121 TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA DIRETORIA DE CONTROLE DE LICITAÇÕES E CONTRATAÇÕES INSPETORIA 2 DIVISÃO 4 PROCESSO UNIDADE GESTORA INTERESSADOS ASSUNTO RELATÓRIO RPL 08/00314557 Prefeitura Municipal de Florianópolis Karxan Comércio de Confecções Ltda ME; Leal Comércio de Calçados Ltda., GDV Calçados Ltda; OMF Comércio de Calçados Ltda. ME e Comércio de Confecções Riomar Ltda. ME. Representação com fulcro no art. 113, § 1º Lei n. 8.666/93. DLC/INSP2/DIV4 Nº 261/2008 1. Introdução Trata-se de Representação encaminhada a este Tribunal de Contas com amparo legal no art. 113, § 1º da Lei (Federal) n. 8.666/93, a ser analisada por esta Diretoria de Licitações e Contratações por força do art. 25, VII, da Resolução n. TC-10/2007. A representação foi protocolada sob o nº 10300 em 05 de maio do corrente ano, sendo autuada sob nº REP 08/00314557. Karxan Comércio de Confecções Ltda ME; Leal Comércio de Calçados Ltda., GDV Calçados Ltda; OMF Comércio de Calçados Ltda. ME e Comércio de Confecções Riomar Ltda. ME, através de seu representante legal devidamente habilitado, REPRESENTAM contra o lançamento do Edital n. 177/SADM/DLCC/2008 da Prefeitura Municipal de Florianópolis, na modalidade Concorrência Pública, do tipo “Melhor Oferta Financeira” pela aquisição do ponto comercial denominado “box”, mediante Concessão, a título oneroso, para selecionar empresas para explorarem comercialmente os espaços (box) públicos do Mercado Público Municipal de Florianópolis, localizados na Rua Conselheiro Mafra. C:\PROG-TCE\Processos\TempDOC\3017820.doc 122 Integram a representação em comento os documentos de fls. 19/120. O Edital n. 177/SADM/DLCC/2008 foi objeto de análise por esta Diretoria, bem como pelo Tribunal Pleno desta Corte de Contas, através do Processo n. ELC 08/00242203, onde restou exarada a Decisão Preliminar n. 931/2008, de 30 de abril de 2008. Em síntese, os Representantes alegam: a) a nulidade do processo licitatório e futuros contratos decorrentes, em razão da ausência de autorização legislativa para a concessão do bem público, infringindo, assim, ao disposto no art. 15 §1º da Lei Orgânica do Município de Florianópolis - LOM – onde consta que a concessão administrativa de bens públicos de uso especial dependerá de lei e concorrência, e far-se-á mediante contrato; e b) a imprestabilidade da Lei (Municipal) n. 7.283, de 14 de março de 2007, como pressuposto necessário e obrigatório à concessão de uso do bem público, devido a alegada inconstitucionalidade (objeto de proposição de Ação Declaratória de Inconstitucionalidade em trâmite junto ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina) além de não consubstanciar, em seus sentido técnico, jurídico e finalístico a autorização para a concessão do bem. Por fim, requereram, com fulcro no art. 63, § 1º e VII da Lei Orgânica Municipal, a suspensão do processo licitatório, em caráter de urgência, com fundamento nas razões anteriormente apontadas, assinando prazo para que os signatários do edital (Diretor Geral de Licitações, Contratos e Convênios e Secretário Municipal da Administração) adotem as providências necessárias, com a pronta anulação do processo de licitação, a ser subseguida de elaboração de projeto de lei para encaminhamento à Câmara de Vereadores, pelo Chefe do Executivo Local, dispondo sobre a autorização para a concessão de uso das unidades comerciais do Mercado Público de Florianópolis, mediante processo de licitação na modalidade concorrência. C:\PROG-TCE\Processos\TempDOC\3017820.doc 123 2. Preliminar de admissibilidade Preliminarmente, cabe analisar o atendimento aos pressupostos de admissibilidade da Representação à luz do artigo 2º da Resolução n. TC 07/20021. Nesse sentido, restam atendidos os requisitos legais, motivo pelo qual se passa a análise do mérito da Representação. 3. Análise 3.1 Nulidade do processo licitatório e futuros contratos decorrentes, em razão da ausência de autorização legislativa para a concessão do bem público, infringindo, assim, ao disposto no art. 15 § 1º da Lei Orgânica do Município de Florianópolis - LOM – o qual prevê que a concessão administrativa de bens públicos de uso especial dependerá de lei e concorrência, e far-se-á mediante contrato. Imprestabilidade da Lei n. 7.283, de 14 de março de 2007, que dispõe sobre a renovação dos contratos de concessões de dependências do Mercado Público Municipal, para autorizar a outorga da concessão. No que concerne ao uso de bens públicos municipais de uso especial por terceiros o § 1º do art. 15 da LOM de Florianópolis preconiza: Art. 15 O uso de bens municipais por terceiros poderá ser feito mediante concessão, permissão ou autorização, conforme o caso, e quando houver interesse público devidamente justificado, sob pena de nulidade do ato. § 1º - A concessão administrativa, de bens públicos de uso especial e dominiais dependerá de lei e concorrência e far-se-á mediante contrato. 1 Disciplina o processamento da Representação formulada ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina com fundamento da Lei n. 8.666/93. C:\PROG-TCE\Processos\TempDOC\3017820.doc 124 Em decorrência do preceito legal, os Representantes alegam que o processo licitatório referente ao Edital n. 177/SADM/DLCC/2008 é nulo, tendo em vista que a licitação, na forma de concessão de uso, do Mercado Público Municipal (bem de uso especial) por terceiros depende de lei autorizativa expedida pela Câmara Municipal, o que não existe no caso em tela. Amparou seu entendimento acerca do assunto em diversos doutrinadores que discorrem acerca da necessidade de autorização legislativa para a validade da concessão de uso. 3.1.1 Da Lei (municipal) 7.283 de 14/03/2007. Cabe registrar a necessidade de uma análise sistêmica da norma, neste caso, do art. 15, § 1º da LOM de Florianópolis. A hermenêutica ensina que nenhum artigo, inciso, parágrafo ou alínea deverá ser interpretado de forma isolada, devendo ser interpretados sob a ótica sistêmica. A interpretação sistemática analisa a norma considerando que o Direito é um conjunto de princípios e regras, coordenados entre si, que não funciona isoladamente, mas integra uma estrutura organizada. Na lição de Luiz Roberto Barroso2: O direito objetivo não é um aglomerado aleatório de disposições legais, mas um organismo jurídico, um sistema de preceitos coordenados ou subordinados, que convivem harmonicamente. A interpretação sistemática é fruto da idéia de unidade do ordenamento jurídico. Através dela, o intérprete situa o dispositivo a ser interpretado dentro do contexto normativo geral e particular, estabelecendo as conexões internas que enlaçam as instituições e as normas jurídicas. 2 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2ª ed., Ed. Saraiva, 1998, p. 127 C:\PROG-TCE\Processos\TempDOC\3017820.doc 125 Tem-se que os preceitos normativos não podem ser avaliados isoladamente, pois necessitam de uma percepção harmônica, para que o intérprete volte-se para o sistema jurídico em que estejam incluídas. Como se viu, a LOM de Florianópolis determina que a concessão administrativa de bens públicos de uso especial dependerá de lei e concorrência e far-se-á mediante contrato. Nesse diapasão, faz-se mister perquirir qual o intenção do mandamento legal. Entende-se que é dar ciência à Câmera Municipal da pretensão do Executivo em licitar o espaço público mediante concessão, para que o Colegiado Municipal possa, no caso concreto, se manifestar a respeito, aprovando ou não a concessão. Pois bem. Sob este contexto restou aprovada pela Câmara Municipal a Lei n. 7.283, de 14 de março de 2007, que dispõe sobre a renovação dos contratos de concessões de dependências do Mercado, a qual, por sua vez, os Representantes alegam ser “imprestável” para o implemento da concessão e “inconstitucional, sem dúvida alguma” pois “teve por escopo, nos mesmos moldes do Decreto n. 2.767, de 2004, assim também estigmatizado pelo Ministério Público, na ação civil pública já noticiada e no Acórdão proferido no Agravo de Instrumento n. 2006.001488-7, da Capital (...)” Sem adentrar no mérito da constitucionalidade ou não da Lei n. 7.283/2007 é inegável que através dela a Câmara Municipal autorizou o Executivo a outorgar a concessão de uso do Mercado Público, pois conforme preceitua seu art. 1º, “Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a proceder a renovação dos contratos de concessões das dependências (Box) do Mercado Público Municipal pelo período de 15 (quinze) anos”. C:\PROG-TCE\Processos\TempDOC\3017820.doc 126 Sob este prisma, a Lei (Federal) n. 9.868, de 10/11/1999, previu em seu artigo 28, parágrafo único, a possibilidade da declaração parcial de inconstitucionalidade de uma lei. Sob esta égide, esclarece Juliano Taveira Bernardes3: Quanto ao objeto, a inconstitucionalidade parcial pode ser entendida [12]: (1) num sentido amplo, em que o caráter parcial da inconstitucionalidade é aferido em face da totalidade de um mesmo diploma normativo [13]; ou (2) num sentido restrito, no qual a índole parcial da inconstitucionalidade é contrastada em função da totalidade de um único dispositivo que possa ser decomposto em mais de uma norma. Neste último caso, a inconstitucionalidade parcial divide-se ainda em: (2.a) horizontal, se a declaração de inconstitucionalidade gera efeito ablativo de expressões lingüísticas contidas no texto do dispositivo impugnado, com o aproveitamento do restante do texto na extração de norma(s) válida(s); ou (2.b) vertical (ou qualitativa), hipótese em que a declaração de inconstitucionalidade, sem afetar ou reduzir o texto do dispositivo, repercute sobre alguma(s) interpretação(ões) que dele se extrai(em), tal como ocorre na declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto. Em que pese os termos em que referida autorização restou configurada na Lei, a autorização para concessão do espaço público existe. 3.1.2 Da Lei (municipal) n. 7.255, de 28/12/2006 – Lei Orçamentária Anual. Além do já exposto, da análise do compêndio legal da Câmara Municipal, extrai-se da Lei Orçamentária Anual de Florianópolis referente ao exercício de 2007, Lei 7.255 de 28/12/2006, (Anexo 2 – Receitas segundo a categoria econômica – Consolidada) a autorização do Colegiado para o Município 3 Juiz federal em Goiás, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, mestre em Direito e Estado pela Universidade de Brasília (UnB), ex-membro da magistratura e do Ministério Público do Estado de Goiás, membro do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC). Em: “Declaração Parcial de Inconstitucionalidade Formal e seus limites”. Disponível em www. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9397. C:\PROG-TCE\Processos\TempDOC\3017820.doc 127 auferir receita da permissão de uso do Mercado (Anexo 1). Partindo de um contexto lógico, a utilização do bem por terceiro está deferida, haja vista a autorização legislativa para a obtenção de renda sobre seu respectivo uso. A própria lei orçamentária é uma lei autorizativa. Segundo Emerson Pires4, em seu artigo “Orçamento Público Brasileiro”: O orçamento público é um dos principais instrumentos de planejamento das ações de governo. É um plano público que exige ações planejadas e responsáveis na aplicação dos recursos públicos. Mas o orçamento também é um instrumento democrático, objeto de um projeto de lei encaminhado pelo chefe do Poder Executivo ao Poder Legislativo, requerendo, dessa forma, a aprovação prévia dos parlamentares. (...) É uma lei autorizativa, uma vez que não obriga o Poder Executivo a cumprir o que foi planejado, podendo o Chefe do Poder Executivo, inclusive, contingenciar o orçamento, sem consultar o Poder Legislativo. Nos termos expostos pelo consultor legislativo André Eduardo da Silva Fernandes5: De fato, o orçamento é uma lei autorizativa pela qual o Parlamento delega ao Poder Executivo as condições materiais (financeiras) para que este possa realizar sua missão institucional, delimitada pela Constituição e pela ordem econômico-social existente em um determinado momento histórico. 4 Coordenador do curso de Administração da Universidade do Amazonas, Coordenador do curso de Administração do Centro Universitário Nilton Lins , Chefe do Departamento do curso de Administração da Universidade do Amazonas, Pró-Reitor de Administração da Universidade do Amazonas, Conselheiro do Conselho Universitário da Universidade do Amazonas, Conselheiro do Conselho Regional de Administração, Conselheiro do Conselho Federal de Administração, Membro do Conselho de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Nilton Lins, Conselheiro do Conselho Fiscal da Fundação HEMOAM Avaliador “ad hoc” do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais, Pró-Reitor de Administração e Planejamento do Centro Universitário Nilton Lins e Consultor do governo do estado do Amazonas. Disponível em www.politic.com.br. Consulta em 03/06/2008. 5 Estudo n. 57/1998. Análise Orçamentária e Financeira do Estado do Paraná: Um estudo comparativo do Balanço de 1997 com o Balanço de 1998. Disponível em www.senado.gov.br/web/senador/odias/Trabalho/Pareceres/Pareceres/Parecer1997/ C:\PROG-TCE\Processos\TempDOC\3017820.doc 128 A interpretação estritamente literal do disposto no § 1º do art. 15 da LOM poderia conduzir a nulidade do processo licitatório. Todavia, a simples interpretação literal não fornece, na maioria das vezes, o verdadeiro sentido da norma. Partindo do pressuposto de que a maneira de identificar a vontade do legislador não está inserida apenas na letra de cada um de seus dispositivos, dependendo, portanto, de uma análise sistêmica e da lógica do razoável torna-se inegável que a Câmara de Municipal de Florianópolis referendou o ato da concessão do Mercado Público através da Lei n. 7.283/2007. Não se pode ser positivista ao extremo, a chegarmos ao ponto de não vermos aquilo que está na nossa frente, manifestado através de lei, apenas por não se tratar de uma lei específica que viria a permitir aquilo que já foi referendado em oportunidade legislativa pretérita. Arrimado nessa linha da doutrina hermenêutica, em que se interpreta a lei segundo seus fins, e, ainda, na noção da "lógica do razoável", impõe-se que se procure o alcance do disposto no § 1º do art. 15 da Lei Orgânica, dentro do contexto da própria norma legal e da finalidade real para a qual foi editada: autorizar a outorga da concessão do Mercado Público Municipal. 4. Conclusão Diante do exposto, respeitada sempre a decisão maior do Tribunal Pleno desta Corte de Contas, SUGERE-SE ao Excelentíssimo Senhor Relator do processo em tela: 4.1 Conhecer da Representação formulada para, em seu mérito, negar-lhe acolhimento, haja vista a Câmara Municipal de Florianópolis já ter referendado o ato da concessão de uso do Mercado Público Municipal através da aprovação da Lei n. 7.283, de 14 de março de 2007 da Lei Orçamentária Anual de Florianópolis referente ao exercício de 2007, Lei 7.255 de 28/12/2006, (Anexo 2 – Receitas segundo a categoria econômica – Consolidada); C:\PROG-TCE\Processos\TempDOC\3017820.doc 129 4.2 Dar ciência da Decisão deste Tribunal, do relatório e voto do Relator que a fundamentam: 4.2.1. aos Representantes Karxan Comércio de Confecções Ltda ME; Leal Comércio de Calçados Ltda., GDV Calçados Ltda; OMF Comércio de Calçados Ltda. ME e Comércio de Confecções Riomar Ltda. ME, através de seu representante legal, conforme procuração as fls. 20/21 dos autos; 4.2.2. ao Exmo. Sr. Juiz de Direito da Unidade da Fazenda Pública da Comarca da Capital, haja vista a concorrência pública n. 177/SADM/DLCC/2008 ora questionada pelos Representantes se dar em cumprimento a determinação judicial exarada nos autos do Processo n. 023.05.052226-7, oriunda da decisão do Tribunal de Justiça no julgamento do Agravo de Instrumento n. 2006.001488-7, conforme preâmbulo daquele edital. É o Relatório. DLC/INSP2/DIV4, em 04 de junho de 2008. Otto Cesar Ferreira Simões Coordenador da Inspetoria 2 À elevada consideração do Exmo. Sr. Relator, ouvido, preliminarmente, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas. DE ACORDO, DLC, em ___/__/2008 Edison Stieven Diretor C:\PROG-TCE\Processos\TempDOC\3017820.doc