e condicionamentos, formais, estruturais e culturais. É preciso dar o passo que nos leve a outros espaços, para além da sala de aula - seja para ampliá-la ou para superá-la. Ambientes Virtuais e Aprendizagem Nesta direção estão os projetos que buscam a constituição de ambientes colaborativos e cooperativos de aprendizagem. Para isso, é comum a adoção de programas que facilitem essa abordagem. WebCT, Blackboard, E-College e outros são muito usados no exterior. No Brasil já conquistaram muitos usuários os ambientes AulaNet (PUCRJ), Universite, Virtus (UFPE) e alguns outros. Na Pontifícia Universidade Católica do Paraná foi desenvolvido o ambiente Eureka, em parceria com a Siemens. Em 2000 foram contabilizados mais de 10.000 usuários cadastrados e mais de 360 salas abertas, chegando no início de 2002 a 20.000 usuários e 950 salas o que demonstra o grau de acolhimento dessa tecnologia pela comunidade acadêmica da PUCPR e a velocidade exponencial de sua difusão. No ano 2000 a PUCPR passou a adotar um novo projeto pedagógico para todos os seus cursos de graduação, o qual propõe grandes inovações. As antigas disciplinas, compartimentalizadas e isoladas, foram extintas. Hoje, professores das então chamadas “disciplinas afins” unem-se em torno de programas de aprendizagem, nos quais, através de um contrato didático, são estabelecidos objetivos comuns e procedimentos didáticos, incluindo os critérios de avaliação. Esta proposta visa evitar a clássica fragmentação do conhecimento promovida pelo modelo centrado em disciplinas isoladas e incentivar a cooperação entre os agentes da aprendizagem. Para que tal proposta (sem dúvida ousada e inovadora) possa ser implantada com sucesso, fica claro que serão necessários novos recursos para professores e alunos. A sala de aula não pode ser mais o único ambiente de aprendizagem. Novos espaços são necessários para uma proposta que enfatiza a pesquisa, a colaboração, a construção do conhecimento, a interdisciplinaridade. Daí o grande interesse pelo Eureka, que tem se mostrado uma boa ferramenta de apoio à nova proposta pedagógica. Como professores e alunos, em um novo contexto educacional, estão se apropriando dessa tecnologia? Uma análise conduzida pela Coordenadoria de Educação a Distância sobre as 367 salas abertas no Eureka até o final do ano 2000 levou a conclusões importantes. O estudo apontou somente 18 salas com características classificadas como exemplares. Nestas salas professores e alunos colaboraram verdadeiramente, houve interação, reais trocas comunicativas, participação criativa nas diversas áreas do ambiente, iniciativa por parte de professores e alunos na resolução de problemas e na cooperação com os demais participantes. Em pouco mais de 50 salas puderem ser identificadas iniciativas em direção a interação e à colaboração entre professores e alunos, mesmo que de forma ainda tentativa e experimental. Demonstraram querer mudar porém parece que ainda não descobriram como fazê-lo mais consistentemente. Nas demais trezentas prevaleceu o modelo transmissivo. Os professores utilizaram estas salas para passar tarefas, mandar avisos gerais, agendar provas e principalmente para receber trabalhos, evitando entrega de papéis e disquetes. Foi baixa a participação dos alunos, houve mínima interação entre os agentes, pouca colaboração e iniciativa. Muitas foram abertas mas pouco ou nada utilizadas; outras não passaram de murais digitais ou de caixa de correio. Esta análise inicial nos leva a pensar que a disponibilização de um novo meio não-linear e interativo, não leva necessariamente a uma nova forma de ensinar e aprender. Pode ser facilmente domesticado e colocado à serviço de propostas pedagógicas centradas na transmissão/assimilação acrítica de conteúdos. O Eureka (assim como tantos outros ambientes semelhantes, é potencialmente interativo. A interatividade depende da forma como o processo é conduzido – e nesse, a ação do tutor parece ser um dos fatores decisivos. Sem querer afirmar que fatores como motivação, interesse, pré-requisitos e disponibilidade de tempo e recursos não sejam igualmente importantes, cabe aqui destacar o caráter essencial da participação do professor/tutor. Facilitador, mediador ou catalisador? O papel do tutor em ambientes virtuais de aprendizagem Muitas teorias pedagógicas que comungam a valorização da participação do aprendiz e o processo de construção do conhecimento (do socio-interacionismo ao construtivismo, desde Comenius, passando por Piaget, Vigostsky, Rogers e muitos outros autores) destacam a mudança do papel do professor, que de mero transmissor deve passar a facilitador ou a mediador da aprendizagem. Vale a pena aqui refletir sobre esta visão. Facilitar pressupõe ajudar a ultrapassar dificuldades. Para isso as pessoas precisam querer ser ajudadas e precisam ter identificado o problema a superar. No Eureka isso tem se revelado difícil. Alunos desmotivados ou desinteressados não querem ser ajudados e rejeitam propostas de envolvimento mais direto e ativo com sua própria aprendizagem. Se o professor/tutor aceita um papel de facilitador, sem perceber outras dimensões importantes de sua ação, os resultados dificilmente virão tal como esperados. É preciso buscar um papel mais ativo, mais engajado do que o de simples auxiliador, apoiador ou facilitador, se quisermos atingir mais alunos do que aqueles que já demonstram autonomia suficiente para caminharem sozinhos, contanto somente o apoio de um facilitador nos casos onde existem dificuldades percebidas. A noção de professor mediador é mais útil em ambientes virtuais de aprendizagem, dada a natureza mesma da mediação. Por um lado, mediar é estar entre, é colocar-se como ponte, como elo de ligação entre os alunos e o processo de aprendizagem e de colaboração. Por outro lado, mediar é também negociar, equilibrar, ajustar. Desse modo, um professor mediador deve estar mais presente, mais envolvido com os alunos e a maneira pela qual estão aprendendo. Precisa conhecer mais seus alunos do que o facilitador ou o transmissor. É o professor que procura ajustar o ritmo, readequar metas, auxiliar nas decisões comuns, aproximar as pessoas, validar os encaminhamentos e sugerir alternativas. Autores como Vigostky chamaram nossa atenção para o fato de que todos aprendem, mas que chega um momento em que a interação com outros agentes e a presença de novos estímulos externos são necessárias para que o aprendiz ultrapasse momentos de dificuldade e de estagnação e avance para novos estágios de aprendizagem. Vigoskty chamou esse processo de desenvolvimento de zonas proximais; outros autores referiram-se a ele de outras maneiras, dentro de uma visão comum sobre o papel ativo que o educador deve desempenhar. Aqui propomos o conceito de professor-catalisador. Na Química, um catalisador acelera (ou retarda, conforme o pretendido) uma reação entre outros elementos, contribuindo para que os resultados sejam atingidos de forma mais rápida (ou lenta), mais eficiente (com menos resíduos ou subprodutos indesejáveis), mais econômica ou mais viável. Em resumo: a presença de um catalisador faz com que a reação ocorra melhor. Catalisar, então, pode ser compreendida como a ação de provocar, incentivar, otimizar. Um professor catalisador é aquele que está tão envolvido com o processo de aprendizagem vivido por seus alunos que procura facilitar e mediar, mas também provoca, instiga o pensamento, “bate a poeira”, incomoda, questiona, problematiza, combate o lugar-comum, incentiva a reflexão e o trabalho construtivo. Em ambientes virtuais, o professor catalisador torna-se uma figura essencial. Em boa parte do processo de aprendizagem ocorrido nas salas ditas exemplares no ambiente Eureka, o professor agiu como catalisador ou como mediador engajado, envolvido e participante. Nas demais, onde a ação do tutor ficou restrita ao papel de informador ou de facilitador, notou-se que a interação foi menor, a colaboração não ocorreu ou aconteceu esporadicamente e os alunos não ultrapassaram a antiga postura de espectadores e de cumpridores de tarefas. Isto não acontece somente com o Eureka. Dadas as características diferenciais dos meios digitais como a Internet (interatividade, não-linearidade, controle descentralizado, navegabilidade, entre outras), pode-se perceber que professores e alunos, em geral, ainda não estão fazendo uso intensivo dessas características. Na maioria das vezes, o que temos visto é a utilização da Internet somente como uma mídia linear, um meio de distribuição de informações e não de interação e colaboração. É o caso de boa parte dos cursos ofertados à distância, sejam via CD-ROM (os CBTs) ou via Web (WBTs). Mais próximas do treinamento do que da aprendizagem (tal como hoje é concebida nas propostas pedagógicas contemporâneas), estas formas são um exemplo da permanência de visões e atitudes conservadoras mesmo quando há utilização de recursos tecnológicos avançados. Relato de uma experiência Buscando caminhar nessa direção, foi realizada uma experiência com os alunos da disciplina de Rádio e Televisão Educativas do Curso de Pedagogia da PUCPR. Nosso curso oferece uma habilitação específica em Tecnologias Educacionais – um dos poucos no país – com conceito A. As turmas dos períodos matutino e noturno participam juntas na mesma sala virtual aberta no início do ano letivo no Eureka. De um total de 70 alunos, apenas 3 (duas retornando de trancamentos de matrícula e uma transferida de outra instituição) não possuiam experiência anterior com o ambiente. Sendo alunas da habilitação em TE, já haviam cursado outras disciplinas da área, como EAD, Ensino-Aprendizagem e Meios Tecnológicos e Laboratório de Produção de Recursos Tecnológicos. A expectativa com relação à disciplina de Rádio e TV não era das mais altas, tratando-se de mídias tradicionais, um anticlímax com relação ao que haviam visto sobre internet, software educativo e de autoria. A carga horária da disciplina, de duas horas semanais, é obviamente muito pequena para desenvolver ações práticas e ao mesmo tempo aprofundar uma análise mais conceitual e teórica sobre rádio e televisão tanto enquanto mídias como enquanto recursos educacionais. Esta situação é típica de muitas disciplinas em toda a gama de cursos ofertados pela universidade. A carga horária é sempre pequena para que se consiga um equilíbrio satisfatório entre teoria e prática, quando ambos os aspectos da produção do conhecimento são trabalhados apenas no espaçotempo que lhes cabe na grade horária. Assim, resolveu-se ampliar este espaço-tempo usando o ambiente Eureka, prolongando a sala de aula para o espaço virtual. Todos os alunos foram habilitados na nova sala e na primeira aula a metodologia foi explicada e um acordo formalizado com todos os participantes. As aulas passaram a ser chamadas de encontros presenciais. Estes encontros, realizados no espaço tradicional da sala de aula e no horário normal, são dedicados a “fechar” os debates que aconteceram no Eureka, buscando sínteses e conclusões sempre que possível. Os resultados das tarefas são apresentados e analisados. Novas tarefas e problemas são propostos e contextualizados. Neste horário também são realizadas, quando possível e necessário, visitas técnicas, práticas de laboratório e atividades de produção e edição de materiais audiovisuais. No ambiente virtual ocorre a discussão em torno das questões conceituais, teóricas e metodológicas, tanto comunicacionais quanto didático-pedagógicas. Para estas atividades, foi aplicado um modelo híbrido baseado no tripé: proposição de desafios (task-based learning), solução de problemas (problembased learning) e aprendizagem cooperativa. Inicialmente, o professor-tutor propõe desafios a serem superados pelos alunos. Estes desafios são compostos por ações ou tarefas bem definidas e explicadas, os caminhos para sua elaboração são explicitados, e dispobilizados na área de Conteúdo do ambiente os conteúdos necessários e suficientes para que os desafios propostos possam ser superados nas datas estabelecidas e da forma planejada. Esta abordagem contempla uma relação diferente com o conteúdo. Ao invés de partir dos conteúdos, como no modelo tradicional, transmisso e informativo, parte-se de um desafio, o qual, para ser resolvido, exige a incorporação de novos conteúdos por parte dos alunos. Estes vão aos conteúdos e informações, quando têm algo a fazer com eles. Trata-se de um processo de resignificação da informação. Muitas práticas que envolvem a educação a distância ainda não conseguiram se afastar do modelo transmissivo. Isso se percebe na própria organização das atividades, centradas na seleção, organização e transmissão de informações pelo professor. Nossa experiência adota uma visão mais ousada – com todos os riscos que isso implica – deslocando o foco da transmissão de informações para a superação de desafios, sejam tarefas a realizar, sejam problemas a resolver. As primeiras semanas foram dedicadas a familiarização com o ambiente e com a forma dual de trabalho. Gradualmente, as tarefas vão se tornando mais complexas, exigindo mais dos alunos. São tarefas menos operativas e diretas, para as quais o tutor não mais disponibiliza todo o conteúdo suficiente – só o necessário. Para superar o desafio proposto, os alunos precisam ir em busca de novos conteúdos, onde quer que os encontrem, seja na própria internet ou em outras fontes impressas, orais ou audiovisuais. Quando o grupo já estiver dando sinais de que esta nova abordagem está dano resultados, o professor pode deixar de fornecer os conteúdos, deixando os alunos livres para buscarem o que for necessário para superar os desafios propostos. Neste ponto, já se pode passar para o problem-solving, definindo problemas e situações críticas para os quais os alunos devem buscar soluções. Como diz Saviani, uma questão colocada pelo professor ainda não constitui um problema, pois é externa aos alunos e não necessariamente significativa para eles. Um problema é construído pelos alunos, a partir de algo que os incomoda intelectual ou praticamente, para o qual querem descobrir uma solução ou resposta. Portanto, o professor pode propor desafios, tarefas, casos a estudar, mas cabe aos alunos traçarem os problemas que buscarão solucionar com apoio dos demais agentes de aprendizagem. Para que isso ocorra é preciso um certo grau de maturidade no grupo e de familiaridade com os recursos utilizados e com a metodologia proposta. Tanto para a resolução dos desafios (TBL) quanto para a solução de problemas (PBL), os alunos podem optar por uma ação individual ou coletiva. Isto é, cada aluno pode decidir se vai estudar sozinho ou se vai cooperar com outros alunos. Não se trata aqui da tradicional formação de “equipes”, que geralmente não passam de pequenos grupos montados arbitrariamente, cuja abordagem é a fragmentação das tarefas (“você lê da página 2 à 20, eu leio da 21 à 42 e você digita para entregar para o professor”). No processo proposto, a colaboração é um caminho voluntariamente escolhido pelo grupo para a obtenção de melhores resultados com relação às tarefas e problemas propostos. O ambiente Eureka oferece os recursos tecnológicos para que esta colaboração possa ocorrer, mas é de total responsabilidade dos alunos tomar a decisão de usar estes recursos e colaborar efetivamente. O tutor, é claro, tem um papel decisivo no estabelecimento de um ambiente propício à colaboração. As tarefas e problemas propostos devem ser pensados de modo a incentivar a ação cooperativa e proporcionar feedback positivo quando a colaboração acontece. Colaborar, no entanto, não é uma prática comum no ensino universitário, no qual prevalece o individualismo, pontuado por trabalhos em grupo. Para que haja colaboração é preciso motivação e percepção de algum ganho. Afinal, pensam muitos, colaborar para quê? Fui eu quem se esforçou para descobrir um bom texto ou um bom site. Por que é que eu iria disponibilizar io resultado do meu trabalho para meus colegas? O que é que ganho com isso? O professor tem de iniciar esse processo, provocando situações na quais a colaboração demonstre ser um caminho viável e interessante para a resolução dos desafios colocados. Um exemplo, aplicado no caso estudado, é o da gincana virtual. Em preparação para uma aula presencial que abordaria a questão da cibercultura e sua relação com as mídias tradicionais, foi proposto um desafio para as turmas. Cinco termos relativos à cultura digital foram selecionados: digerati, neoluditas, cyberpunks, geeks e avatares. O tutor solicitou à turma que buscasse definições ou explicações para esses termos, porém pediu apenas uma resposta para a turma inteira. Assim, os alunos deveriam pesquisar individualmente ou em pequenos grupos, mas teriam de comunicar suas respostas ao grande grupo, no fórum do Eureka ou usando outras ferramentas do ambiente, trocar idéias, debater, discutir os termos até que uma solução de consenso fosse possível – e só então postar as respostas para o professor. Esta experiência provocou na turma uma reação positiva e estimulante. Muitos alunos contribuíram com indicação de links, textos, leituras diversas e materiais multimidia, os quais passaram a fazer parte do repositório (referencial arquivado) da turma. O chamado “conteúdo” não é mais uma responsabilidade exclusiva do professor, mas uma construção coletiva, muito mais rica e abrangente. As discussões nas áreas de forum, correio e chat foram alimentadas por contribuições interessantes, algumas das quais escaparam dos limites inicialmente traçados pela disciplina e ousaram incursionar por outros territórios, da política internacional à religião hindu. A colaboração ocorreu de forma tímida no início, mas cresceu na medida em que bons materiais foram sendo disponibilizados por alguns alunos e os debates trouxeram opiniões mais polêmicas ou críticas. No final, havia um consenso da turma sobre o significado dos termos propostos, mas o principal resultado foi a experiência com o processo pelo qual o grupo passou e do qual saiu preparado para outras e mais desafiadoras ações cooperativas com uso do ambiente virtual de aprendizagem. Conclusão Encerrando essa contribuição para o debate sobre a relação entre tecnologias e aprendizagem, podemos dizer que acreditamos, como Ghandi, que “se desejarmos chegar a lugares onde ainda não estivemos, devemos ousar passar por caminhos que ainda não trilhamos”. Referências Bibliográficas ECO, Umberto.(1979) Apocalípticos e Integrados. São Paulo: Perspectiva. GUARESCHI, P e outros. (2000) Os construtures da informação. Petrópolis: Vozes. LAUREL, B. (1993) Computers as Theatre. Nova Iorque: Addison-Wesley. McLUHAN, Marshall. (1977) A galáxia de Gutenberg. São Paulo: Ed.Nacional. NAISBITT, John (1999) High tech, high touch. Nova Iorque: Broadway Books. RHEINGOLD, Howard. (1992) Virtual Reality. Nova Iorque: Touchstone. RUSHKOFF, Douglas (1998) Um jogo chamado futuro. Rio de Janeiro: Rocco. SANTAELLA, L e NOTH, W. (2000) Imagem: cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras. SILVA, Marco.(2000). Sala de aula interativa. Rio de Janeiro: Quartet. SIMÃO NETO, Antonio. Comunidades virtuais: democracia online, vizinhanças digitais ou ciberutopias? Colabor@, v.1, n.2, novembro de 2002.