CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO Marisa Seyr Psicodrama Pedagógico e Alfabetização de Jovens e Adultos: Memórias, Histórias, Sentidos. Americana 2013 Marisa Seyr Psicodrama Pedagógico e Alfabetização de Jovens e Adultos: Memórias, Histórias, Sentidos. Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação à Comissão Julgadora do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, sob a orientação da Prof.ª Dra. Norma Silvia Trindade de Lima. Americana 2013 Ficha Catalográfica Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. Catalogação: Bibliotecária Lissandra Pinhatelli de Britto - CRB8/7539 UNISAL - Unidade de Ensino de Americana Psicodrama Pedagógico e Alfabetização de Jovens e Adultos: Memórias, Histórias, Sentidos. Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação à Comissão Julgadora do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, sob a orientação da Prof.ª Dra. Norma Silvia Trindade de Lima. Dissertação de Mestrado defendida e aprovada em 02/ 12/ 2013, pela Banca examinadora: __________________________________________ Prof ªDra. Regiane Aparecida Rossi Hilkner Membro Externo __________________________________________ Profª Dra. Renata Sieiro Fernandes UNISAL __________________________________________ Profª Dra Norma Silvia Trindade de Lima Orientadora - UNISAL Americana 2013 AGRADECIMENTOS: Agradeço a todos que me ajudaram a chegar até aqui: Deus, meus pais, família, amigos professores e meus queridos alunos. "Um Encontro de dois: olhos nos olhos, face a face. E quando estiveres perto, arrancar-te-ei os olhos e colocá-los-ei no lugar dos meus; E arrancarei meus olhos para colocá-los no lugar dos teus; Então ver-te-ei com os teus olhos e tu ver-me-ás com os meus" J. L. Moreno RESUMO Este estudo parte de uma experiência docente de alfabetização voltada à Educação de Jovens e Adultos, realizada na Região Noroeste de Campinas, nos anos de 2007 e 2008, onde foi utilizado o Psicodrama Pedagógico como aliado à aprendizagem mas, principalmente, estimulando processos de autoconhecimento e o desenvolvimento emancipatório dos alunos. Num exercício que incluía o resgate de memórias através de histórias orais, os educandos voltavam-se para suas subjetividades e, ao revelá-las, estas ganhavam no coletivo novas interpretações, novas ações dramáticas e sentidos. Por se tratar de alunos que experimentaram vivências relacionadas ao trabalho precoce, migrações, exclusões, dentre estas o direito negado à escolarização quando crianças, foi construído um trabalho docente, alinhando-se alfabetização e emancipação conforme os pressupostos de Paulo Freire e Moreno. PALAVRAS CHAVES: Memórias, Alfabetização, Psicodrama Pedagógico, Sentidos ABSTRACT This study analyses a practice of teaching in a literacy program of Education for Youth and Adults, held in the Northwest Region of Campinas, in the years 2007 and 2008, in which was used a Pedagogical Psychodrama approach for alphabetization and as a stimulating processes of self and for emancipatory development of students. In a process that included the rescue of memories through oral histories, the students returned to their subjectivities and reveal them to those earned in the collective new interpretations, new dramatic actions and senses. Because they are students who have experienced work-related experiences, early migration, exclusions, among those the denial of the right to education as children, we built a teaching job, aligning literacy and empowerment to the assumptions of Paulo Freire and Moreno. KEYWORDS: Memories, Literacy, Educational Psychodrama, Senses LISTA DE FIGURAS Figura 1- Nathália e Iracema............................................................................................... 22 Figura 2- Jurandyr e Filhinha (Iracema)...............................................................................32 Figura 3- Cena de peça de teatro..........................................................................................33 Figura 4- Cena de peça de teatro, Sansão e Dalila (Jurandyr e Filhinha).............................33 Figura 5- Casamento de Jurandyr e Filhinha........................................................................34 Figura 6- Fases da vida do casal Jurandyr e Filhinha...........................................................34 Figura 7- Artistas amigos do casal: Cantora Emilinha Borba, década de 1950; Leopoldo (Pitico) Irmão de Filhinha......................................................................................................35 Figura 8- Fotografia dedicada a Jurandyr, por Cascatinha e Inhana ....................................35 Figura 9- Fotografia de Jurandyr Landa................................................................................36 Figura 10- Número artístico de Jurandyr Landa no circo: Patinação com a cabeça.............36 Figura 11- Jurandyr como Palhaço........................................................................................37 Figura 12- A partner Filhinha e Jurandyr com movimentos de laço....................................37 Figura 13- Atirador de facas Jurandyr e sua partner Filhinha..............................................38 Figura 14- Jurandyr e a nova partner....................................................................................38 Figura 15- Jurandyr dançando com a “Nega Maluca”..........................................................39 Figura 16- Tio Jurandyr equilibrando pratos.........................................................................39 Figura 17- Jurandyr Landa, Marisa Seyr e a filha Fernanda.................................................41 Figura 18- Jacintho Landa, aos 22 anos................................................................................41 Figura 19- Meus bisavós: Zulmira Martineli Landa e Jacintho Landa.................................42 Figura 20- Cidade Tupã, SP..................................................................................................42 Figura 21- Matheus Esperança Landa...................................................................................43 Figura 22- Don Matheus Landa, final do séc. XIX...............................................................44 Figura 23- Don Thomas Landa (à direita) e seus filhos........................................................45 Figura 24- Picadeiro de circo.................................................................................................46 Figura 25- Iniciação de Martinho Landa na Maçonaria.........................................................47 Figura 26- Doação à Maçonaria – Jurandyr e Martinho Landa, Circo Tupinambás..............48 Figura 27- O acrobata José Seyr.............................................................................................50 Figura 28- Ensaios de acrobacia, José Seyr.............................................................................51 Figura 29- Filhos de Thomas Landa (irmão de Jacintho Landa): Thomas (Tomasito), Adriano Luís, Matheus Esperança, João de Deus e Paschoal (Baião).......................................54 Figura 30- Fotografia retocada..................................................................................................54 Figura 31- Artigo sobre Thomas Landa....................................................................................55 Figura 32- Artigo sobre Thomas Landa....................................................................................56 Figura 33- Panfleto....................................................................................................................57 Figura 34- Autorização para espetáculo do Pavilhão Negrito Landa em Cordeirópolis, SP....58 Figura 35- Panfleto de divulgação show – Pavilhão Negrito Landa.........................................59 Figura 36- Panfleto de divulgação de peças teatrais – Pavilhão Negrito Landa.......................60 Figura 37- Panfleto de divulgação de peças teatrais – Pavilhão Landa....................................60 Figura 38- Os irmãos Geraldo (Palhaço Amendoim), Jorgina e Ana Cândida Landa..............61 Figura 39- Artistas mirins: 1ª Abigail, 4ª Durvalina, 5ª Coralia Landa....................................61 Figura 40- Reportagem da Revista Máscaras sobre a passagem do Circo Teatro Landa, em Varginha em 1918. Destaque os irmãos José e Jacyra Landa.............................................62 Figura 41- Grupo Regional Landa.............................................................................................63 Figura 42- Grupo Regional Landa............................................................................................63 Figura 43- Reportagem do Diário do Rio Claro de 09/05/1993, com homenagem ao Circo Teatro Landa, que havia se apresentado em 09/05/1043 em Rio Claro.....................................64 Figura 44- Homenagem ao primo Alaor da Silva, o palhaço Perereca.....................................65 Figura 45- Inauguração da Praça em Osasco. Marisa Seyr e suas filhas Rafaela e Fernanda Pozza..........................................................................................................................66 Figura 46- Artista circense........................................................................................................67 Figura 47- Docência, 2008........................................................................................................68 Figura 48- As Meninas Cahen d'Anvers - Rosa e Azul. Renoir, 1881......................................78 Figura 49- Moça e o livro, Almeida Jr., 1879..........................................................................79 Figura 50- A Canoa Sobre o Epte, Claude Monet, 1890...........................................................79 Figura 51- Escultura (autor desconhecido)..............................................................................115 Figura 52- Fantoche-dengue....................................................................................................123 Figura 53- Escultura de elefante..............................................................................................123 Figura 54- Sapo de pelúcia .....................................................................................................124 Figura 55- Quadro da menina, Anna Maria, 1982...................................................................128 Figura 56- Vista do bairro Satélite Íris, Campinas, SP............................................................135 Figura 57- Vista parcial de bairro da Região Noroeste de Campinas, SP...............................135 Figura 58- Reencontro com aluna Vanilda..............................................................................179 Figura 59- Escola Estadual Pe. Antonio Móbili, Bairro Campina Grande, Campinas, SP.....179 Figura 60- Vista parcial do bairro Campina Grande, Campinas, SP.......................................180 Figura 61- Vista parcial do bairro Campina Grande, Campinas, SP.......................................183 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS EJA I - Educação de Jovens e Adultos, nível I (voltada à alfabetização). FUMEC - Fundação Municipal para a Educação Comunitária de Campinas EMEF - Escola Municipal de Ensino Fundamental CRAS - Coordenadoria Regional de Assistência Social SESI - Serviço Social da Indústria MEB - Movimento de Educação de Base MCP - Movimento de Cultura Popular do Recife CPC - Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes CEPLAR - Campanha de Educação Popular LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional CRUZADA ABC - Cruzada de Ação Básica Cristã USAID - United States Agency for International Development MOBRAL - Movimento Brasileiro para a Alfabetização MEC - Ministério da Educação e Cultura, hoje denominado apenas Ministério da Educação. UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura OEA - Organização dos Estados Americanos TDC - Trabalho Docente Pedagógico CEPROCAMP - Centro de Educação Profissional de Campinas “Prefeito Antônio da Costa Santos” IRDEB - Instituto de Radiodifusão do Estado da Bahia FEPLAN - Fundação Educacional e Cultural “Padre Landell de Moura” FCBTE - Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa MOVA - Movimento de Alfabetização PT - Partido dos Trabalhadores ONG - Organização não governamental PNAC - Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância FUNDEF - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério CNEJA - Comissão Nacional de Educação de Jovens e Adultos CONFINTEA - Conferência Internacional sobre Educação de Jovens e Adultos. PLANFOR - Plano Nacional de Formação e Qualificação Profissional PRONERA - Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária PAS - Programa Alfabetização Solidária PEA - População Economicamente Ativa FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador CRUB - Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária IDH - Índice de Desenvolvimento Humano FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia de Estatística PIB - Produto Interno Bruto COAB - Companhia de Habitação Popular de Campinas PNAD - Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente SUMÁRIO Sumário...........................................................................................................................................13 INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 14 Capítulo I - Um Verbo: Ser! ...........................................................................................................21 1.1- Que rufem os tambores ... .......................................................................................................31 1.2- Era uma vez: Uma professora de Jovens e Adultos... ...........................................................68 Capítulo II - Das narrativas à ação dramática.................................................................................78 2.1- Histórias, autores, atores .........................................................................................................78 2. 2-Em cena os teóricos conclamados nesta pesquisa ...................................................................90 2.2.1-Educação para a Liberdade, para a Emancipação, para a Transformação Social: Heranças de Paulo Freire ....................................................................................................................................90 2.2.1.1- Sujeito epistemológico para Paulo Freire .........................................................................94 2.2.2-Papéis, encontro, espontaneidade... Psicodrama: Heranças de Moreno ................................ 95 2.2.2.1-Sujeito epistemológico para Moreno ...............................................................................100 2.3- Estabelecendo relações teóricas entre Moreno e Paulo Freire .............................................103 2.4- Um novo caminho: Psicodrama Pedagógico - Contribuição de Maria Alicia Romaña à Educação .......................................................................................................................................106 2.4.1- Técnicas usuais ao Psicodrama Pedagógico.......................................................................111 2.4.2- Memórias de uma vivência dramática ................................................................................114 2.4.2.1- Textos construídos coletivamente ...................................................................................121 Capítulo III - Conhecendo o cenário da Educação de Jovens e Adultos e seus protagonistas .....134 3.1- A cidade de Campinas ...........................................................................................................134 3.2-Características da população da cidade de Campinas quanto à alfabetização – Faces da exclusão ........................................................................................................................................138 3.2.1- Características quanto à cor declarada das pessoas com 15 anos ou mais que não sabem ler e escrever na cidade de Campinas. ............................................................................................... 141 3.2.2- Taxas de Analfabetismo na cidade de Campinas - Comparativo 2000 e 2010 ..................147 3.3- Características do professor de EJA I ...................................................................................150 3. 4- O que dizem os dados .........................................................................................................157 3.5- Posso entrar, professora? ......................................................................................................160 3.6 - Quem é o meu aluno de EJA? ............................................................................................. 178 Considerações Finais ....................................................................................................................190 Referências. ..................................................................................................................................195 Apêndice.......................................................................................................................................206 Anexos..........................................................................................................................................207 14 INTRODUÇÃO Escrever sobre o trabalho docente realizado nos anos de 2007 e 2008 faz com que eu objetive no papel, aspectos meus nem sempre tão conhecidos por mim. Ao revelá-los, reconheçome. Ao reconhecê-los, assumo minha singularidade. Este movimento me permite perceber o ponto de partida e o de chegada, em cada episódio vivido. Entendo o por quê de minhas escolhas, compreendo os contornos tênues, dados aos caminhos que escolhi percorrer. Recorro ao tema Psicodrama Pedagógico e Alfabetização de Jovens e Adultos Memórias, Histórias, Sentidos, para denominar um trabalho docente vivido em salas de Educação de Jovens e Adultos. Este trabalho provocava o resgate de memórias e histórias dos alunos que, aliadas a vivências possíveis ao Psicodrama Pedagógico, geravam novos sentidos às experiências. Numa aula privilegiada pelo diálogo, uma palavra recorrente, carregada de significados era destacada para seu estudo. O retorno à sala de aula representa para os alunos um passo rumo à sua cidadania, pois não puderam contar com a escola quando crianças. Para mim é significativa minha “volta às aulas”, lugar de onde me afastei, para assumir funções administrativas e pedagógicas, na gestão escolar, mas ao retornar trago comigo um olhar ampliado da realidade, formado pelos lugares nos quais trabalhei e de onde olhei para a escola e alunos, e tive outros elementos para entendê-la. Com novos enfoques da Educação, percebidos na condição de gestora, regresso à regência de classe levando esta “bagagem” que faz com que meu olhar esteja melhor apurado, conciliando “leituras” da dinâmica da instituição Escola, das macro políticas educacionais, dos movimentos sociais - suas lutas e bandeiras por uma educação para todos, dos percalços para a efetivação desta qualidade. Após interagir com os alunos como docente, retorno à posição de gestora revestida de novos sentidos decorrentes desta relação, que afetam minhas percepções e atuações. Conhecendo os desejos, as inquietações, as dificuldades dos alunos, posso enquanto gestora, interferir no rumo do processo escolar, com ações de acolhimento ao aluno, promovendo sua participação, contribuindo para sua inserção no processo educacional. O sabor da “Volta às aulas”, é traduzido pela possibilidade de conduzir estudantes pelos caminhos do saber, da inclusão social, comprazer-me com suas descobertas, contar com a 15 ludicidade de jogos dramáticos, do inusitado que brota das brincadeiras, das reações de surpresas, do momento de revelações, das partilhas e cumplicidades fomentadas nesse momento único e mágico: a construção do saber e a consciência de si mesmo, ou seja, do que os fizeram homens e mulheres. É uma “volta às aulas”, com maior participação, com maior escuta dos outros, e, de mim mesma, com evidenciação de passagens que fizeram toda diferença em suas vidas, é um enfrentamento diário à não exclusão, persistir nos estudos apesar do cansaço. É um retorno às aulas, onde a vida se faz palco, cada um é um autor/ator. Cada cena imaginada é escrita e ganha corpos, vozes dos parceiros da classe, numa convergência de propósitos – alfabetização, com cidadania. Toda uma nova experimentação envolvendo memórias, histórias ultrapassam o verbalizado e se prolongam através dos corpos que as reinterpretam e assumem no presente, o que foi vivido, ou se desejou viver. Concomitante, há uma movimentação de universos individuais e plurais, que só é possível pela metodologia utilizada, o Psicodrama Pedagógico, termo que paulatinamente será conceituado no decorrer este trabalho. A descoberta partilhada entre o grupo, professora e alunos, traz exclamações de alguns quanto ao que o tema lhe remete, às descobertas do vivido no passado e dos condicionamentos sociais presentes, à felicidade vivida e não reconhecida à época, memórias ainda não revisitadas junto a um coletivo de parceiros, aspectos do vivido que são constituintes do que cada um é hoje. Acredito que a escolha desta experiência docente, para este estudo, tem sensível relação com o jovem e adulto trabalhador, suas trajetórias pessoais, variedades de raízes culturais reunidas num único lugar: sala de aula. Para este perfil de aluno procurou-se adotar uma metodologia que, concomitante à alfabetização, aglutinasse interesses pessoais, interesse do grupo, textos, contextos, consciência de si mesmo, revisão de atributos postos a si mesmos, perspectivas de estar e ser no mundo. Nesta pesquisa, enquanto objetivo geral, apresento o Psicodrama Pedagógico como uma metodologia alternativa de ensino, na Educação de Jovens e Adultos, nível I, (EJA I) ou seja, voltada à para alfabetização, na Região Noroeste de Campinas, e indago se esta metodologia pode trazer contribuições para a emancipação cidadã destes atores sociais. Diante deste sentido buscado, remeto à minha trajetória existencial e procuro localizar referências, contextos, histórias vividas, balizando como estas vivências afetaram minhas escolhas, no campo profissional, em especial, quando exerço minha função docente. 16 Como objetivos específicos, busco através desta pesquisa apresentar/discutir o Psicodrama Pedagógico como uma metodologia de ensino pertinente à processos de autoria/reflexão/ressignificação da relação do educando com o mundo favorecendo dimensões estéticas existenciais ainda não assumidas e/ou sequer percebidas. Busco também, através de entrevistas com duas ex-alunas da EJA I, da Região Noroeste, verificar se o método lhes valeu para uma vivência mais cidadã, entendendo por cidadania o exercício da liberdade, da expressão de seus pensamentos, a emancipação para novas buscas e /ou realizações pessoais, aos sentidos atribuídos à vida, à realidade em que vivem, às conquistas alcançadas, à organização do coletivo em que se inserem de modo a planejarem novas conquistas, transporem obstáculos, romperem com determinismos sociais, empreenderem esforços para a consecução dos objetivos no âmbito pessoal e social, tal qual o sentido sustentado pela Educação Sociocomunitária. O interesse pelo tema Psicodrama Pedagógico e Alfabetização de Jovens e Adultos Memórias, Histórias, Sentidos, surgiu ao término de meu trabalho docente, isto é, quando se encerrou meu contrato de trabalho como professora e me senti portadora de um relicário que não poderia guardar apenas para mim: ficou em mim um sentimento muito bom do que vivi nas aulas com os alunos de EJA I, que poucas vezes tive condições de falar sobre ele. Sentia que havia algo a ser socializado com outros profissionais para que também tivessem o prazer aliado ao ato de ensinar, provocando troca de saberes/vivências com alunos, numa relação mais recíproca. Assim, no final de 2011, num novo local de trabalho, encontrei profissionais que, conhecendo minha trajetória de pessoal e profissional, me estimularam a participar do processo seletivo para Mestrado em Educação Sociocomunitária, no Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL, para que esta experiência que vivi tivesse, enfim, um canal efetivo de partilha. Foi com muita alegria que recebi a notícia da minha aprovação na seleção do Mestrado em Educação Sociocomunitária e, graças a este encontro pude conhecer, participar desta nova jornada de estudos e compreender melhor meu compromisso frente a outros professores e alunos da Educação de Jovens e Adultos. No UNISAL compus um currículo de disciplinas que aguçaram minha pesquisa e alicerçaram algumas certezas, ainda que provisórias, mas que descortinam um pouco mais do perfil do aluno e dos docentes envolvidos no processo de alfabetização, para jovens e adultos, da Região Noroeste de Campinas. 17 Encontrei na disciplina “Seminário de Pesquisa” ministrada pelo Prof. Dr. Renato Kraide Soffner, muitas orientações sobre o processo de realização de pesquisas qualitativas, as quais embasam as inserções realizadas junto à professores e diretores da Fundação Municipal para a Educação Comunitária de Campinas (FUMEC), na busca dos sentidos destes profissionais frente aos alunos e suas subjetividades. Na disciplina “Educação e Sociedade”, ministrada pelo Prof. Dr. Luís Antonio Groppo, importantes leituras e discussões foram introduzidas, para que nós, alunos, tecêssemos constatações acerca da realidade social, suas exclusões, da organização dos grupos, dos princípios da Educação Sociocomunitária frente à comunidades, tendo a Sociologia como referência aos estudos. Com a disciplina “Epistemologia e Educação”, ministrada pela Prof.ª Dra. Renata Sieiro Fernandes, realizamos um movimento de inquietações frente à concepções há muito arraigadas em nossas convicções. Fizemos muitas leituras, discutimos, trocamos “epístolas”, com nossos colegas de sala, com o objetivo de suscitar novas respostas à realidade, realinhando teorias às práticas. O capitulo II, emerge destas contribuições e reflexões. Nesta mesma época cursei a disciplina “Fundamentos Filosóficos da Educação”, que teve à frente o Prof. Dr. Severino Antonio Moreira Barbosa. Nossos olhos se abriram para novos enfoques subjacentes às práticas educacionais. Com o encantamento dos autores lidos, descobri novas nuances do meu exercício profissional, aliado à humanização deste processo. Para aprofundar outros conceitos também pertinentes à pesquisa, no primeiro semestre de 2013, busquei as disciplinas Metodologia da História da Educação, ministrada pelo Prof. Dr. Francisco Evangelista e, Educação Social, com a Prof.ª. Dra. Sueli Maria Pessagno Caro. Cada professor e colegas de turma contribuíram, sobremaneira, para melhor sistematizar este estudo que ora apresento, firmando novas certezas, pressupostos teóricos e, principalmente, alicerçando significados constituintes da Educação Sociocomunitária. Este conceito, subjacente ao trabalho de alfabetização de jovens e adultos, inclui intervenções educativas que visam transformações sociais. Nesta mesma perspectiva, esta pesquisa investigará o papel do Psicodrama Pedagógico como metodologia para a alfabetização de jovens e adultos que atende a este propósito. Acompanhando todo o processo de amadurecimento da presente pesquisa, sempre pude contar com minha Orientadora e companheira, a Prof.ª Dra. Norma Silvia Trindade de Lima. Tenho plena convicção de que, se hoje tenho este material estruturado em forma de texto, devo 18 ao trabalho de leitura e releitura desta profissional. Seu olhar atento, clareza, segurança me ajudaram a persistir neste estudo e fazê-lo de maneira que, muitos profissionais, possam dele compartilhar. Na qualificação da dissertação fui encorajada pelas professoras da Banca e por minha Orientadora a trazer aspectos de minha história de vida, através da “Pesquisa do Si mesmo”, e mergulhar nos traços que estavam discretos/dispersos/insignificantes, entremeando as linhas desta pesquisa, mas que pesavam, no que relaciona este trabalho a minha constituição pessoal e profissional. Assim, no capítulo I apresento a metodologia “Pesquisa do Si Mesmo”, e alguns dos representantes da Pesquisa autobibliográfica. Sobre os aspectos, de minha vida, presentes que enveredam minhas escolhas, busquei as linhas do tempo, pessoas, lugares que se cruzaram e que me permitiram, hoje, contar minha história: meus ascendentes. O capitulo I reúne estas informações, além de concretizar uma antiga vontade minha, que é contar a história do Circo Landa, que pertenceu a meus antepassados. Graças à mobilidade deste circo, que chegou ao Brasil no final do séc. XIX é se pode desencadear tantos outros encontros, cenários, que compuseram histórias, sendo uma dessas, a minha, que posso hoje partilhar. No capítulo II, além de tecer um apanhado do que significou o movimento gerado junto a meus alunos autores/atores/sujeitos, trago algumas das produções realizadas nos dois anos que lecionei junto ao EJA I. Assumo dizer que, no confronto de universos pessoais/plurais, na percepção de semelhanças que os aproximam/ou afastam das histórias vividas, de momentos de partilha, e, revelações de momentos vividos, a relação de amizade foi pouco a pouco sendo fortalecida. As dinâmicas utilizadas em aula exercitavam o aceitar o outro e a si mesmo, aguçando a percepção de aspectos constituintes de cada um, que revela sua própria singularidade diante da multiplicidade de Ser na vida. Ao assumir papéis nos jogos dramáticos, o aluno contribuía expondo suas vivências e, tendo a oportunidade de conhecer um pouco sobre si mesmo, tal como postulado pela metodologia Pesquisa do Si mesmo. Encerro esse capitulo com algumas das produções realizadas nos diversos grupos que percorri. Esclareço que as produções não são a totalidade desenvolvida, mas as que foram guardadas. Com foco na cidade de Campinas, no Capítulo III me proponho através da Pesquisa de Campo e de dados estatísticos, delinear o cenário da EJA e seus protagonistas, relacionando os dados com a Região Noroeste de Campinas, onde lecionei. Revisito também a história da Educação voltada a Jovens e Adultos, no contexto da alfabetização e do Ensino Supletivo 19 desenvolvido no Brasil. Remonto às principais iniciativas propostas na área, a legislação que as asseguravam, mas deparo com um panorama que ainda não foi superado: as grandes desigualdades sociais, que sustentam as disparidades entre ricos e pobres, no país. Procuro responder quem é o aluno que ocupa os bancos escolares da EJA, este Outro que agora traz novos sentidos à sociedade, à cultura, à escola. Para esta reflexão construo um texto composto por visões de mundo, incluindo a fala de duas alunas, que entrevistei. Nas Considerações Finais, apresento o Psicodrama Pedagógico, alinhando sua metodologia a uma das possibilidades de trabalho educativo na alfabetização de jovens e adultos, visto que ele tem características que ressignificam o processo de leitura de mundo, sustentado por Paulo Freire. O fortalecimento do coletivo dos alunos, rumo ao desconhecido, deu características próprias à aula, que teve o diálogo como destaque. Para mim, a convivência com o imprevisto era a única certeza, pois cada grupo de alunos tinha suas características próprias, que conduziam as memórias, textos e ações dramáticas, para o inusitado. Assim, as reações, encadeamentos, associações com o tema, propostas para a ação dramática, diálogos realizados, a contingência do espaço e do tempo, emolduravam as histórias, tornando-as sui generis, e, perpassam, pela ação dramática, a especificidade de cada grupo. Deste modo, procuro responder às questões que suscitaram esta pesquisa, e, defender o posicionamento que foi, aos poucos, sendo construído através deste estudo, quanto a escolha do Psicodrama Pedagógico, nas salas de alfabetização de jovens e adultos, da Região Noroeste de Campinas, pois, foi com esse movimento de autoconhecimento e significações, proporcionado pelo Psicodrama Pedagógico, que se desencadeou o processo de alfabetização desenvolvido. Na sequência, apresento as referências bibliográficas utilizadas, abrangendo desde Legislações, História da Educação, Metodologias de Pesquisa qualitativas que me auxiliaram nesse trabalho, até, textos específicos, das teorias desenvolvidas por Moreno e outros psicodramatistas que discutem e trabalham o Psicodrama. As contribuições de Paulo Freire vieram tanto de obras de sua autoria, quanto de textos escritos por outros autores, que analisam a repercussão de suas teorias. No Apêndice, encontra-se o questionário que foi respondido pelos professores, que estavam à frente das salas da Região Noroeste, no 2º Semestre de 2012. Já nos Anexos encontram-se as tabelas com dados do Censo 2010 e os dados estatísticos referentes aos alunos 20 matriculados no 2º semestre. Estes materiais poderão auxiliar na leitura, aprofundando os sentidos que foram lapidados, nesse estudo. 21 Capítulo I - Um Verbo: Ser! Nasci paulista, mas fui criada no Norte do Paraná, de onde sai casada, rumo à Campinas para assumir meu cargo de professora. Isto foi em 1985. Naquele tempo, me senti imigrante em meu próprio Estado de origem: tinha sotaque, regionalismos, costumes, ligados ao campo, até um vocabulário próprio, com palavras recorrentes. Levo no coração o lugar onde cresci, estudei, percorri os caminhos de minhas escolhas, e, quando preciso de uma palavra, busco refúgio no “porto seguro”, onde estão meus pais, Ubirajara e Marisa, irmãos, parentes e amigos. Para lá, retorno compassadamente, e revejo as referências que me fizeram como sou. Quem sou? Sou um ser “buscante”. Busco o encontro, busco perspectivas para estar e ser neste mundo com minha inteireza. Este mundo é uma oportunidade, um lugar de passagem, onde busco estudos, leituras, conhecimentos, práticas, aprender e reaprender... O que me formou gente? É difícil encontrar as linhas que me teceram, talvez a avó amorosa contadora de histórias, o avô visionário, o pai enérgico, a mãe pesquisadora, o dividir o colo, com meus outros irmãos, a escola com sabores, saberes e dissabores, a persistência dos migrantes do Paraná, a geada, o frio e a velha casa de madeira onde morávamos, os grandes modelos de superações que vi, ouvi e vivi...Tudo junto e separado, mas o fato é que, caindo, aprendi a levantar, e, continuar. Herdei um traço artístico de ambos os lados de minha família. Meus avós paternos Iracema Landa (nascida em 1912, Pirassununga, São Paulo) e Josef Seyr (nascido em 1905, em Linz, Áustria, naturalizado brasileiro, na década de 1940, como José) foram artistas circenses, ao lado de outros familiares, no Circo Landa. Este teve origem no Peru e chegou ao Brasil em 1887 (OLIVEIRA, J.A, 1990, p. 17; GRANDE ENCICLOPÉDIA LAROUSSE CULTURAL, 1988, p. 1433), fazendo trajetórias em vários Estados, sendo berço de artistas que posteriormente compuseram elenco de novos circos. O que me chama atenção na vida de meus avós era a versatilidade em assumir vários papéis em suas vidas: o vovô José ficou órfão cedo e teve um tutor. Mas o cenário da Áustria, não era promissor, então, foi embora para a Bélgica, e, depois, para a França. Posteriormente, decidiu 22 ir para os Estados Unidos e como não tinha dinheiro, entrou clandestino num navio. No entanto, o navio vinha para o Brasil, ou melhor, para o Rio de Janeiro. Chegou ao Brasil em 1923, sem falar português, mas contou com ajuda de alemães que conheceu no Rio. Ele amava o Brasil, dizia que aqui era o melhor lugar do mundo, porque tinha sol o ano todo! Foi garçom, mordomo, artista circense, e, ao se naturalizar brasileiro teve cinema, foi delegado, dentista e protético, técnico em eletrônica, refrigeração, dono de hotel... A história de minha avó Iracema foi também difícil: Filha de artistas circenses, perdeu sua mãe com 9 anos e seu pai quando tinha 18 anos. A vida no circo era dura e, como contava apenas com seus irmãos, Martinho e Jurandyr, estes acharam melhor que tanto ela, quanto sua irmã Nathália, desistissem da vida circense. Figura 1 - Nathália e Iracema, Década de 1930. Fonte: Acervo familiar. Foram morar com uma parente em Bragança Paulista, São Paulo, onde aprenderam a fazer artesanatos e aprimorar o que já haviam aprendido no circo. Iracema, que fazia no circo “amor engaiolado” e “guarda-chuvinhas”, com balas de coco, pode aprender a fazer bolos decorados, flores em tecido, buquês e arranjos de noivas. Durante sua vida fez inúmeros bolos de aniversários e de casamento, inclusive o meu. Foi nessa estadia em Bragança que, Iracema e José, que já se conheciam do circo, mantém contato por cartas e, em 1932, casam-se no civil. Eu tive a grata satisfação de assistir em 1982, o casamento religioso deles! Vovô José, muito doente, morreu, dias depois, desta cerimônia. Percebo que também encontro, muitas referências artísticas do lado de minha mãe, Marisa da Fonseca Rosas Seyr. Sua família era composta de pessoas falantes, que gostavam de danças, 23 festas, declamar poesias, fazer serenatas. De minha mãe herdei a mesma profissão: professora. Não conheci o avô Mário da Fonseca Rosas, ele foi farmacêutico e parteiro. Faleceu logo que nasci, mas ouvi boas histórias suas, pela avó Alice Marques, que demonstrava cantando que o lado musical era grande, e, a seu exemplo, aprendi a tocar violão e a costurar. Como brinquei em minha infância! Tínhamos um clube, um avião, várias casas suspensas, jardins e plantações, castelos, praia, cemitério, cachoeira, pista de corrida, cocheiros, uma montanha só nossa, muita comida, roupas de gala, tudo isso enxergávamos no quintal das “datas” onde morávamos. A palavra “data” é um regionalismo, do Norte do Paraná, proveniente da palavra russa “datcha”, que significa chácara. Morávamos nesse enorme terreno, em casa contígua à casa de meus avós. Ali, éramos Miss, mães, pais, filhos, professoras, médicas, empregadas, patroas, rainhas poderosas, dentistas, ricas e pobres, costureiras, noivas, fazendeiras, cocheiras... Talvez seja esta condição, de ser tantas coisas, que me aproximaram das escolhas teóricas, que neste estudo apresento. O ânimo que tenho, é uma referência de mim para as pessoas que me conhecem. Alguns se lembram de minhas palavras, outros, do sorriso, da esperança no outro, da persistência em sempre insistir... Há os que falam da criatividade, da vontade louca de abraçar o mundo, e, as pessoas, de fazer caber num único peito, um amor sem limites pelo ‘ser inacabado’, este em construção, que, também, sei que sou. Perguntam se tenho medo; meu medo é de não tentar... “Tentar” é a possibilidade de mudança. Sempre digo: “é somente me permitindo tentar que poderei mudar, o não, de hoje, para o sim, de amanhã”. Foi nessa tentativa de contrariar, o não, que estou hoje apresentando este estudo sobre uma metodologia que utilizei nas salas de alfabetização de jovens e adultos da FUMEC, na Região Noroeste de Campinas. Este recurso metodológico chama-se Psicodrama Pedagógico e aposta, fazendo alusão à linguagem do teatro, em descortinar novas possibilidades do jovem e do adulto de serem no mundo que, aliado ao processo de alfabetização, lançam luzes, vozes, cores, dramas, atuações, enredos, reescritas, reencontros, àqueles que dele participam. Refletindo em como cheguei nesta metodologia, penso que nunca deixei de brincar, de usar o teatro como recurso, de conciliar a música, dinâmicas de grupo... Desde que iniciei meu trabalho na Secretaria Municipal de Educação, exerci muitos papéis: professora de crianças do Ensino Fundamental, Diretora de Escola, Coordenadora Pedagógica, tanto na Educação Infantil, quanto no Ensino Fundamental, Supervisora Educacional, Representante Regional da Educação 24 na Região Noroeste de Campinas, Professora de Educação de Jovens e Adultos, e, no final de 2012 a meados de 2013, novamente, vivi o papel de professora, junto a alunos de cursos profissionalizantes, concomitante ao papel de Coordenadora Pedagógica. Sei que outros papéis virão, aliados a uma metodologia que envolva o educando onde ele seja atuante em seu processo de aprendizagem. Toda subjetividade estabelecida em meus momentos vividos, frente às experiências prazerosas, às dificuldades, às fragilidades, às superações, aos encantamentos, às dores, contribuíram para minha constituição, enquanto pessoa. Embevecida desta subjetividade, percebo que a escolha, inicialmente, pelo teatro e mais tarde, pelo Psicodrama, está carregada por um direcionamento interno, que foi, paulatinamente constituído. Vejo, também, que o encontro com pessoas anônimas, que estão na lida diária para o sustento de si e de sua família, me remete aos meus, isto é, a parentes próximos que também tiveram uma história de buscas diárias pelo ganha pão e que, sob a luz de holofotes no circo, encenavam e davam vazão ao que a plateia, também, buscava: um mundo povoado pelo incomum, momentos de ludicidade e de beleza, de ver o outro enfrentando dificuldades, mas superando-os quer pela magia, pela astúcia ou pela destreza... Estes meus anônimos entes, assim como, meus alunos, ao assumirem o palco estão sob o olhar atento da plateia, que reconhece neles, aspectos que, também, são seus, ou aos quais busca elementos para reinterpretar a vida, encorajando-se a, também, vivê-los ou, a se permitirem a esta aventura, ao menos na imaginação, que, nesse momento mágico, tal como uma criança que brinca com o “como se”, se transportam e internamente, também, se sentem os protagonistas de tal trama. Assim, como pessoa inteira, agrego características próprias, provenientes de dimensões sócio-históricas-psicológicas-estéticas, que se revelam nas conduções dos trabalhos que realizo, transpondo os espaços da aula, e, sendo invólucro de minha experiência existencial. Para acompanhar minhas reflexões trarei ponderações sobre a Metodologia Pesquisa do Si Mesmo, a qual estarei conceituando junto a autores e pensadores que fizeram uso desta mesma investigação, ou mesmo, que proporcionaram a outros estudantes e/ou acadêmicos, esta mesma condição de pesquisa. 25 A mais antiga abordagem de escrita, em que há a subjetivação do autor, se pode encontrar em Santo Agostinho, em sua obra Confissões1. Este texto produzido por volta de 395 d.C, traz uma escrita autobiográfica onde, Agostinho de Hipona, conta sua história anterior à sua conversão. Assim, “Agostinho convertido teve que entrar em si e descer ao mais fundo de si mesmo ou, paradoxalmente, ao mais elevado de si, para aí encontrar o seu Criador [...]” (FREITAS, 2001 p. 11). Para Martin Buber, (apud FREITAS, 2001) Santo Agostinho foi um dos primeiros pensadores, que se atreveu conjugar a existência, na primeira pessoa. Ferraroti, (1991) nos anos de 1950, em uma de suas pesquisas procurou desenvolver pesquisas sociológicas, no Sul da Itália, que se afastassem do modelo rígido que os questionários representavam. Ele adotou uma metodologia de pesquisa baseada na narrativa autobiográfica, pois: Só a razão dialética nos autoriza a interpretar a objetividade de um fragmento da história social, na base da subjetividade presente de uma história individual. Só a razão dialética nos dá acesso ao universal e ao geral (a sociedade), começando pela individualidade singular (um determinado homem) (FERRAROTTI, 1991, p. 172). Num movimento de leituras no sentido vertical, ou seja, sob a égide de impactos históricos e no sentido horizontal, ou seja, impactos em seu contexto mais imediato, Ferrarotti remete-se a Sartre, para fomentar a reconstrução de uma totalidade que inclua tanto a reciprocidade, a dialética e a mediação entre individuo e sociedade. Cita em Sartre que: Um homem é um indivíduo; o melhor termo seria o de um universal singular; tendo sido totalizado, e assim universalizado pela sua época, ele retotaliza-a, reproduzindo-se a si mesmo como singularidade. Sendo, em principio, universal através da universalidade singular da história humana, e singular pela singularidade universalizante dos seus projetos, este homem precisa ser estudado com ambas as perspectivas em simultâneo. E isto exige um método apropriado. (FERRAROTTI, 1991, p. 173). O indivíduo para Sartre, não totaliza a sociedade por inteiro, ele a faz através de seu grupo social mais próximo. De modo inverso, a sociedade através das instituições, se totaliza no individuo, assim: “existe uma recíproca articulação e mútua diluição do público e do privado, das 1 Disponível em: http://www.icnvcg.com.br/audio/livros_historicos/confissoes-livro_agostinho.pdf. Acesso em 02 set. 2013. 26 estruturas sociais e do eu, do social e do psicológico, do universal e do singular” (FERRAROTTI, 1991, p. 175). Para Gaston Pineau (apud PASSEGGI et al., 2011), na França dos anos de 1970, com Henri Desroche se constrói o vínculo entre biografia e aprendizagem, na École des Hautes Études en Sciences Sociales. Na concepção deste educador, o dispositivo de formação por ele denominado de autobiografia refletida, parte da escrita autobiográfica e busca estabelecer o trajeto percorrido por uma pessoa, na construção de seus projetos de pesquisa-ação-formação. No Brasil, segundo Passeggi et al. (2011), as pesquisas autobiográficas se expandiram, a partir de 1990, de modo que, no campo da profissão docente, privilegiaram-se reflexões sobre os processos de formação de professores e das experiências vividas no magistério. Assim, Não se trata de encontrar nas escritas de si uma “verdade” preexistente ao ato de biografar, mas de estudar como os indivíduos dão forma à suas experiências e sentido ao que antes não tinha, como constroem a consciência histórica de si e de suas aprendizagens nos territórios que habitam e são por eles habitados, mediante o processos de biografização. (PASSEGGI et al., 2011, p. 371). Para o pesquisador espanhol Antonio Viñao (2004), as pesquisas autobiográficas são “refúgios do eu”, isto é, da memória pessoal, contudo, vê ainda como pouca explorada este tipo de pesquisa pelas Ciências da Educação, ou pela História, mais especificamente, para a História da Educação. Para o autor, isso se deve ao preterimento de abordagens mais impregnadas pelo subjetivismo à escolha de enfoques essencialistas e normativos. Porém, tendo o encontro destes três campos, está se criando um espaço para o sujeito, e/ou sujeitos, não mais para o individuo isolado, mas para sua “subjetividade, e a privacidade, para o pessoal, o cotidiano e o íntimo” (VIÑAO, 2004, p. 334). O espaço para uma maior expressão do subjetivo, para Viñao, foi constituído por mudanças historiográficas e educativas, onde houve crescente interesse pela história de personagens de classes não privilegiadas socialmente, mas que tiveram protagonismos em movimentos operários ou populares, ou mesmo pessoas comuns do povo, representantes da cultura marginal. Na produção de textos, lembra o autor, no último quarto do século passado, a história literária revelou interesse pela produção e leitura de textos que refletem as práticas sociais e culturais, realizadas por quem escreve e lê. Nesse compasso, a História da Educação que cogitou 27 nos anos de 1970 e 1980 enfoques sociais, vem considerando também nos últimos anos, a história do currículo vivido, em detrimento ao prescrito, a história da realidade escolar, da profissão docente, da aplicação prática no cotidiano de reformas educativas. Outro aspecto observado foi que “a história dos processos de profissionalização e feminização docente tem conduzido às histórias de vida dos alunos, professores e inspetores, aos escritos autobiográficos, diários e relatos de vida - história oral - dos mesmos” (VIÑAO, 2004, p. 335). Viñao reforça que se constituem temas recorrentes entre os historiadores a memória, o esquecimento, o silêncio, como linguagens tanto do eu individual ou social que, ao se recordar, conta uma das versões possíveis, já que traz a subjetividade do narrador ou narradores. Lembra este educador que, tal como no filme Rashomon, de 1950, do cineasta japonês Akira Kurosawa, ao narrar um mesmo fato, os personagens o fazem com alternância de revelações e ocultações, o que demonstra que a realidade, sob vários pontos de vista, é também uma construção subjetiva. Na observância de detalhes, numa perspectiva da micro-história é passível de se detectar “contradições, interstícios e fissuras pelas quais os seres humanos operam no seio de sistemas prescritivos e normativos, adaptando-os a sua mentalidade e necessidades” (VIÑAO, 2004, p. 336). Também, como uma característica presente nas mudanças percebidas, está o tema gênero, que foi alijado da história: “a voz de uma parte na qual a privacidade, o pessoal e o íntimo, o subjetivo têm tido uma especial importância como refúgio forçado, muitas vezes, pela exclusão do âmbito do público” (VIÑAO, 2004, p. 337). Como fonte histórica o valor encontrado no texto autorreferencial, segundo Viñao, é que nele há três aspectos se combinando: o conteúdo que é narrado; o gênero textual adotado; o movimento do autor em duplos planos - do pessoal/privado e do exterior/público. Ao aceitar escrever, aceita, também, que outros leiam sua escrita. Por sua vez, os leitores ao se apropriarem do texto, geram novos refúgios do eu. Para Passeggi et al. (2011), o indivíduo frente à desestruturação das instituições socializadoras tradicionais, que parametrizam o curso da vida, é afrontado por comandos voltados à autorrealização e autoformação. A oportunidade de conhecer, ouvir, ler sobre a vida de diferentes pessoas, foi uma tendência crescente, tal como acontecia nos romances de formaçãoBildungsroman, da tradição alemã, que se disseminaram a partir do século XVIII. Assim: 28 O outro muda apenas de roupagem. Se as vidas do herói e dos santos serviram de modelo para gerações anteriores, atualmente, são as vidas de atletas, estadistas, artista, grandes intelectuais e empreendedores que despertam interesse. Trata-se sempre, como lembra Arfuch (2010), de querer saber como e por que se entra para a história. Essa busca da história de vida do outro ultrapassa os limites da curiosidade gratuita para se tornar uma busca de padrões de comportamento. Em síntese, formar-se pela história do outro, pela heterobiografia, é, para Delory-Momberger (2008), constitutivo da condição biográfica, na modernidade avançada. A noção de condição biográfica, discutida no último livro da autora (DELORY-MOMBERGER, 2009), situa o indivíduo entre a imposição de modelos biográficos e o gerenciamento da própria vida (PASSEGGI et al., 2011, p. 371, grifos do autor). Nesse ponto há uma certa convergência com Aristóteles, no que se refere a sua concepção de teatro, especialmente, a tragédia, que, por mecanismos de projeção, levaria o espectador a introspecções que expiariam e aliviariam suas culpas: É pois a tragédia imitação (mimesis) de uma ação de caráter elevado, completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada e com as várias espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes [do drama] e não por narrativa, mas mediante atores, e que, suscitando o terror e a piedade, tem por efeito a purificação (catarse) dessas emoções. (ARISTÓTELES, Trad. de Eudoro de Sousa, 1966, p. 74). Percebe-se que a busca por outros modelos de vida, expostos tanto pelo teatro como por narrativas, não são atos esvaziados de sentidos ou, que sejam por si sós, suficientes aos que buscam tais linguagens. Há um subterrâneo de consciência que se alimenta/instiga/sustenta pela relação introspectiva estabelecida com os personagens e conteúdos latentes às peças e aos textos. A conscientização e a politização do outro, que move Berthold Brecht, nos faz sermos visíveis em sua poesia2 e, reconhecendo-nos, sentimo-nos pertencentes à categoria dos homens: Quem construiu Tebas, a das sete portas? Nos livros vem o nome dos reis, Mas foram os reis que transportaram as pedras? Babilônia, tantas vezes destruída, Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas Da Lima Dourada moravam seus obreiros? No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde Foram os seus pedreiros? A grande Roma Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio Só tinha palácios Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida 2 BRECHT, Berthold. Perguntas de um Operário letrado, Disponível em: http://www.culturabrasil.pro.br/brechtantologia.htm Acesso em 04 set. 2013. 29 Na noite em que o mar a engoliu Viu afogados gritar por seus escravos. O jovem Alexandre conquistou as Índias Sozinho? César venceu os gauleses. Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço? Quando a sua armada se afundou Filipe da Espanha Chorou. E ninguém mais? Frederico II ganhou a guerra dos sete anos Quem m ais a ganhou? Em cada página uma vitória Quem cozinhava os festins? Em cada década um grande homem. Quem pagava as despesas? Tantas histórias Quantas perguntas. Escolhi esta poesia entre tantas outras de Brecht para homenagear meu aluno trabalhador. Seu trabalho é seu sustento, mas é inglória a percepção de seu valor, enquanto prestígio social. O que seria da sociedade se só tivéssemos um único tipo de profissional? São estas mãos e rostos anônimos que animam a existência da vida coletiva, se eles deixassem de fazer seus trabalhos, a sociedade sucumbiria. Homens e mulheres se constituem por suas histórias, geradas nas ações por eles realizadas, presenciadas ou, no quanto foram afetados, por acontecimentos próximos ou distantes. Sempre serão autores das versões históricas por eles contadas. A subjetivação, presente na escolha das faces do acontecimento a ser narrado, assim como das emoções impregnadas, emanam do sujeito que apreendeu e interpretou o fato. O exercício do autoconhecimento favorece a percepção de sentidos que derivam do próprio sujeito diante aos fatos vividos, mas também favorecem o reencontro com aspectos não assumidos ou desconhecidos para o sujeito. Pensando no educador, para Ranghetti, (2005, p. 1) o retorno introspectivo possibilitado pela Pesquisa do Si mesmo, proporciona o reencontro do sujeito com suas “marcas registradas”, ou seja, com aquilo que o impulsionou a percorrer os caminhos escolhidos, e, por conseguinte, o singularizam. Nesse mergulho aos lugares mais profundos de si, pelos movimentos entre o singular e o plural, o sujeito eleva seu olhar para além das curiosidades mais ingênuas, experimentando curiosidades epistemológicas, como preconizadas por Freire. Deste modo: 30 Utilizar o espaço de formação para compreender o profissional que se quer ser e a percepção de que a construção de si é consequência da própria formação é uma questão de atitude. Atitude de abertura, de encontro, de autoconhecimento de busca e construção de sentido do ser que se é e que se deseja ser (RANGHETTI,2005, p. 01). Este âmbito individualizante é percebido por Passeggi et al. (2011) como uma passagem possível graças à condição de reflexividade do sujeito: A centração no indivíduo como agente e paciente, agindo e sofrendo no seio de grupos sociais, conduz cada vez mais a se investigar em Educação a estreita relação entre aprendizagem e reflexividade autobiográfica. Sendo essa última considerada enquanto a capacidade de criatividade humana para reconstituir a consciência histórica das aprendizagens realizadas ao longo da vida (PASSEGGI et al., 2011, p. 372). Tornam-se valiosas as recordações referências que analogamente são como elos que balizam histórias e sentidos para o sujeito, ou, nas palavras de Marie-Christine Josso (apud Passeggi et al., 2011, p.373): “As recordações referências são aquelas que constituem um marco na trajetória e servem de parâmetro para o que segue na vida”. As recordações referências aliadas às experiências formadoras, entendidas por Josso (Op. Cit.) como experiências articuladas à reflexão, que oportunizam o afloramento da sensibilidade, da afetividade e ideação do sujeito, formam uma articulação que “objetiva-se tanto numa representação quanto numa competência e é justamente o que dá o status de experiência às nossas vivências” (PASSEGGI et al., 2011, p.374, grifos do autor). Conforme Josso, (apud PASSEGGI et al., 2011) o exercício de escritas de si em processos formativos, redimensiona o papel que se atribui ao sujeito e redefine a formação sob o ponto de vista daquele que aprende: Privilegiar as escritas de si para o estudo das relações que se estabelecem entre a experiência, o processo de formação e de atuação docente nos faz integrar os conceitos de experiências formadoras e de recordações referências [...] como base para o estudo da reflexividade autobiográfica nas pesquisas que temos desenvolvido (JOSSO, apud PASSEGGI et al., 2011, p. 373, grifos do autor) Para Josso (apud PASSEGGI et al., 2011, p. 374), uma formação pautada na experiência autorreflexiva, aglutina paulatinamente conceitos descritivos que incluem “processos, temporalidade, experiência, aprendizagem, conhecimento e saber-fazer, temática, tensão 31 dialética, consciência, subjetividade, identidade”. Segundo a autora, é possível deste modo, tecer interpretações a respeito dos “processos de formação psicológica, sociológica, econômica, política e cultural”, através das histórias de vida e, se podem perceber, como tais dimensões se enredam na perspectivas singular-plural de cada indivíduo. Para finalizar, respaldo-me em Ranghetti (2005, p. 04) para também afirmar que as percepções de si mesmo fazem com que sejam mais conscientes as escolhas do sujeito, pois se percebe de onde se partiu e aonde se quer chegar. Trata-se de estabelecer escolhas com autoridade, tendo com aliadas a objetividade e a subjetividade. A emancipação do sujeito formador é galgada num exercício de libertação, resultante dos encontros mais íntimos entre o individuo e seu eu. Não há como promover tal formação dispensando a investigação das tramas pessoais e profissionais de cada sujeito. São instrumentos de autoconhecimento: o questionamento, o registro, o estranhamento, olhar aproximado e distante, a aceitação da presença do que ainda é invisível, a análise e a interpretação. Autoconhecimento é se permitir uma pausa para aperceber-se e continuar a trilha para infinitos caminhos que se abrem, estando certos que estaremos sendo mais inteiros, conosco mesmos. 1.1- Que rufem os tambores... Quando criança ouvia muitas histórias de conto de fadas e histórias reais que minha avó Iracema contava. Eu não entendia porque ela havia morado em tantas cidades, tinha muitas experiências, conhecia tantas pessoas, inclusive artistas ou parentes destes. Eu tinha umas hipóteses pueris para tantas passagens, lugares, conhecidos: seriam ciganos? Procurados pela polícia? Tinham dívidas e fugiam dos cobradores? Eu comparava com minha vida, tinha morado na mesma casa, na mesma cidade, não conhecia ninguém importante... No final dos anos 70, um irmão de minha avó paterna, Jurandyr Landa fez uma visita à minha avó em Mandaguari, Paraná. Porém teve um Acidente Cerebral Vascular (ACV), ficou debilitado fisicamente e passou a morar na casa dela. Ele era viúvo de Iracema Augusto Landa, a qual todos chamavam de “Filhinha”. Era um homem muito simples, não tinha posses ou filhos, mas uma vida rica em histórias. Antes dele, eu havia conhecido outro irmão de minha avó, tio Martinho, que passou uma vez a passeio em Mandaguari, mas pouco convivi para conhecê-lo de 32 fato. Uma irmã de minha avó, tia Natália, que morava no Rio de Janeiro, também veio algumas vezes visitar minha avó, porém não guardo recordações dela. Mas com o tio Jurandyr foi diferente. Ele permaneceu em Mandaguari até o fim de seus dias: acompanhou momentos importantes da família, fez novas amizades, estava sempre alegre, disposto a conversar, gostava de ler o tarô, para ver “a nossa sorte...”. Ele foi, declaradamente, um artista de circo, e tinha orgulho disso. Aos poucos ele nos foi revelando histórias de sua vida: eram nomes, apelidos, lugares distantes, era difícil apreender tantos detalhes. Naquele tempo eu cursava o Magistério (Ensino Médio) e um dia tive que preparar uma atividade recreativa para apresentar às crianças de uma escola. Pedi ajuda a este tio e ele me transformou em uma “Mágica”, ou melhor, como eu não tinha roupa de “mágica” usei uma fantasia de carnaval de bruxa, assim me transformei em uma Bruxa Mágica! Fiz tanto sucesso entre as crianças e por isso fui convidada a me apresentei em outras escolas. Figura 2 - Jurandyr e Filhinha (Iracema). Década de 1930. Fonte: Acervo familiar A aproximação com tio Jurandyr me ajudou a entender uma parte de minha história, mas não tinha dimensão do que ainda estava para ser desvelado. Ele me mostrou fotografias antigas, aparelhos e “segredos” utilizados para espetáculo de magia. Pude ler textos manuscritos dele, com peças encenadas no circo, porque cabia nesse lugar o teatro. Eram clássicos, tragédias, histórias que sempre terminavam com um final dramático. Eram enganos e mal-entendidos que 33 feriam a honra e eram “lavados a sangue!” Não sei se os textos traziam algumas de suas histórias de vida. Figura 3 - Cena de peça de teatro. Década de 1930 Fonte: Álbum de Jurandyr Landa Figura 4- Cena de peça de teatro, Sansão e Dalila. Jurandyr e Filhinha, Década de 1930. Fonte: Álbum de Jurandyr Landa Naquele tempo eu imaginava que apenas o tio Jurandyr tinha sido artista de circo, aliás, ele e sua esposa Filhinha. Ela tinha origem cigana e vinha de uma família circense. Juntos percorreram as muitas fases da vida, além passarem por alegrias e tristezas próprias da intensidade de uma existência: foram jovens, atuaram em picadeiros distintos, se encontraram, se elegeram, casaram, tiveram apenas um filho, que morreu ainda bebê. Sós ficaram, mas unidos. Continuaram artistas atuantes em diversos circos, sendo esta a única casa que tiveram. 34 Figura 5 - Casamento de Jurandyr e Filhinha. Década de 1930 Fonte: Álbum de Jurandyr Landa Figura 6 - Fases da vida do casal Jurandyr e Filhinha. Décadas de 1930 a 1960. Fonte: Álbum de Jurandyr Landa 35 Ambos foram um para o outro a família possível e juntos permaneceram, até o dia em que a companheira e partner Filhinha faleceu. Pelo álbum de fotografias do casal, percebe-se a vida intensa de trabalho e de muita estrada, porém ladeados por muitos amigos. Figura 7 - Artistas amigos do casal: Cantora Emilinha Borba, década de 1950; Leopoldo (Pitico) Irmão de Filhinha, década de 1940. Fonte: Álbum de Jurandyr Landa Figura 8 - Fotografia dedicada a Jurandyr, por Cascatinha e Inhana, São Paulo, 1952 Fonte: Álbum de Jurandyr Landa 36 O tio-avô Jurandyr Landa foi quem mais deixou marcas de seu passado, para que, hoje, encontrando seus álbuns de fotografia, eu pudesse recompor, com imagens, como foi sua história no Circo. Nas fotografias ainda jovem, imponente, ousado, mostra uma condição que nunca saberei ao certo se correspondia à realidade, porque o Circo também tem suas ilusões. Figura 9 - Fotografia de Jurandyr Landa, Indaiatuba, 15/05/1949. Fonte: Acervo familiar. Figura 10- Número artístico de Jurandyr Landa no circo: Patinação com a cabeça,1949 Fonte: Acervo familiar. 37 Em flashes, Jurandyr e Filhinha, aparecessem em momentos alegres, pois o show tem que continuar. Por fotografias vejo o tempo passar e, perversamente, trazendo consigo marcas de sua passagem: Figura 11 - Jurandyr como Palhaço. Década de 1960. Fonte: Acervo familiar. Figura 12 - A partner Filhinha e Jurandyr com movimentos de laço, anos de 1970. .Fonte: Acervo familiar. 38 Figura 13- Atirador de facas Jurandyr e sua partner Filhinha. Década de 1970. Fonte: Acervo familiar Figura 14- Jurandyr e a nova partner. Década de 1970. Fonte: Acervo familiar 39 Figura 15 - Jurandyr dançando com a “Nega Maluca”. Década de 1970. Fonte: Acervo familiar Figura 16- Tio Jurandyr equilibrando pratos, 1970. Fonte: Acervo familiar Quando conheci tio Jurandyr, eu era muito jovem e não podia avaliar o quão importante eram as referências que recebia. Percebo hoje, madura e experiente, que tive como aliado em meu processo de desenvolvimento um esteio familiar de fecundidade expressiva. Revendo passagens de minha infância e meninice, entendo que tive ampla possibilidade de expressar minha curiosidade. Pude mexer com o que não era brinquedo: ferramentas do meu pai, cacarecos antigos que ficavam numa das casas do terreno, geladeiras velhas, roupas, sapatos, máquinas de costura, de tricô, agulhas, fios, papéis, livros, água, terra, fogo, canteiros, tanques de peixes, hortas. 40 Tínhamos muito espaço para correr, brincar, aprontar! Tanta liberdade aguçou minha criatividade, tinha facilidade de inventar histórias, inventava músicas, objetos, fazia paródias, ensaiava e apresentava teatrinhos às pessoas da família, no final do ano, ou, simplesmente quando chegava uma visita. Para mim, a criatividade era uma espécie de liberdade. Pensava e construía aquilo que povoava minha imaginação. Eu ouvia dos adultos que isso era um “dom” meu. Mas acho que quando se tem liberdade e apoio para criar, só há que florescer seus pensamentos. Fui respeitada por criar e, por saber o gosto que isso tem, respeito o que o outro traz, seja meu amigo, filho ou meu aluno. Durante o curso de Magistério no final dos anos de 1970 fui tecendo minha escolha profissional futura, pensei que seria a Educação Física, depois a Educação Artística, mas quando conheci o livro do Paul Mussen3, sobre o desenvolvimento da criança e do adolescente, tive a certeza que era Psicologia que eu queria estudar. Depois da Psicologia, busquei a Pedagogia. Para mim, estes dois campos se alimentam mutuamente, completam-se, trazem-me horizontes, me dão alicerce ao que faço, onde quer que esteja, ou seja, não apenas na profissão que exerço, mas como ser humano. Já, em Campinas, com o nascimento de minha primeira filha, achava importante formar uma biblioteca, a exemplo das que tive e frequentei quando criança e jovem, para que livros estivessem sempre à nossa mão. Para isso, entrei para o Círculo do Livro4 e, a cada mês comprava, um volume de uma enciclopédia. Quando terminei as coleções “Conhecer” e “Enciclopédia do Estudante”, comecei a “Enciclopédia Larousse Cultural”. 3 Mussen, Paul Henry. O desenvolvimento psicológico da criança. Rio de Janeiro. Editora Zahaar, 1979. O Circulo do Livro foi um clube de leitura, a partir da adesão de leitores, que se iniciou em 1973 e extinguiu-se no ano 2000.Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%ADrculo_do_Livro. Acesso em 29 set. 2013. 4 41 Figura 17- Jurandyr Landa, Marisa Seyr e a filha Fernanda, Mandaguari, PR, 1989. Fonte: Álbum de Marisa Seyr Foi com um dos primeiros exemplares da Enciclopédia Larousse Cultural que, para meu espanto, ao folheá-lo encontrei no verbete “circo” informações sobre meus antepassados. Havia tanto o Circo Landa, quanto o Circo Martineli e, até onde eu conseguia relacionar, eram ligados à família de minha avó, Iracema Landa Seyr. Na época tirei uma cópia e enviei à ela, mas um sorriso enigmático não deixava avançar em minhas inquietações: um silêncio me dizia que ela não queria falar sobre esse assunto. Figura 18- Jacintho Landa, aos 22 anos, Photographia M.Escobar Cia, Rua da Carioca, n° 72, Rio de Janeiro, 1887. . Fonte: Acervo Familiar 42 Figura 19- Meus bisavós: Zulmira Martineli Landa e Jacintho Landa. Década de 1920. Fonte: Acervo Familiar. Com a morte do tio-avô Jurandyr (1990) e de meus avós paternos José (1982) e Iracema (2000), muitas informações se foram com eles, ainda mais porque minha avó queimou fotos, cartas, lembranças relacionadas ao circo. Ficou sob a guarda de minha tia, Mariza Seyr Favoreto, afilhada do tio Jurandyr, o álbum de fotografias, muitas indagações, imagens distantes de nossos conhecimentos. Como muitas vozes se silenciaram na construção de detalhes da vida no Circo Irmãos Landa e se foram com aqueles que detinham esta história, as imagens colhidas neste velho álbum falam por si, como a seguinte imagem: Figura 20 - Cidade Tupã, SP. Foto Galante ao fundo. Décadas de 1920-30. Fonte: Acervo Familiar. 43 Para mim, esta história quase acabou aqui, mas em 2004 por meio da Rede Social, minha filha Fernanda colocou, no site de buscas, alguns dos sobrenomes que compõem a nossa família. De repente, ela me chamou, muito surpresa, do que acabara de encontrar: um poema escrito em 1945, por Matheus Esperança Landa, postado por sobrinho-neto, o Palhaço Pam-Pam. A mensagem desse poema gostaria de partilhar nesse estudo: Eu sou de Circo Eu sou de Circo e tenho orgulho em dizer, aos Nexos obscuros que falam sem saber. Charlatanismo nasce de cabeça oca e aos cérebros sem senso minh’atenção é pouca. O tolo pensa que o Pergaminho o encobre, desonra o cretino e passa por muito nobre. Mas o Artista é modesto e consciente, dá lição de moral ilustrando muita gente. Ainda dizem que o artista é um homem rude, que o ambiente que ele vive não existe virtude. É puro engano pensar em tudo isso, pois os répteis humanos também condenaram Cristo. Eu sou paupérrimo, artista sem vaidade, não tenho ouro mas tenho qualidade. Na minha vida eu sinto feliz, onde ponho os meus pés, muitos não põe o nariz 5. Figura 21- Matheus Esperança Landa. Década de 1930. Fonte: Álbum de Jurandyr Landa Após a leitura do poema, fiz um e-mail a quem o havia postado, identificando minhas relações com o sobrenome Landa. Recebi como resposta uma grande acolhida: chamaram-me de 5 Disponível em: http://www.midiaindependente.org/pt/red/2003/10/266835.shtml. Acesso em 02 jan. 2013. 44 “Prima”, algumas relações de parentesco foram detalhadas e uma aproximação foi logo marcada. Foi assim que conheci outros familiares de minha avó paterna que perseveraram e, ainda perseveram, na vida circense. Eram descendentes do chileno Don Matheus Landa Figura 22- Don Matheus Landa, final do séc. XIX. Fonte: Doação de Déa Landa Rodrigues Por meus novos parentes pude conhecer, por uma fotografia, nosso patriarca, Matheus Landa, meu Tataravô. Fiquei conhecendo a verdadeira saga vivida por este empreendedor. Ele era chileno e, de seu primeiro casamento com Maria Uchoa, nasceu Thomas Landa (Copiape, Chile, 1856) e outros filhos e, após sua viuvez, morando no Peru, teve em segunda núpcias com Edegonda Landa, o filho Jacintho Landa, pai de minha avó Iracema Landa Seyr. Ele foi comerciante no Chile, mas sempre apoiava artistas circenses, uma vez que tinha grande paixão pelo mundo artístico. Este ímpeto contagiou primeiramente seu filho mais velho Thomas, e mais tarde, Jacintho, também, se viu inebriado pelo circo. Este entusiasmo pelo mundo artístico foi sendo passado às gerações seguintes. Alguns permaneceram, outros diante das dificuldades, buscaram trabalhos distantes das lonas, mas mantiveram disposições artísticas, sem, no entanto, serem elas provedoras de seu sustento. 45 Figura 23- Don Thomas Landa (à direita) e seus filhos Fonte: Centro de Memória do Circo, São Paulo, início do século XX. Por estes novos parentes pude, enfim, reconstruir significativamente muitos segredos e memórias. Pude compreender alguns valores cultivados em minha família paterna que são comuns à família Landa que agora estava conhecendo. Pude também encontrar semblantes, chistes, vozes, muito próximas daqueles que conviveram comigo no Paraná. Fui recebida e considerada pertencente à família: Sou uma Landa! Quantas memórias encontrei. Memórias que contavam orgulhosos das conquistas, do lado arrojado da família, família de tantos talentos... Pude conhecer acervos pessoais de meus primos novos. Li artigos antigos de jornais, anúncios do Circo Landa, fotografias, e, dentre muitos poemas, peças de teatro, fotografias, encontrei o elo de ligação: o tio-avô Jurandyr. Ele aparecia em fotografias, e no verso delas havia dedicatórias aos parentes. Ele manteve o contato com este mundo artístico e, para mim, é o elo das duas famílias: Thomas e Jacintho Landa. Aquele tio generoso, criativo, alegre, que aprendi a amar, deixou marcas de suas passagens com os primos Landa que encontrei em Osasco, Limeira e São Paulo. Suas palavras ecoaram fortes e ainda ressoam, nas vozes que encontrei. O silêncio de ontem foi rompido pelas vozes, letras, imagens, gestos que, hoje, encontro. O passado agora tem cara, nome, datas, lembranças. 46 Figura 24- Picadeiro de circo. Década de 1920. Fonte: Álbum de Jurandyr Landa. Percebo que um único motivo foi responsável pelo silêncio da história de meus antepassados, sobre a formação e participação no circo-família sul americano “Irmãos Landa”: o preconceito que persistiu até depois que meus parentes não estavam mais diretamente ligados ao circo. Havia muito preconceito pela condição de ser artista, de ser mulher circense, de ser “gente de circo”. O preconceito resvalava na reputação das moças que, tinham na família circense apoio e segurança para persistir na arte. Repetidas vezes ouvi de mulheres da família Landa o quanto ficaram desestruturados após a perda de seus pais, sendo esta uma causa comum para desistência da vida artística. O preconceito era mais perturbador para as mulheres. Os homens encontravam mais opções além circo, como a participação na maçonaria, que era percebido como um espaço de apoio, de inserção e prestígio. Na família Landa, tanto o patriarca Matheus, como o bisavô Jacintho, seus filhos Martinho e Jurandyr além de, meu avô José Seyr, eram maçons. Segundo Silva e Abreu (2009, p. 170): A opção pela maçonaria não se deu apenas no Brasil. Essa escolha pelos circenses homens já ocorria na Europa do século XIX. As estratégias de aproximação, viabilizando sua aceitação, estavam em sintonia com o que “os de fora”, no caso comerciantes, prefeitos e delegados, também praticavam. 47 Figura 25- Iniciação de Martinho Landa na Maçonaria, São José do Rio Pardo, SP.,29/09/1929. Fonte: Acervo de Ubirajara Seyr 48 Figura 26- Doação à Maçonaria – Jurandyr e Martinho Landa, Circo Tupinambás, Natividade de Carangola, RJ., 1964. Fonte: Acervo de Ubirajara Seyr As mulheres do circo não recebiam acolhida de outras mulheres nas cidades por onde passavam, ou mesmo nas poucas instituições possíveis, ou seja, escolares e/ou religiosas. Esta constatação foi confirmada por parentes que conversei e por Silva e Abreu (2009, p. 164): Antes de 1948, os filhos de artistas de circo, quando aceitos nas escolas, eram apenas ouvintes. Após essa data a situação concreta dessas crianças não alterou muito. Apesar de dizerem que ‘depois da lei de Getúlio a escola tinha que aceitar’, os circenses afirmam que a maioria das escolas ou continuava a não aceitá-los ou ainda os mantinha como ouvintes. 49 [...] Era uma verdadeira armadilha, reconhecia-se o direito, mas não se davam instrumentos suficientes e manejáveis para consagrá-lo e exercê-lo, cumprindo um efetivo exercício de cidadania. Diante da recusa por vagas que persistia em muitas das escolas públicas, as famílias circenses buscavam alternativas para a alfabetização de seus filhos através de contratação pessoas (professores ou não), para ensiná-los a ler, escrever e realizar as operações matemáticas elementares. Deste modo, como consta Silva e Abreu, (2009, p. 165) “se pode até afirmar que o índice de analfabetismo no circo-família era quase nulo, muito diferente do da população brasileira no mesmo período”. Pelo resgate da história da família, tive acesso a uma cópia de reportagem que narra a vida de Thomas Landa, e li que ele fazia o “número corda bamba com marombas”. Soube que os Irmãos Landa tiveram uma primeira fase que foi conduzida por meu tio-bisavô, Thomas Landa. Este teve uma longa vida voltada ao circo. Faleceu em 21/02/ 1929, na cidade de Rio Claro, São Paulo (COLMAN, s/d). Já meu bisavô Jacintho Landa faleceu em 23/03/1931, na cidade de Amparo. Após a morte dos irmãos Thomas e Jacintho, couberam aos filhos a continuidade da vida no circo. A maioria dos filhos de Thomas persistiu na arte circense e deram início a outras companhias e gerações de artistas. Alguns dos bisnetos até hoje estão ligados à arte circense. Quanto aos filhos de Jacintho, Martinho e Jurandyr seguiram como artistas, porém, as filhas Iracema e Nathália deixam o Circo e foram morar com uma irmã mais velha, em Bragança Paulista. Segundo pude entender esta irmã, que eu desconhecia sua existência até poucos anos atrás, era filha de Jacintho proveniente a um relacionamento anterior ao casamento deste, com Zulmira. Pude entender o encontro de minha avó Iracema e meu avô José Seyr. José também havia passado pelo Circo Landa, com números de trapézio e equilíbrio. Foi assim que se conheceram e, mesmo depois da saída de Iracema do Circo, continuaram se comunicando, e dessas conversas, nasceu um romance. 50 Figura 27- O acrobata José Seyr. Década de 1920. Fonte: Acervo de Ubirajara Seyr 51 Figura 28- Ensaios de acrobacia, José Seyr. Década de 1920. Fonte: Acervo de Ubirajara Seyr Iracema e José casam-se em 1932. Vão batalhar pela vida, mas agora lado a lado. Hoje, entendo uma velha história que ouvi de minha avó Iracema sobre o início de seu casamento: o dia em que eles comparam uma tesoura foi uma festa! Com a tesoura ela poderia fazer balas de coco, flores de tecido... 52 Casados foram morar em Rifaina e, posteriormente em Pedregulho, ambas as cidades do Estado de São Paulo. De Pedregulho, meu avô, sistematicamente, viaja para Ribeirão Preto para estudar e se forma como “Dentista e protético prático”. Trabalha na área, junta dinheiro e compra terras da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, escolhendo a cidade que se tornou Mandaguari, antiga Lovat, (FONTES; BIANCHINI, 1987) para onde vai com a família em 1949. A terra “rossa” (que é vermelha em italiano) se torna a terra roxa do Norte Pioneiro. Essa terra, que é muito fértil, fez o quintal da casa deles ganhar tons de verdes com as inúmeras espécies de árvores frutíferas. Pelas mãos hábeis de Iracema, de inúmeros canteiros e estufas, nasceram flores e folhagens de todos os tipos. Seu quintal era uma referência, que orgulhosamente exibia às visitas. Parece que aquela menina que tanto mudou de cidade, fincou raízes, literalmente, em Mandaguari. Viu suas flores passarem por todos seus ciclos, comeu das frutas que plantou, criou gatos, cachorros com nomes nobres, alegrou as festas com suas balas de coco, bolos, e foram tantos Natais que, ali, estávamos todos, cada vez com a família maior! Vovó era uma contempladora da natureza e sempre tinha consigo algum filho ou neto para juntos apreciarem a beleza da alvorada, do entardecer, o céu estrelado, as novas flores, borboletas, as gralhas azuis, os pintinhos novos... Ela pode fazer tudo aquilo que sua mãe não pode, pois teve uma vida longa, com muitas histórias a contar que, de certo, eram as próprias transvertidas de outros personagens. Meu avô era alguém que inventava objetos, desmontava o que era novo para entender como funcionava. Lembro-me dele assistindo dois canais de TV ao mesmo tempo. Sintonizava um televisor no Programa Fantástico e o outro no Programa do Flávio Cavalcanti, ia alternando o som dos aparelhos, para assistir apenas o que mais o interessava. Ainda não existia o controle remoto naquela época. Ao ver seus netos, ele nos dizia, com sotaque alemão: “Como vai meu povo?” Quando voltava de viagens trazia consigo novidades. Uma delas foram lentes de contato que estavam sendo introduzidas no Rio de Janeiro. Ele deve ter sido o primeiro a usá-las em Mandaguari. Ele tinha uma miopia muito forte, tinha 16 graus. Na velhice, teve catarata, por isso era essencial o uso de óculos e lentes. Às vezes o víamos com um óculos sobre o outro, sempre trabalhando, lendo, e, projetando sonhos. Para escrever a história do Circo Landa, não é possível fazê-lo de modo linear ou cronológico, uma vez que as faces da história aconteceram sucessivamente em lugares, tempos e 53 com personagens distintos. As percepções que tive, nos vinte anos em que morei em Mandaguari, construí, com o pouco que foi falado, minha versão, que difere de outros parentes e irmãos que, também, conheciam partes da história. O silêncio foi decorrente do contexto histórico, social, geográfico em que vivemos, onde outros valores foram os enaltecidos em detrimento da história que se relacionava ao circo. Na recolha de material para compor este texto tive minhas certezas abaladas, dando espaço para multiplicidades das histórias ligadas ao circo. Com o contato estabelecido em 2004, pude através dos primos, descendentes de Thomas Landa, recompor o passado, com outras vozes e versões do que foi vivido. Houve um grande deslumbramento, a medida que socializava com meus pais, irmãos e parentes do Paraná, os “achados” de nossa história. Pelos Landa paulistas, soube que existia algo além do tio circense, Jurandyr Landa. Conheci uma história que teve um começo no Chile, depois uma passagem pelo Peru, uma itinerância pela Argentina, Uruguai e Brasil. Destas passagens os seus/nossos passados foram impregnados pelo revelado/dito, mas, do mesmo modo, pelos silêncios, que ora significaram dificuldades em se lidar com o que é ser artista de circo, o que é ser mulher de circo, o que é ter sua “casa” visitada, mas não ter a mesma liberdade para fazer visitas, ser popular, mas ter restrito seu grupo de convivência, a falta de raízes num determinado lugar, a lidar com constâncias de partidas e chegadas. Esta gama de emoções em viver tanto o apogeu, mas, ter limitado sua transposição para além das lonas do circo, foi confirmada por uma minha prima circense que verbalizou que em alguns lugares os artistas, em especial, as mulheres artistas, eram desprestigiadas, em gestos ou verbalmente, o que as faziam se retirar do local. Por esta vida restrita, era comum o casamento entre circenses. 54 Figura 29- Filhos de Thomas Landa (irmão de Jacintho Landa): Thomas (Tomasito), Adriano Luís, Matheus Esperança, João de Deus e Paschoal (Baião). Década de 1930. Fonte: Acervo de Jurandyr Landa. Figura 30- A mesma fotografia anterior, agora retocada, o que era um recurso antigo muito utilizado. Fonte: Acervo de Jozelma Tavares da Silva (D. Zelma) e Alaor da Silva Através da escuta de meus novos parentes, conheci um pouco da história que aqui trago sobre a Família Landa. Sei que há “peças” ainda não encontradas nesse “mosaico” que se 55 constitui o passado de minha família, mas a história pode ser recontada de muitos modos e, o que hoje apresento, é apenas um deles. A notoriedade do trabalho artístico está documentada em fragmentos de textos, panfletos de atrações, solicitações de paragens do circo e dão a dimensão das atividades artísticas vividas por alguns dos Landa. Figura 31 – Artigo sobre Thomas Landa. COLMAN, Francisco. Os grandes artistas do passado: Thomas Landa. Uma das positivas expressões de arte circense em seu número “Corda Bamba com marombas”, Alcançou distinção como artista e celebridade. Revista Máscaras. Década de 1950. Acervo familiar de Ana Cândida Landa Squilassi. 56 Figura 32 – Artigo sobre Thomas Landa. COLMAN, Francisco. Os grandes artistas do passado: Thomas Landa. Uma das positivas expressões de arte circense em seu número “Corda Bamba com marombas”, Alcançou distinção como artista e celebridade. Revista Máscaras. Década de 1950. Fonte: Acervo familiar de Ana Cândida Landa Squilassi. 57 Figura 33- Panfleto - Transcrição do cabeçalho do anúncio: Circo Teatro Landa, Organização Brasileira registrada na Junta Comercial de São Paulo. Fundada em 1886 pelo saudoso artista chileno D. Thomas Landa. Década de 1930. Fonte: Acervo familiar de Ana Cândida Landa Squilassi. 58 Figura 34- Autorização para espetáculo do Pavilhão Negrito Landa em Cordeirópolis, 16/10/1952. Fonte: Acervo familiar de Ana Cândida Landa Squilassi. 59 Figura 35- Panfleto de divulgação show – Pavilhão Negrito Landa. Década de 1960. Fonte: Acervo familiar de Ana Cândida Landa Squilassi. 60 Figura 36- Panfleto de divulgação de peças teatrais – Pavilhão Negrito Landa. Década de 1950. Fonte: Acervo familiar de Ana Cândida Landa Squilassi. Figura 37- Panfleto de divulgação de peças teatrais – Pavilhão Landa. Década de 1950. . Fonte: Acervo familiar de Ana Cândida Landa Squilassi. 61 Figura 38- Os irmãos Geraldo (Palhaço Amendoim), Jorgina e Ana Cândida Landa. Década de 1960. Fonte: Acervo familiar de Ana Cândida Landa Squilassi. Figura 39- Artistas mirins: 1ªAbigail, 4ª Durvalina, 5ª Coralia Landa. Fonte: Acervo pessoal de Ana Cândida Landa Squilassi. 62 Figura 40- Reportagem da Revista Máscaras sobre a passagem do Circo Teatro Landa, em Varginha em 1918. Destaque os irmãos José e Jacyra Landa. Década de 1950. Fonte: Acervo pessoal de Ana Cândida Landa Squilassi. 63 Figura 41 - Grupo Regional Landa. Década de 1940. Fonte: Acervo pessoal de Ana Cândida Landa Squilassi. Figura 42- Grupo Regional Landa. Década de 1940. Fonte: Acervo pessoal de Ana Cândida Landa Squilassi. 64 Figura 43- Reportagem do Diário do Rio Claro de 09/05/1993, com homenagem ao Circo Teatro Landa, que havia se apresentado em 09/05/1943 em Rio Claro. Fonte: Acervo pessoal de Ana Cândida Landa Squilassi. 65 Figura 44- Homenagem ao primo Alaor da Silva, o palhaço Perereca, falecido em 2002. Fonte: Acervo da esposa Jozelma Tavares da Silva (Zelma da Silva). 66 Figura 45- Inauguração da Praça em Osasco, 03/07/2005. Marisa e suas filhas Rafaela e Fernanda Pozza Fonte: Acervo de Marisa Seyr. Estes fios de minha história me conduziram a um estado de contemplação do ser humano. Vejo que a riqueza que carregamos está na subjetividade que nos caracteriza como pessoas. Pessoas, lugares, o encontro, são oportunidades de Ser no mundo e não apenas estar. Temos a condição da criação, da recriação, da renovação, o medo só pode ser do que não foi vivido, e tudo tem um sabor, algo para ser apreciado. Penso na docilidade do gesto, no olhar, no toque, nas memórias que juntos deixamos e que a ela recorremos quando delas sentirmos falta. 67 Figura 46- Artista circense. Fonte: Álbum de fotografias de Jurandyr Landa. A vida parece com esta imagem: tem seus obstáculos, parece que não vai dar certo... mas a gente persiste, reinventa como chegar onde queremos e, quando conseguimos, nos sentimos melhores do que antes, o prazer em superar as dificuldades, toma conta de nossa satisfação. Aos que estão a nos observar sabe-nos humanos como eles e, se conseguimos, eles conseguirão, da mesma forma. A aproximação que tive inicialmente com o teatro que parecia circunstancial, após a recomposição da história que cercou minha vida, percebo que, como uma tatuagem feita na alma, sentidos foram veladamente impregnados em minha existência, sem que tivesse tanta clareza de seus porquês e de como foram apreendidos. As marcas, que nos faz únicos, vão pouco a pouco sendo absorvidas, desde a mais tenra idade, ressoando e se aconchegando em algum lugar de nosso Ser. Mas elas não são calmas, a determinado estímulo, desencadeiam vibrações, reverberando como um eco, acompanhando a pessoa em suas decisões, em seus sentidos estéticos, éticos. Quando se pergunta para si mesmo o porquê de tais escolhas, de tais sentidos tão consolidados, há que se buscar ao longo de sua história e da história constituída por aqueles que lhe embalaram, que viram em você o que você ainda não via, aqueles que estavam ao seu lado, que com palavras, silêncios, acolhimentos viram aspectos de si, vivos, nessa pessoa que você se tornou. 68 1.2- Era uma vez: Uma professora de Jovens e Adultos... Em 2007 e 2008 vivi uma experiência até então nova para mim. Concomitante ao trabalho que exercia junto à Secretaria Municipal de Educação fui, no período noturno, professora itinerante da Educação de Jovens e Adultos (EJA I), na Região Noroeste de Campinas. Figura 47- Docência, 2008 Acervo de Marisa Seyr A EJA I compreende o ensino supletivo do Ensino Fundamental, nível I, a jovens e adultos com idade acima de 14 anos, que não foram alfabetizados em idade escolar. Esta modalidade de ensino está prevista nos artigos 37 e 38 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Em Campinas, as salas de EJA I estão vinculadas à Fundação Municipal para Educação Comunitária-FUMEC, que foi: Criada em 1987 com a missão de alfabetizar jovens e adultos, através de programa equivalente às cinco primeiras series de educação básica, com o compromisso de estabelecer um programa orientado à constituição de ações educacionais, considerando a singularidade daqueles jovens e adultos, a partir dos 15 anos, que não puderam frequentar a escola, ou dela foram afastados pelos mais variados motivos. As ações de alfabetização são desenvolvidas em salas de aulas instaladas em escolas municipais, estaduais, associações de bairros, igrejas, enfim, em todos locais em que exista demanda (Prefeitura Municipal de Campinas, site institucional, 2013). A Região Noroeste do município de Campinas abrange os bairros que estão à margem da Avenida John Boyd Dunlop. A Região Noroeste tem duas Rodovias que passam por seus limites: a Rodovia Anhanguera e a Rodovia dos Bandeirantes. A partir do corte da Rodovia dos Bandeirantes, todos os bairros constantes são relacionados à Região Campo Grande, que integram a Região Noroeste do município de Campinas, do Estado de São Paulo. 69 Minha função, enquanto docente, consistia na substituição do professor titular da classe, em suas ausências, no trabalho. Para este exercício profissional participei de um concurso seletivo de trabalho temporário junto a FUMEC, no inicio do ano de 2007 e fui chamada em maio daquele mesmo ano para assumir as aulas. Durante os dois anos que permaneci neste trabalho, conheci verdadeiros guerreiras e guerreiros, que persistiram em seus sonhos de retornar à escola e alcançar as tão almejadas ferramentas de cidadania: a leitura e a escrita! Tão difícil quanto pensar numa vida sem essas ferramentas é pensar no quanto as portas se fecharam para estes homens e mulheres; na coragem que precisaram ter para não esmorecer em suas jornadas, nos trabalhos árduos que lhes restaram: no roçado, na lida com animais, na construção civil, na limpeza de ruas ou casas, na coleta de reciclados, na feira, enfim, em trabalhos nos quais, eficiência, é força braçal. Para além, de letras e números, procurei passar uma mensagem de que adultos podem aprender e já são vencedores na arte de sobreviver. Não há motivo para se envergonharem: a vergonha é da sociedade desigual, que mede as pessoas não pelo que são, mas pelo que possuem e, não é por acaso, os que voltam à escola quando adultos são os pobres. A experiência foi nova, pois, havia sido professora do ensino regular nas séries iniciais do Ensino Fundamental e a faixa etária que eu estava acostumada a encontrar era, no máximo, até 12 anos. Em 1992 assumi outras funções administrativas e pedagógicas, distante da sala de aula. Após esta experiência na EJA I, voltei a ser docente junto a outros adultos e jovens e, pude perceber que a experiência docente modifica a atividade do gestor educacional, isto porque não se perde de vista o objetivo central do trabalho nas escolas, que é a aprendizagem do aluno e sua emancipação cidadã. As idas e vindas entre os papéis de gestora educacional e de docente trouxeram-me novas percepções do educando: sua realidade, suas aspirações, seus condicionamentos, seus sentidos de mundo, vida, sua humanidade, conforme discute Silva Junior (1990). Posso afirmar que, depois das experiências profissionais que tive, lapidei melhor meu olhar para com esse outro, que é pai/mãe, trabalhador/trabalhadora, que busca forças ora em si próprio, ora em um Deus que não os abandona e em tudo os conforta. Hoje, desempenhando o papel de Coordenadora Pedagógica da Secretaria Municipal de Campinas, penso no quanto esses alunos não alfabetizados foram aviltados em seus direitos de 70 cidadãos, sobretudo em seu direito à escola quando crianças. Muitos sequer pisaram numa escola. A eles coube o trabalho como principal atividade desde a tenra idade, outros, que não aprendiam, foram invisíveis em suas necessidades, restando-lhes abandonar os estudos para aliviarem-se da dor de serem tão visíveis em suas dificuldades e diferenças. As salas de EJA I estão repletas de histórias de insucesso escolar. Jovens e adultos chegam aos bancos escolares com acúmulo de vivências e experiências, frutos dos papéis sociais que assumiram ao longo da vida, muitas vezes suprimindo ou encurtando fases de seu desenvolvimento ou abrindo mão de papéis postos pela etapa. As vivências os gabaritam a formular hipóteses e certezas a respeito das “lógicas” do mundo. Lógicas que, muitas vezes, os desfavorecem como pessoas, pois creditam a si o ônus pelas oportunidades perdidas. Preconceitos e valores hegemônicos, veiculados subliminarmente, isentam a sociedade da responsabilidade por este abismo social e ao não acesso aos direitos civis desses homens e mulheres. A falta da leitura e da escrita, num centro urbano como Campinas, fez com que oportunidades de trabalho, com este mínimo de qualificação, não fossem destinadas a esses sujeitos. Observa-se que não apenas essa face de sua cidadania foi prejudicada, como também sua inserção social como cidadãos e trabalhadores. Ficam aquém de serviços e comodidades que são postos aos consumidores e usufruídos pelos que detêm conhecimento da leitura e da escrita. Diante desses sujeitos, fica minha dupla consternação: como participante da escola pública o quanto não contribuí para a produção dos marginalizados sociais e, como professora do EJA, o quanto à aproximação com tais sujeitos me humanizou para recebê-los melhor na escola? Escola contraditória em seus propósitos: escola que ora inclui, ora exclui, num movimento de reprodução da sociedade. Sociedade competitiva, em que impera o poder econômico, onde não há espaço para todos. Primeiro os mais fortes, seleção natural pela concorrência entre sujeitos desiguais: de classes socioeconômicas, histórias e realidades, diferentes. Esta prevalência dos indivíduos mais fortes foi motivo de estudos pelo filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903) que escreveu uma teoria baseada no “Darwinismo Social” (SCHULTZ; SCHULTZ, 2007) bastante disseminada nos Estados Unidos (EUA). Partindo da ideia da evolução das espécies, defendida por Charles Darwin (1809-1882), segundo a interpretação de Spencer, apenas os indivíduos mais aptos sobreviveriam caso apenas o 71 individualismo e o sistema econômico operassem na economia. Deste modo, conhecer-se-ia a perfeição humana cunhada à custa de vidas mais frágeis. No Brasil estas ideias tiveram ressonância, e, teóricos como Raimundo Nina Rodrigues (CORRÊA, 1998), Silvio Romero, Euclides da Cunha, Oliveira Vianna (ANSELMO; BRAY, 1999), trouxeram estas concepções com maior ou menor intensidade em suas proposições sobre a sociedade brasileira. Por sua vez, fundamentaram preconceitos e discriminações já enraizados. Infelizmente, o mundo viu e ainda vê desdobramentos de ações que se baseiam em fundamentos que sustentam proposições geradas pelo Darwinismo social. Por não compactuar com esta visão de mundo, procuro antagonizar em minhas escolhas e práticas tal teoria e me aproximo de teóricos que acreditam no poder da mudança da sociedade, da conscientização inerente ao Homem e ao poder político que cada um exerce. Minha formação acadêmica (sou psicóloga, pedagoga e psicodramatista) se consolidou numa opção clara pelo Homem e por seu protagonismo diante da História. Esta escolha se fez/faz presente na trajetória que percorri ao longo destes anos, tanto na vida profissional, como nas escolhas pessoais de minha vida como cidadã. Com este estudo, diante de metodologias utilizadas na alfabetização de jovens e adultos, apresento o Psicodrama Pedagógico como uma alternativa metodológica voltada à formação do Homem no que se refere ao autoconhecimento, à iniciativa, à autonomia, à liberdade, à emancipação, à espontaneidade, à criatividade, à transformação. O Psicodrama Pedagógico é a aplicação na relação ensino-aprendizagem de pressupostos do que Moreno denominou Psicodrama, e fomenta ações intencionais em detrimento à conserva cultural, que segundo Aguiar (1988) e Fonseca Filho (1980) se referem à cristalização do produto da criação, cujo efeito danoso seria impedir o fluxo criativo da vida humana. A conserva cultural limita a criação, imortalizam-na, não permite novas perspectivas de mudança. Diante desta constatação, este estudo busca relacionar a ação do Psicodrama Pedagógico com uma possível opção dos docentes enquanto metodologia de ensino voltada à alfabetização de jovens e Adultos. O aluno da Educação de Jovens e Adultos é o jovem e o adulto que não usufruíram o direito à educação escolar em idade assegurada, legalmente. O retorno deste aluno aos bancos escolares é uma decisão que pode ter sido adiada por inúmeros fatores, especialmente, os da subsistência. A escola que ora o recebe, frente ao propósito da alfabetização, deve pensar em metodologias que acolham, incluam e que partam das muitas memórias, vivências acumuladas, 72 que asseguraram estratégias de engajamento social, no trabalho, para além da aprendizagem formal. Considerando este cenário, seria o Psicodrama Pedagógico uma das alternativas metodológicas pertinentes para a alfabetização de jovens e adultos, proporcionando a estes alunos a conciliação da apropriação do código escrito e possibilidade de revisitar histórias por eles vividas, reconduzindo-as ao tempo presente e, com o auxílio do coletivo da classe, requalificar suas vivências de modo mais assertivo? O ato de ler não se limita ao mero relacionamento da fonética dos códigos escritos aos signos que os representam. O homem só se humaniza por meio das relações interpessoais que estabelece. É preciso mediatizar a leitura de mundo para que os alunos saiam do papel de vitimizados e assumam os rumos de suas vidas, em condições de escolha e não como determinismo. Para Freire (1978; PINTO, 1987; RIZO; RAMOS, 2008,), através das experiências vividas, os indivíduos vão cunhando leituras de mundo que precedem a leitura da palavra. O conceito de letramento alarga a concepção da alfabetização tradicional, pois, trata do uso funcional da leitura e da escrita no cotidiano, fazendo do leitor/escritor um sujeito com maiores condições de ser inserido na sociedade. Portanto, o domínio de códigos não assegura o uso da língua em práticas de interpretação de diferentes gêneros de textos, escrita de mensagens, entendimento de notícias, tão comuns, aos centros urbanos. Não limitando a função da escola apenas ao favorecimento das atividades que envolvem o letramento, percebe-se que as pessoas que foram excluídas das várias esferas da participação da vida moderna precisam de outra “alfabetização”, isto é, de uma alfabetização que as incluam de modo voluntário, ao exercício de sua autonomia, de sua liberdade. Muitas vezes, o que impede o uso fluente de tais ações são sentimentos internalizados de determinismos frente à vida, de provimento das necessidades com apelo e apegos às mistificações, de imobilismo diante das dificuldades, de desistir sem ter começado a buscar, enfim, da elaboração simbólica do mundo apreendido pelo sujeito, em que o mundo foi simplificado em metáforas e essa realidade foi integrada ao sujeito (AUGRAS, 1980). Aliada a sentimentos de despreparo frente à vida há mobilização de um nível elementar da consciência, citada por Freire como consciência ingênua que se encontra despreparada para o enfrentamento da realidade. “Apenas olhamos e, porque não ad-miramos, não podemos adentrar o que é olhado, não vendo o que está sendo olhado” (FREIRE, 1983, p. 43-44). 73 Para o autor, ad-mirar é olhar com criticidade, não reduzindo o que se vê em clichês, é o olhar que não se satisfaz com as aparências, é olhar para além das primeiras impressões. Sobre as características da consciência crítica, Freire (1983; PINTO, 1987) afirma que esta anseia pela análise de problemas, repele posições quietistas, é indagadora, dialoga, tem a realidade como mutável. Para Freire (1974), a existência humana, não se pode ser muda, silenciosa, nem tampouco se nutrir de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, assim pode modificar o mundo: não há palavra verdadeira que não seja práxis. “Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar” (FREIRE, 1974 p. 92). As palavras verdadeiras são fortes para transformar o mundo. Freire coloca como tarefa do educador a investigação das palavras significativas, ou seja, palavras geradoras, que se segue com a investigação do tema gerador. O levantamento dessa temática envolve a investigação do modo de pensar do povo, em sua realidade. Esta investigação não se dá sem o povo, pois “os temas, em verdade, existem nos homens, em suas relações com o mundo, referidos a fatos concretos” (FREIRE, 1974, p. 116). Deste modo, um mesmo fato objetivo pode ou não, provocar um conjunto de temas geradores, dependendo da percepção que dele tenham esses homens. Captar os temas, enredos os quais vivem os alunos, faz com que haja uma aproximação entre os homens, ou seja, professor e alunos frente à realidade. O ato educativo, por ser um ato político, (FREIRE, 1997) deve comprometer-se com a libertação dos homens, pois: A libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É práxis, que implica na ação e na reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo. (FREIRE, 1974, p. 77) Uma convergência com este conceito de liberdade é possível encontrar em Moreno, (apud AGUIAR, 1988, p. 143), o criador do Psicodrama. Para ele, a espontaneidade e a liberdade se constituem como complementos uma da outra. Assim, “o homem que não encontrou sua liberdade, subordinando-se, impotente e inerte, às forças externas que o determinam, é o homem amarrado, travado, repetitivo: não espontâneo”. 74 O Psicodrama pode constituir um recurso pedagógico para o trabalho com jovens e adultos, à medida que reconstrói contextos, revela conflitos latentes, dá oportunidade de rever passagens (cenas) de uma vida e novamente, reconduzi-la para uma segunda escolha do autor, com a participação de um coletivo (classe) que acolhe e apoia seu autor. Mediados pelo Psicodrama, a apropriação da autoria dos atos pelos alunos da EJA reportará a alfabetização a um diferencial em suas vidas: [...] uma das funções, se não a principal, de qualquer trabalho de reflexão é pensar o impensado que existe num determinado sistema teórico-prático e que o impensado nas proposições morenianas é justamente a história [...] (NAFFAH NETO,1980, p. 51, grifos do autor). Para Naffah Neto (1980), a história se faz pela constante superação de uma situação de fato, buscando enfrentamento. A História não se faz não pela passividade, mas quando o sujeito atinge consciência. Ao desenvolver maior consciência, o sujeito age rumo à transformar sua história pessoal e grupal. A construção de textos coletivos com os alunos da EJA, com sua posterior ação dramática, possibilita novo contato e novo encaminhamento com vivências passadas. Não se trata de simples representação, mas de uma forma de avançar, rumo ao fortalecimento de novas atitudes, frente à própria vida. Segundo Aguiar (1988), o teatro espontâneo tem duplo desiderato: que os sujeitos sejam investigadores e que será na ação que se realizará a transformação da realidade. O teatro espontâneo, ou teatro da espontaneidade, não segue texto preestabelecido, e sua composição (tema, personagens, enredo), acontecem simultaneamente à sua ação, decorrente da pesquisa do diretor, que vê emergir da plateia os elementos que darão sequência às cenas. Os atores emergem da plateia e qualquer participante pode subir ao palco e reconduzir os enredos propostos. “Na ausência de um texto prévio, tudo se improvisa. Autor e ator se fundem numa mesma pessoa: palco e plateia se acumpliciam para produzir o espetáculo” (AGUIAR, 1988, p. 23). Na EJA I são recebidos alunos que não usufruíram o direito à educação na idade prevista por lei. Todos têm em sua história algo que interrompeu sua trajetória escolar: negligência dos pais ou responsáveis, exercício prematuro de trabalho, falta de escolas, falta de inserção e sucesso nos anos escolares iniciais. Em comum nas histórias está a dificuldade financeira, cerceando oportunidades e adiando sonhos. Aqueles meninos e meninas, hoje, jovens e adultos, são 75 compelidos à realização de trabalhos pouco reconhecidos e com baixas remunerações. O espaço que deveria ter sido ocupado pela leitura e escrita em suas vidas, é cedido lugar ao exercício da oralidade e das memórias orais. Entretanto, dado ao contexto urbano em que os jovens e adultos estão inseridos, a falta de leitura e escrita ou, a condição de analfabeto funcional que lhes é conferida, os ferem no exercício de sua cidadania mais ampla: limitando trabalhos que possam executar, restando-lhes trabalhos repetitivos, braçais, pouco valorizados socialmente; cerceando sua relação de consumo, pois, a falta de leitura abrevia o ato de comprar a estímulos visuais do produto, ou, às informações verbais passadas por outrem; restringe sua ação enquanto partícipes da vida social, pois a sociedade urbana tem alicerces no código escrito para muitas das atuações de um individuo, dito cidadão; limita a participação, onde leitura e escrita são meios que possibilitam diversos confortos da vida contemporânea, como na leitura e compreensão receituários médicos e bulas, placas de ônibus, nas relações de compra e venda, na conquista da habilitação para dirigir veículos, no exercício de sua fé, quando há uso do livro Bíblico. Para obterem patamares mínimos de integração social, esses jovens e adultos tiveram trajetórias adversas. Desenvolveram recursos pessoais para alcançarem seus objetivos, construíram lógicas do mundo, creditam a si próprios o ônus pelas oportunidades não alcançadas, construíram saberes, absorveram mensagens da sociedade, fazendo-as prevalecer como “certas” ou “justas”, mesmo que estas fossem clichês e frutos de valores hegemônicos. Esses excluídos puderam, igualmente, experimentar (VOLPE et al., 2007) um sentimento de medo frente à instituição escolar, medo proveniente de constrangimentos vividos em curtas experiências escolares, ou por idealizarem esse lugar como inacessível e desconhecido. Sobre o medo, Bauman (2008) diz que ele é conhecido de toda a criatura viva, mas no ser humano o medo se qualifica, se recicla social e culturalmente, tem o poder de orientar seu comportamento, isto é, forma uma percepção de mundo e, por conseguinte, guia as escolhas e expectativas desse sujeito. Frente a esse panorama sobre os alunos que se remetem a EJA I, a escola que hoje os recebe não deve repetir aquela escola que os rejeitou, que não soube incluí-los em sua estrutura, que não os atendeu em suas expectativas, que não os ouviu, enfim, a escola onde foram invisíveis em suas especificidades. Segundo Leão (2006), a escola é um lugar onde as pessoas se encontram e produzem relações sociais, que tanto podem ser ricas, quanto desumanizadoras, se estiverem 76 distantes dos projetos e anseios dos envolvidos. A escola numa visão escolocêntrica ao conceber os jovens como estudantes, encobrem suas identidades e traços próprios da juventude, há choque entre a cultura escolar e a cultura do jovem. Este, e outros motivos, distanciam professores e alunos dos encontros e diálogos. Os estudantes da EJA I são trabalhadores ou veem na possibilidade de trabalho um forte elemento de identidade. Esses jovens e adultos têm leituras do mundo provenientes de suas vivências, dos percursos que fizeram para realizar seus objetivos, dos sonhos que buscaram alcançar, das escolhas que fizeram e fazem, das oportunidades que tiveram ou da falta dessas, das lutas e lutos, dos sentidos que atribuíram às realidades que viveram ou que vivem. A partir da afirmação de Paulo Freire (1976) sobre a leitura de mundo, a problematização da realidade, preceder ao ato de ler e escrever, e sendo o Psicodrama um meio de se qualificar sentidos ao mundo, a utilização do psicodrama, como ferramenta pedagógica, busca integrar esses dois vieses e estruturar uma prática educativa que prima pela valorização da história de vida do aluno, da memória oral, da expressão de diferentes pontos de vista, sobre um mesmo objeto de estudo e provocar novas experiências de vida. O próprio exercício de narrativas pautadas em memórias, ao resgate de sentidos atribuídos à vida em diferentes momentos da história pessoal de cada aluno, de descobertas, dúvidas, são também Pesquisas do Si Mesmo, possíveis pela utilização do Psicodrama Pedagógico, tal como foi empregado nas aulas. Para este estudo será verificado, através de pesquisa qualitativa, na realidade da FUMEC da Região Noroeste da cidade de Campinas, Estado de São Paulo, através de aplicação de questionários aos docentes, quais recursos metodológicos são comumente adotados no trabalho com o letramento e alfabetização. Junto aos Diretores regionais da FUMEC será inquirido sobre o perfil do docente e do discente que verificam nesta região. Após a compilação das informações levantadas serão realizadas análise e discussão dos dados. Segundo Lüdke e André (1986) o fenômeno educacional é vivo, pulsante, não há como pesquisá-lo como algo isolado, perene, inócuo, a não ser com pesquisas quantitativas. Uma abordagem analítica dos dados é o que se espera buscar com pesquisas qualitativas. É um esforço necessário para se repensar políticas, habitus e modos operandi, práticas educativas “engessadas” e estereotipadas de se trabalhar conteúdos junto a diferentes gerações de alunos, diversos contextos e tempos históricos. 77 Para Bogdan e Biklen (apud LÜDKE; ANDRÉ, 1986) na pesquisa qualitativa, o ambiente natural é fonte de dados diretos onde o pesquisador deve manter contato próximo. Os dados devem ser essencialmente descritivos e o processo de colhê-los é mais relevante que o produto desta ação. O pesquisador deve, do mesmo modo, se ater às subjetividades que os participantes apregoam à situação estudada, assim como os elementos que a compõem. Na análise dos dados colhidos usualmente se utilizará a indução, que não tem preocupação, a priori, de confirmar hipóteses preeditadas, pois, o que conduz o trabalho é um quadro teórico mais amplo. Buscando as interpretações que cada professor, diretor da FUMEC têm de sua participação entanto agente atuante na EJA I da Região Noroeste, dirijo-me aos seus locais de reuniões e me reaproximo dos lugares onde dei aulas. Revejo colegas, conheço novos professores, percebo mudanças na região que parece estar mais desenvolvida, recebo saudações carinhosas e respeitosas, dos participantes das reuniões. Minha intenção é ouvi-los, para entender suas escolhas profissionais e tecer as impressões que têm, frente ao exercício docente. 78 Capítulo II - Das narrativas à ação dramática 2.1- Histórias, autores, atores Em minhas experiências como professora da FUMEC na Alfabetização de jovens e Adultos, nos dois anos em que atuei nessa modalidade de ensino, busquei um método de trabalho capaz de envolver os alunos, de tal modo que deles suscitassem os textos orais e escritos utilizados durante a aula. Tal como utilizando um “baralho” para um jogo múltiplo, em alusão à leitura do livro “O castelo dos destinos cruzados”, de Ítalo Calvino, imagens ou objetos exerciam o papel de serem os “disparadores” de memórias, narrativas, criações. A seguir, apresento alguns dos estímulos oferecidos à criatividade dos alunos: Figura 48- RENOIR, Pierre-Auguste. As Meninas Cahen d'Anvers - Rosa e Azul.1881. Fonte: Museu de Arte de São Paulo. 79 Figura 49: ALMEIDA Jr. A moça e o livro. 1879. Fonte: Museu de Arte de São Paulo. Figura 50- MONET, Claude. A Canoa Sobre o Epte,1890 Fonte: Museu de Arte de São Paulo. Outros desencadeadores de narrativas foram: artigos de jornal (sobre Transplantes de órgãos, Descarga elétrica), fatos ocorridos durante a aula (bombeiros na escola; biografia de alunos, o aparecimento de uma barata na aula), desenho livre de um aluno feito, antes do início da aula, na lousa, desenho coletivo, na lousa, onde cada um colocava um detalhe, músicas tais como: Ela é Bamba, Senhorita, Toada, Meu guri, Sapato Velho, Xote das Meninas, Obras de um Poeta, Terra tombada, poesia “Nós” de Guilherme de Almeida. Estas imagens, objetos, músicas e poesia possuíam a função de provocar “leituras”, desencadear memórias, sentidos, experiências passadas, aspectos da humanidade presente em cada sujeito e fornecer subsídios significativos para a alfabetização de jovens e adultos. 80 A experiência criativa por um lado “despertava” a dimensão criadora de cada aluno/sujeito que estabelecia relações com a imagem/objeto, deflagrando “nexos” e “eixos” e produzindo narrativas de experiência vividas, além de que, cada contribuição dos alunos somavase como novo elemento desencadeador de memórias. O compartilhamento de uma memória remete ao passado, porém como adverte Simson (PARK, 2000, p. 10) “utilizando ‘óculos do presente’, o que nos leva a pensar em bases mais sólidas e realistas nossas futuras ações”. Ao exteriorizar oralmente vivências, conhecimentos, particularidades, o movimento de estudar/aprender, tomava uma direção que provocava uma relação reflexiva no aluno, em sua constituição de mundo, suas verdades, suas experiências de si mesmo, em sua espontaneidade. Para Gonçalves et al (1988), a espontaneidade assim como a criatividade e a sensibilidade, na visão moreniana de homem, são inatos. A espontaneidade é a capacidade de responder adequadamente a uma situação nova. Esta resposta seria renovadora ou transformadora e estaria apoiada na criatividade e liberdade do sujeito. A possibilidade de modificar uma dada situação ou de estabelecer uma nova situação implica em criar: produzir, a partir de algo que já é dado, alguma coisa nova. A criatividade é indissociável da espontaneidade. A espontaneidade é um fator que permite ao potencial criativo atualizar-se e manifestar-se (GONÇALVES et al, 1988, p. 47, grifos do autor). Na experiência docente narrada, percebia-se que, com as narrativas desencadeadas, havia algo que ressoava na memória afetiva dos demais alunos. O escritor, crítico e professor de literatura, João Alexandre Barbosa, ao prefaciar a obra Memória e Sociedade, (BOSI, 2010, p. 14), trouxe uma percepção do filósofo Walter Benjamin, sobre a exteriorização de memórias: “o narrador conta o que ele extrai da experiência – sua ou aquela contada por outros. E, de volta, ele a torna experiência daqueles que ouvem a sua história”. Deste modo, as memórias colhidas são recortes afetivos do vivido pelo recordador que, ao serem pronunciadas, são dadas existência a elas: o personagem-narrador, pessoa do povo sem os brios dos heróis ou das musas, sai do lugar-comum, fala da face da história que viveu, muitas vezes com o olhar do vencido ou do vencedor, muitas vezes carregado de estereótipos vinculados às ideologias dominantes ou de uma maior apreensão do que foi vivido. Segundo Bosi (2010, p. 21): 81 Não há evocação sem uma inteligência do presente, um homem são sabe o que ele é se não for capaz de sair das determinações atuais. Acurada reflexão pode preceder e acompanhar a evocação. Uma lembrança é um diamante bruto que precisa ser lapidado pelo espírito. Num estudo feito por Park (2000), na cidade de Jarinu, Estado de São Paulo, sobre a formação do professor pesquisador, foram desencadeados trabalhos onde crianças da Educação Infantil e turmas de Suplência envolvendo adultos se aproximaram para trabalho conjunto: a socialização da história do bairro onde estava a escola. Foi percebido que o aluno de Supletivo tinha considerável mudança em sua autoestima, decorrente de ter seus saberes, valorizados. A metodologia empregada por Park foi a História Oral. Durante a realização desse trabalho, foi percebido que, cumpre papel importante no desencadeamento das memórias, os objetos e imagens, como fotografias. Este acervo, nas palavras de Margareth Park, são “muletas da memória”, isto por elas terem o poder de suscitarem lembranças. Sendo objetos que tiveram algum sentido na vida das pessoas, estas revelam, complementam, arrebanham informações ao que a autora chamou de “memórias-história”.Nessa metodologia de resgate de memórias há sempre a requalificação da autoestima, que no caso dos mais velhos, os reconduz a função social de portadores privilegiados da memória. Ao expressarem suas memórias estas deixam de ser individuais para serem coletivas e públicas. Assim, a História Oral é uma história construída em torno de pessoas. Ela lança a vida para dentro da própria história e isso alarga seu campo de ação. Admite heróis vindos, são só dentre os líderes, mas dentre a maioria desconhecida do povo. Estimula professores e alunos a se tornarem companheiros de trabalho (PARK, 2000, p. 20-21). Partindo desta experiência, recorro a Bakhtin (1992) para tentar dimensionar a riqueza posta pelo encontro de pessoas que se observam num coletivo. Para este autor, a contemplação de outro homem não é coincidente com as descrições feitas pelo próprio homem observado. Ao observar é possível alçar o olhar para o que é inacessível a este homem. É possível reduzir a diferença dos horizontes do olhar, entre o homem que observa e o que é observado, porém, esta não se elimina. O lugar que cada pessoa ocupa no mundo condiciona sua visão e o conhecimento que se tem do outro. Deste modo: Devo identificar-me com o outro e ver o mundo através de seu sistema de valores, tal como ele o vê; devo colocar-me em seu lugar, e depois, de volta ao meu lugar, completar 82 seu horizonte com tudo o que se descobre do lugar que ocupo, fora dele, devo emoldurálo, criar-lhe um ambiente que o acabe, mediante o excedente de minha visão, de meu saber, de meu desejo e de meu sentimento (BAKHTIN, 1992, p. 45). Sobre as múltiplas formas de perceber uma imagem, o antropólogo Etienne Samain, (2003), expôs que as vivências da infância oferecem um cabedal de possibilidades e memórias diante das imagens vindas de fotografias: Se ela nos dá algo de concreto para ver, essa imagem, sobretudo, engaja nosso pensamento num complexo processo imaginário no qual se torna rapidamente difícil separar aquilo que deve ainda pertencer à realidade e aquilo que já se tornou sonho ou, simplesmente, ficção (SAMAIN, 2003, p. 50). Os cinco sentidos, não apenas a visão, coadunam-se para “leituras” que sempre são plurais, múltiplas, aquecidas pelas intencionalidades e pelo imaginário dos infinitos espectadores que tornam a imagem inundada pelo mundo que cada um habita e pelo mundo que nos habita. Em minhas aulas pude verificar, que através de depoimentos orais, narrativas iam se formulando e ganhando corpo discursivo, espelhando e revelando aspectos particulares de cada contador: regionalismos, geografias de lugares longínquos, valores, conhecimentos adquiridos, relações temporais, pensamentos cristalizados, ritmo da linguagem, timbre das palavras, emoções... Sobre a memória, Simson (apud PARK, 2000, p. 10) coloca que memória não é sonho, mas trabalho e que “a experiência de relembrar em conjunto, isto é, o ato de compartilhar a memória, é um trabalho que constrói sólidas pontes de relacionamento entre os indivíduos – porque alicerçadas numa bagagem cultural comum – e que, talvez por isso, conduza à ação”. Postas na arena, como numa assembleia o passo seguinte de minha aula junto a jovens e adultos, seria a escolha da história, que viraria o texto, escrito na lousa. Para chegar a esta única história, era realizada uma eleição e a história mais votada seria a escrita na lousa (em letra de forma maiúscula). Cada parágrafo era novamente citado e grafado na lousa. Esta história, que tinha uma constituição de poucos parágrafos era novamente lida e solicitada aos presentes que criassem um título para a narrativa. Os títulos sugeridos eram todos escritos num canto da lousa para nova eleição. Feita a escolha do titulo, este era reconduzido ao 83 lugar de destaque reservado a ele, anterior à narrativa. Agora a história estava pronta para ser lida. Após todos copiarem a história ou parte dela, o próximo passo seria vivê-la, encarná-la e, para isso, alunos eram convidados a encená-la. Na essência, a história se manteria a mesma, mas detalhes poderiam ser acrescidos ou a narrativa poderia ser modificada de modo que contemplasse seu autor. O cenário onde ocorreu a história era preparado, com o que estivesse disponível, sob orientação atenta de seu autor. O que era até então, uma subjetividade, um texto narrativo, ganhava contornos com os personagens e permitia ao contador da história, vê-la novamente acontecer: pelo texto narrado, escrito, lido e agora revivido. Nesse momento, aquela vivência distante estava de novo viva, frente a seus olhos e, como num encanto, ele poderia interferir no curso desta história, modificando-a. Queiroz (apud PARK, 2000, p. 19) salienta que o relato oral está “na base da obtenção de toda a sorte de informações e antecede a outras técnicas de obtenção e conservação do saber; a palavra parece ter sido, se não a primeira, pelo menos uma das mais antigas técnicas utilizadas para tal. Desenho e escrita lhe sucederam”. A generosidade de conceder a experiência de partilha era percebida por todos que opinavam, faziam considerações, problematizavam o contexto, conheciam um pouco mais do autor ou se reconheciam nesta história, ficando a imagem/objeto apenas como uma “chama” que lançava luzes aos submundos de cada participante. Para completar o jogo e cumprir o papel pedagógico de minha atuação enquanto professora, o exercício seguinte era de retirar uma palavra-chave do texto que, agora ressignificada pelo grupo, estava “encharcada” de subjetividades e oferecê-la para novas descobertas, através da silabação, isto é, fornecer matrizes para o “nascedouro” de novas palavras. De forma lúdica e mágica, outras palavras ensaiavam surgir, dançavam tomando lugares diferentes, cantavam com sua fonética, criativamente eram formuladas por alguém do grupo ou vários colegas ressoavam suas sílabas. Com isso, vocabulários eram convocados, sentidos, conhecidos ou não, eram suscitados, palavras de passagens anteriores à sala de aula, por onde estes alunos-viajantes já estiveram, transitavam entre os presentes, e eu, professora, muitas vezes tinha que pedir explicação aos alunos destas novas palavras. 84 Para mim, ficava a inquietação: qual jogo foi mais importante de ser vivido? Aquilo que alcançava a subjetividade, a autoria, a singularidade de cada aluno, ou seria a apreensão de aspectos do código escrito através do lúdico, do desafio? Ficava a dúvida de qual jogo o aluno melhor reconheceu jogar, ou jogando, ficou impregnado em si algo maior que uma aula, ou para além da combinação de sílabas. A aula era preenchida por vozes, num diálogo constante, passava rápido, esqueciam-se da hora... Sobre acolher a oralidade, Park (2000, p. 33) coloca que: A contraposição assumida pela escola entre a oralidade e a escrita contribui para distanciar os alunos que possuem pouco contato com o universo da escrita. Vincula-se, com muita propriedade, a oralidade ao rural, ao atraso, à ignorância, elegendo a sacralidade da escrita como aspiração máxima. Pensamos que alfabetizar tendo pontos de partida sem desqualificações culturais pode ser um bom começo. Ficava a dúvida de que agora, conhecendo a possibilidade de ter o repertório de vida como aliado na aprendizagem da leitura e da escrita, se este aluno solicitaria este tipo de metodologia para as aulas futuras. Haveria mudado algo com esta experiência? O que havia mudado? A aquisição de letras, palavras? Um novo sentido de estar na vida? Algum direcionamento para melhor se assumirem como cidadãos? Estariam os alunos mais fortalecidos? Sentiam-se mais humanizados? Mas... o que são histórias? Seriam passagens que vem ao pensamento, que estavam guardadas n’algum lugar? Narrativas que “esbarram” em outras histórias/lembranças fazem “engates”, se replicam, se complicam, se bastam? Para Benjamin, o cerzido composto pelas narrativas traz a marca do narrador: A narrativa, que durante tanto tempo floresceu num meio de artesão - no campo, no mar e na cidade -, é ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal de comunicação. Ela não está interessada em transmitir o "puro em si" da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso (BENJAMIN, 1994, p. 205). Histórias vividas, inventadas, sem um enredo previamente conhecido ou óbvio. Personagens distantes, lugares não visitados pelos parceiros de classe. Histórias carregadas de materialidades, da vida vivida, da emoção de seus contadores/narradores. 85 Para Benjamin (Op.cit), narrativas são pretextos para ensimesmar-se nas experiências ou contar das experiências de outrem, que, ao ouvi-las serão parte agora, das experiências dos ouvintes. Histórias distantes dos livros. Histórias do povo, que falam da luta diária pela vida, dos prazeres comuns, da natureza, histórias com marcas da infância, das percepções de mundo. Histórias, pensamentos delineados... Aquilo que se conta de algo que aconteceu, não volta mais. Ou, só volta quando evocado novamente, então, a história torna-se viva, no momento presente. Larossa (1999, p.64) considera que: “O vivido só se torna recordação na lei da narração que é, por sua vez, a lei de sua leitura. E aí se torna outra vez vivo, aberto, produtivo. A memória que lê e que conta é a memória em que o era uma vez converte-se em um começa!” (grifos do autor). A palavra circulante, que ocupa faces diferentes durante a aula, se expressa completandose por gestos e emoções. A palavra que toma parte da aula é partilhada, compartilhada, ensaiada, é comum a todos, está presente, se faz linguagem, une a todos enquanto comunicação. Todos têm a palavra como mediadora das lembranças suscitadas pelo objeto e a palavra que vem à boca é aquela que habita o pensamento. Uma provocação basta para que pares de olhos, num primeiro momento, adquiram um olhar que não é o de quem olha o que está ao redor, mas de quem percorre caminhos profundos escondidos atrás de aparências. Aos poucos, as palavras chegam numa ânsia de compartilhar momentos idos, vividos, geralmente em lugares e em situações distintos dos que vivem hoje (SOUZA, 2000, p. 47). Ao voltar ao passado retomam-se elementos que constituíram o sujeito, alguns sem tanta clareza, mas agora mediatizadas pelo olhar mais vivido, com a clareza do adulto, percebe-se nuances até então, não definidas. Nas palavras de Larossa: O aprender pela leitura não é a transmissão do que existe para saber, do que existe para pensar, do que existe para responder, do que existe para dizer ou do que existe para fazer, mas sim a co-(i)mplicação cúmplice no aprender daqueles que se encontram no comum. E o comum não é outra coisa que aquilo que se dá a pensar para que seja pensado de muitas maneiras, aquilo que se dá a perguntar para que seja perguntado de muitas maneiras e aquilo que se dá a dizer para que seja dito de muitas maneiras (LAROSSA, 1999, p. 143). 86 Na cumplicidade, na amizade, o sentido do ensino voltado ao adulto se consolida. São pessoas com histórias cruzadas de vida, todos tiveram processos díspares de inserção no mundo. Professora e alunos, os papéis se confundem, o texto de um reaviva os textos de outros, reconhecimento que, se da grafia das letras estas pessoas estiveram longe, da vida com certeza são os professores. Encontros e descobertas... E o silêncio sendo preenchido por falas, vozes carregadas de emoções, lembranças, e em um instante se transforma em espanto, euforia, risos, e descobertas de se sentirem tão próximos, em um deixar-se abandonar pela rigidez do tempo cronológico “(SOUZA, 2000, p. 47-48) Em minha experiência docente, ficava uma mescla de emoções “por demais” boas que mal cabiam em meu peito. As histórias continuavam presentes em mim, em meus pensamentos, achava-as ricas em humanidade. Contando o que acontecia em minhas aulas e o que ficava em mim, resolvi seguir o conselho de registrar as histórias. Fiz isso algumas vezes, mas naquele tempo não via o sentido em guardá-las, afinal elas haviam cumprido sentido no momento que foram vividas... Como a realidade é múltipla, um mesmo objeto/imagem oferecido a outros leitores, produziam novas significações e geravam histórias originais. Os alunos a quem lecionei tinham em comum a vivência do trabalho, relações familiares de respeito e submissão, as lembranças de outras terras, valores fortes na fé cristã, vivências de uma escola almejada, mas não alcançada, ou abandonada frente ao insucesso ou apelo ao trabalho, vidas pobres cerceadas por dificuldades, percepção de uma sociedade de classes, muitos deles migraram de comunidades rurais rumo a oportunidades ainda não encontradas em sua terra natal. Gravuras, objetos, desenhos coletivos eram os “disparadores” da memória que, através de analogias ou em relação direta com o elemento novo inserido no contexto da sala de aula, tornavam os alunos narradores de histórias suas ou de historias nascidas da voz de sua imaginação. Histórias têm amplo espaço na sala de aula, uma vez que a tradição oral destes alunos-viajantes, trabalhadores, pessoas “vividas”, mantém-se forte e ávida, pois outro meio de contá-las este grupo ainda não havia experimentado. [...] as experiências pessoais partilhadas vão tomando corpo na criação de um texto que agora já não é mais pessoal mas elaborado, fruto de representações dos participantes, adquirindo uma ressignificação, uma criação que mescla fatos da memória de quem os 87 viveu, mais elementos da imaginação de quem conta, aliados a manifestações e interpretações de quem ouve (SOUZA, 2000, p. 49) Esta experiência docente trouxe profundas mudanças em meu modo de trabalhar, de perceber meus alunos, comprometendo também minhas significações sobre a corporeificação das palavras, o quanto elas nos diz de quem as pronuncia, ao poder delas em transitar por novos testemunhos de vida, modificando trajetos e sendo a leitura de mundo anterior à leitura de códigos linguísticos. A palavra demonstrou seu poder em instigar curiosidades, desequilibrar certezas, paradigmas, abrir novos patamares dos saberes. A palavra trocava de mãos e vozes, circulava pela sala. Pela palavra, aguçava-se a curiosidade que disparava a imaginação, o “como se”, os jogos dramáticos vividos na aula e, porque não dizer, na vida. Nas palavras de Freire, encontro o sentido do que a curiosidade permite ao ser vivida: O exercício da curiosidade convoca a imaginação, a intuição, as emoções, a capacidade de conjecturar, de comparar, na busca da perfilização do objeto ou do achado de sua razão de ser. (...) Satisfeita uma curiosidade, a capacidade de inquietar-me e buscar continua em pé. Não haveria existência humana sem a abertura de nosso ser ao mundo, sem a transitividade de nossa consciência (FREIRE, 1997, p. 98, grifos do autor). As aulas representaram um momento múltiplo: ao mesmo tempo em que as lembranças eram suscitadas, textos orais afloravam, se entrecruzavam. Da tessitura de vozes, um texto escrito era produzido, lido, ganhava título e era visualizado em cenas, tendo ou não, o contador uma participação, enquanto protagonista. Novas lembranças, comentários sobre o vivido (a ação dramática) eram feitos e uma palavra-chave era extraída para construções de novas palavras. Foi uma experiência rica em humanidade, em viagens por lugares distantes, a realidades incomuns à cidade de Campinas, em intervenções no mundo, com opções que marcaram historicamente cada um de nós, os que viveram dramaticamente a cena, os que foram plateia, e os que reviveram suas narrativas. Aquilo que tocou o coração é digno de ser retido na memória. Por isso que falar ‘de cor’ ou ‘ de memória’ é falar do que está impresso no corpo – e, evidentemente, isso não se refere apenas ao que foi positivo, mas também a que foi negativo. Enfim, de maneira mais ampla, a busca de sentido é a busca do ser humano, daí a curiosidade, a inquietude, as angústias, as (in) satisfações, as disposições para... (FERNANDES, 2000, p. 77). 88 Sobre a atuação dos alunos nas histórias, havia respeito pela ação dramática produzida. Os personagens brotavam em meio ao enredo socializado. Rostos, mãos, gestos, eram personificados e ao reviverem a memória, matizes de um passado eram discutidos. Trazer para o presente as vivências, aquecê-las com palavras, corpos, assenhorear-se do poder das palavras, do destino, da condução, ritmo, dos sentimentos latentes, modificá-los, olhar de fora, vencer o medo, a solidão, possibilidades permitidas, ao que a pedagoga Maria Alicia Romaña cunhou de: Psicodrama Pedagógico, e que foi possível utilizar como um recurso metodológico aliado à alfabetização de jovens e adultos. Maria Alicia Romaña, psicodramatista argentina, ao formular o Psicodrama Pedagógico como metodologia, apostou numa utilização que auxiliasse na aprendizagem do aluno, na qual a visão do professor estivesse mais apurada às necessidades deste: [...] acreditamos que o educador é aquele mestre, professor, assistente, orientador, instrutor, que, em qualquer tarefa educativa, procura conciliar a transmissão de conhecimentos sistemáticos – para uma melhor compreensão do mundo e das possibilidades e limitações do homem – com a necessidade de facilitar ao aluno o reconhecimento dessa sua realidade imediata e concreta, de modo que ele possa desenvolver tanto a sua compreensão crítica e ativa, como sua vontade transformadora (ROMAÑA, 1985, p.15). Assim, através de uma metodológica didática ativa, o aluno é convidado a ser partícipe de sua aprendizagem, isto porque a compreensão de novos conhecimentos e conceitos são por eles transformados em atuações significativas. As imagens produzidas nas interações do coletivo de alunos são elementos duradouros que auxiliam na apreensão do conteúdo estudado. Os alunos habituados a este recurso, para além da aprendizagem do conhecimento formal, desenvolvem uma maior coesão grupal, solidariedade entre os pares, espontaneidade na atuação dramática. A aquisição de um conhecimento que inclua a expressão corporal e a afetividade, persevera Romaña (1985), estará sempre à memória daqueles que participaram reiteradamente deste processo. Sobre a condição de reviver e reinventar, o Psicodrama “desafia convenções, bem como costumes e valores que norteiam a convivência humana estruturada e estabelecida” (ROMAÑA, 1985, p. 16), desta forma permite a criação ou a restauração do poder criador, a configuração de 89 conflitos subjacentes às cenas trazidas do passado e vividas no presente, ao dialogo coletivo da plateia com os personagens. Não se trata de mobilizar uma técnica, tal como adverte Aguiar (1988 p.15-16): O maior equívoco que alguém poderia cometer a respeito do Psicodrama seria, talvez, tomar esse instrumento tão abrangente e considerá-lo como um mero conjunto de técnicas, aplicáveis aqui e ali, ao sabor das escolhas que se podem fazer dentro de um hipotético elenco de recursos comunicacionais. Quando num intuito mais terapêutico do que pedagógico, verifica-se que em situações de psicoterapia, o Psicodrama traz uma maior consciência do sujeito das condições postas em circunstâncias de fragilidade e das mobilizações internas que concorreram para respostas não assertivas frente à vida. Nesses casos: A problemática pessoal é levada ao palco e se faz espetáculo. A pessoa que está vivendo as dificuldades na vida real é a mesma que vai, em carne e osso, expor-se ante a comunidade. E é só na medida em que faz isso que tem a possibilidade de se encontrar com os outros, descobrindo que não está só, que não precisa cobrir-se de saco e cinzas, porque o que se considera como seu desajuste é efetiva e inegavelmente seu, mas pertence também aos demais, que a complementam e sustentam (AGUIAR, 1988, p. 26-27). A socialização de peculiaridades pertencentes aos limites individuais acessa, em cada membro do coletivo, fluxos de co-criação e liberdade, assim “entrar em contato com esse mundo fantástico, permitindo-se vivê-lo intensamente, por alguns instantes que seja, tem um efeito revitalizador, pela descoberta de novas possibilidades e pelo próprio re-experienciar da sensação de ser livre” (AGUIAR, 1988, p.53). A ação e o diálogo sempre estiveram presentes nas intervenções de Moreno, que entendia que o “homem de ação, não poderia limitar-se somente a especular sobre ideias, conceitos em si, teria que experimentá-los, atuá-los, realizá-los” (FONSECA FILHO, 1980, p.6). Desta forma, o Psicodrama constitui-se um diálogo vivo. 90 2. 2-Em cena os teóricos conclamados nesta pesquisa Na realização deste estudo, de forma enfática, Paulo Freire e Jacob Levy Moreno forneceram através de seus legados, sustentação teórica e, no exercício profissional sustentação à prática desenvolvida. Com convergências maiores que as divergências em relação às concepções de homem, mundo, ação, suas trajetórias deixaram marcas para que diversos profissionais encontrassem “chaves” para a realização de seu trabalho de forma contundente. 2.2.1-Educação para a Liberdade, para a Emancipação, para a Transformação Social: Heranças de Paulo Freire O educador Paulo Reglus Neves Freire nasceu em Recife (PE) em 19 de setembro de 1921. Era o quarto filho do militar Joaquim Temístocles Freire e da dona de casa Edeltrudes Neves Freire. Sua experiência pessoal com alfabetização se deu de forma afetiva junto à sua família, pois: “Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo, não do mundo maior de meus pais. O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz” (VALE et al., 2005, p. 10). No Grupo Escolar, a primeira professora, Eunice Vasconcelos, era muito amorosa com os alunos, o que foi um importante elemento que mais tarde integrou suas teorias. A crise de 1929 fez com que a família Freire mudasse para Jaboatão dos Guararapes (PE), onde da mesma maneira, continuaram a sofrer com dificuldades financeiras. Aos 13 anos Paulo Freire perdeu seu pai e teve que abandonar a escola. Apoiado pelos irmãos mais velhos e, com auxílio de uma Bolsa de Estudos que sua mãe conseguiu, retoma os estudos no Colégio Oswaldo Cruz, em Recife (PE), sob a condição de ser um bom aluno. Lá, em meio a pessoas de posse, percebe as diferenças entre ricos e pobres. Ao concluir seus estudos foi professor de Língua Portuguesa neste mesmo colégio. Conheceu, numa aula particular de sintaxe, Elza Maia Costa de Oliveira, professora primária, com quem se casou em 1944. Deste casamento nasceram cinco filhos: Maria Madalena, Maria Cristina, Maria de Fátima, Joaquim e Lutgardes. 91 Elza teve grande influência no desenvolvimento das ideias e práticas de Paulo Freire. Em 1947, Freire se forma em Direito, porém abandona essa profissão. A convite de um amigo, passa a trabalhar no SESI (Serviço Social da Indústria) na Divisão de Educação e Cultura de 1947 a 1957. Em 1953, Freire e Ariano Suassuna desenvolvem, junto a operários no SESI, um teatro popular, como: (...) canal de conscientização, de leitura do mundo e comunicação entre palco e plateia, plateia e palco, sob a mediação de um coordenador de debates, na figura de um personagem fantástico ou mítico, cuja função seria a de precipitar comentários e diálogos com a plateia. Nessa experiência, o teatro foi linguagem artística fundamental aplicada à educação (VALE et al., 2005, p. 20). Augusto Boal, seguindo as ideias de Paulo Freire, cria o Teatro do Oprimido, “que reúne exercícios, jogos e técnicas teatrais pela desmecanização física e intelectual dos que o praticam” (VALE et al., 2005, p. 20). Neste teatro, os oprimidos são encorajados pelos atores e espectadores, em comunicação direta e propositiva, a lutarem por sua libertação. Paulo Freire, (VALE et al., 2005) no inicio dos anos de 1960 propõe um novo método para a alfabetização de adultos que não fosse uma mera adaptação de cartilhas infantis. Propôs que as palavras trabalhadas fossem pesquisadas no universo dos educandos e suscitassem temas geradores, ou seja, temas sociais. A recolha de palavras significativas era formalizada nos círculos de cultura, isto é, momentos nos quais se discutiam as questões sociais e regionais ligadas ao grupo de adultos (BRANDÃO, 1989). O momento pedagógico se converte para Paulo Freire numa práxis social onde o mundo deve ser apreendido pelo povo. Este mundo se apresenta como algo aberto, transformado pela ação dos homens (JANNUZZI, 1983). A alfabetização de adulto, para Freire (1978), como a educação em geral, não pode superpor-se à prática social que se dá numa certa sociedade, mas, ao contrário, deve emergir desta prática, enquanto uma de suas dimensões. Assim, A alfabetização parte do texto-contexto ou “tema-gerador”. Este gera debates, pesquisa, leitura e escritas de novos textos relacionados e atividades de outras áreas do conhecimento. Do texto, são selecionadas as palavras e estas analisadas em suas partes menores. Leituras e escritas do mundo e da palavra se sucedem (VALE et al., 2005, p. 23). 92 Em 1963, através da disseminação das experiências educativas em Angicos (RN), Paulo Freire foi convidado pelo ministro da Educação Paulo de Tarso C. Santos para coordenar o Programa Nacional de Alfabetização. O objetivo era alfabetizar cinco milhões de brasileiros com os Círculos de Cultura. No entanto, o Programa Nacional de Alfabetização, oficializado em 21 de janeiro de 1964, foi extinto em 14 de abril do mesmo ano, devido às novas orientações provenientes do Golpe Militar de 31 de março de 1964 (VALE et al., 2005). Em 16 de junho de 1964 Paulo Freire é preso, acusado de subversão. Seu método de alfabetização para adultos “foi considerado uma ameaça ao sistema, pois, buscava a conscientização, o protagonismo político e a transformação de cada alfabetizando em sujeito de sua própria aprendizagem e de sua história” (VALE et al., 2005, p. 30). Mesmo exilado em outros países, Paulo Freire continuou seu trabalho que, em relação à alfabetização de adultos, produziu novas vivências (como no Chile, México, Estados Unidos, Genebra, Guiné-Bissau) e escreveu novos livros. Seus trabalhos chegaram a diversos países, sendo que entre os países ainda não citados estão: Peru, Equador, Uruguai, Argentina, e vários países da África. Paulo Freire é o educador brasileiro mais conhecido e homenageado mundialmente, cedendo seu nome a muitas instituições ligadas à educação (VALE et al., 2005). Após a Anistia (Lei nº 6.683, de 28/08/1979) Paulo Freire retorna ao Brasil em 1979. Em 1980 assume novos desafios, como a docência em universidades e a Secretaria Municipal da Educação de São Paulo. Continua a escrever até sua morte em 02/05/1997, aos 75 anos. Como legado Freire, deixa inúmeras reflexões sobre a educação, onde educador e educandos estão num mesmo limiar de igualdade, “ambos sujeitos, superando a posição tradicional em que há atuação do educador, sujeito, sobre um objeto, o educando” (JANNUZZI, 1983, p. 26). Ambos são seres inacabados, deste modo não há alguém plenamente formado, pronto, que não precisa continuar ainda a aprender. Para operar o desenvolvimento há duas condições sine qua non, que são: o movimento de busca e a expansão da criatividade. Através da educação enquanto práxis social há a “libertação de todos os homens da opressão” (JANNUZZI, 1983, p. 31). Deste modo, segue a autora: Paulo Freire acredita que só é possível transformação no sentido do desenvolvimento se houver engajamento do oprimido; e vai além, pois afirma que só o oprimido pode libertarse a si mesmo, porque ninguém melhor do que ele entende o significado terrível da opressão e, portanto, a necessidade de libertação (JANNUZZI, 1983, p. 34-35). 93 Para a consecução dos objetivos voltados à educação, Paulo Freire se vale de um método de alfabetização, por ele denominado de dialógico e eclético, ou seja, textos elaborados com a colaboração dos alfabetizandos são utilizados. Assim, seu método de alfabetização (VALE et al., 2005) se compõe da sincrese (visão inicial e atual do contexto), da análise (estudo, discussão e detalhamento do tema) e da síntese (visão mais aprofundada do tema). Além dos processos de análise e síntese, alia-se ao método a “problematização da situação existencial em que vive o alfabetizado” (JANNUZZI, 1983, p. 35). Para Freire: O diálogo é o encontro amoroso, logo, não guerreiro, não polêmico, não feito para a dominação, para a conquista. É o encontro de homens que se amam, e por isso querem transformar o mundo num mundo mais humano. É um encontro humilde, onde todos sentem-se iguais; no lugar do encontro não existe ninguém com o saber absoluto e ninguém absolutamente ignorante, mas homens que procuram compreender melhor a realidade para transformá-la (JANNUZZI, 1983, p. 37). É pautado no diálogo que a educação ocorre, porque para Paulo Freire educação é conscientização, práxis social, é a reflexão sobre a realidade em que se vive. [...] se a opção do educador é revolucionária e se sua prática é coerente com sua opção, alfabetização de adultos, como ato de conhecimento, tem no alfabetizando, um dos sujeitos deste ato. Desta forma, o que se coloca a tal educador é a procura dos melhores caminhos, das melhores ajudas que possibilitem o conhecimento no processo de alfabetização. O educador deve ser um inventor e um reinventor constante desses meios e desses caminhos com os quais facilite mais e mais a problematização do objeto a ser desvelado e finalmente apreendido pelos educandos (FREIRE, 1978, p. 13). Há estados da consciência que limitam ou exarcebam o olhar do homem. A consciência ingênua constitui um olhar para as aparências mais óbvias, sem aprofundamento na interpretação dos fatos. Tomam-se compreensões mágicas para o entendimento da realidade, que é percebida como estática. Já a consciência crítica (FREIRE, 1983), não se satisfaz com as primeiras impressões, não se apega a preconceitos, procura explicações orientados por princípios autênticos de causalidade, não aceita posições quietistas, ama o diálogo e se nutre dele. Paulo Freire (1976) adverte quanto ao uso de cartilhas (BONAZZI; ECO, 1972; NOSELLA, 1981), por melhor que sejam, pois depositam textos nos educandos, limitando seu poder de expressão, de criatividade, e podem ser instrumentos domesticadores, para ele: 94 [...] tanto as palavras quanto os textos das cartilhas nada têm que ver com a experiência existencial dos alfabetizandos. E quando o têm, se esgota esta relação ao ser expressada de maneira paternalista, do que resulta serem tratados os adultos de uma forma que não ousamos sequer chamar de infantil. Este modo de tratar os adultos analfabetos implica uma deformada maneira de vê-los – como se eles fossem totalmente diferentes dos demais. Não se lhes reconhece a experiência existencial bem como o acúmulo de conhecimentos que estas experiências lhes deu e continua dando (FREIRE, 1976, p. 14). Paulo Freire defende que o material de leitura dos educandos deve emergir de suas vozes e convertidos em textos que retornam a eles para análises. Esta legitimação de textos se dá quando acreditamos nos educandos e em nossa prática com eles, pois, igualmente, nos tornaremos educandos (FREIRE, 1976). Os textos que vem de livros didáticos distantes dos alunos e de sua realidade trazem condicionamentos sociais que reduzem a realidade a um modelo único, não passível de modificação, neste sentido, é imperativo relembrar as palavras de Freire: A realidade social, objetiva, que não existe por acaso, mas como produto da ação dos homens, também não se transforma por acaso. Se os homens são os produtos desta realidade e se esta, na “invasão da práxis”, se volta sobre eles e os condiciona, transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens (FREIRE, 1976, p. 39). Verifica-se que o humanista Paulo Freire, procurou imprimir em sua prática e obra, referências para a realização de um trabalho consistente tendo, a reflexão e a ação, como princípios para que a educação fosse menos alienante e calcada em concepções que tivessem compromisso com o homem e a transformação social. 2.2.1.1- Sujeito epistemológico para Paulo Freire O homem, para Paulo Freire está no mundo e com o mundo. Ele capta a realidade e a faz objeto de seus conhecimentos. O homem preenche de cultura os espaços geográficos e históricos. Por cultura se entende “tudo que é criado pelo homem. Tanto uma poesia como uma frase de saudação. A cultura consiste em recriar e não em repetir” (FREIRE, 1983, p. 30-31). O homem é um ser de relações, de pluralidade nas vivências as quais é instigado a responder. O homem “descobre que não só está na realidade, mas também que está com ela. 95 Realidade que é objetiva, independente dele, possível de ser reconhecida e com a qual se relaciona” (FREIRE, 1983, p. 62). A realidade social é transformável pela ação dos homens. Ao refletirem e atuarem os homens são capazes de perceber os condicionamentos presentes. Assim, a realidade feita pelos homens pode ser modificada. A realidade “não é algo intocável, um fado, uma sina” onde o único caminho é a acomodação (FREIRE, 1976, p. 38). Deste modo, homem e mulheres são percebidos por Freire como protagonistas que têm nas mãos a possibilidade de modificar a realidade, para além dos condicionamentos sociais, quando se percebem como seres históricos e políticos. 2.2.2-Papéis, encontro, espontaneidade... Psicodrama: Heranças de Moreno Jacob Levy Moreno, (1889 – 1974) era Romeno e o primeiro filho do casal Moreno Nissim Levy e Paulina Iancu. Criador da Socionomia (do latim sociu que equivale a companheiro, grupo e do grego nomos equivalente a regra, lei, ou seja, estudo das leis que regem o comportamento social e grupal), conhecida popularmente como Psicodrama. O Psicodrama nasce do teatro (AGUIAR, 1988), mas não da arte cênica comumente conhecida, mas da relação entre teatro e vida: o teatro espontâneo. Para Widlöcher (1970), psicodrama é o conjunto de técnicas que procura desvelar ao protagonista e ao grupo aspectos da vida psíquica repudiados, dissimulados, não assumidos. Para Moreno, o homem é um ser social, apto à convivência que, ao nascer, necessita dos demais para sobreviver (GONÇALVES et al., 1988). Assim, o homem é um ser em relação com os demais, ou seja, estabelece interrelação entre as pessoas, o que constitui o eixo fundamental de sua teoria e objeto de sua investigação. A família de Moreno, diante de dificuldades em seu país natal, optou em mudar-se para Viena (Áustria) em 1895. Em 1904 sua família se transfere para Berlim e para Chemnitz no ano seguinte. Em 1909, Moreno retorna a Áustria e inicia os estudos na Universidade de Viena, em Filosofia e depois entra para a Medicina, que conclui em 1917. Em 1919, muda-se para Bad 96 Vöslau. Em 1925, emigra para os Estados Unidos, onde recebe o certificado para exercer medicina e permanece até os anos finais de sua vida (MARINEAU, 1992). Diante de tantas mudanças de países, foram muitas as adaptações que Moreno precisou realizar, incluindo a língua e a reorganização familiar. Nessa trajetória Moreno teve vários relacionamentos, sendo que a última companheira, Zerka Toeman, o acompanhou até sua morte. Destes relacionamentos Morenos teve dois filhos: Regina e Jonathan. As trajetórias realizadas, as exclusões, suas dores, proporcionaram a Moreno (FONSECA FILHO, 1980), inspiração para a proposição de instrumentos que pudessem auxiliar todos aqueles que estivessem sofrendo, como por exemplo: os doentes, as prostitutas, os refugiados, os prisioneiros, entre outros. Segundo Moreno, sua experiência com o psicodrama precedeu o psicodrama como método, sendo o seu primeiro paciente protagonista e, ao mesmo tempo, foi diretor da terapia psicodramática. Para Lima (2009), a obra moreniana apresenta métodos de intervenção que permitem investigar problemáticas sociais por meio de uma linguagem artística, criativa e analógica, fomentando a construção coletiva de estratégias que favoreçam a emancipação dos sujeitos em seus contextos de relações cotidianas. A ética e cidadania aliam-se na vivência de cenas que potencializam tanto a inclusão do individuo consigo mesmo, quanto deste individuo com seu grupo: No cenário psicodramático, tudo é atual. O passado é presente. O futuro também o é. O cenário psicodramático é sempre a perspectiva de um mundo novo, de um momento novo não vivido na vida do passado. Não importa somente a revelação da vivência passada. Importa mais o presente. A vivência do momento atual é um convite a uma comunicação humana transformadora; é a tentativa de “desintelectualizar” o ser humano para um contato mais verdadeiro, mais emocional, mais pessoal – o encontro (FONSECA FILHO, 1980, p. 7). Era notório o amor de Moreno pelas pessoas, segundo Cuschnir, (1997, p. 5), ele “[...] amava crianças, mais do que adultos; doentes mentais, mais do que pessoas sadias; e atores, mais do que intelectuais. Ele apreciava o jogo imaginativo infantil, os excessos do psicótico e a fome do ator para obter mais um papel”. Embora suas ideias fossem bastante avançadas para sua época, Moreno acreditava que, em tempos futuros, haveria maiores espaços para elas: “Com frequência, Moreno referiu-se ao 97 ano 2000, proclamando que, embora suas ideias pudessem ser prematuras para o século XX, o século seguinte seria seu” (MARINEAU, 1992, p. 162). [...] contrariando a racionalidade científica e hegemônica da modernidade, criou experimentos e produziu fragmentos teóricos, visando criar uma nova ordem cultural. Concebeu o homem como criador. A espontaneidade-criadora potencializada por meio do Encontro (relação eu-tu) implicado no encaminhamento e qualidade das relações sociais. Sua metáfora, Deus (LIMA, 2009, p. 4). O século XX representava para Moreno o apogeu das máquinas. As máquinas eram o símbolo do maior perigo que a humanidade enfrentava no século XX: o de que nós próprios nos tornaríamos robôs incapazes de desenvolver formas novas e adequadas de vivermos uns com os outros (CUSCHNIR, 1997). Em depoimento, Jonathan D. Moreno, fala sobre a obra de seu pai: Não existe nenhum estudo completo sobre o relacionamento das ideias de Moreno com as dos seus contemporâneos em Viena e arredores. Entretanto suas preocupações teológicas, científicas, existenciais e teatrais têm eco no trabalho de muitos outros. Pode-se dizer que elas representam as linhas principais da cultura ocidental no século XX (CUSCHNIR, 1997, p. 20). Precursor, idealista, transgressor, seriam adjetivos que caberiam na descrição de Moreno. Para alguns autores (CUSCHNIR, 1997; MARINEAU, 1992), em tempos distantes Moreno poderia ter se transformado num profeta religioso, mas nascendo em tempos atuais, coube ser reconhecido como cientista. Ele procurou tratar espíritos enfraquecidos, restaurando vidas já destituídas de sentido e restituindo àqueles que haviam perdido seus sonhos a vontade de sonhar de novo. “O que mais lhe doía era ver pessoas sem confiança em seu próprio poder criativo e sem a espontaneidade necessária para criá-lo. Para Moreno, onde há espontaneidade e criatividade, há, pelo menos, esperança” (CUSCHNIR, 1997, p. 5). O potencial criador, latente às pessoas, poderia emergir, mas as amarras da cristalização eram fortes forças concorrentes para esta livre expressão. Para Moreno, as instituições eram “conservas que restringiam a espontaneidade e a criatividade” (CUSCHNIR, 1997, p. 5). Deste modo, as ideias que habitam os pensamentos encontram no contexto da ação dramática espaço para sua expressão: 98 Fatos de ficção cientifica, da fantasia e do suceder emocional que tememos ou dos quais temos saudades podem ser vividamente experimentados num terreno imaginário criado como espaço para sua manifestação. Em outras palavras, a realidade suplementar é a realidade modificada, ampliada ou atenuada pela imaginação de alguém (MARINEAU, 1992, p. 168). À frente de seu tempo, visionário, Moreno buscou restituir às pessoas sua chama divina, através de nova ressignificação a episódios vividos ou criados, dando vazão às inquietações, potencializando a criatividade e permitindo uma nova recondução destas vivências a níveis satisfatórios para o protagonista. “Moreno não era um super-homem, um super-Deus, era um ser humano, um deus para quem o desafio era permanecer criador, deixando para o restante de nós a responsabilidade de sermos co-criadores do universo” (MARINEAU, 1992, p. 163). Nas palavras de Jonathan, filho de Moreno, (CUSCHNIR, 1997, p. 8): “A essência da história da vida de Moreno, [...] é a incessante perseguição de sua crença no potencial de todas as pessoas”. Originalmente, o Psicodrama tem o teatro como seu paradigma e, tal como numa peça teatral, o ator é seu principal protagonista (BUSTOS, E. N. et al, 1982; LIMA, 2009). No teatro convencional as personagens já estão previamente assumidas em suas características, em suas falas, ações. O ator, ao representar na ficção, busca assumir aquilo que prescreveram ao seu personagem: interpretar o vilão, o herói, o covarde, papéis cômicos... Espectadores e atores têm no teatro papéis distintos, enquanto os primeiros se calam os outros se expressam, assim nasce o espetáculo. “Mas a qualidade do espetáculo vai encontrar sua força no vínculo afetivo entre os que veem e os que são vistos. Se este vínculo se afrouxa, o espetáculo declina” (BOUR, 1974, p. 21). Para Moreno: No seu teatro de improviso, a alguns passos da Ópera de Viena, os espectadores não assistem: participam. Têm direito a subir à cena, nada se decide de antemão: o título da peça, a distribuição dos papéis nascem do momento. O empreendimento desenrola-se ao acaso. Na própria equipe que o segue, sobrevêm movimentações, mas o coordenador da representação tira então partido dessas dificuldades, descobrindo a ação libertadora do engajamento no papel: é o teatro que desemboca na vida. Nasce o psicodrama (BOUR, 1974, p. 23). O Teatro Espontâneo ou Teatro de Improviso empreendido por Moreno a partir de 1921 (NAFFAH NETO, 1979), rompia com o teatro tradicional, criando no momento presente seu texto, com caráter construtivo e criativo. “Do Teatro da Espontaneidade, que pretendia por fim 99 à repetição da conserva dramática [...] nasceu o Teatro Terapêutico, cujo desenvolvimento seguinte foi o Psicodrama” (NAFFAH NETO, 1979, p. 31, grifos do autor). Foi com o teatro da espontaneidade que Moreno percebe o valor terapêutico da dramatização, através da atuação da atriz Bárbara, que tem nas experiências cênicas, a oportunidade de rever posturas agressivas voltadas a seu marido (FONSECA FILHO, 1980). Deste modo, pessoas comuns e não mais artistas são focos de novas intervenções de Moreno, que, ao levá-las ao palco expõem angústias, podem revivê-las e modificar suas relações com estas memórias. Para Lima (2009), a participação dos sujeitos sociais, na busca da autoria de uma construção coletiva é ponto crucial dos conceitos transmitidos por Moreno. A ação dramática sustenta e fundamenta a metodologia sociopsicodramática, diferenciando-se de uma ação comum, linear: [...] a ação dramática além de objetivar o subjetivo, rompe a dicotomia indivíduo/grupo, eu/outro, público/privado. O particular pode ser contado, questionado, recriado, inventado e socializado dado às possibilidades da criação coletiva, do compartilhamento e da multiplicidade de identificações. Este processo ocorre em um contexto específico e protegido, criado e estabelecido no momento da dramatização – o contexto dramático, o palco, ou, ainda, o “como se”. Operacionalmente, a ação dramática é a possibilidade cênica de experimentação e criação de enredos e personagens no contexto dramático, assim, o “particular” é encenado e compartilhado, podendo ser revisto e modificado (LIMA, 2009, p. 7). As técnicas utilizadas nesta modalidade criada por Moreno, visando à reconstituição emocional de uma cena do passado no “aqui e agora” foram cunhadas por seu criador, sendo algumas delas: “a troca de papéis, a dublagem de um papel difícil de sustentar-se, a reprodução gestual à moda de espelho do comportamento de um indivíduo por um terapeuta (provocando uma tomada de consciência reflexiva)” (BOUR, 1974, p. 43, grifos do autor). Sobre a atuação de seus seguidores, Moreno disse a Bour que: “quanto mais nos orientamos rumo à descrição de nossas atividades, ao invés de colocar em primeiro plano as oposições teóricas, tanto mais chegaremos a nos conhecer de uma maneira melhor” (BOUR, 1974, p. 34). Nessa linha de pensamento, prossegue Bour, não existe um único psicodrama moreniano: “cada um anima a técnica do cerne de sua vida profunda e lhe dá a marca de sua formação psicológica, herdada de várias experiências e de inúmeras correntes” (Op.cit). 100 A coordenação do grupo no psicodrama, para este autor, é possível a um só tempo, ser participante e observador: [...] quando o objeto examinado é o homem, se o homem que observa não for ele mesmo também um participante, comete uma espécie de indiscrição, de exploração ou de anulação em relação ao outro, transformando-o em objeto, privado de sua dimensão ‘sujeito’, que não conservará senão quando a encontra em igualdade no observador (BOUR, 1974, p. 261, Grifos do autor). Concluindo, o homem, para o psicodrama não se constitui em objeto, sempre será sujeito. Se ele ainda não consegue exercer com toda sua força interior este papel, será pela libertação advinda do psicodrama que conseguirá segurar as “rédeas”, conduzir sua própria vida e ser mais feliz. 2.2.2.1-Sujeito epistemológico para Moreno Para Moreno, o eu é resultado do uso e desempenho dos papéis psicossomáticos, familiares, sociais e psicodramático (ROMAÑA, 1996). Não há prescrição ou mesmo previsibilidade deste eu, pois ele se resulta das interações, permeadas pelo pertencimento, pela inclusão: A inclusão é um movimento mais amplo, cuja potência é problematizar os critérios e as condições de pertencimento social que forjam processos de subjetivação e produção de identidades. Pautando-se na noção de alteridade, refuta-se a naturalização e a fixação de uma identidade prescrita, cujo padrão de desempenho intelectual e social delineia uma performance e/ou idealiza um sujeito previsível, (re)produtivo e normatizado (LIMA, 2009, p. 2). Ao nascer, a criança a passa de um mundo onde recebia passivamente os elementos para sua sobrevivência, para outro onde enfrenta uma nova experiência. Suas primeiras percepções tornam-se as primeiras referências para o desenvolvimento da matriz de identidade. Nesta construção a criança vive conquistas importantes: “a primeira, que seria a da identidade (do eu com o tu), do indivíduo com os objetos à sua volta; a segunda, a do reconhecimento do EU com sua peculiaridade como pessoa, e a terceira seria a do reconhecimento do TU, do conhecimento dos outros” (FONSECA FILHO, 1980, p. 16, grifos do autor) 101 Prossegue o autor, a matriz de identidade, é composta pelo grupo ao qual a criança depende e está inserida, tem papel relevante para sua socialização, e estará internalizada, favorecendo os “átomos sociais” dos quais integrará. Das contribuições proveniente de Moreno, Romaña (1996), destaca a tele, ou “fator tele” (FONSECA FILHO, 1980), ou seja, uma forma especial de percepção que envolve reciprocidade, não só pela atração, mas também pela repulsa, que desenvolve aos elementos da matriz de identidade e se amplia gradualmente para elementos externos durante sua vida. O homem é um ser vivo que ao nascer depende de outro humano para sobreviver. A criança tem nesse outro o apoio sem o qual pereceria. Ao receber alimento, ser aplacado seu medo e ser amada, a criança tem sua primeira vivência em relação ao outro que vive o papel de provedor. “Isto lhe permite ir conformando seu ego, desenvolver suas possibilidades, aprender por tentativa e erro, representar diferentes papéis e, fundamentalmente, marcar nele a matriz um vínculo, sobre a qual se adequarão todo os vínculos de sua vida” (CHUBURU, 1982, p. 109). Assim, a relação estabelecida entre a criança e o outro se nutre de sentidos e significados que são apreendidos e tecidos: [...] o homem é uma criação, é um texto, sujeito social, produzido/coproduzido, produtor/co-produtor em um sistema complexo de sentidos e significados. Papéis diversos em um movimento contínuo - atores/autores/co-autores/plateia (LIMA, 2009, p.6). Nesta relação de dependência entre a criança e o outro, e tendo como “chave” o amor, a alteridade, ou a dependência, tal como num jogo, a criança desenvolve a percepção de que se fizer o que o outro deseja, terá sempre sua proteção e amor. Com o cerceamento de gestos, de sentimentos, de movimentos, postos pelas convenções sociais, “encerramos nossa espontaneidade com grades fortes e somos vitoriosos indivíduos angustiados que marchamos com a conserva cultural sobre os ombros e que para saber quem somos recorremos à cédula de identidade” (CHUBURU, 1982, p. 110). Há uma paulatina dicotomia entre mente e corpo e uma progressiva dissociação entre pensamento, sentimento e ação. Na medida em que o vínculo entre mãe e filho permite a expansão da espontaneidade, é preservado o potencial criador deste novo ser, que tem a possibilidade de expressar seu mundo interno em diversas formas, de modo a abrir “caminho para a defesa mais positiva do homem: a sublimação” (CHUBURU, 1982, p. 111). 102 No entanto, quando há uma falha e o objetivo do encontro do homem consigo mesmo não foi alcançado, a psicoterapia pode ser buscada para cumprir o que não foi permitida pela educação. “A educação pode ser a melhor terapia, e a terapia é educação enquanto aprendizagem. Mas os contextos são diferentes” (CHUBURU, 1982, p. 111). Lima (2008, p. 105), corrobora o poder da educação na construção da identidade, posto que tais sinalizações apreendidas pelo sujeito serão partes constituintes de seu modo de perceber o mundo: Aprendemos como nos relacionar conforme as regras estabelecidas e os valores presentes em expectativas de comportamentos. Aprendemos, também, com quem nos relacionar, submetidos à seleção prévia e contínua dos sujeitos educacionais que interagem entre si. Pertencer ou não à escola, e a maneira como esse pertencimento é construído, encaminha um tipo de formação ética e cultural, tanto para os incluídos quanto para os excluídos. Pertencer ou não a determinado grupo social incide sobre a construção de identidade do sujeito social. Posto que a identidade se constrói em função das diferenciadas relações de pertença e não pertença, por meio do desempenho de papéis que comportam expectativas, sentidos e significados atribuídos. Com tantas facilidades de comunicação postas pela vida em sociedade, estas não garantem, no entanto, comunicação do homem consigo próprio. Moreno compartilhava que as palavras eram insuficientes para a comunicação humana e por isso desejava a ação (FONSECA FILHO, 1980). O psicodrama vem no auxilio da descoberta de cada um, desvelando-o como criador, para além de aprisionamentos postos pelos rótulos racionalistas, que levam a um “falar para nada dizer” (BOUR, 1974, p. 16). Para longe de extenuantes verborreias, a ação com o outro, dirige-se a um “reencontro vivido e de novo sentido do ‘outro’, naquilo que tem de único, e ‘dos outros’, naquilo que tem de universal” (BOUR, 1974, p. 16, grifos do autor): Se, no domínio consciente, tudo aquilo que nos ensina o humanismo clássico permanece válido, em particular a recomendação de refletir antes de agir..., aqui, nesta escola de espontaneidade, apta a nos tornar familiar o domínio inconsciente, é o ‘agir antes de refletir’ que [...] permite a tomada de consciência retrospectiva de nossas linhas de forças afetivas (BOUR,1974, p. 16). Não se trata do culto à linguagem pela linguagem, conforme Bour (1974, p. 237) “não se cura com as palavras”, mas palavras à ação. “Aniquilar-se para se encontrar no psicodrama não é apenas possível em alegoria mítica, em sonho ou em desejo, mas na realidade, desde o instante 103 em que aniquilar-se se transforma em abandonar-se ao outro na segurança e na confiança ilimitadas” (BOUR,1974, p. 281, grifos do autor). Moreno tinha como percepção que o homem possui uma infinidade de papéis presos a si, os quais não consegue realizar, por isso sofre angústia pelos papéis não vividos (FONSECA FILHO, 1980). Via em seu método esta possibilidade de aplacar a angústia com a experiência de novos papéis. 2.3- Estabelecendo relações teóricas entre Moreno e Paulo Freire Analisando o percurso pessoal e profissional deste dois grandes homens, percebe-se que as experiências vividas na infância tais como problemas financeiros da família, presença de núcleo familiar forte, mudanças de cidades, perdas, marcaram positivamente suas percepções de mundo e aguçaram seu olhar para o Homem. Paulo Freire (1983) e Moreno (CUSCHNIR, 1997) amavam as pessoas e concebiam o Homem como Homem de relações. Ambos falavam do encontro entre as pessoas, da ética, acreditam no potencial das pessoas, muitas vezes enrustido sob a capa da desesperança e da nulidade. Por acreditarem na força latente às pessoas, viam-nas como capazes, fortes, históricas e atuantes. Para Freire (1974, p. 108), “através de sua permanente ação transformadora da realidade objetiva, os homens, simultaneamente, criam a história e se fazem seres histórico-sociais”. Moreno acessava a realidade do Homem através da “fantasia sobre o palco” (AGUIAR, 1988, p. 54). Pela revelação da trama e por agir sobre ela na ação dramática, impulsionavam-se mudanças significativas no protagonista. Freire também acreditava da possibilidade de mudança na realidade: “A mudança da percepção da realidade, que não pode dar-se a nível intelectualista, mas na ação e na reflexão em momentos históricos especiais, além de ser a única possibilidade de ser tentada, torna-se, como ‘associado eficiente’, instrumento para ação da mudança” (FREIRE, 1983, p. 58). As conservas culturais, segundo Aguiar, tornavam-se fortes antagonistas às mudanças: Assim é que a dominação ideológica se dá exatamente através das conservas culturais, ideias que adquirem foro de verdade e que não são sequer questionadas. São valores, conceitos, constructos teóricos reificados, pressupostos, critérios, modos de fazer, tudo pronto, estabelecido. É só consumir (AGUIAR, 1988, p. 58). 104 Para Freire (1976, p. 50) “não há ‘pronúncia’ do mundo sem consciente ação transformadora sobre o mesmo”. Deste modo, “Enquanto corpos conscientes, em relação dialética com a realidade objetiva sobre que atuam, os seres humanos estão envolvidos em um permanente processo de conscientização” (FREIRE, 1976, p. 148). A conscientização é um reposicionamento efetivo-emocional frente a conteúdos ideológicos imersos na sociedade, se dá através da dramatização de cenas, proporcionada pela ação psicodramática (AGUIAR, 1988). A falta de contato com os elementos opressores se faz pela cultura do silêncio e é alicerçada na estrutura, através de condicionamentos. Estes engessam os homens, tornando-os “proibidos de estar sendo” (FREIRE, 1974, p. 205, grifos do autor). Para se alcançar a humanização, segundo Freire (1974) é preciso superar as situaçõeslimites ligadas ao subdesenvolvimento de países, as quais coisificam os homens. Se os homens se sentem colados às situações-limite, a ponto de não conseguirem se separar delas, o tema deve ser levado para a alfabetização, permitindo maior percepção da realidade que envolve estes homens. Esta superação se faz não pelo ato de consumir ideias, mas por produzi-las e transformá-las na ação e na comunicação. Moreno, com o psicodrama, busca romper com a alienação, que tira dos homens sua condição de criador: “O desvelar da trama social, propiciado pela vivência do espetáculo, tem como decorrência a emancipação das pessoas para recriarem sua vida e seu mundo. Tangenciamos aqui a fronteira entre a estética e a ética!” (AGUIAR, 1988, p. 59). Para Freire (1974), a tarefa do educador dialógico é devolver ao processo de alfabetização temas que investigou na comunidade do aluno, não como dissertação, mas problematizando-os. “Ao ser uma reflexão crítica de ambos, educador-educando e educando-educador, o processo de alfabetização deve relacionar o ato de transformar o mundo com o ato de pronunciá-lo” (FREIRE, 1976, p. 50). Os oprimidos apegam-se a explicações mágicas para explicar a realidade, a uma visão falsa de Deus, ou atribuem a si próprio o ônus pelos percalços de suas vidas. Este comportamento convém aos opressores que continuarão oprimindo-os. Os oprimidos, acreditando serem os responsáveis pelo seu estado de opressão, não crerão neles próprios (FREIRE, 1974). “Desconfiar 105 dos homens oprimidos, não é propriamente, desconfiar deles enquanto homens, mas desconfiar do opressor ‘hospedado’ neles” (FREIRE, 1974, p.199). Paulo Freire defende a práxis, ou seja, a não dicotomia entre ação, reflexão e ação, estas se dão simultaneamente: “O diálogo é a essência da ação revolucionária” (FREIRE, 1974, p. 158). Um conceito defendido por Moreno é a liberdade, “um ato só pode ser espontâneo quando livre” (MORENO apud AGUIAR, 1988, p. 61). A falta de liberdade reduz as experiências e molda as pessoas através de condicionantes, tais como o preconceito e os conteúdos ideológicos: “O ato espontâneo seria, por natureza, anti-ideológico. A busca da verdade, da liberdade e da criação têm a ver com a rejeição de qualquer ideia que pretenda substituir o contato direto com a realidade que se diz que ela descreve” (AGUIAR, 1988, p. 61). A criatividade, defendida por Moreno sustenta o ato espontâneo e leva respostas novas às condicionantes sociais, isto é, desenvolve formas novas do sujeito se relacionar com a realidade. Não é nada pronto, mas um ato volitivo, o sujeito atua e responde pelas conseqüências. (AGUIAR, 1988). Sobre a conserva cultural, percebe-se que é preocupação de Moreno, também compartilhada por Freire. Um dos momentos em que é possível perceber a preocupação de Freire, é através da não aceitação de cartilhas (FREIRE, 1976). Estas têm presentes recortes da realidade, permeadas por ideologias e com preconcepções que cabem a qualquer público. Freire acreditava que o ensino deveria se afastar de modelos ideologicamente reforçados de uma sociedade com “lugares” para cada um. A alienação dos homens (FREIRE, 1976; AGUIAR, 1988) é preocupação de ambos os autores, e cada um procura combatê-la com a reflexão sobre as representações presentes na sociedade. Acreditam que a ação permeia a transformação. Para Moreno esta mudança viria através da vivência do drama e da resposta criativa visando sua transformação e, para Freire a mudança viria com o diálogo e a ação transformadora de que todo homem é capaz. 106 2.4- Um novo caminho: Psicodrama Pedagógico - Contribuição de Maria Alicia Romaña à Educação Por volta de 1963, na Argentina, uma jovem pedagoga conhecedora dos conceitos do Psicodrama inicia aplicações deste na área escolar, numa perspectiva educacional. Sua preocupação era buscar “um método didático que respondesse de alguma forma a uma concepção fenomenológica da educação” (ROMAÑA, 1986, p. 17). Segundo Lima (2008, p. 105): a educação e o ensino desenvolvem e afirmam um modo de pensar. Nessa perspectiva, ressaltamos o papel da educação como agência formadora de modos de pensar e agir. A educação, além de socializar o acervo cultural da humanidade, promove e afirma culturas e mentalidades, engendrando subjetividades e identidades. Tendo como princípios orientações decorrentes do Psicodrama, tais como a expressão, a liberdade, o lúdico, o coletivo, Romaña concebeu o Psicodrama Pedagógico para além da realização de um teatro ou de uma dramatização. A vivência de papéis, a aproximação do estudante com conteúdos, muitas vezes abstratos em termos conceituais, a realidade ainda a ser desvelada, a apreensão imediata de fatos, demandam uma metodologia capaz de transpor a mera memorização. “Educar é auxiliar o ser humano a desdobrar toda a extensão do seu ser” (LIMA; LISKE, 2004, p. 28). Elena Noseda de Bustos et al. concebem o Psicodrama Pedagógico “como uma especialização dentro do psicodrama” (1982 p. 163). O Psicodrama Pedagógico agrega sensações, sentimentos, fantasias, intelecto, tudo que temos e somos. Deste modo integrado, facilita a aprendizagem e o ensino dos conhecimentos. Porém, a adoção desta metodologia demanda um professor que reconheça a necessidade de não apenas transmitir conhecimentos, mas mediatizá-los junto ao aluno: [...] é bom sempre lembrar que técnica nenhuma, nem a mais sofisticada, faz o educador, já que nele o importante e fundamental continuará sendo a sua percepção do homem e do seu destino, sua concepção tanto de sociedade de nossos dias como daquela sociedade que, com sua ação, ele iniludivelmente, de uma ou outra forma, constrói para o futuro (ROMAÑA, 1986, p. 15). Ao elaborar seus estudos voltados à área da educação, Maria Alicia Romaña primeiramente procurou se certificar se todo conhecimento poderia ser traduzido simbolicamente. 107 Para isso, junto com alunos de Artes Plásticas, para os quais lecionava, solicitou como avaliação final a construção de um objeto simbólico que abarcasse os conteúdos pedagógicos estudados. Os alunos tiveram acesso aos mesmos materiais para a realização simbólica. Com os resultados Romaña concluiu que era possível a criação de uma imagem significativa da apreensão realizada de um conceito. Após esta experiência, novas oportunidades ocorreram com diferentes públicos (jovens, crianças, outros professores) e Romaña reafirmou a possibilidade de uso da metodologia que estava em estágio de desenvolvimento. Em 1969, em Buenos Aires, Romaña socializou suas experiências no IV Congresso Internacional de Psicodrama. Neste evento foi convidada a realizar formação de educadores em São Paulo, onde permaneceu por um ano. Neste grupo houve a denominação de Psicodrama Pedagógico ao trabalho realizado. Conforme Romaña ampliava os conceitos teóricos e práticos básicos do Psicodrama Pedagógico ficavam mais claros os, denominados por ela, níveis de realização psicodramática: realidade, simbolismo, fantasia – e os mecanismos que se envolvem no processo de aprendizagem. Após novo retorno a São Paulo em 1971, Romaña realiza novas formações em Psicodrama Pedagógico e, no final daquele ano, funda, ao lado da ex-aluna Marisa Nogueira Greeb, a primeira Escola de Psicodrama Pedagógico “Role-Playing”. Outras experiências foram se somando às elaborações iniciais, de modo a dar subsídio à estruturação da teoria do Psicodrama Pedagógico, que comprovou sua viabilidade de utilização em grande escala de público e em realidades diversas. Outra preocupação de Romaña foi difundir o Psicodrama Pedagógico em suas várias expressões (ou metodologia psicodramática): educação da espontaneidade, técnicas de desenvolvimento de papéis. Sobre a aplicação do Psicodrama: [...] podemos explorar a “verdade” acerca do conteúdo conceitual de determinada matéria [...], investigar os componentes de determinado papel profissional ou social e aprimorálos sistematicamente [...], investigar vínculos existentes entre os membros de um grupo, tratar de aproximar os membros isolados e resolver conflitos interpessoais e intergrupais (LIMA; LISKE, 2004, p. 56). 108 Em 1976, Romaña radicou-se em São Paulo e ampliou a utilização de sua nova metodologia em outros ambientes organizacionais. Permaneceu nesta cidade até um ano antes de sua morte, ocorrida em 2012, em Buenos Aires. Advertiu, no entanto, quanto à utilização do Psicodrama Pedagógico que, não deve ser um recurso único do professor, mas uma possibilidade a mais para o êxito da aprendizagem. A utilização do recurso enriquece as vivências e vão modificando o grupo, tornando-o mais expressivo, mais integrado e, em nível pessoal, há maior soltura do corpo, a dissolução de papéis fixos ou estáticos. Percebeu a pedagoga (ROMAÑA, 1996; 1985) que as criticas são mais aceitas pelo grupo e que há maior vivacidade na percepção dos sentimentos: A dramatização socializa o particular, criando a possibilidade de compartilhamento e múltiplas identificações, por meio da criação coletiva, assim como produzindo novos entendimentos e encaminhamentos. Nesse sentido, pretende-se fomentar a produção de conhecimentos à luz de uma perspectiva inclusiva e os desafios concernentes à emancipação dos sujeitos e das práticas sociais (LIMA, 2009, p. 12). Romaña (1996) coloca que, se o conhecimento é compreendido como algo que o sujeito lança mão para fundamentar a realidade, de modo a classificá-la, explicá-la, esta ação cotidianamente exige um esforço voluntário para atender este desafio: A vida “real”, a vida de todos os dias, aparece como um enigma a ser decifrado cotidianamente e como um desafio no qual entramos assim que acordamos todas as manhã e do qual nos afastamos durante as horas que conseguimos adormecer. Mas podemos, nestas condições, manter invulneráveis nossas convicções, nossos princípios e valores e muito mais difíceis ainda tornam-se as intenções de explicar aquilo que nos enche de dúvidas (ROMAÑA, 1996, p. 77). Há uma série de mudanças às quais o indivíduo está exposto, e a palavra de “ordem” é a inconstância. “A injustiça, a carência, a doença, o desequilibro, [...] sempre foram realidade” (ROMAÑA, 1996, p. 78), “[...] é interessante observar que o espírito transformador, que parecia adormecido, ainda existe no homem; começa a se mexer e vai emitindo sinais de se reorganizar, e, uma tentativa possivelmente de reaparecer no teatro da vida, desta vez com novas roupagens” (ROMAÑA, 1996, p. 79). Nesse sentido Romaña (1996) vê o papel do educador como o de um cartógrafo do desconhecido, do imprevisível, do cotidiano, do desconfortável. Para contribuir com este 109 educador, a psicodramatista cita o autor Otto Maduro, e indica algumas pistas da postura que corrobora com seu fazer: - Tomar consciência da enorme influência que nossa experiência tem sobre nosso conhecimento da realidade. - Apreciar e analisar a infinita riqueza e complexidade da experiência de qualquer pessoa ou grupo humano. - Pensar criticamente sobre o impacto de nossa experiência em nosso conhecimento, sobretudo nos aspectos menos conscientes e menos agradáveis desse impacto. - Despertar em nós uma visão mais pluralista, respeitosa, aberta, humilde e crítica daquilo que reconhecemos e apreciamos como conhecimento (ROMAÑA, 1996, p. 80). Nessa fronteira do trabalho do educador, Lima (2008) adverte que as inserções sociais e pertencimentos os quais uma pessoa constrói, ocorrem de modo processual e dinâmico em função dos papéis que são assumidos, vividos e do significados sociais que lhes são atribuídos. Os mecanismos de poder abarcam uma vasta disputa por recursos simbólicos e materiais da sociedade. Sua identidade é talhada neste processo. Pertencer ou não ao espaço escolar também trazem inscrições nesta identidade: A inclusão escolar polemiza a demarcação de fronteiras educacionais, quanto aos critérios de pertença social e as correlatas produções de identidade e diferença. Semelhante ao que ocorre em uma alfândega, quanto a quem e como entra e quem e como fica de fora, na escola são encaminhados processos de produção de identidades e de diferenças, consideradas relações de um mesmo modo de significação no âmbito escolar (LIMA, 2008, p. 106). Para a Romaña (1996), escola e ideologia estão diretamente relacionadas, e como “cartógrafo” o professor precisa identificar os caminhos alternativos a percorrer com seus alunos, para além de aderir a paradigmas amplamente arraigados, ligadas ao modelo de sociedade neoliberal que decompõem o tecido social. Sua proposta educativa seria educar para que todos fossem pessoas mais cientes, numa sociedade mais justa. Na busca de um apoio teórico ao que ela denominou de Pedagogia do Drama ou da Urgência, Romaña (1996) encontrou numa articulação entre a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire, a visão sócio-histórica de Vigotsky, e a sociodinâmica de Moreno, o delineamento didático. A escolha por estes autores deve-se a disposição que fazem contra a domesticação dos seres humanos. 110 Sobre a pedagogia de Paulo Freire, Romaña reconhece que trouxe grandes possibilidades à educação de adultos, porém analisa que sua metodologia se mostrou frágil diante do sistema educativo como um todo. A base da aprendizagem é a práxis, ou seja, a ação, a reflexão, a ação que interfere na formulação da consciência crítica. A ética reveste a ação do educador de princípios que norteiam as leituras da realidade realizadas conjuntamente com os alunos. É legítima a função da educação em preservar, socializar e desenvolver o acervo cultural sistematizado. Mas, sobretudo, é fundamental assumir o papel que lhe cabe na formação ética dos sujeitos sociais, questionando os seus modos de subjetivação. Uma vez que, [...] o ato de ensinar é, indissociavelmente, um ato político (LIMA, 2008, p. 111). As contribuições de Vigotsky, citadas por Romaña (1996) são referentes ao conceito de interação, as quais compactua com o autor no que se refere à aprendizagem ser decorrente de uma experiência social, que é possível pela influência da linguagem e da ação. Segundo Vigotsky, é com a interação do homem com o meio social que ele se humaniza. A interação entre os indivíduos possibilita a geração de novas experiências e conhecimento. Nas palavras do educador Angel Pino, esta tese faz do “homem o criador daquilo que o constitui e que o define como um ser humano” (PINO, 2005, p. 15, grifos do autor). Para Romaña, as mediações provenientes da ação possibilitam apreensões e transformações que balizam as funções psicológicas superiores e origina o agir individual: “As funções psicológicas que inicialmente permitem a ação entre sujeitos transformam-se e passam a fazer parte constitutiva do funcionamento interno do sujeito” (ROMAÑA, 1996, p. 92). Contudo, segue a autora, esta internalização não é uma mera cópia do mundo externo, “é o resultado das ações que acontecem no momento em que o sujeito se apropria das estratégias e dos conhecimentos e ao mesmo tempo domina as variáveis que podem aparecer em novos contextos interativos”. Romaña lembra que somente as experiências que têm uma repercussão significativa é que trazem avanços efetivos ao desenvolvimento. São experiências calcadas na autonomia da ação. O potencial de aprendizagem se faz pelas dinâmicas sociais e criam novas zonas de desenvolvimento proximal. Das contribuições provenientes de Moreno a uma didática sociodinâmica, Romaña (1996, p. 97- 98) destaca as ferramentas: sociodrama, jogos dramáticos, jornal vivo, teatro espontâneo, role-playing. Estes recursos têm em comum sua deflagração a partir da ação. Numa explicação 111 sucinta de cada item, Romaña esclarece que por sociodrama se compreende a pesquisa de uma problemática de um grupo as quais impedem o crescimento deste grupo; os jogos dramáticos são ações dirigidas ao grupo para que avancem em respostas criativas e originais; o jornal vivo permite que se verifiquem as compreensões que as pessoas fazem de uma realidade; o teatro espontâneo oportuniza trabalhos com histórias pessoais e experiências alheias, com responsabilidade e senso de compromisso; o role-playing consiste na vivência de papéis técnicos para um eficaz desempenho profissional. A contribuição de Romaña (1996) a uma didática sociodinâmica se fez com o método educacional psicodramático, desenvolvido com o objetivo de abordar os mais diversos temas educacionais e favorecer o aprendizado dos alunos. 2.4.1- Técnicas usuais ao Psicodrama Pedagógico Romaña (1987) chamou a atenção para técnicas básicas do Psicodrama Pedagógico como o solilóquio e a inversão de papéis. Segundo a autora, estes poderiam ser facilmente utilizados junto às metodologias escolares usuais. Os alunos em suas primeiras aproximações com essa metodologia tendem a reagir com surpresa, se sentem pouco a vontade ou avessos à mesma. Porém, a tendência é uma maior adesão conforme percebem seus efeitos. A disposição do professor na introdução da metodologia deve ser de segurança e afeto. Quanto à participação, adverte Romaña (1987) não necessariamente deve incluir todos alunos, mas uma boa parte deles. Os modelos, eficientes outrora, mostram-se insuficientes frente aos acontecimentos emergentes na atualidade. As problemáticas contemporâneas são complexas. As mudanças de perspectivas no pensar, no agir, no relacionar-se e, portanto, na práxis educativa são pontos críticos prementes no universo educacional (LIMA, 2009, p. 11). A integração corporal, técnica usual tanto à psicoterapia quanto à educação, tem por objetivo o desenvolvimento da espontaneidade criadora, através da integração de três elementos dissociados: sentir, pensar e atuar (CHUBURU, 1982, p. 111). O Psicodrama Pedagógico, tal qual o psicodrama tradicional é composto por três momentos específicos: o aquecimento, a dramatização (ou tarefa especifica) e comentários. Cada 112 um destes momentos se nutre de exercícios, os quais contribuem para a experiência do grupo (BUSTOS, E.N. et al., 1982). O momento do aquecimento proporciona ao indivíduo um “estado ótimo” para a realização de determinada ação. Se houver falha neste momento, seja por ansiedade do coordenador, ou tempo inadequado à proposta ou a cada integrante, isto interferirá no passo seguinte (CHUBURU, 1982; BUSTOS, D.M. 1980). A verbalização do coordenador com suas consignas, que são as orientações claras do que é solicitado, guiarão o exercício. As palavras proferidas pelo coordenador, acompanhadas de ritmos e modulações levarão os participantes não apenas a recebê-las enquanto significados, mas também captarão o modo afetivo de quem as pronuncia, ou seja, o coordenador. O aquecimento (inespecífico e específico) levará a mobilização corporal. O aquecimento inespecífico traz necessária atmosfera a realização da tarefa ou dramatização. Já ao aquecimento especifico acontece junto ao protagonista de modo a fortalecê-lo na expressão de memórias e na execução da cena (BUSTOS, E. N. et al., 1982). No contexto pedagógico, os limites do enfoque não devem ser ultrapassados, dado que podem emergir situações de angústia, choros, que fogem ao contexto oferecido. Após a dramatização e do uso de recursos que couberem, é realizado o momento dos comentários, com as percepções e interpretações do grupo em torno do material expresso. Elena N. de Bustos et al., (1982), advertem que excluem da situação pedagógica vivências de papéis que não sejam as de educador-aluno, deste modo, não são contemplados papéis para além dos que comumente são exercidos pelo individuo, tais como pai, irmão, esposo, amigo. Esses autores acreditam que “é indispensável que um professor psicodramatista interiorize esses limites; desconhecê-los seria invadir aspectos que não competem à atividade educativa” (BUSTOS, E. N. et al., 1982, p. 130-131). São elementos do Psicodrama Pedagógico: protagonista, a audiência (plateia), Diretor, ego-auxiliar, cenário. O protagonista abarca em suas intervenções verbais e corporais as expectativas do grupo. A plateia é formada por alunos que não intervém diretamente na dramatização. O papel do Diretor é cumprido pelo professor, que faz o aquecimento, “detecta o protagonista, organiza as diferentes sequências, percebe os possíveis papéis a representar, indica ordens aos auxiliares, coordena os comentários posteriores à dramatização” (BUSTOS, E.N. et al, 1982, p. 143). 113 O papel de ego auxiliar deveria ser praticado por outro professor, e, isso foi um dificultador apontados por Elena N. Bustos et al., (1982). Para contornar este entrave, um aluno por vezes assumia tal papel, mas segundo a autora, faltava treinamento deste ego-auxiliar. Para Romaña, (apud BUSTOS, E.N. et al., 1982), os três níveis possíveis do momento da ação psidramática são: 1- Nível real; 2- nível simbólico; 3- nível de fantasia. Por nível real Romaña compreendia que este se situa no campo da experiência dos alunos que demonstram o que sabem do tema. Este momento se revela um tanto desprovido de espontaneidade, cabendo ao Diretor dinamizar correlações, com realces afetivos vividos em relação ao tema. Com o nível simbólico há a elaboração, a partir dos elementos abstraídos, de imagens que simbolizam o conhecimento em tela. Segundo a autora, é nesse momento que os alunos conseguem distinguir o que é essencial e o que é acessório no conhecimento estudado. No nível de fantasia, são realizadas aplicações novas do novo conhecimento, de modo a enriquecer os momentos anteriores. Das técnicas que cabem ao contexto educacional, Romaña (apud BUSTOS, E.N. et al, 1982) sinalizou a possibilidade de utilização além da inversão de papéis e do solilóquio, a rotação de papéis, interpolação de resistências e o duplo (doublé), sob a coordenação do Diretor (ou seja, do professor). Na inversão de papéis, tal como ocorre na psicoterapia, há a mudança na representação dos papéis, de forma complementar, isto é, o protagonista troca de papel com seu complementar, experimenta os sentimentos de estar no lugar deste e, retorna ao seu lugar. Na rotação de papéis, o grupo todo é o protagonista, e para isso há trocas sucessivas deste papel com os demais participantes. No solilóquio, é verbalizado em voz alta o que se está pensando ou sentindo. Na interpolação de resistências, com a colaboração do ego-auxiliar, há introdução de elementos inesperados à cena proposta pelo protagonista, fugindo de conservas culturais ou estereótipos. No duplo (doublé) realizado com a colaboração do ego-auxiliar, é assumido verbalmente, afetiva e corporalmente aquilo que não foi manifesto pelo protagonista. Para finalizar a aplicação do Psicodrama Pedagógico, recorro às palavras de Lima (2008) sobre o clima que deveria ser o encontrado nos espaços educativos, que muitas vezes ficam aquém de percepções do humano que ali busca sua formação e sua inserção no mundo: 114 Uma escola aberta às diferenças não é feita para o sujeito constituinte, universal, abstrato, idealizado, padronizado e previsível por uma verdade essencial como o “aluno normal”. Trata-se de uma escola para um aluno/sujeito singular, constituído em uma trama histórica de múltiplos elementos e condições, que se articulam e se modificam conforme as possibilidades, as interações e inserções sociais. Como sistema aberto, a escola inclusiva modifica-se, buscando adaptar-se a multidimensionalidade do funcionamento humano, à medida que reconhece e valoriza as diferenças entre as pessoas (LIMA, 2008, p. 107). O aluno que encontramos nas salas da EJA é alguém que já estruturou suas concepções sobre o mundo, sobre a vida, sobre a posição que ocupa na sociedade. Foi na experiência que constatou e consolidou seu pensamento. O potencial vivido é o arcabouço que este aluno traz para as salas, que é seu aliado para novas constatações e construções de conhecimento. Não considerá-lo é desprover a relação de aprendizagem de sentidos, é mecanizar o ensino, deixando ao sabor do livro didático o provimento do conhecimento. 2.4.2- Memórias de uma vivência dramática Com afirmei, anteriormente, nem sempre registrei os textos criados coletivamente, ou mesmo, os aquecimentos para a ação dramática ou as discussões que as sucederam. Para uma melhor visualização do trabalho que me propus realizar, o qual denominei de Psicodrama Pedagógico, retomo uma aula realizada onde, passo a passo, ilustro os procedimentos adotados e as ressonâncias que o conteúdo latente revelado tomou. Esta aula foi realizada na E.E. Pe. Antônio Móbili, no primeiro semestre 2008. Foi precedida de aulas que falaram do Dia Internacional da Mulher, de aulas onde foi trabalhada a música “Ela é Bamba”, que traz mensagem de uma mulher comum que trabalha, enfrenta problemas, se diverte, é feliz por viver intensamente. Levei para a aula a seguinte escultura: 115 Figura 51- Escultura (autor desconhecido) Fonte: Acervo pessoal. Os alunos estavam dispostos ocupando as primeiras carteiras, como já era de costume. Esta sala era composta por oito alunos frequentes. Nesse dia a professora B., que era caseira desta escola, acompanhou a aula. Sua presença também era corriqueira uma vez que nossa sala era ao lado de sua moradia e a professora queria conhecer a metodologia que eu utilizava. Após a acolhida aos alunos que incluía cumprimentá-los com um “boa noite” e perguntar como estavam, expliquei que nessa aula havia trazido para a aula, uma escultura. Falei que as esculturas são feitas com argila, barro, gesso, pedra, madeira e, até sabão. Passa-se para este material uma ideia do artista. Na sequencia, apresentei a escultura, que foi construída por algum artista e que foi comprada em feira do Nordeste. A escultura foi de mão em mão circulando entre os alunos. Conforme tocavam percebiam detalhes como seu peso, textura, formato, era bastante simples e foi pintada após sua conclusão, pelo artista. Nem sempre as esculturas recebem esta pintura (Chamo este primeiro momento de aquecimento inespecífico). Iniciei perguntas para desencadear sentidos ao que a escultura suscitava. (Chamo este momento de aquecimento específico): - Vocês já viram esta mulher? - Quem é ela? - Onde ela está? - Quem é a criança que ela carrega? - Onde ela mora? - Ela trabalha? 116 - Por que ela está com esta expressão no rosto? - O que aconteceu? Alguns alunos iniciaram a falar sobre quem era a mulher, decidiram que ela morava no bairro Campina Grande, perto da escola que, na imaginação tinha uma ponte. Para chegar ao texto, foram discorridas pelos alunos, histórias de mulheres solteiras que, quando engravidam, não têm amparo da família ou mesmo do pai da criança durante a gestação ou mesmo quando a criança nasce. Quando se veem sozinhas muitas não aguentam, se desesperam e querem se livrar da criança, mas há as que encaram a situação, e, procuram prosseguir com a dignidade possível, contornando a realidade, esperando que haja alguma mudança. Assim nasceu a história: ____________________ (espaço reservado para o título, ainda para ser escolhido) DEBAIXO DA PONTE ESTÁ MORANDO UMA MULHER QUE TEVE UM BEBÊ. ELA PASSA POR MUITAS DIFICULDADES. Depois da escrita da história, o próximo passo é a escolha do título da história, foram levantados os títulos: MÃE SOLTEIRA UMA MULHER SOZINHA A MULHER ABANDONADA Com três possíveis títulos, temos que proceder a uma votação para ver qual o titulo que a historia deve receber. Leio os três títulos e pergunto, qual titulo você acha que cabe a esta história? (leio novamente a história). Relembro a regra da eleição, isto é, só se pode votar em um dos títulos, levantando o braço. Anoto em frente aos títulos sua pontuação ao final foi percebido que a história deve chamar “Uma mulher sozinha”, que é incluído no lugar de destaque, reservado, assim temos o texto: 117 UMA MULHER SOZINHA DEBAIXO DA PONTE ESTÁ MORANDO UMA MULHER QUE TEVE UM BEBÊ. ELA PASSA POR MUITAS DIFICULDADES. Nesse momento, os alunos anotam o texto, ou parte dele em seus cadernos. Esta possibilidade foi anteriormente assumida, como possível visto que a sala é heterogênea quanto aos níveis de alfabetização. O próximo passo é a vivência dramática do texto produzido. Meu papel nesse momento é de dirigir a cena e, na falta de um ego auxiliar, intervenho inserindo elementos novos através do duplo, com a interpolação de resistências, sinalizando para incorporação de novos aspectos presentes nos níveis simbólico e de fantasia à realidade. O cenário foi estabelecido: uma ponte sobre um riacho, uma rua onde as pessoas caminham, mas também há casas onde “moram” vizinhos à ponte. As carteiras são as casas. A professora B. que está na classe será a mulher, ela ficará no canto estabelecido como “ponte” num dos cantos da sala sentada numa cadeira. Faz com uma blusa um bebê de colo, ela age como se estivesse com medo e triste; cuida do bebê, mostra-se resignada ao que acontece, não mostra vergonha pelo lugar que ocupa. Os alunos são vizinhos e transeuntes que passam pela região da ponte. Sou uma das personagens e falo: “Parece que tem alguém morando debaixo da ponte...”. Outro aluno retruca: “É uma mulher que está morando ali”. (A personagem que representa a mulher balança o bebê, mas mantém uma expressão triste, às vezes passa a mão pelo rosto, como se estivesse chorando). Outro diz: “Ela teve um bebê”. Pergunto: “Debaixo da ponte?”. Ouço: “Ela foi abandonada pelo companheiro!”. (A mulher repete a figura da escultura, dando uma mamadeira à criança). Pergunto: “Será que ela está passando bem?”. Ouço: “Ela está passando dificuldades, não tem comida, o lugar é sujo, inseguro, não dá para viver debaixo da ponte!”. Ouço de repente: “Ela tem que se ferrar!”. 118 Outros reagem: “Ela está desamparada, não tem comida, ali tem bicho... é perigoso ficar debaixo da ponte!”. Novamente ouvimos: “Ela que se dane, quem mandou ficar grávida!”. Retrucam: “Agora não dá para fazer mais nada, ela ficou grávida, agora é assumir o filho”. Novamente o aluno insiste: “O problema é dela, deixa ela se virar!” Peço para a mulher pensar alto: “Meus Deus nos ajude, eu preciso cuidar desta criança, ela não pediu para nascer, filho amo você!”. Pergunto: “Alguém quer vir no lugar desta mulher?”. (Uma aluna troca de lugar com a protagonista e se senta na cadeira com o bebê no colo, mas parece mais alegre e decidida): “Vou pedir esmola, quem sabe alguém no Campina Grande pode me ajudar”. (Ela anda pela sala e se dirige aos alunos) “Você pode me dar comida? Tive um bebê, não tenho comida, estou com fome!”. (Os alunos fazem gestos doando alimentos imaginários). Pergunto: O que mais podemos fazer? Ouço de uma aluna: “Vamos construir um barraco para ela morar!”. (Pego um giz e estico o braço) “Quem quer começar?”. (Vem um aluno e risca o quadro fazendo paredes. Outro vem na sequência e continua um desenho de barraco. Apenas um aluno, aquele que disse que não se deve ajudar a mulher não participa e continua com a opinião de que ela deve “se ferrar”, apesar de ouvir dos demais que ela precisa ser ajudada). A Professora B. retorna à personagem. Peço que pense alto, ela diz “Obrigada por terem me ajudado, agora tenho onde morar e criar meu filho!”. A ação dramática se encerra, e são tecidos os seguintes comentários: - É muito difícil ficar sozinha e não saber o que fazer para resolver uma situação. - Todas as pessoas deveriam ter direito a uma casa. - Nem todos acham que devem ajudar o próximo. - A maioria das pessoas ajuda o próximo. - Deus está perto e coloca pessoas no caminho para auxiliar a gente nas ocasiões difíceis. - Não acho que tem que ajudar, quem mandou ficar grávida. - Mas para ficar grávida precisa de um homem e uma mulher, ela não ficou grávida sozinha. 119 - Sempre há um jeito de enfrentar os problemas. Sintetizo os comentários com as ideias que foram levantadas, reforçando posturas de transformação da realidade: “às vezes parece que não tem jeito as situações, precisamos de outras pessoas para nos ajudar a enxergar soluções. Na história vimos que foi feito um mutirão com as pessoas que quiseram ajudar e a vida da mulher e seu filho mudaram” . Foi levantado que o passo seguinte era colocar o filho numa creche e trabalhar. Ao que reforcei “Há muita mulher assumindo família no Brasil”. Sobre a gravidez não planejada disse: “Nós podemos planejar o nascimento dos filhos, existem métodos anticoncepcionais e um deles é a camisinha. Sobre ela vamos voltar a falar”. Na sequência da aula, percebi que para este dia a palavra carregada de significado é AJUDA. É palavra de silabas simples, mas que dela poderia surgir muitas novas palavras. Escrevo esta palavra na lousa escrevi e faço um quadro: A JA DA E JE DE I JI DI O JO DO U JU DU Após localizar as sílabas que compõem a palavra AJUDA, pedi que outras palavras fossem descobertas, para isso lemos as sequencias. Como a sala é composta por níveis diversos quanto ao processo de alfabetização foram formadas outras palavras, a cada palavra se explica seu significado ou a utiliza num contexto: DIDI JUDÔ DEDO DÓI (verbo) DEU (verbo) DOU (verbo) JÓIA OI 120 JADE (pedra preciosa) O processo de alfabetização desencadeado visava nesse momento desafiar os conceitos já adquiridos pelos alunos e exercícios individualizados ou planejados para estas variações de níveis eram realizados. Discussão do processo: Como os conteúdos das aulas não se esgotam nas duas horas e meia de sua duração, na sequencia planejei falar sobre o corpo feminino, levando um corpo de mulher didático da FUMEC, que completa os órgãos internos, incluindo o útero e um bebê sendo gerado e, em maio de 2008, fiz uma aula específica para conhecerem a camisinha e utilizando uma banana, puderam vesti-la para entender como utilizá-la. O aluno J., que se manifestou contra a ajuda à mulher grávida, vive uma problemática existencial que já havia me revelado: ele tem déficit de aprendizagem, frequenta a APAE, precisa usar uma bolsa de coleta de urina, pois, seus rins não funcionam. Sofre porque a família não o deixa ter um telefone celular, apesar de ter 24 anos; queixa-se que seu irmão mais novo tem um celular. J.; gostaria de ter uma namorada, mas não tem. Quando não há aula no colegial da E.E Antonio Móbili, local onde está a sala da FUMEC, J. não frequenta às aulas da EJA I, pois, quer que as moças das demais salas pensem que ele é aluno do colegial. Numa outra aula, J. foi o protagonista da história construída coletivamente. Nessa ação dramática J. pode trabalhar no campo, alimentar os animais, colher e plantar sementes, mas sua reação foi de extrema satisfação quando lhe foi pedido que arasse a terra, momento em que recebeu as chaves e pode dirigir o trator. Analiso que J. deve se ressentir de ser visto como diferente, dos demais garotos de sua idade. Essa diferença não transparece com suas feições, pois, não tem características ligadas a síndromes, ou mesmo com a presença de sua bolsa coletora, que sempre fica protegida pela camisa que usa. Ele resiste que as moças saibam de suas limitações. Na ação dramática “A mulher sozinha”, ele pode expressar sua agressividade latente e mostrar o lado opressor que, também, existe nele. Este lado opressor surpreendeu os colegas da sala, que disseram a ele que se ele estivesse no lugar da mulher veria como é difícil ser menosprezada. Fica uma dúvida do quanto este aluno já conhece este lugar e o quanto gostaria de ficar invisível para não ser enxergado em suas dores, faltas, falhas. 121 Pensando no que Paulo Freire disse, sofre o opressor que habita no oprimido, penso que J. experienciou, com o poder de interagir frente a uma outra pessoa oprimida, uma oportunidade de opressor. A reação de J. foi de não transformar a realidade, sucumbindo a personagem à dura situação que a envolveu. Repetiu uma cristalização de relação de poder encontrada em nossa sociedade de classes sociais, de relações desiguais entre homens e mulheres. Fica dessa ação dramática a percepção de que o aluno J. projetou na mulher sua condição de filho protegido e doente, que sucumbe à sua realidade que o cerca, não enfrentando-a ou transformando-a. 2.4.2.1- Textos construídos coletivamente Apresento, a título de ilustração, alguns textos construídos coletivamente em aulas, junto aos alunos da EJA I, após os alunos serem expostos a uma situação e/ou objeto desencadeador de memórias, suas narrativas e dinâmicas que os sucederam: Situação: Um inseto assustou uma das alunas logo no início da aula. Foi construído o texto: A PISADA NA BARATA HOJE A NADIR CHEGOU CHEIROSA NA CLASSE E DE REPENTE A APARECIDA DISSE: - CUIDADO, A BARATA. ASSUSTADA A NADIR GRITOU, DERRUBOU A CADEIRA E PISOU NA “BARATA”. O FERNANDO, NOSSO HERÓI DA NOITE LHE DISSE: - CALMA, NÃO É BARATA, É UMA PALHINHA. (Aula realizada na Coordenadoria Regional de Assistência Social -CRAS - Turma de PEB 1 e 3- equivalentes a turma inicial e a final, 10/10/07) (Apareceu um inseto durante a aula que se pensou ser uma barata. Como o grupo se mostrou estimulado pelo ocorrido, o incidente foi registrado através de uma escrita coletiva e escolhido o 122 título com votação. O aluno Fernando nos explicou que “palhinha” é um tipo de gafanhoto. Chamou a atenção dos alunos o fato de “palhinha” ser um nome que usualmente não utilizamos para definir gafanhoto, mas há formas diferentes para falar de uma mesma coisa no Brasil, ao que denominamos regionalismo. Em seguida, falamos sobre características de insetos – que possuem 6 patas, 2 antenas e é o grupo de maior número no reino animal, que podem ser úteis e nocivos. Janaína, de 9 anos, filha de uma aluna, buscou um besouro e contamos suas patas e antenas. Algumas pessoas lembraram de músicas que falam de barata e cantaram trecho, depois do lanche fizemos uma dramatização com outras pessoas, ao invés, daquelas que viveram a experiência. Estas assistiram e puderam falar da cena). No dia seguinte houve novamente aula nesta turma dei uma cópia da música Festa dos Insetos (Gilliard) para leitura e cantamos. Fizemos uma lista de músicas que gostavam de cantar e fizemos uma eleição da que era preferida: TEMA DA NOVELA SELVA DE PEDRA MÚSICA DO FILME GHOST LA BELA LUNA CHEIA DE MANIA ESQUEÇA MINHA ESTRELA PERDIDA (MÚSICA ELEITA) OLHA EU AÍ É O AMOR Objeto desencadeador: Apresentação do fantoche da Dengue. Texto gerado: 123 Figura 52- Fantoche-dengue Fonte: produzido por Fernanda Pozza, 2005. CUIDADO COM A SAÚDE NO VERÃO O MOSQUITO DA DENGUE SE DESENVOLVE. A MÉDICA DISSE: - O MOSQUITO SE DESENVOLVE NA ÁGUA LIMPA. (Sala de EJA I, localizada na E.E. Antônio Móbili – 08/11/07) Esta foi a primeira aula que dei nesse grupo, onde permaneci até maio de 2008. O mosquito da dengue (fantoche) perguntou a cada um dos alunos quais são os cuidados que se deve tomar para evitar a dengue. Objetos e leituras desencadeadoras oferecidas aos alunos. Texto gerado: Figura 53- Escultura de elefante Fonte: Réplica do objeto utilizado 124 ELEFANTE O ELEFANTE É MAMÍFERO E SEU HABITAT É A ÁFRICA OU A ÍNDIA. (Sala de EJA I, localizada na E.E. Antônio Móbili – 14/11/07) A partir de um elefante de pedra, leituras de uma enciclopédia sobre o elefante foi possível escrever este texto. Discussões a respeito do local de origem do animal e, dos alunos e professora. Motivos que se tem para partir do local de origem para outras terras. Objeto desencadeador: brinquedo e textos construídos: Figura 54- Sapo de pelúcia Fonte: Réplica de brinquedo utilizado na aula. O PORQUÊ JUSCELINO TEM PAVOR DE SAPO O JUSCELINO QUANDO MOROU NO MARANHÃO TEVE UM TRAUMA COM O SAPO CURURU PEI-PEI. NA FAZENDA CAJARANA ESTAVAM MORRENDO MUITOS BEZERROS. O PAI DO JUSCELINO PEDIU PARA OS FILHOS FICAREM DE TOCAIA. FOI AI QUE VIRAM O SAPO MAMANDO NA VACA. O JUSCELINO BATEU COM PORRETE NO SAPO E O MATOU. 125 NO DIA SEGUINTE QUANDO JUSCELINO FOI ENTERRAR O SAPO, ESSE CORREU ATRÁS DO RAPAZ ATÉ SUA CASA E DEPOIS MORREU. QUE SUSTO, ATÉ HOJE JUSCELINO TEM TRAUMA DE SAPO. (História do Juscelino, 45 anos, Núcleo EJA Igreja São Francisco de Assis – Jd. Satélite Íris I, 10/10/08). Na sequência da aula este aluno me revelou esta era a primeira vez que assistia uma aula, pois nunca foi à escola. Disse também que foi “encontrado” jogado ainda com o cordão umbilical, por uma mulher, nesta mesma fazenda da história. Com 6 anos de idade essa mulher morre e sua casa é queimada pelo dono da fazenda. Ele fica perambulando pela fazenda, come o que lhe dão, o que colhe, dorme em qualquer lugar, quase sem roupas. É “adotado” pelo dono da fazenda, aos 12 anos, quando começa a trabalhar nesse local, e onde aconteceu a história narrada. Quando mais adulto, foi para São Paulo e também sofreu com falta de moradia, mas aprendeu a pintar e fazer pinturas e grafiatos, que é seu trabalho, hoje em dia. O CUIDADO COM O AMIGO DO HOMEM HÁ 3 ANOS ATRÁS O FERNANDO TINHA UM CACHORRO CHAMADO LION. FERNANDO CHEGOU DO TRABALHO UM DIA E ENCONTROU SEU CACHORRO QUASE ASFIXIADO. O RAPAZ VIU UM SAPO MORDIDO NO QUINTAL E JOGOU O SAPO FORA. PASSOU O TEMPO E COMO LION NÃO MELHORAVA, O DONO DO CACHORRO O LEVOU AO VETERINÁRIO QUE APLICOU UMA INJEÇÃO. LION SAROU E HOJE MORA COM OUTRA FAMÍLIA, EM PAULÍNIA. (Alunos da sala de EJA I localizada na EMEF Padre Francisco Silva, Jd. Londres, 01/03/08). O fato de que Fernando se desfez do cachorro deixou grupo dividido. A reflexão caminhou no sentido de encontrar o bem-estar do animal, que estaria vivendo melhor em Paulínia, onde seria melhor tratado. Ter um animal de estimação requer cuidar dele sempre. 126 O CACHORRO E O SAPO UM DIA, NUMA CHÁCARA DE CAMPINAS O CACHORRO TOTÓ ESTAVA SE DIVERTINDO. DE REPENTE, TOTÓ VIU UM SAPO E FOI MEXER COM ELE. O SAPO JOGOU VENENO NOS OLHOS E NA BOCA DE TOTÓ, QUE FICOU GEMENDO E ESPUMANDO PELA BOCA. AS PESSOAS DERAM COCA-COLA E LEITE, E SALVARAM O CACHORRO. (Alunos da EJA, Núcleo Perseu Leite de Barros – 20/10/08). Discussão: usos incomuns do referido refrigerante. Palavra trabalhada: SAPO Objetos desencadeadores: leitura de várias cartas familiares. Texto escrito coletivamente: CARTA COLETIVA ENVIADA À SRA. MARISA, MÃE DA PROFESSORA: CAMPINAS, 25 DE JUNHO DE 2008. QUERIDA MAMÃE, COMO ESTÃO TODOS NO PARANÁ? MUITO FRIO? ESTÃO COM SAÚDE? HOJE ESTOU FAZENDO HOLTER NO CORAÇÃO, MAS É SÓ EXAME DE ROTINA. NO MOMENTO ESTOU DANDO AULA NO PEB 1 E 2, ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS E JOVENS, ENSINANDO A ESCREVER CARTA. OS ALUNOS ESTÃO GOSTANDO DA AULA E GOSTARIAM QUE VOCÊ RESPONDESSE À NOSSA CARTA. TEMOS NOVIDADES NA SALA: A MELISSA VAI SER TIA, A IRMÃ DELA ESTÁ DE 5 MESES. O JOÃO ESTÁ TRABALHANDO NA PEVETEX. A EDNA ESTÁ GOSTANDO DE VOLTAR A ESTUDAR. SEU HUMBERTO ESTÁ “APERREADO” HOJE, MAS VAI MELHORAR! O FERNANDO ESTÁ SOLTEIRO E MORA COM AS TIAS. A ELENIRA ESTÁ FELIZ, POIS, A FILHA CÁSSIA ESTÁ EMPREGADA HÁ 3 MESES. ABRAÇOS DA MARISA E DOS ALUNOS. (Alunos de EJA da EMEF Padre Francisco Silva, Jd. Londres) Em substituição à professora titular, me foi pedido para que trabalhasse o gênero carta. Anteriormente a escrita desta carta, li várias cartas antigas minhas. A proposta era de escrevermos uma carta para algum dos parentes dos alunos, mas ninguém tinha o endereço. Para 127 realizar a atividade eles solicitaram que fosse escrita uma carta à minha mãe, que era a autora de algumas das cartas que eu havia lido. Após a escrita na lousa, uma das alunas escreveu utilizando papel carbono sob seu caderno, e a cópia foi enviada por mim pelo correio. Nesse dia falei sobre a Carta Social, que o valor de remessa é de 1 centavo. Outra mobilização gerada foi ao uso do carbono, que foi novidade e uma das folhas foi dividida para que também experimentassem seu uso. Esta carta foi colocada no correio. Quando foi respondida, na primeira oportunidade de substituição nessa sala, li a resposta e novamente foi escrita outra carta à Sra. Marisa. Objeto desencadeador: imagem de um casal. Foram gerados os textos coletivos: OS DOIS AMIGOS ANDRÉIA E LUCAS SÃO MUITO AMIGOS. ANDRÉIA ESTAVA FAZENDO 30 ANOS E ELE COMPROU UM BUQUÊ DE FLORES E DEU A ELA. (Alunos da EJA I, localizada na E.E. Antonio Móbili, Jd. Campina Grande, 13/02/08) Discussão sobre a amizade. Palavra trabalhada AMIZADE. O PRESENTE UM DIA OS IRMÃOS ROBERTO E MÔNICA ESTAVAM PASSEANDO NO SHOPPING. ELES ESTAVAM COMPRANDO BRINQUEDO PARA O SOBRINHO PORQUE ERA DIA DAS CRIANÇAS. O SOBRINHO FICOU MUITO FELIZ COM O PRESENTE. (Alunos do Núcleo EJA do Jd. Rossin, 03/07/08). A reflexão suscitada após a ação dramática foi no sentido de que há muitas datas comemorativas que vem ao encontro apenas dos desejos do comércio, e que, se gostamos de alguém sempre é motivo para demonstrar isso seja com palavras, gestos e não apenas quando há um dia para isso. 128 Imagem desencadeadora: desenho feito na lousa por um aluno de 15 anos. Foi produzido pelo grupo o seguinte texto: A CASA DA MARISA UM DIA A MARISA SAIU COM A SOGRA. ELAS FORAM À CIDADE. LÁ MARISA ENCONTROU JOÃO, O BICHEIRO. ELE OFERECEU O BILHETE DA ÁGUIA. MARISA COMPROU E GANHOU UMA CASA. MARISA CHAMOU A SOGRA PARA MORAR JUNTO. (Alunos da sala de EJA I localizada na E.E. Antonio Móbili, Jd. Campina Grande, 29/02/08). Após a escrita sucedeu a ação dramática, personagens que não constavam no texto também tiveram espaço, como o aluno Adriano, que estava começando, hoje, a estudar, que foi o marido da Marisa. A experiência suscitou reflexões sobre o convívio entre sogras e noras, que pelo grupo é harmonioso. Palavra trabalhada: CASA Imagem desencadeadora: Apresentação do quadro da menina. Textos gerados coletivamente: Figura 55- Quadro da menina, Anna Maria, 1982. Fonte: Acervo pessoal de Marisa Seyr A VIAGEM 129 ANA CLARA TEM 8 ANOS E MORA NO SATÉLITE ÍRIS EM CAMPINAS. ELA ESTÁ EM FÉRIAS E FOI VIAJAR PARA O NORDESTE PARA VISITAR SEUS AVÓS: MARIA E JOSÉ. D. MARIA E SR. JOSÉ MORAVAM NUM SÍTIO QUE FICA NA CIDADE ÁGUAS BELAS, PERTO DE GARANHUNS, EM PERNAMBUCO. LÁ NO SÍTIO ANA CLARA ANDOU DE JEGUE, NADOU E TOMOU BANHO COM ÁGUA SALOBRA. FOI MUITO GOSTOSO CONHECER O NORDESTE. QUANDO ELA VOLTAR À CAMPINAS TERÁ MUITO QUE CONTAR. (Alunos da sala da EJA localizada na E.E. Cidade Satélite Íris, 08/04/08). Após construção do texto coletivo sucedeu a ação dramática e reflexões sobre saudades de lugares onde nascemos e vivemos uma parte de nossa vida. A escolha do nome da menina foi também discutido, pois a menina é negra e foi colocado o nome de Ana Clara. Palavra trabalhada ANA CLARA A MENINA NA FAZENDA UM DIA PATRÍCIA, QUE MORAVA NO SATÉLITE ÍRIS, FOI VISITAR OS SEUS TIOS. ELES MORAVAM NUMA FAZENDA EM MINAS GERAIS. PATRÍCIA COLOCOU SEU VESTIDO NOVO, LAÇOS NO CABELO, MEIAS E SAPATOS PRETOS. ELA FOI RECEBIDA COM COMES E BEBES. PATRÍCIA AGRADECEU SEUS TIOS, DISSE QUE GOSTARIA DE VOLTAR E OS CONVIDOU PARA VISITÁ-LA EM CAMPINAS. (Alunos da EJA, Núcleo Satélite Íris) Após a escrita sucedeu a ação dramática e reflexões sobre lugares distantes que conhecemos e que temos saudades. Palavra trabalhada: VISITA 130 Situação desencadeadora: Construção de biografia a partir da socialização de histórias de vida dos alunos. Texto gerado: A HISTÓRIA DO HERÓI JOSAFÁ EM 12 DE JUNHO DE 1967 NASCEU, EM CAMPINA GRANDE, NA PARAÍBA, UM MENINO. O MENINO ERA O 11º FILHO DO CASAL SEVERINO E ALZIRA. SEUS IRMÃOS FORAM CHAMADOS POR DEUS E SÓ ESTE MENINO SOBREVIVEU. SUA MÃE QUIS HOMENAGEAR O 1º FILHO QUE TEVE E DEU-LHE O NOME DE JOSAFÁ. HOJE JOSAFÁ É UM HOMEM DE BEM, TRABALHA, ESTUDA E CUIDA DE SUA FAMÍLIA. (Alunos do Núcleo EJA do Itajaí, 16/06/08). A partir de biografias contadas, foi escolhida a história de vida de Josafá para o texto coletivo. Em seguida, foi feito um teatro de bonecos, uma vez que na sala havia fantoches, por se tratar de um ambiente voltado a crianças e jovens no período diurno. Na saída fui procurada por uma aluna que se sentia muito ressentida com seu pai. Ela que hoje tem 45 anos e é passadeira de roupas, conta que quando criança morava uma roça que tinha um arrozal. Os irmãos, mas especialmente ela tinha que espantar os passarinhos o dia todo para que eles não comessem o arroz. Ela acreditava que não podia ir para a escola como as outras crianças por causa dos passarinhos, então procurava matar todos que encontrava, especialmente filhotes estavam nos ninhos. Nossa conversa foi no sentido de entender o contexto onde estava vivendo e que muitos pais viam a escola como uma ameaça às mulheres, pois na ânsia de protegê-las contra o mal, não as deixavam freqüentar a escola. Percebendo que seu pai, assim como outros pais pensavam desse jeito, mas que hoje ela é adulta e capaz de entender a escolha que ele fez naquele momento, ela também pode fazer outras escolhas que julga serem as melhores para ela, como o fato de estar hoje na escola, mudando o curso de sua história. GENTE BOA DE MINAS 131 NOSSO COLEGA WASHINGTON É MUITO ESFORÇADO. ELE TEM 17 ANOS É TRABALHA NO MERCADÃO. WASHINGTON ACORDA ÀS 6:00 HORAS, PEGA O ÔNIBUS 2.13 ÀS 6:45 H. E TOMA CAFÉ NO TRABALHO. ÀS 12:00 H VOLTA PARA CASA. (Alunos da sala de EJA I localizada EMEF Edson Luís Chaves, 08/09/08). Como este era meu primeiro contato com os alunos, conforme elas se apresentaram, biografias eram narradas. Dado a riqueza das histórias, pedi que escolhessem a que deveria se tornar o texto da aula. Este texto-diário ressaltou o dia a dia deste aluno. A motivação do texto surgiu durante a apresentação de cada um, quando foi verificado que todos trabalhavam. A história desse aluno foi escolhida pelos demais alunos para que fosse escrita na lousa, depois foi feita uma ação dramática e discutido o que é o trabalho. Palavra estudada: TRABALHO Situação desencadeadora: Leitura de textos sobre a China. Texto gerado: O CHURRASCO NUM SÁBADO O GIL CONVIDOU O JOÃO PARA UM CHURRASCO EM SUA CASA. CHEGANDO LÁ O JOÃO COMEU O CHURRASCO E ESTRANHOU A CARNE: - SERÁ QUE É CARNE DE CACHORRO? - NÃO, NÃO TEM NADA A VER COM CACHORRO. É CAPIVARA MESMO! NESSA HORA ACABOU O CHURRASCO PARA O JOÃO. (Alunos da EJA EMEF Edson Luís Chaves, 15/09/08). Este texto nasce da leitura das especificidades da China, que estava sendo a sede dos Jogos Olímpicos. Após a ação dramática, foi discutido sobre alimentos diferentes e culturas. Palavra trabalhada: CAPIVARA Após a apresentação de uma imagem de leão a aluna I. escreveu o texto abaixo que foi mimeografado para os demais alunos: 132 O LEÃO QUE NÃO SABIA RUGIR ERA UMA VEZ, UM LEÃOZINHO QUE NÃO SABIA RUGIR. ELE PAROU DE RUGIR QUANDO SEU PAI MORREU. O LEÃOZINHO FOI LEVADO PARA UM CIRCO, MAS COMO NÃO RUGIA O DONO DO CIRCO NÃO FICARIA COM ELE. O CAÇADOR DISSE: - PARA QUE VOU FICAR COM UM LEÃO QUE NÃO SABE RUGIR E SÃO SABE FAZER NADA? RESOLVEU ABANDONAR O POBRE ANIMAL. - E AGORA, AONDE VOU? SE PELO MENOS MEU PAI ESTIVESSE AQUI TUDO SERIA DIFERENTE! NISSO APARECEU UMA LEOA QUE NÃO ERA SUA MÃE, MAS QUIS ADOTÁLO. ELE FICOU MUITO FELIZ PORQUE NÃO ESTAVA MAIS SÓ. ELE DEU SEU PRIMEIRO RUGIDO E FICOU MAIS FELIZ AINDA! (Autora I., 16 anos, E.E. Antonio Móbili, nov/2007, Jd. Campina Grande). Esta aluna colocou na história um pouco de sua vida. Ela havia sido encaminhada pelo Conselho Tutelar de volta às aulas. Eu a recebi, junto com seu pai, nesse retorno às aulas. Acolhi ambos e o pai me explicou que, com a morte de sua esposa, a filha não foi mais às aulas na escola regular, pois era ela quem cuidava da casa e dos filhos menores, para ele trabalhar. Isso foi quando ela ainda estava na 3ª série. Agora, com 16 estava e noiva, não estava muito motivada a retornar. Tive um carinho muito especial com ela. Num dos dias a vi lendo horóscopos e pedi que criasse previsões para cada signo. Após escrever a aluna leu para os alunos. Quando terminou o módulo ela foi convidada a participar da Formatura da FUMEC, mas não compareceu. Situação desencadeadora: Leitura de uma reportagem. Texto escrito coletivamente: TROCA DE CABEÇA EM 2030 A MEDICINA ESTARÁ AVANÇADA E SERÁ POSSÍVEL FAZER TRANSPLANTE DE CÉREBRO. SERÁ COMUM ABRIR O JORNAL E LER A NOTÍCIA: “HOJE, FULANO DE TAL FEZ TRANSPLANTE DE CÉREBRO E PASSA BEM!”. (Alunos da EJA, E.E. Satélite Íris – 31/10/08). 133 Este texto nasceu após a leitura de uma reportagem sobre transplantes no qual evocam os avanços da medicina. Foi feita a vivência dramática. A discussão foi em torno da medicina e de que mesmo que exista esta vantagem científica, poucos poderão pagar. Outras histórias, que não foram anotadas e ficaram apenas na memória desta professora: Um sonho de menina (Alunos da EJA EMEF Pe. Francisco Silva – Jd. Londres 13/05/08). Escrita após exposição do quadro da Menina, Anna Maria, 1982. A nova filha de Deus (Alunos da EJA EMEF Dr. Edson Luis Chaves, Jd. Santa Rosa 14/05/08). Escrita após exposição do quadro da Menina, Anna Maria, 1982. A canoa (Alunos da EJA EMEF Pe. Francisco Silva – Jd. Londres - 15/05/08) Texto coletivo sobre as aves (Alunos da EMEF Edson Luís Chaves – 18/10/07). Texto construído após ouvirem a Obras de Poeta (Chitãozinho e Xororó). Biografia da D. Neusa ( Alunos da EMEF Pe. Francisco Silva- setembro de 2008). Esta escrita foi a escolhida, após alguns alunos socializarem suas histórias. Foi feita a ação dramática e D. Neusa se emocionou dizendo que não tinha percebido que ela era muito forte. Os bombeiros (Alunos da EMEF Pe. Francisco Silva - outubro de 2007). Situação desencadeadora: Bombeiros vieram à escola para retirarem uma caixa de abelhas. Foi feita a ação dramática e a discussão girou em torno de poder ou não brincar quando se é criança. Era a primeira vez que Sr Humberto estava numa sala de aula para se alfabetizar. Ele interpretou um bombeiro. Foi desta recepção que Sr Humberto teve que se desencadeou a discussão do direito de brincar. 134 Capítulo III - Conhecendo o cenário da Educação de Jovens e Adultos e seus protagonistas 3.1- A cidade de Campinas A origem de Campinas6 está ligada à ação dos bandeirantes que abriram caminhos para os sertões do Goiás e Mato Grosso. Neste local formou-se um pouso para tropeiros e, em 1721, um vilarejo. A emancipação como cidade ocorreu em 14 de julho de 1774. Campinas é uma grande metrópole do cenário brasileiro, conhecida tanto por sua economia quanto por sua produção cientifica. Seu campo industrial trouxe fomento ao movimento migratório de pessoas de outras cidades e Estados do Brasil. Porém, este aumento populacional não foi acompanhado de um planejamento das condições para o acolhimento à nova população. Pochmann (2012, p. 62) lembra que, em 1842, Campinas possuía uma população de 2.107 habitantes e, em 2010, a população do município chegou a 1.080.113 habitantes. A ocupação urbana trouxe: [...] maior fragmentação do território municipal, com apartação de bairros tradicionais com acesso às condições de energia elétrica, saneamento, ruas asfaltadas, transporte e outros serviços públicos. [...] A periferização da cidade aprofundou o fosso entre ricos e pobres, entre alta e baixa qualidade de vida (POCHMANN, 2012, p. 63). Segundo este autor, foi observado na primeira década do séc. XXI uma taxa de 1, 08% de crescimento populacional que corresponde a uma queda da média dos últimos 100 anos. Assim, prossegue Pochmann, “mesmo com a desaceleração do crescimento no número de habitantes, Campinas não demonstrou capacidade suficiente para minorar o quadro geral de enorme desigualdade social” (POCHMANN, 2012, p. 63). 6 Disponível em: http://pro-memoria-de-campinas-sp.blogspot.com.br/2006/08/curiosidades-fundao-de-campinase.html. Acesso em 11 jan. 2013. 135 Figura 56- Vista do bairro Satélite Íris, Região Noroeste, de Campinas – Campo Grande, 16/07/2013. Fonte: Marisa Seyr Figura 57- Vista parcial de bairro da Região Noroeste de Campinas – região Campo Grande, 16/07/2013. Fonte: Marisa Seyr 136 Campinas no ano de 2012 se situa no terceiro lugar com o maior PIB (Produto Interno Bruto) do Estado de São Paulo, e se destaca entre as três maiores cidades do Estado. Segundo a jornalista Fernanda Cruz: Em 2009, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia de Estatística (IBGE), o PIB da cidade chegou a R$ 31,6 bilhões, a maior parte concentrada em serviços (R$ 17,5 bilhões), seguido por impostos sobre produtos líquidos de subsídios (R$ 7,5 bilhões) e pela indústria (R$ 6,5 bilhões). A região metropolitana de Campinas, formada por 19 cidades, responde por quase 3% do PIB brasileiro (CRUZ, 2012, texto on line). Esta cidade de vulnerabilidades entre as realidades geográficas tem na Região Noroeste, especificamente no Campo Grande, o bairro onde há uma média de ocupação por moradia, dez vezes maior que a média de ocupação de residências da cidade. Trata-se do Residencial São Luis, bairro formado para atender populações de risco e carentes em moradias, construído pela COAB (Companhia de Habitação Popular de Campinas) no limite entre Campinas e o município de Monte Mor. Segundo Tonon (2012, p. 4), o local possui 584 unidades habitacionais, ocupando uma extensão territorial de 184 mil metros e uma população 2.381 pessoas. A média é de 4,08 habitantes por domicílio. Embora o bairro tenha, nos últimos anos, recebido asfalto e esgoto, ainda carece comércio e de áreas públicas para lazer, saúde entre outros. A região do Campo Grande, com uma área de 65,64 km² de extensão, se localiza a partir da ponte da Rodovia dos Bandeirantes e inclui o Residencial São Luís. A região do Campo Grande era, até meados do século passado, um grande descampado. Segundo Denny (apud SILVA, 2011, p. 84): “O processo de ocupação desta região para uso habitacional começou no início da década de 50, mas precisamente entre 52 e 57. Mas foi na década de 80 que essa ocupação se intensificou e se firmou como tendência sobre a forma de diversos loteamentos de padrão popular”. Nos anos de 1970, o Campo Grande era repleto de chácaras, sítios e, a população que ali chegava, oriunda de outros lugares do Brasil, buscava melhores condições de vida e trabalho. No entanto, a falta de planejamento urbano não proporcionava serviços públicos como água, luz, asfalto, transporte, escolas, equipamentos da Saúde, etc. (SILVA, 2011). A partir da citação de Ítalo Calvino, do livro “As Cidades Invisíveis”: “Ninguém se pergunta para onde os lixeiros levam os seus carregamentos: para fora da cidade, sem dúvida; mas todos os anos a cidade se expande e os depósitos de lixo devem recuar para longe”, Souza (ROLDÃO, 2011, p. 63), se põe a refletir sobre a história de um lixão a céu aberto que foi 137 instalado no Jardim Satélite Íris I, Região do Campo Grande. O Lixão da Pirelli que começou em 1972 e permaneceu ativo por muitos anos, mesmo tendo sido oficialmente encerrado em 1984. A existência do lixão tornava a área degradada com a presença de urubus, com chorume, mau cheiro, insetos diversos, colocando em risco as pessoas e meio ambiente. Era uma área de risco e, casas construídas sobre o terreno, tinham grande instabilidade, o que fez o Ministério Público determinar à Prefeitura a transferência das 157 famílias que estavam na área de risco e outras 350 que estavam no entorno do antigo lixão. Mas a história do lixo não terminou aqui, um novo aterro foi construído no Satélite Íris III há mais de 20 anos, com atendimento às exigências ambientais, se trata do Aterro Sanitário Delta A. Verificou-se que, com o aumento geral da renda per capita, houve uma ampliação no depósito diário de lixo, que agora é de 900 toneladas ao dia. Uma região com muitas histórias de esquecimentos, lutas, com uma população crescente proveniente de novos empreendimentos imobiliários. Em 2010, a população da Região Campo Grande é estimada em aproximadamente 150 mil pessoas. Muitas conquistas da Região Noroeste foram feitas através de movimentos sociais, incluindo aqui a participação da Igreja Católica com as Comunidades Eclesiais de Base (GOMES, 2011). Hoje, as associações de moradores estão com maior organização, o que confere a elas muitas das solicitações demandadas junto ao Poder Público. A opção de desenvolver uma pesquisa voltada à realidade educativa da EJA I, na Região Noroeste de Campinas se deve ao vinculo afetivo e profissional construído por esta pesquisadora, ao longo de vinte e três anos em que residiu e trabalhou neste local, realizando atividades nas diversas instâncias educativas nas várias modalidades de ensino: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos. A pesquisa, inicialmente, desencadeou um levantamento das salas de EJA I nesta Região e, em seguida, foi aplicado um questionário aos professores que puderam contribuir de forma voluntária, com sua opinião sobre dados referentes à sua atuação profissional. Para a coleta destes dados foi feito um contato anterior com os Diretores da FUMEC da Região, para explanação dos objetivos da pesquisa e da necessária contribuição destes para com a mesma. Os Diretores da FUMEC Noroeste solicitaram que a coleta de dados, através do uso do questionário, acontecesse em reuniões semanais do Trabalho Docente Pedagógico (TDC), no momento de abertura das mesmas. Foram utilizados para a pesquisa três inícios de reuniões. Foi 138 solicitado que, após a apresentação da pesquisadora, fosse feito o convite de participação aos professores para a coleta de dados, através do preenchimento do questionário. Os dias da aplicação do questionário foram: 03, 08 e 22 de outubro de 2012. Duas destas reuniões ocorreram às 17h00, na unidade descentralizada, do Centro de Educação Profissional de Campinas “Prefeito Antônio da Costa Santos (CEPROCAMP), localizada no Bairro Satélite Íris, onde os Diretores ocupam, semanalmente, uma das salas para a realização de reuniões com grupos de professores. A última reunião de TDC, ocorreu no horário 09h45 e foi realizada na sede da FUMEC desta região, localizada no Bairro Campos Elíseos. Cabe constar que após a realização das explicitações da pesquisa, seus objetivos, a adesão dos participantes presentes em responder os questionários foi unânime. O número de participantes deste levantamento de dados foi: 06 participantes na primeira reunião, 05 participantes na segunda reunião e, 08 participantes no último encontro, totalizando 19 questionários respondidos. Concomitante ao preenchimento dos questionários pelos professores foi solicitado aos Diretores da FUMEC, dados referentes ao aluno da EJA I, matriculados neste 2º Semestre de 2012. Para ilustrar suas respostas, foram enviados em 13 de novembro, dados estatísticos que os Diretores dispunham das salas formadas pela FUMEC desta região. Das 31 salas da região, foram encaminhadas 23 formulários estatísticos, oferecidas como complementares às características do educando. No entanto, não há um padrão uniforme dos dados colhidos. Os dados foram tabulados segundo a regularidade possível e as informações foram inseridas nesta pesquisa. 3.2-Características da população da cidade de Campinas quanto à alfabetização – Faces da exclusão De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 20107, Campinas tinha a população de 1083.113 habitantes, sendo que 3,3% eram pessoas com 15 anos ou mais, que não sabiam ler e escrever, ou seja, 28.442 pessoas. Foi observada a seguinte 7 Censo Demográfico 2010. IBGE Cidades @. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1. Acesso em 22 out. 2012. 139 distribuição etária: 0.8 % (1.495 pessoas) na faixa etária de 15 a 24 anos; 1,3% (3.819 pessoas) com idade entre 25 a 39 anos; 3,3%, (9.017 pessoas) de 40 a 59 anos, e 10,6% (14.111pessoas) para a faixa onde estão os maiores escores: idade igual ou superior a 60 anos (Vide tabela 1, do Anexo A). Pelo Censo/2010 o Brasil apresentava 9,6% da população com idade igual e superior a 15 anos analfabeta, o que equivale a 13.933.173 pessoas. Este percentual reflete um declínio de pessoas que não sabiam ser e escrever quando confrontado como Censo/2000, que era de 13,63%, ou seja, 16.224.889 pessoas. As Regiões Norte e Nordeste do Brasil apresentam os maiores contingentes de taxas de analfabetismo entre as pessoas com a partir dos 15 anos. Na realidade brasileira temos maiores percentuais de pessoas que não sabem ler e escrever entre os representantes da cor auto declarada preta (14,4%), seguida da cor parda (13,0%). O percentual de brancos é de 5,9%. Verifica-se que os maiores escores da população analfabeta em Campinas, segundo o IBGE (2010) encontram-se entre as pessoas que estão acima de 40 anos, chegando a representar 14% dos integrantes desta faixa etária em Campinas. São pessoas que em idade escolar tiveram nas Leis 4024/61 e 5692/71 as orientações que organizavam o acesso ao ensino. Ambas as legislações refletiam a seletividade do sistema educacional em relação aos alunos. A imagem que se obtinha, devido a retenções e evasões, do ingresso no 1º ano do Ensino Fundamental à consecução do diploma universitário, era de uma pirâmide (FREITAG, 1986). Para uma análise pautada na classe socioeconômica da população: [...] é necessário ressaltar que, em 1964, somente dois terços das crianças de 7 a 14 anos estavam matriculadas em uma escola; 5 milhões (!) não estavam escolarizadas, das quais 3,3 milhões nunca haviam visitado uma escola. Em 1972 (onze anos depois de sancionada a LDB) ainda faltavam escolas para 4,4 milhões de crianças da faixa de 7-14 anos (FREITAG, 1986, p. 60). O processo de escolarização era conivente com a exclusão social presente naquele momento histórico. Observava-se que: “1000 crianças que em 1960 ingressaram no primeiro ano primário, somente 466 atingissem a segunda série primária” (FREITAG, 1986, p. 61). Os grandes índices de retenção (63,5% entre 1967 a 1971) e evasão (86% do primeiro ano ao terceiro ano escolar), levavam recorrentemente os jovens a deixarem as carteiras escolares para adentrarem, 140 desqualificados, no mercado de trabalho, que nesta época era omisso, em relação à prática do trabalho infantil. O aluno da EJA I de Campinas, (Anexo B), testemunhou a falta da democratização ao acesso à escola pública: Democratização pressupõe uma possibilidade de participação do conjunto dos membros da sociedade em todos os processos decisórios que dizem respeito à sua vida cotidiana, sejam eles vinculados ao poder do Estado ou a processos interativos cotidianos, ou seja, em casa, na escola, no bairro, etc. (OLIVEIRA, M.I., 2000, p. 11). As possibilidades fracassadas de uma criança participar ativamente da escola e do processo de apreensão dos códigos linguísticos e sociais acumulados pela humanidade interrompem um processo de cidadania, interferem em sua identidade e destituem sonhos do conforto alçado graças à educação. “Mesmo que saibamos que não é a partir da escola que a sociedade vai se transformar, podemos dizer que as mudanças que podemos produzir dentro da própria escola já modificam a sociedade” (OLIVEIRA, 2000, p. 30). A exclusão do sistema escolar é mais uma das exclusões das quais sofrem um indivíduo, numa sociedade de desiguais oportunidades. Segundo Ximenes (2001. p. 55): Coincidentemente, os mesmos cidadãos que são excluídos do direito à habitação, ao emprego, à saúde etc., são também excluídos do direito à educação. As desigualdades presentes no campo social apresentam-se na escola sob a forma de reiteradas reprovações, sucessão de abandonos e retornos e, por fim, a exclusão definitiva. Está formado, assim o ciclo das desigualdades: baixa escolaridade, falta de qualificação profissional, falta de emprego. Conclui-se que Campinas, por ser uma metrópole, atrai migrantes que buscam melhores condições de vida. A cidade em seus dados estatísticos reafirma a exclusão de oportunidades que é encontrada em maior escala no país. Os investimentos em políticas sociais significaram mudanças em muitas realidades, no entanto, há ainda muitos que não acessam a direitos fundamentais, a dignidade humana e ao exercício de sua cidadania. 141 3.2.1- Características quanto à cor declarada das pessoas com 15 anos ou mais que não sabem ler e escrever na cidade de Campinas. Nesse tópico serão analisadas as relações entre analfabetismo e a cor declarada ao Censo do IBGE 2010. As denominações utilizadas para a cor, são as adotadas pelo IBGE, ou seja: branca, preta, parda, amarela e grupo indígena. Pelos dados do Censo, Campinas possuía quanto ao item “a cor declarada das pessoas com 15 anos ou mais que não sabem ler e escrever”, entre as pessoas que se declararam “brancas” uma maior concentração no grupo formado por pessoas na faixa de 60 anos ou mais, sendo 7,3%, ou seja, 7.462 pessoas. Este percentual mostrou-se decrescente às demais idade. Este grupo representava 2,2 % do grupo geral em Campinas quanto à alfabetização (Anexo A Tabela 2). Quando analisados os dados referentes a cor declarada “preta”, em grupos acima de 15 anos ou mais, que não sabem ler e escrever, temos o total de 3.448 pessoas, ou seja 5,5%, da população de Campinas. Os maiores percentuais estão presentes na faixa etária a partir de 60 anos, com 19,9% , ou seja, 1.641 pessoas. A esta faixa segue-se a faixa de pessoas com idade entre 40 a 59 anos, ou seja, 1.182 pessoas analfabetas, que corresponde a 6,0% . Na cor declarada “parda” há, para este grupo acima dos 15 anos ou mais que são analfabetos, 11.781 pessoas, ou seja, 5,7%, sendo que a grande concentração, 23,9 % (4.861 pessoas), encontra-se na faixa etária igual ou superior a 60 anos, seguida pela faixa compreendida entre 40 a 59 anos, com 7,1% (4.330 pessoas). Quanto à cor declarada “amarela”, esta representa 2,1 % no cenário de Campinas com pessoas acima com 15 anos ou mais que são analfabetas, ou seja, 243 pessoas. No grupo que se declarou “indígena”, pelo Censo do IBGE de 2010, residente em Campinas, SP., 6,1 % (57 pessoas) são analfabetas e, mais da metade desse grupo, se concentra na idade igual ou superior a 60 anos. Este dado reflete a realidade existente no Brasil que, segundo este mesmo censo, entre os indígenas com idade igual e superior a 15 anos há 32,3% analfabetos. Foram consideradas indígenas as pessoas que autodeclararam, falavam língua e 142 pertenciam as etnias indígenas. Segundo dados de 20138, no Brasil há 896 mil indígenas, distribuídos em 305 etnias. Com esses dados do IBGE (2010), é possível perceber que a cor da população em Campinas interfere na conquista da alfabetização. Se forem somadas os percentuais das populações negras (5,5%) e pardas (5,7%), ambas atualmente denominadas afrodescendentes, é possível verificar que é neste grupo onde se localiza o maior número de analfabetos em Campinas (15.229 integrantes), seguida da indígena (6.1%). Para entender como este grupo agrega o maior contingente de analfabetos é preciso analisar os dados à luz da história passada. Campinas foi um dos cenários da escravidão vivida no Brasil e, foi um dos últimos redutos a concordar com a abolição, uma vez que sua economia, baseada no café, tinha como força produtiva a mão de obra negra. Porém, a abolição não garantiu que não continuassem sendo disseminadas atitudes preconceituosas em relação aos negros, uma vez que não apenas no Brasil, mas no mundo, ideias ligadas à supremacia de raças estavam em voga, aliciando e propagando entre teóricos, eruditos e governantes tais concepções: O mito de que vivemos em uma cultura uniforme em que não existem desigualdades nem preconceitos, na verdade fez com que as discriminações praticadas com base nas diferenças raciais acabassem por ficar ocultas, sobretudo aquelas contra as populações negra e indígena (BRASIL, Ministério da Saúde, 2010, p. 14-15). No Brasil a composição da população se fez e se faz pela miscigenação de várias etnias. Não se sabe ao certo, o ano em que chegaram os primeiros negros ao Brasil, mas estima-se que foi por volta de 1531, com a tripulação de Martin Afonso de Souza (RODRIGUES, 1995). Destes 472 anos de miscigenação resultaram uma infinidade de nomenclaturas para a identificação de nuances da pele do brasileiro. O IBGE adotou o termo “pardo” após a realização do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios) em 1976. Nesta pesquisa o entrevistado deveria atribuir uma cor a si, e como resultado, 135 cores diferentes foram levantadas como referência. Diante desta lista, o IBGE adotou o termo “pardo” para designar as pessoas que não eram brancas, negras, amarelas ou indígenas. Na década de 1970 houve a supressão da identificação da cor, o que perdurou no Censo por décadas. O motivo desta estratégia seria escamotear a realidade, ou seja, mascarar o racismo 8 Disponível em: http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2013/04/ibge-brasil-tem-896-mil-indigenasdistribuidos-em-305-etnias. Acesso em 15 dez.2013. 143 existente no Brasil (SILVA JR; SILVA, 2010). Em 1982, a Folha de São Paulo de 22 de janeiro, “denunciou que o IBGE tinha conhecimento, desde 1980, sobre o racismo no mercado de trabalho, dificuldades na contratação e salários menores para os negros e pardos, mas esta pesquisa do Departamento de Estudos e Indicadores Sociais foi mantida em sigilo” (SILVA JR; SILVA, 2010, p.43). Com o mito de democracia racial sendo irradiado, não se dava visibilidade às diferenças de tratamento aos negros e pardos, e o silêncio imperava. Em 1990, numa campanha intitulada, “Não deixe sua cor passar em branco”, liderado por Betinho9, que estava à frente do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, foram desencadeadas mobilizações sobre a “importância do recenseamento e a demografia na luta de um país igualitário” (SILVA JR; SILVA, 2010, p. 48) No Censo de 1990 observou-se a declaração da seguinte composição da população: 55,3% brancos, 39,3% pardos, 4,9% negros e 0,5% amarelos (RODRIGUES, 1995 p. 35). Se considerarmos a parcela de pardos e negros, percebe-se o percentual de afrodescendentes que compõem a população brasileira. Para Kabengele Munanga (apud SILVA JR; SILVA, 2010, p.45-46): “O racismo brasileiro é caracterizado por um silêncio criminoso que além, da exclusão sistemática dos negros em vários setores da vida nacional, prejudica fortemente o processo de identidade coletiva da qual resultam a conscientização e mobilização de suas vitimas”. As mobilizações sociais geradas têm no Movimento Negro um grande deflagrador de discussões sobre a luta contra o racismo, a igualdade racial, e a defesa da cultura e identidade negras (SILVA JR.; SILVA, 2010). Segundo Gomes e Silva (2002), a partir de 1990, temáticas voltadas à diversidade étnicocultural são introduzidas nas formações de professores onde havia grande ausência desta temática e de bibliografia voltada à educação, ficando o tema mais presente nas Ciências Sociais e na Antropologia. A discriminação educacional juntamente com a discriminação social exterior reproduz uma exclusão virtual dos afrodescendentes do sistema escolar, ao mesmo tempo em que a falta de educação da maioria negra reforça o estereótipo que ajuda a justificar a discriminação contra o grupo (RIBEIRO, 2005, p. 78). 9 Herbert José de Souza, Betinho (1935-1997), foi um sociólogo brasileiro ativista dos Direitos Humanos. Disponível em: wikipedia/org/wiki/Herbert_jose_de Souza. Acesso em 09 jun. 2013. 144 A demora no acolhimento da população negra no Brasil, para fins de acesso aos níveis de escolarização, pode ser observada também nas legislações. Deste modo, “a Constituição de 1824, que continuou vigorando até 1889, declarava que o ensino de primeiro grau no Brasil passava a ser obrigatório para todos os brasileiros, exceto para os leprosos e os escravos (BEOZZO apud RIBEIRO, 2005, p. 67, grifos do autor). Esta regra incluía a proibição ao acesso destes grupos à alfabetização, e se estendia, no caso dos negros, a todos que os ensinavam a ler e a escrever. Em 1872 havia apenas 958 escravos alfabetizados numa população de 804.212 homens e, de 445 escravas alfabetizadas num total de 705.191 mulheres. Assim, de 1.509.403 escravos, apenas 1.403 sabiam ler e escrever, ou seja, uma relação de um escravo para cada grupo de mil (RIBEIRO, 2005). Em Campinas, a grande incentivadora da alfabetização voltada aos despossuídos (homens pobres, libertos e escravos) foi a Loja Maçônica, criada em 1874. Em relatórios escolares daquela época, foi constatado que havia 23 escravos e 191 libertos matriculados na escola. Porém, não existem dados referentes ao consentimento dos seus senhores para que estudassem. Com a Abolição da Escravatura (1888) e com o advento da República (1889) não houve uma grande “chamada” aos bancos escolares de todos os excluídos, mesmo sob a égide da igualdade, da liberdade e direitos. Segundo Anísio Teixeira (apud RIBEIRO, 2005, p. 69): O sistema escolar estadual era, dominantemente, um sistema de classe média, com a escola primária transformada em escola seletiva, por serem poucas e devido à exigência de caráter social que passou a fazer para a matrícula, tais como traje, livros, etc. [...] que afastava os alunos mais pobres [...]. Em 1920, segundo Teixeira (op cit), o Governo do Estado de São Paulo, convencido de que era necessário oferecer escola aos mais desfavorecidos, criou uma escolarização de dois anos. Mesmo assim, as oportunidades para as classes mais pobres eram poucas diante do sistema pouco inclusivo e seletista que vigorava. No Censo de 1990 os percentuais de analfabetismo no Brasil estavam na casa dos 18%, no entanto, quando verificado esses índices na população declarada negra, o percentual era de 30%. Este número representava, também, a não inserção com sucesso num sistema educacional onde repetência, fracasso e evasão tinham sempre lugar (SANTOS, 2009). 145 Mesmo com a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente ECA (1990) ainda não se assegurava que a letra da Lei impressa que fosse também expressa de fato na sociedade. Contudo, com as ações afirmativas10, que segundo Blajberg, (1996) são todas as variedades de programas e medidas tomadas que visam à correção e a compensação de desigualdades raciais e de gênero históricas, que foram produzidas numa sociedade e, com o advento da Lei 10.639/2003 torna-se obrigatório o ensino de História e Cultura da África e das Populações Negras Brasileiras, nas escolas de todo o país. A Lei nº 11.646, de 10 de março de 2008, trouxe nova alteração à Lei nº 9.394/1996, que estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional com a inclusão no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-brasileira e Indígena”. Deste modo, a etnia passou a ser tema de discussões em vários fóruns privilegiados da sociedade, em especial a escola. Para a educação este movimento representou a construção de uma pedagogia mais democrática e pluricultural, privilegiando grupos, até então, silenciados e invisíveis ao sistema, mas ainda professores que estão em contato com a transposição da Lei em atos, têm percepções ainda distantes do ideal, como se observa neste depoimento colhido na rede social: [...] percebemos que apesar da obrigatoriedade da Lei 10.639, ainda há um longo caminho a se percorrer para que essa história consiga emergir sem máscaras preconceituosas. Entretanto, se faz importante o papel desempenhado pelo professor em sala de aula que precisa estar atualizado no que se refere às pesquisas históricas, de modo que possa suprir as deficiências do livro didático sobre os conteúdos da história da África, como também, poder usar o livro como ponto de confronto com a realidade (Albuq, 11 maio 2011). Segundo Corrêa (2012), existe no Brasil discriminação racial velada, isto porque os dados apontam para uma cor na segregação cotidiana quando comparadas características de trabalho, renda, escolarização, saúde, na população branca e negra. A segregação apontada por Correa não é feita de modo agressivo, porém ocorre de forma dissimulada. Verifica-se que em São Paulo, segundo pesquisa citada pela articulista, o negro ocupa setores como construção civil, trabalhos 10 Ações afirmativas são “medidas especiais e temporárias, tomadas ou determinadas pelo Estado, espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento, bem como de compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, decorrentes de motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros”. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/A%C3%A7%C3%A3o_afirmativa. Acesso em 06 out. 2013. 146 domésticos que exigem menor qualificação profissional e está em menor número em trabalhos relacionados com setores como serviços, indústria e comércio. O rendimento por hora de trabalho de um negro chega a ser 61% do que é pago a um não negro. Também em relação a trabalho, com base no IBGE (2010) a comentarista coloca que “entre os 5,3 milhões de jovens brasileiros de 18 a 25 anos que não trabalham nem estudam, mais de 62% são de mulheres e homens negros, pardos e indígenas” (CORRÊA, 2012, p. 2). Segundo dados do Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil, organizado pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, citados por Corrêa (2012, p. 2), chamam atenção: O número de homens e mulheres negros e pardos atingidos por doenças de notificação compulsória em todo o País foi, no ano de 2008, quase 35% superior ao número de brancos que tiveram essas doenças. Além disso, o percentual de mulheres que procuraram serviço de saúde nas duas semanas antes da pesquisa e não receberam atendimento, foi duas vezes maior entre as negras e pardas, do que entre brancas (CORRÊA, 2012, p. 2). Nesta mesma pesquisa, mencionada por Corrêa, em termos de Brasil, as taxas de analfabetismo foram em 2008 de 6,2% da população branca de 15 anos ou mais e entre os negros e pardos, o percentual foi maior que o dobro, ou seja, chegou a 13,6%. Com relação às taxas de homicídio, conforme Corrêa, o Mapa da Violência observou que entre 2002 e 2010 houve queda do número de homicídios entre a população branca e aumento entre a população negra. Houve em 2010 no Brasil 13.600 assassinatos de brancos e 33 mil de negros. O desenvolvimento da população negra como um todo e a sua participação social são imensamente dificultados pela grande desigualdade racial vigente no Brasil, associada a mecanismos mais ou menos explícitos de discriminação que podem ser verificados por meio de pesquisas e estatísticas oficiais que apontam que as desigualdades entre negros e brancos, homens e mulheres, no mercado de trabalho, no acesso aos bens e serviços, na conclusão do ensino médio ou superior, entre outras dimensões da vida. (BRASIL, Ministério da Saúde, 2010, p.38). Apesar de serem dados recentes, verifica-se que todas estas disparidades têm reflexo no exercício da cidadania da população negra. Ainda há muito que se caminhar para uma maior unidade entre os brasileiros, para além da condição de sua cor de pele. 147 3.2.2- Taxas de Analfabetismo na cidade de Campinas - Comparativo 2000 e 2010 Segundo os Censos do IBGE dos anos de 2000 e 2010, há um decréscimo nas taxas de analfabetismo entre os grupos compostos por pessoas de 15 anos ou mais que não estão alfabetizadas em Campinas, prevalência da faixa de pessoas com 60 anos ou mais (Anexo A tabela 3). Apesar de serem observadas quedas nas taxas de analfabetismo em Campinas de 1,7% entre o ano de 2000 e 2010, estes números são tônicas importantes nas políticas do município. Nesta direção, segundo o Portal Institucional da Prefeitura Municipal de Campinas11 (Outubro de 2012) foi proposta uma ação educativa sistemática, com criação da Fundação Municipal para Educação comunitária (FUMEC), que consiste “em uma Fundação de direito público, criada em 16 de setembro de 1987 (Lei Municipal nº 5.380) e tem entre seus objetivos o desenvolvimento de Programas de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos e de Programas de Educação Profissional”. O ensino desenvolvido na modalidade supletivo equivale às quatro primeiras séries do Ensino Fundamental e tem como objetivo criar condições para que todos sejam incluídos no mundo da leitura e escrita. Para cumprir tal tarefa, a FUMEC dispõe de salas localizadas em cinco regiões de Campinas: Norte, Sul, Leste, Noroeste e Sudoeste, segundo este mesmo Portal de informações: As ações de alfabetização de jovens e adultos são desenvolvidas em salas de aula instaladas em escolas, empresas, associações de bairros, penitenciárias, albergues, igrejas, enfim, em todos os locais em que exista demanda. A maioria dessas salas está localizada na periferia da cidade, para facilitar o acesso de seus alunos em potencial, jovens e adultos das classes populares. As salas de aula, da região Noroeste, no 2º semestre/2012, estão organizadas na seguinte proporção por períodos: 11 Portal Institucional da Prefeitura Municipal de Campinas. FUMEC. Disponível em: http://2009.campinas.sp.gov.br/educacao/fumec/equipe_fumec/cpja/. Acesso em 23 out. 2012. 148 Tabela 1 Distribuição de salas de EJA. Região Noroeste. Períodos: Número de salas de aula: Manhã 04 Tarde 06 Noite 21 Total: 31 Fonte: Sistema INTEGRE, 2º Sem/2012. As salas de aula são distribuídas em diferentes espaços físicos emprestados, especialmente pela comunidade de cada local ou do governo: Associação de Moradores, Igrejas, sede sociais de centros comunitários, escolas municipais e estaduais, equipamentos da Secretaria de Assistência Social e da Saúde. De acordo com os Diretores da FUMEC descentralizada, da Região Noroeste de Campinas, neste 2º Semestre de 2012, 12 estão matriculados 364 jovens e adultos, em trinta e uma salas de aula da região. Dos alunos matriculados há 114 alunos do sexo masculino (ou seja, 31, 31%) e 250 do sexo feminino (68,68%). Deste grupo de 364 alunos, 49 são naturais de Campinas e os demais 315 são imigrantes de outras cidades e Estados do Brasil. Há predominância de alunos imigrantes da Região Nordeste do Brasil (179 alunos, ou seja, 49,31%), em especial do Estado da Bahia, com 64 alunos. A maioria destes imigrantes nordestinos, sem estudos, é composta por mulheres (102). Não há registro de alunos provenientes da Região Norte do país, já, a Região Centro Oeste tem 1,10% dos alunos, ou seja, quatro alunos (Anexo B). Quanto à Região Sul, 32 alunos são oriundos do Paraná e, novamente as mulheres estão em maior número, quanto à falta de estudos. A quantidade de mulheres é quase quatro vezes maior, que a dos homens. Verifica-se na análise da Região Sudeste, que o próprio Estado de São Paulo gerou 92 alunos da EJA I, sendo seguido pelo Estado de Minas Gerais, com 54 alunos, sendo observado, 12 Segundo estatísticas do Sistema INTEGRE. Dados referentes ao segundo semestre de 2012. Acesso em 05 out. 2012. 149 mais uma vez, que o número de mulheres é superior ao dos homens (quatro vezes maior que de homens). A maior participação nas salas da EJA I, de alunos provenientes de outros municípios e Estados do Brasil, confirma ainda a falta de acesso e políticas de inclusão à escolarização em idade própria no Ensino Fundamental, apesar do que é assegurado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9394/1996), em seu Art. 2º: “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Chama atenção a presença maciça das mulheres (68,68%) nas salas de EJA deste estudo. Isto que pode sugerir que o dado cultural de gênero concorreu para que o local “escola” fosse preterido a essas meninas. Ou seja, ainda persistiu em suas histórias de vida, uma educação que contribuiu para a distinção entre o espaço a ser ocupado por mulheres e homens, na sociedade. A falta de escolas no campo, o trabalho precoce, comprometem o acesso à escolarização, uma vez que, no caso das crianças estas dependem necessariamente dos adultos próximos para inseri-las no contexto escolar. Apenas o dado numérico de 364 alunos (Estatística de outubro/2012) foi possível receber através de uma única estatística. Os demais dados dos alunos da EJA I, matriculados no 2º semestre de 2012, na Região Noroeste, foram disponibilizados pelos Diretores da FUMEC através do envio eletrônico de 23 estatísticas representando os locais em que há salas da EJA I. Quando somadas os dados referentes ao número de alunos tem-se uma amostra de 369 alunos (dados de novembro/2012), o que pode indicar a matricula de mais quatro alunos, uma vez que estas podem ocorrer durante todo o ano. Infelizmente alguns dados não estavam consistentes, pois somatórias possíveis eram disformes com o número de alunos. Deste modo, a análise se remeterá a ponderações tendo em vista a frequência de cada característica. Analisando estes dados têm-se as seguintes informações: A maioria dos alunos da EJA I, da Região Noroeste de Campinas, é composta por mulheres. Quanto ao estado civil dos alunos a maioria é casada. A cor de pele predominante é a branca, seguida pela cor negra e parda. Cerca de 10% dos alunos não declararam ou informaram sua cor. 150 A maior concentração de mulheres matriculadas possui idade igual e superior a partir a 30 anos. Quanto aos homens, a faixa predominante, é entre 15 a 54 anos. Sobre as mulheres pode-se abstrair que a partir dos 30 anos já estejam mais liberadas dos encargos maternos, oportunizando maiores chances da volta aos estudos. Nas salas há um número equitativo entre homens e mulheres portadores de deficiência, sendo a mais recorrente em ambos a deficiência mental. A maioria dos alunos vive em área urbana, na Região Noroeste de Campinas. As atividades profissionais mais comuns entre os alunos estão relacionadas a trabalhos que não dependem exclusivamente da leitura e da escrita, como trabalho doméstico, (faxineira, diarista, empregada, babá, copeira, auxiliar de cozinha), mecânica, construção civil (pedreiro, pintor), muitos declararam ter trabalho autônomo. Há uma grande presença de aposentados e pensionistas e donas de casa nas salas de EJA I desta região. No portal da Prefeitura, já citado, há cinco biografias de alunos publicadas em que estes relatam as dificuldades do estudo na infância, o trabalho precoce para auxílio à família, o aval do pai para que não estudasse, pois, era desnecessário, a inconclusão dos primeiros anos de estudos ligado ao baixo desempenho escolar e, o encontro com “professora brava” (sic). A realidade comum é a baixa escolaridade dos pais, da pobreza, do campo, a realização de trabalhos braçais. Dos depoimentos publicados dois são migrantes da Bahia, um do Ceará, um da Paraíba e um do Maranhão. A FUMEC também provê estudo profissionalizante por intermédio do CEPROCAMP, que surgiu com um convênio firmado em 2001 com o Governo Federal, tem que tem por objetivo oferecer cursos técnicos e básicos de educação profissional. 3.3- Características do professor de EJA I Com a pesquisa de campo junto aos profissionais que estão desenvolvendo a EJA I, pude me aproximar da realidade que estão inseridos, as expectativas do trabalho, dúvidas, certezas, idealismos, que envolvem suas práticas. Através dos Diretores da FUMEC tive a informação que há 31 professores lotados pela FUMEC na Região Noroeste. Para conhecer o perfil desses professores da FUMEC desta região, foi solicitado que respondessem a um questionário (Anexo 151 B). Com a aplicação do questionário foram obtidas 19 respostas de professoras, embora existam mais docentes nesta região, vários não estavam presentes à aplicação do questionário, que foi realizada em três dias diferentes, em reuniões de Trabalho Docente Coletivo (TDC). Com a pesquisa, foi verificado que todos os professores têm formação universitária em Pedagogia. No grupo de docentes há uma Doutora em Educação Especial, um Mestre em Educação, dez professores com Pós-Graduação em EJA (Educação de Jovens e Adultos), um professor com pós-graduação em Educação Especial, um professor especializado em Psicopedagogia, um em Didática. Em entrevista com os Diretores da FUMEC foi obtida a informação que todos os professores têm acúmulo, ou seja, possuem outro trabalho como docentes, no contraturno. Portanto, no grupo pesquisado, o trabalho com EJA I não é a única opção de trabalho do professor. A partir das demais questões do questionário, em itálico encontram-se as transcrições na íntegra das respostas dadas pelas professoras: a) Sobre os elementos da formação/experiência que o professor da EJA I da região Noroeste considera relevantes em sua prática, foi computado: - “Lidar com teoria aliada à pratica”; “Embasamento teórico e reflexão da prática”. - “A psicologia para saber lidar com os sentimentos deles [os alunos] e também a própria experiência do dia a dia”. - “Com EJA I tive uma experiência relevante na primeira Escola que trabalhei, era bem ousada e fazia trabalhos fora da classe. Gostava muito quando em nossa formação haviam as oficinas pedagógicas ministradas pelas próprias colegas da FUMEC”; - “Experiência com alfabetização há 20 anos; Literatura (formação do leitor), práticas diárias de leitura; Participação do grupo "afetividade" - ALLE (Unicamp)”; - “A especialização em Ed. Especial me ajudou muito no trabalho com alunos com dificuldades na aprendizagem”; - “Ter estudo sobre a EJA”; - “Por incrível que possa parecer a minha formação como jornalista me instrumentalizou para o trabalho com o adulto”. - “Levar em consideração a vivência do aluno”. 152 b) Sobre as metodologias adotadas no trabalho com jovens e adultos, as professoras indicaram: - “Aquela que dá certo com o aluno. Muitas vezes (ou sempre), o aluno mostra o caminho para o professor”. - “Sociointeracionista com alguns elementos teóricos de Paulo Freire”. - “Socioconstrutivista”. - “Metodologias voltadas para uma visão mais sociointeracionista, práticas de mediação, visando reconhecimento do repertório do aluno e ampliação”. - “Considero muito a história de vida dos alunos, trabalho com uma metodologia interdisciplinar”. - “Pedagogia de projetos com uma concepção freiriana”; “A que uso é metodologia de Projetos (Pedagogia de Projetos)”; “Metodologia de Projetos com uma concepção Freiriana, ou seja, a partir da realidade do aluno para constituição de conteúdos mais elaborados”; - “Metodologias diversas. ‘ Cada um olhar, um caminho’ ”; - “Percebo que tenho que usar algo misturado, mas o tradicional é o que eles mais aceitam, então vou ‘reinventando atividades’ para que fiquem de acordo com a vida deles”. - “O que agradar mais naquele momento, tipo querem cópia?! Ajeito algumas dentro do assunto estudado”. c) Sobre conhecer o Psicodrama Pedagógico: - “Conheço e utilizo dinâmicas que visam a elevação da autoestima e valorização de todos os sujeitos envolvidos no processo ensino-aprendizagem, ou seja, mulheres, negros, pobres,etc”. - “Eventualmente, busco recursos do psicodrama para enriquecer o planejamento e trabalhar de modo reflexivo questões que surgem na sala de aula”. - “Conheço nuances, admiro, gostaria de conhecer mais para utilizar”. - “Conheço um pouco, mas tenho dificuldade para trabalhar com isto”. - “Sem saber a fundo o que é, já utilizei dramatizando situações do cotidiano, nas quais eles se identificaram muito”. 153 - “Meu conhecimento é superficial nesse sentido. No entanto, dinâmicas que promovam o reconhecimento da identidade do grupo fazem parte do meu trabalho. Uso literatura como ‘ caminho’”. - “Sim, mas não tenho com aprofundamento. Precisaria estar conhecendo melhor”. - “Conheço, mas não uso”. - “Conheço um pouco através de uma professora que utilizava o psicodrama numa ONG”. - “Não conheço muito e não utilizo corretamente”. - “Não tenho um conhecimento aprofundado em psicodrama, utilizo ocasionalmente a dramatização de situações do cotidiano”. - “Conheço um pouco, mas não utilizo”. - “Não conhece”. (6 respostas) - “Não conheço e não utilizo. GOSTARIA MUITO DE CONHECER13”. d) Sobre o que o professor acredita que poderia contribuir para o trabalho de alfabetização com o aluno de EJA: - “Que aquelas pessoas que estão no poder, no topo, conhecessem o aluno e realmente abraçassem a causa dos alunos de EJA”. - “Valorização do seu saber; Trabalhar a autoestima; Conhecer e valorizar a sua realidade; Apontar constantemente os seus pequenos avanços”. - “Atividades como: artesanato, música, teatro, etc.”. - “Melhorar as condições estruturais; Valorizar o papel do professor nessa sociedade; Formação continuada (frequência e diversidade de tópicos/ assuntos a serem abordados)”; - “Um trabalho dinâmico que deveria ser promovido em sala de aula, o qual me proponho a fazer. Mas que carece de incentivo da Secretaria Educacional”. - “Acredito que a maior contribuição para o trabalho de alfabetização é desenvolver um trabalho pedagógico que desperte o interesse dos alunos, ou seja, trabalhar sempre de forma dinâmica”. - “Tenho 18 anos só em alfabetização e de trabalho com dinâmicas para promover a fala dos alunos” 13 O destaque em letras maiúsculas foi feito pela professora que respondeu ao questionário. 154 - “O trabalho vinculado ao cotidiano do adulto, numa aprendizagem significativa”. - “A técnica do psicodrama” - “Após a confiança estabelecida, fica muito fácil você fazer novas atividades. Este ano, por exemplo, estou investindo na leitura, eu empresto um livro, ou texto, poesia, cordel, etc (eles escolhem), e aí fica com o aluno até que ele se sinta à vontade para ler para a classe e isso tomou uma proporção maravilhosa, eles ficam ansiosos para que chegue logo a vez deles”. - “Músicas que eles gostam. Jogos já tenho usado um pouco e eles gostam.” - “Cursos, leituras trocas de experiências com os colegas”. - “Novas metodologias, melhores condições de trabalho nos núcleos isolados”. - “Informática e material pedagógico adequado”. - “A informática e mais materiais didáticos como livros, filmes adequados ao nível de cada um”. - “Material adequado e aula de informática diária”. - “O livro didático melhorou bastante, mas poderia ser mais adequado ao nosso aluno de EJA. Informática na sala de aluna (computador)”. - “Não conheço o trabalho de psicodrama, mas acredito que contribuiria bastante e gostaria de conhecer”. - “Ênfase na figura/fonética” e) No espaço aberto para outras manifestações dos professores: - “Precisamos de transporte” - “Tem muitos professores que tem bons trabalhos com dramas, pena que não são conhecidos pela própria FUMEC”. - “Neste ano me ausentei 3 meses, atrapalhando o cumprimento do currículo”. - “Momentos em que as professoras possam discutir suas práticas em relação às dinâmicas”. Com a tabulação das respostas das professoras foi possível constatar que as práticas docentes são realizadas com o suporte teórico proveniente das formações acadêmicas e de outras experiências realizadas tanto na EJA, quanto em outros espaços educativos. Estas vivências oportunizam segurança e percepção de que são válidos para sua nova utilização junto a adultos e jovens no processo de alfabetização. Estudos na área da linguística, da psicologia, da EJA, da Educação Especial, somadas à percepção da realidade do aluno, dão respaldos à ação docente. 155 Sobre formação de professores, Lima, (2008), constata que as identidades dos educadores são compostas de memórias, histórias pessoais, sentidos, preceitos, conotações e valores que participam ativa e simultaneamente no desempenho profissional. “Ao interagir com o aluno, a identidade profissional do professor é necessariamente afetada, tal como um processo interativo de co-criação e de transformação. Sendo assim, querendo ou não, estando o professor preparado ou não, as identidades estão em jogo!” (LIMA, 2008, p. 109). Diante desta bagagem e da riqueza que se encontra no meio educativo é que um trabalho pautado em sentido pode ser realizado: [...] o espaço e a vivência da escola proporcionam contato com diferentes pessoas, mais velhas e mais novas, com diferentes histórias pessoais, personalidades diversas, com origens, crenças e valores distintos, em diferentes momentos, dia a dia, mês a mês, ano a ano; é a riqueza da diversidade reunida e disponível em um mesmo local que precisa ser aproveitada e partilhada para o conhecimento do mundo e das prelações pessoais, que é o que nos envolve e nos mobiliza. (FERNANDES, 2000, p. 75). As metodologias presentes são as que partem da relação sociointeracionista do aluno com a realidade. Mesmo as ações ditas tradicionais são exploradas pelas professoras, tendo em vista o atendimento às preferências metodológicas sinalizadas pelos alunos. Não há um caminho único adotado. As intervenções metodológicas podem desde partir do livro didático, de propostas advindas pela adoção de projetos interdisciplinares, das percepções que fazem do aluno e suas necessidades, ou as que “dão certo”, ou seja, as que já foram utilizadas em outros contextos e novamente reapropriadas, para uso neste grupo de alunos. Sobre esta transposição de práticas educativas, Freire (1974, p. 81), recomenda que: “A educação como prática da liberdade, ao contrário daquela que é a prática da dominação, implica na negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim também na negação do mundo como uma realidade ausente dos homens”. Nessas condições, é tendo em mente para quem se está se dirigindo a prática do docente, que se converge o planejamento, que deverá estar aliado à escuta deste outro homem. Para Paulo Freire (1983, p. 24) “não há técnicas neutras que possam ser transplantadas de um contexto a outro. A alienação do profissional não permite ver esta obviedade”. Sobre esta condição Freire ratifica que a alienação não possibilita ao homem abandonar a insegurança, a frustração e bloqueia sua criatividade. Sem a ousadia da aventura de criar, não há criação. (FREIRE, 1983), Assim: 156 A educação é subversão, e nisto ela já é política: assim é preciso começar por modificar a configuração pedagógica para mostrar funcionamento da escola e encontrar uma eficácia educativa. A mudança vai se chocar com o hábito de submissão dos alunos, sabendo que o desejo de submissão está ligado na estrutura inconsciente do campo pedagógico à posição do não-saber do aluno e, portanto à identificação privilegiada saber-professor. Compreende-se melhor agora a força do processo tradicional e, a partir disso, a urgência de uma educação negativa que apregoe o apagamento do professor por detrás das coisas – aqui o método inicial – as escolhas que isso requer e suas exigências (HOUSSAYE, In: OLIVEIRA, M.I., 2000, p. 72-73). Quanto ao uso do Psicodrama Pedagógico como opção metodológica no trabalho com a EJA I foi verificada grande desconhecimento do que abrange este recurso, limitando-se a vivências de dinâmicas que visam à elevação da autoestima e valorização, de todos os sujeitos envolvidos, no processo ensino-aprendizagem. Para as professoras, o favorecimento do trabalho de alfabetização aconteceria com a utilização de recursos pedagógicos que despertassem o interesse dos alunos, ou seja, trabalhar sempre de forma dinâmica, utilizando desde o artesanato, o teatro, a informática, livros, músicas, jogos, trabalho vinculado ao cotidiano do adulto, enfim, há várias indicações de métodos ativos já preconizados pelo movimento da Escola Nova. Sobre esta condição estar mais próxima da libertação do homem, Freire (1974, p. 98), coloca que: [...] para esta concepção como prática da liberdade, a sua dialogicidade comece, não quando o educador-educando se encontra com os educandos-educadores em uma situação pedagógica, mas antes, quando aquele se pergunta em torno do que vai dialogar com eles. Esta inquietação em torno do conteúdo do diálogo é a inquietação em torno do conteúdo programático da educação. Há uma manifestação, através dos questionários respondidos, que os trabalhos realizados pelas professoras da EJA I da Região Noroeste de Campinas, ficam muito restritos a quem os realiza, de modo que socialização das experiências poderia constituir numa nova forma de formação aos docentes de EJA I. Deste modo: Os próprios conteúdos do ensino, sempre necessariamente articulados às metodologias, às convicções de ordem relacional entre sujeitos, grupos sociais e saberes, são rediscutidos e reorganizados de modo a questionar verdades oficiais, cientificas e/ou deontológicas. Ou seja, a construção de uma sociedade democrática implica o desenvolvimento de uma ação concreta em todos os espaços de interação social, inclusive na escola (OLIVEIRA, M.I., 2000 p. 31-32). 157 Na busca de uma escola mais democrática, não há que se esperar das esferas mais centrais uma postura balizadora e desencadeadora de tal relação. É nas escolhas que se faz no dia a dia, desde as mais singelas, que o professor faz uma opção clara por sociedade e homem, que espera formar. Pois estas: [...] transformações no ensino implicam uma mudança paradigmática, uma vez que, esbarram em diversas dificuldades e oposições, do ponto de vista institucional da educação, burocratizada e rígida, e quanto à atitude dos profissionais da educação, instalados em seus antigos hábitos. De fato, não é fácil conceber a escola, o ensino e os papéis sociais a estes correlatos por meio de outra forma de pensar e agir (LIMA, 2008, p. 109). Para finalizar, ouço dos mais distantes refúgios de mim, a frase repetida a larga, mas se refletida, muito rica em sentido: “Seja a mudança que você quer ver”. Acredito que é o que se clama para a educação de/para jovens e adultos. Não é esperar, é fazer. Deslocar o discurso da “não mudança” para o externo é aceitar a imperiosa lógica de dicotomizar quem pensa e quem executa. 3. 4- O que dizem os dados Ao analisar os dados provenientes da pesquisa junto às professoras de EJA I, seus Diretores, as estatísticas referentes aos alunos matriculados no 2º semestre de 2012, da Região Noroeste de Campinas, os dados do IBGE 2010, os conteúdos disponibilizados no Portal Institucional da Prefeitura de Campinas, foi possível destacar algumas características comuns que compõem a face de exclusão renitente e ainda presente na história educacional do país. A instituição escolar, ou seja, o cenário escolar reflete de forma micro a coesão e a dispersão presente na estrutura macrossocial, cuja composição foi constituída histórica e socialmente. Este resíduo persistente remete-se à colonização do país, aos ditames emprestados de lógicas eurocêntricas, às relações de poder entre dominados e dominadores, a modelos próprios de sociedades distantes da realidade brasileira. Pelas características mais marcantes dos alunos têm-se um fiel retrato das exclusões a que classes desfavorecidas estão sujeitas no Brasil. Assim, a identidade dos alunos da EJA I foi 158 forjada num sistema que legitima desigualdades e fronteiras entre indivíduos representantes de culturas, etnias, gêneros desqualificados através das relações de poder. Para estes indivíduos também restam a assimilação de preceitos que configuram seu autoconceito, segundo as expectativas postas para seu grupo social. Esta apreensão ocorre pela incorporação de palavras alheias e pelo poder destas em evocar sua identidade. Uma modelagem feita pela sistemática exposição a critérios que estabelecem seu modo “certo” de estar no mundo, ou seja, onde deve ocupar na estratificação social. Esta faceta impressa pelas desigualdades sociais e regionais deste imenso país faz com que identidades, territorialidades, pertencimento sejam preteridos à sobrevivência, à busca por melhores condições de vida e trabalho em cidades distantes a sua, mas, com forte apelo à mão de obra. A face descortinada através desta pesquisa foi de que os alunos são em sua maioria migrantes. Possuem idades não compatíveis à escola regular, pluralidade em suas histórias, polifonia de sotaques e regionalismos, foram os esquecidos pelas leis, cujos caminhos desviantes levaram ao encontro dado na sala de aula da EJA I. As referências de Escola que puderam formar foram da escola inacessível, insensível às suas necessidades, excludente no passado e, infelizmente, que ainda não acolhe a todos. Esta escola de ontem, lamentavelmente, ainda hoje está, com seus desdobramentos, reproduzindo “capítulos” da história da educação brasileira. Isto acontece quando a escola defende valores hegemônicos e gera a exclusão daqueles que, por não estarem municiados de elementos necessários à inserção social, ficam preteridos a uma real participação política, econômica e social. Uma verdadeira escola inclusiva, segundo Lima (2003, p.18), é aquela que “inaugura uma descontinuidade histórica e epistemológica, rompendo com a política e o seu correlato regime de verdade educacional”. Ao observar o gênero mais presente nas estatísticas foi possível detectar que a maior parte dos alunos da EJA I é constituída por mulheres, com idade superior a 30 anos. Uma possível explicação para tal realidade pode ser encontrada na própria diferenciação de tratamento entre homens e mulheres, que se dá pela cultura, desde que nascem. Tal concepção de educação diferenciada está arraigada socialmente, envolve todas as classes sociais e prevê de modo claro o que se destina a cada um, o que se espera de cada, os papéis aguardados para serem 159 desempenhados por homens e mulheres (MURARO, 1983; STUDART, 1984; MORENO, M., 1999). Pelas estatísticas colhidas junto aos Diretores da FUMEC, foi visível que as alunas matriculadas nesse 2º semestre de 2012, da Região Noroeste de Campinas, exercem funções relacionadas a atividades domésticas e de cuidados. Aos homens estão listadas tarefas voltadas a trabalhos pesados, braçais, mas que se relacionam ao domínio de alguma técnica. Inferindo nos resultados desses dados, considerando a subjetivação às quais essas mulheres estiveram expostas em seus locais de origem, presume-se que houve uma adequação de habilidades, exercidas por outros modelos femininos, tarefas estas destinadas à condição feminina. Um referencial de mundo, onde ao gênero feminino, cabia exercer atividades de guarda, cuidados, que estavam longe de ser desempenhada com o auxilio da escrita e da leitura. Um mundo idealizado à mulher foi sistematicamente construído e internalizado pelas mulheres, que, aguardavam no casamento e filhos, a função máxima a ser exercida em suas vidas. Esta construção de vida feminina foi sendo nutrida por estereótipos de felicidade, conveniência de comportamento, submissão às autoridades parentais. Hoje, com uma economia mundial fragilizada, vivendo numa metrópole, com grandes exigências de requisitos de comunicação (registros, acessos, oportunidades), uma qualificação mínima se faz necessária a uma participação ativa e qualitativamente melhor. Para realização de trabalhos mais rentáveis e menos insalubres, a condição da alfabetização é imprescindível. É de conhecimento comum que, a cada ano de escolarização, cabe um aumento real em termos de salário, assim como também é de conhecimento que, entre homens e mulheres no Brasil, há discrepâncias em relação ao número de horas de trabalho diário, remuneração 14, tipos de trabalho mais ocupados por cada gênero, incumbências no lar do trabalho doméstico e da educação dos filhos. Mulheres são as mais sacrificadas na conformação social. A elas, por condicionamentos sociais, não se prevê necessidade em desenvolver autonomia, pois subjetivamente, a mulher deveria ser provida e protegida por seus pais, irmãos, marido ou filhos. 14 Estas informações estão disponíveis em: http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/noticias/homensrecebem-salarios-30-maiores-que-as-mulheres-no-brasil/.Acesso em 19 jan. 2013. 160 A migração posta pela necessidade de uma vida melhor deslocou as mulheres desta pesquisa, para paradigmas novos. Mesmo assumindo o papel a ela conferido pela condição feminina em relação aos cuidados de sua família, um novo papel para ela foi talhado numa grande cidade: será também trabalhadora. Mas quais seriam as opções que teria sem a leitura e escrita? Assim, esta mulher será duplamente cobrada pelas inserções que precisa ter num grande centro urbano para que seja bem sucedida ao que, subjetivamente, lhe cabe. Atentas a este perfil feminino predominante, suas professoras da EJA I, da Região Noroeste, sugerem metodologias que as envolvam a recuperação de suas experiências e vivências. Pelos questionários foram apresentadas as opções feitas pelas docentes em metodologias ativas, onde haja maior protagonismo ao aluno, de modo a requalificar a “escola” a ele. Esta escola, com metodologias que o faz partícipe da aprendizagem, se apresenta repleta de significados e novos sentidos aos alunos. A escola de hoje, não se vale de saudosismos à velha escola, ou seja, aquela que falhou em seus propósitos de acolher e ensinar. A escola de hoje, preocupa-se com o autoconceito do aluno, que é esteio para seus vários progressos e desempenhos, incluindo o acadêmico. Para as docentes envolvidas nesta pesquisa, métodos que incluam vivências dos alunos são os que obtêm melhores resultados. Numa análise do que isso pode significar tem-se que, métodos que partem da aprendizagem prévia do aluno fazem com que os planejamentos sejam mais consistentes. Disso decorre que o professor atine para a necessidade de pensar um planejamento para cada aluno, fazendo-os paulatinamente alcançarem patamares maiores de aprendizagem. A maior sala de aula da EJA I pesquisada era composta por 31 alunos e a menor por 5 alunos. Assim é notório que um planejamento voltado a cada aluno, ou grupos de alunos com características próximas de aprendizagem, é perfeitamente possível de ser utilizado (BIANE; BETINI, 2010), quebrando a impessoalidade e vindo ao encontro das diferenças individuais. 3.5- Posso entrar, professora? Testemunhamos ainda hoje um país de exclusões, fruto de um passado escravocrata, de fossos sociais entre ricos e pobres, do êxodo rural, enfim, de políticas e ideologias que 161 fracassaram em implementar real igualdade social. Esta realidade suplanta o que rezam as Leis, que ainda são letras sem vida, frente aos que estão aguardando oportunidades, que sequer lhes chegam às mãos. Se estamos gerando excluídos, políticas reparadoras tentam minimizar este círculo vicioso sem, contudo, eliminá-lo. Ranços ligados à própria constituição do Estado brasileiro e à falta de clareza quanto às políticas voltadas à educação ou mesmo do seu financiamento, (MOLEVADE, 1997), historicamente, sempre estiveram permeando a educação. Desde as práticas promovidas pelos jesuítas, ou quando da sua expulsão de Portugal e suas colônias, à chegada da Corte Portuguesa, ou mesmo na instauração da República, ainda não se universalizou à educação para todos (XAVIER et al, 1994). Ainda hoje, apesar das políticas afirmativas, programas de combate à pobreza, programas de inserção social, ainda há muito a ser alcançado, pois ainda temos: pobres sem moradia, sem emprego, sem saúde, sem estudos, sem direitos reais. Diante das mazelas apresentadas, que ainda são páginas escritas de nossa história, uma negatividade de direitos precisa ser assegurada em lei e ofertada aos excluídos do sistema educacional: A Educação de Jovens e Adultos e os programas de Suplência. Algumas iniciativas voltadas tanto à Educação do Jovem e do Adulto no Brasil, quanto de ofertas de suplências, serão rememoradas com o objetivo de verificar suas implicações e alcances num cenário que ainda não tem a alfabetização, ou os demais anos de escolarização, como plena para sua população. No final do séc. XIX, o Brasil apresentava uma economia baseada no modelo agroexportador. Sua população se concentrava, em sua maioria, no campo. Apesar das taxas de analfabetismo serem grandes, o desempenho braçal permitia a execução dos trabalhos, que estava deixando as mãos dos escravos, passando para os homens livres e as mãos dos imigrantes. Naquela época, nos centros urbanos, já se adotava o termo Madureza, para designar exames de qualificação ao final da etapa ginasial, voltados verificação de maturidade para prosseguimentos de estudo superiores (TORRES, 2009). Este termo, utilizado no sistema educacional da Alemanha, teve o mesmo sentido empregado no Brasil e, nos anos de 1970, novamente Madureza é suscitado para nomear o ensino supletivo. 162 Cabe lembrar que no Brasil, historicamente, houve uma priorização do Ensino Superior, no que se refere à sua organização, em detrimento das etapas de ensino que o precedem. Para Torres: Com o tempo, a expressão Madureza foi perdendo essa concepção, mas ainda se identificava com a realização do exame. A constituição de 1934 refletia na legislação de 1935 a qual facultava requerer exames de madureza para aqueles que assim o desejassem, reconhecendo que o número de cursos noturnos de ensino secundário não era suficiente (TORRES, 2009, p. 46). Numa realidade de República, com ideários disseminados de oportunidades igualitários à população e de crescente atuação cidadã, no entanto a letra da lei continuava a discriminar a estratificação social, demandando ensino profissional aos trabalhadores, e, às elites, ensino clássico. Este período representou um fortalecimento maior ao recebimento de imigrantes de outros países para demandar mão de obra, sobretudo à substituição da mão de obra escrava. A chegada dos imigrantes significou, outrossim, maior contato com conteúdos ideológicos e emancipatórios provenientes de outros países, o que requalifica o cerne das reivindicações pela população: condições de trabalho, escolas para seus filhos, maior participação da população nos desígnios da vida social. Assim, na Constituição de 1937, se aponta em lei a educação primária voltada aos adultos que não tiveram acesso à escola: Foi durante a ditadura de Vargas que pela primeira vez foi normatizado um sistema de educação no país, quando então, foi instituído o ensino primário para adultos com currículo definido (TORRES, 2009, p. 46). Após esta etapa de escolarização era possível a continuidade de estudos em cursos profissionais voltados à agricultura, comércio e indústria. Estes cursos, no entanto, não davam a possibilidade de prosseguimento de estudos superiores (TORRES, 2009). Para haver esta continuidade era preciso a admissão, em exames de madureza, cuja preparação poderia ser através de estudos de iniciativa própria, ou de ensino particular. No Brasil, a educação de adultos se constitui como tema de política educacional, sobretudo a partir dos anos 40. A menção à necessidade de oferecer educação aos adultos já aparecia em textos normativos anteriores, como na pouco duradoura Constituição de 1934, mas é na década seguinte que começaria a tomar corpo, em iniciativas concretas, a preocupação de oferecer os benefícios da escolarização a amplas camadas da população 163 até então excluídas da escola. Essa tendência se expressou em várias ações e programas governamentais, nos anos 40 e 50. Além de iniciativas nos níveis estadual e local, merecem ser citadas, em razão de sua amplitude nacional: a criação do Fundo Nacional de Ensino Primário em 1942, do Serviço de Educação de Adultos e da Campanha de Educação de Adultos, ambos em 1947, da Campanha de Educação Rural iniciada em 1952 e da Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo em 1958 (DI PIERRO, et al. 2001, p. 59). Lourenço Filho, educador brasileiro que participou do Movimento Manifesto dos Pioneiros para Educação Nova (1932) e, um dos primeiros a revelar-se a favor da alfabetização dos adultos, percebia a escola como um meio para a inserção social, para ele “a escola deve preparar para a vida real, pela própria vida” (LOURENÇO FILHO apud SCHWARZMAN, 2009, p.3). O manifesto, que tem em sua inspiração o movimento escolanovista que traz um pensamento difundido na Europa e América do Norte, de emancipação dos povos, pela Educação. Embora o texto destoasse do contexto, isto é, da passagem das palavras às ações práticas, é inovador, pois, denuncia a distância entre as propostas políticas e sua inserção social. Dewey, um dos representantes desse pensamento, ressalta a aprendizagem a partir de experiência educativa, pois: “Há que aproveitar as ‘forças’ que, nas crianças e nos jovens, se centram no presente, aproveitando os estímulos contidos nas situações com as quais os alunos são confrontados [...]” (BRANCO, 2011, p. 7). Para Celso Beisiegel (apud DI PIERRO et al., 2001) a Campanha Nacional de Educação de Adultos iniciada em 1947, como política governamental, teve à sua frente o educador Lourenço Filho, que concebia a educação de adultos como essencial para a promoção dos níveis educacionais da população em geral, como também para “os efeitos positivos da educação dos adultos sobre a educação das crianças, ambas componentes indissociáveis de um mesmo projeto de elevação cultural dos cidadãos” (DI PIERRO et al., 2001, p. 59). Esta Campanha, conforme Beisiegel (apud DI PIERRO et al., 2001) deu início a um campo de reflexão pedagógica, ainda inédita no Brasil, envolvendo o analfabetismo e suas implicações psicossociais. Todavia, “ela não chegou a produzir nenhuma proposta metodológica específica para a alfabetização de adultos, nem um paradigma pedagógico próprio, para essa modalidade de ensino” (DI PIERRO et al., 2001, p. 60). Digna de nota, também, para entender o clamor da necessidade de maiores a níveis de alfabetização (XAVIER et al., 1994) estavam campanhas, que no pós-guerra, foram 164 patrocinadas pela Unesco (ligada a ONU) e pelo Fundo Nacional do Ensino Primário (FNEP). Tanto esforço repercutiu, favoravelmente, na redução, das taxas de analfabetismo que, nos períodos de 1940-1960, passou de 49,3% para 39,5%, na população com idade igual ou superior a 15 anos. Deste modo: [...] com a efetivação do FNEP (1945), a educação de adultos passou a ter certo destaque em relação à educação elementar. Com a criação da Unesco e com a onda de democratização empreendida após a Segunda Guerra, ganha força o tema da alfabetização e cresce a preocupação com a expansão quantitativa da educação (XAVIER et al., 1994, p. 216). Nos anos finais de 1950, em Pernambuco, uma concepção de educação e cultura popular aliada a uma metodologia voltada para os adultos é desenvolvida por Paulo Freire. A partir de 1960, esta metodologia é adotada por vários grupos que buscavam incorporar à alfabetização a emancipação do cidadão. Fizeram uso deste enfoque segundo Soares e Fávero (2009; SAVIANE, 2008) programas do Movimento de Educação de Base (MEB), do Movimento de Cultura Popular do Recife (MCP), dos Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC), da Campanha de Educação Popular (CEPLAR), sendo que estes dois últimos traziam o teatro como forma de problematização da realidade dos adultos: Embaladas pela efervescência política e cultural do período, essas experiências evoluíam no sentido da organização de grupos populares articulados a sindicatos e outros movimentos sociais. Professavam a necessidade de realizar uma educação de adultos crítica, voltada à transformação social e não apenas à adaptação da população a processos de modernização conduzidos por forças exógenas. O paradigma pedagógico que então se gestava preconizava com centralidade o diálogo como princípio educativo e a assunção, por parte dos educandos adultos, de seu papel de sujeitos de aprendizagem, de produção de cultura e de transformação do mundo (BEISIEGEL, apud DI PIERRO et al., 2001, p. 60). No entanto, na forma da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) existente, Lei 4.024/61, ainda prevalecia formas rotineiras para lidar com a alfabetização dos não alfabetizados (TORRES, 2009). Sobre a alfabetização de adultos, Paulo Freire, (BRANDÃO, 2001) percebia a limitação da escola como deflagradora de mudanças, porque esta instituição carregava em si, as contradições e lógicas inseridas na sociedade, para ele: A escola não muda o mundo. A escola muda as pessoas. 165 As pessoas mudam o mundo (BRANDÃO, 2001, p. 42). Carecia na escola, a dimensão da educação voltada a adultos, a escuta deste sujeito, o conhecimento de sua realidade, seus saberes, desejos... Partindo das conversas e levantamento das palavras geradoras de cada comunidade, iniciava-se o trabalho envolvendo a partilha dos saberes, de homens e mulheres trabalhadores, que nos círculos de cultura liam antes o mundo que viviam e só depois as letras ganhavam corpo nas palavras, ou seja, nas palavras vividas. O diálogo entre o educador e o educando, para Paulo Freire, permeia todo o processo de educação. O diálogo é um dos meios de como se dará a educação pois, a partir da leitura da realidade, da assunção de que homens e mulheres têm condições de transformá-la, que o mundo, agora assumido é visto como possível de ser mudado em suas “lógicas”: O mundo é transformado pela ação dos homens; é portanto, um mundo “em aberto”, inacabado, podendo sempre apresentar-se como realidade opressora de uns homens oprimindo os outros, ou como realidade libertadora, neste caso, construído pela comunhão da reflexão e da ação de todos (JANNUZZI, 1983, p.82). Porém, já no governo de João Goulart, após a renúncia do Presidente da República Jânio Quadros, a perspectiva era de ampliação da alfabetização através de uma grande campanha nacional, através do método de Paulo Freire. Infelizmente, com o Golpe Militar de 31 de março de 1964, este movimento foi sufocado, sendo perseguidos seus divulgadores, e, exilado Paulo Freire (BRANDÃO, 2001; XAVIER et al., 1994). Em seu lugar foi criado, em 1966, a Cruzada ABC (Cruzada de Ação Básica Cristã) com ação na alfabetização e, também, com papel de neutralizar as Ligas Camponesas. Seu financiamento era feito pela United States Agency for International Development (USAID), pela Fundação Norte Americana Agnes Erskine, pela Fundação Reynold Tobacco Company e igrejas evangélicas da Alemanha e Holanda (XAVIER et al., 1994, p. 218). Posteriormente, para a alfabetização dos adultos, foi criado pelo Governo Federal o Movimento Brasileiro para a Alfabetização (MOBRAL), instituído pela Lei 5.379 de 15/12/67 (JANNUZZI, 1983; FREITAG, 1986; XAVIER et al., 1994). Numa perspectiva de preparar o homem para o trabalho, este programa alinhava-se, ideologicamente, ao momento político no qual foi concebido. Para o desenvolvimento da nação brasileira o analfabetismo era entendido como um obstáculo a ser erradicado. 166 O MOBRAL concebe a educação como investimento, como preparação de mão-de-obra para o desenvolvimento inquestionável, isto é, como estava sendo concebido pelo Modelo Brasileiro de Desenvolvimento (JANNUZZI, 1983, p. 65). O método que orientava o programa de alfabetização proposto pelo MOBRAL era, segundo documento norteador do Ministério da Educação e Cultura MEC, (JANNUZZI, 1983) eclético, que partia de palavras geradoras, que eram decompostas em sílabas e era orientado por um manual dirigido aos professores para o uso da cartilha e cartazes de palavras válidas para todo o Brasil. O trabalho em grupo era preconizado pelo método, assim como a ajuda mútua. A análise e síntese eram concebidas como técnicas que contribuíam para o processo de alfabetização. Por ecletismo, suscitado no documento do MEC, entendia-se como procedimento moderno, que atribuía significados ao que é lido, porém este significado, conforme crítica feita por Jannuzzi, era contagiada por uma visão de mundo: Visar ao significado no contexto do MOBRAL é buscá-lo como é dado por uma determinada visão de mundo. As palavras que exprimem o modo de ver o mundo, o pensamento-linguagem que não se forma no vazio, mas na interação dos homens entre si e com o mundo, são colocadas como tendo um significado que deve ser incorporado pelo alfabetizando [...] (JANNUZZI, 1983, p. 59). Tendo como objetivo proporcionar aos jovens e adultos nova oportunidade formativa, seja voltada para reinserção no mercado de trabalho, ou suprir a falta de escolarização em época própria, o ensino supletivo foi previsto pela Lei 5.692 de 1971. No contexto do MOBRAL, segundo Freitag (1986) a aprendizagem de conhecimentos em cultura geral era um aspecto secundário diante do objetivo da própria alfabetização a ser alcançada pelo educando. Apesar do relator do MEC, Valnir Chagas afirmar em meados dos anos de 1970 que o ensino oferecido não se caracterizava “um ensino regular de segunda classe”, o ensino supletivo tanto em sua finalidade quanto em sua prática, se revelaram uma forma dual de preparo para duas classes: a classe dos dirigentes e as dos subalternos (FREITAG, 1986, p.96). As pedagogias de Paulo Freire e a do MOBRAL (JANNUZZI, 1983) diferiam quanto a concepção, de homem, de educação, de realidade, de métodos pedagógicos, o que tornava a ação distintas e impenetráveis: Enquanto Freire vê educadores e educandos como sujeitos que tomam consciência do processo de sua historicidade, portanto, educação é conscientização da sua realidade, da transformação desta e do compromisso histórico de homens e mulheres com sua 167 libertação, a concepção do MOBRAL vê “educação como adaptação, preparação de mão de obra” (JANNUZZI, 1983, p. 81), nesse sentido, para alcançar êxito, o MOBRAL visava: - Motivar o alfabetizando a ingressar no desenvolvimento; - Facilitar este ingresso de forma funcional e acelerada, donde o treinamento de habilidades adequadas a ocupar os cargos existentes no mercado de trabalho, começando com a aprendizagem das técnicas de ler, escrever, contar; - Permitir que pela educação todos transformem a realidade através da ação executada no sentido desejável pela política desenvolvimentista [...]. Concomitante às investidas do MOBRAL e, tendo como mídias o rádio e a televisão, a Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura (UNESCO) e posteriormente com a Organização dos Estados Americanos (OEA) incentivam a utilização da comunicação em prol da educação (D’ALMEIDA, 1988, AMARANTE OLIVEIRA, 2011). Assim, nas décadas de 1960 e 1970, são comuns iniciativas que tiveram estes meios de comunicação como expedientes para fomentar a educação. O Ministério da Educação e Cultura em conjunto com o Ministério das Comunicações lança em 1970, através da radiodifusão, o Projeto Minerva, voltado à educação de adultos, conforme Lei nº 5.692/71, artigos 24 a 28. O Projeto Minerva se encerra no início dos anos de 1980 (ALONSO, 1996). Este projeto, prossegue a autora, através da radiodifusão tem uma entrada jamais vista: é capaz de chegar aos mais remotos lugares do Brasil. Esta programação era obrigatória a todas as rádios e televisões comerciais ou privadas do país, tendo como a duração de 5 horas semanais: Este projeto rádio-educativo foi constituído como uma solução a curto prazo aos problemas do desenvolvimento econômico, social e político do país. Tinha como “fundo” um período de crescimento econômico, conhecido como “o milagre brasileiro”, onde o pressuposto da educação era de preparação de mão-de-obra para fazer frente a este desenvolvimento e a competição internacional (ALONSO, 1996, p. 56). Anteriormente ao Projeto Minerva, comenta Alonso (1996), existiu outro programa promovido pelo Movimento de Educação de Base (MEB), cujo objetivo era o desenvolvimento social e a conscientização da população marginalizada e desfavorecida das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, passando em 1965 a ser oferecido para a região Sul do Brasil pela Fundação Educacional e Cultural “Padre Landell de Moura” (FEPLAN). Para o Estado de São Paulo, em 1967, com a Fundação Padre Anchieta, este programa é transmitido com objetivo educativo e cultural, via rádio e televisão. 168 Segundo a pesquisadora Geni Aparecida de Lima 15 (apud ALONSO, 1996, p. 57), o Projeto Minerva tinha por objetivo ser uma opção ao sistema tradicional de ensino, complementando a educação suplementar, de forma continuada. O projeto, através da oferta de diversos tipos de cursos, atendia aos níveis de 1º e 2º graus, tendo a seguinte constituição: - Cursos de qualificação para 2º grau. Este programa revisava os conceitos fundamentais da escola de 1º e 2º graus, preparando para o exame de “MADUREZA”. Os cursos compreendiam 5 disciplinas: português, matemática, historia, geografia e ciências e tinha uma duração total de 50 horas. b- Curso de “MADUREZA” para formação de 1º e 2º graus, com o objetivo de melhorar a escolarização dos estudantes. Tinha uma duração de 125 horas e era precedido de um curso preparatório. c- Curso de “Moral e Civismo”, tinha por objetivo reforçar o sentimento de nacionalidade. Este curso era composto de 15 sessões de 15 minutos cada uma. d- Curso de conteúdos básicos em 7 disciplinas voltados para o 1º grau: português, matemática, ciências, estudos sociais, princípios do trabalho, educação sanitária e formação moral e cívica. O acompanhamento dos alunos era feito através de monitores em atendimento a grupos de alunos ou de forma isolada, quando o aluno recebia em sua residência os programas (ALONSO, 1996). Durante o período que o Projeto Minerva foi transmitido, sofreu grandes críticas. Não obstante, cerca de 300.000 pessoas tiveram acesso às programações. E, dos 60.000 que solicitaram o exame de Madureza, apenas 33% foram bem sucedidos nos exames. As críticas ao Projeto Minerva, segundo Lima (1990 apud ALONSO, 1996, p.58) são referentes à: a- Currículos: as equipes não estavam bem preparadas para esta tarefa, elaborando currículos extremamente simplificados. b- A radiodifusão: as horas destinadas a programação do projeto não foram cumpridas. c- A tecnologia utilizada: as pessoas não reconheciam a rádio e a TV como meios educativos. d- Conteúdos: os conteúdos não foram adaptados a realidade da população das diferentes regiões do país. e- O atendimento sistemático aos alunos: as equipes regionais não foram suficientes para suportar a demanda de solicitações por parte dos alunos. 15 LIMA, Geni Aparecida de. Identificación des conditions de réussite d’un systeme de formatión à distance de enseigmants “leigos” du Pantanal au Brésil. Dissertação de Mestrado, Québéc, Université de Laval, 1990. 169 Por mais que o Projeto Minerva tenha se estendido pelo Brasil, o Estado da Bahia não aderiu a ele por ser contrário à sua proposta e cria um programa próprio. Este projeto baiano iniciou-se em 1969 e terminou em 1977: O projeto IRDEB (Instituto de Radiodifusão do Estado da Bahia) nasceu como uma iniciativa própria do Estado da Bahia, que possuía já há algum tempo a prática da formação à distância e comunitária desenvolvida antes mesmo do Movimento de Educação de Base (MEB) (ALONSO, 1996, p.58). A utilização de programação educativa via rádio e televisão mostrou-se uma iniciativa que foi ganhando corpo nos anos finais da década de 1960 e início de 1970, ainda mais pela grande acessibilidade do rádio e pela crescente popularização da televisão. Segundo Amarante Oliveira (2011), em 1967 é instituída a Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa (FCBTE) que juntamente com a TV Cultura (cuja mantenedora era a Fundação Padre Anchieta) teve papel de destaque na produção de programas educativos, como: Madureza Ginasial (1969) a telenovela educativa Meu Pedacinho de Chão (1971); João da Silva (1972/1973), A conquista (1979); Supletivo de 1º Grau (1981) e também por outras emissoras como: Telecurso 2º Grau (1979). Superado o modelo do MOBRAL e tendo o Brasil retomado à democracia em 1985, um novo formato de alfabetização foi organizado pelo Governo Federal. Trata-se da Fundação EDUCAR, que foi oficializada pelo Decreto nº 92.374, de 06/02/1986, que ofereceu maior autonomia pedagógica aos Estados, Municípios e Entidades Civis para ações de alfabetização junto a adultos. O patrimônio do MOBRAL foi transferido para a Fundação EDUCAR, que repassava aos municípios verba para a efetivação de ações junto aos que não tiveram acesso em idade própria. Segundo Di Pierro et al. (2001, p. 62): Nesse período, muitos programas governamentais acolheram educadores ligados a experiências de educação popular, possibilitando a confluência do ideário da educação popular – até então desenvolvido prioritariamente em experiências de educação não formal – com a promoção da escolarização de jovens e adultos por meio de programas mais extensivos de educação básica. Com a promulgação da Constituição Federal, em 1988, maior visibilidade é conferida à Educação Básica: O direito, mais amplo, à educação básica, só seria estendido aos jovens e adultos na Constituição Federal de 1988, como resultado do envolvimento no processo constituinte 170 de diversos setores progressistas que se mobilizaram em prol da ampliação dos direitos sociais e das responsabilidades do Estado no atendimento às necessidades dos grupos sociais mais pobres (DI PIERRO et al., 2001, p. 63). Segundo Di Pierro, (2003) no final dos anos de 1980, teve início uma nova e importante parceria entre Estado e sociedade civil: o Movimento de Alfabetização (MOVA): Os MOVAs foram criados após a eleição de prefeitos vindos de partidos políticos progressistas em cidades brasileiras de grande e médio portes, em um contexto de promoção de inclusão social das camadas economicamente desfavorecidas e de estímulo à participação da sociedade civil na administração pública (DI PIERRO, 2003, p. 14). Estando Paulo Freire (GADOTTI, 2008; DI PIERRO, 2003) à frente da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (1989–1991), pelo Partido dos Trabalhadores (PT), com relação à educação de adultos, teve no MOVA, suporte para diretrizes pedagógicas por ele defendidas no passado e que, diante do cenário brasileiro que estava se descortinando com o fim da ditadura militar, ganhavam espaço. Assim, enquanto Secretário de Educação: Ele respeitava a autonomia das escolas. Paulo Freire tinha uma visão estratégica muito clara. Sabia que o seu gabinete era transitório e que as escolas eram permanentes. O que fosse feito por vontade política das escolas – ou pelos movimentos sociais, no caso do MOVA – seria mais duradouro do que o que fosse imposto pela secretaria. Ele sabia que as escolas viam o gabinete da Secretaria Municipal de Educação muito distante da realidade das escolas. Era preciso fortalecer o que já se faz bem nas escolas e fazê-lo ainda melhor. Daí a importância da negociação, do diálogo. Esse é o caminho. Nesse caminhar, a própria escola precisa aprender de quem ela quer ensinar: dos movimentos sociais e populares, das ONGs etc., que têm, muitos deles, uma larga experiência em lidar com pessoas excluídas (GADOTTI, 2008, p. 25). Conforme, Di Pierro (2003, p. 14), após a etapa de alfabetização havia garantia de ingresso dos educandos nos demais níveis do ensino fundamental. A cidade de São Paulo, ao término do governo petista em 1992, contabilizava “mil núcleos de alfabetização vinculados ao MOVA, que reuniam mais de 20 mil educandos”. A experiência de São Paulo foi inspiração para outras secretarias: O Mova espalhou-se para Angra dos Reis, RJ; Ipatinga, MG; Diadema, Embu, Mauá, Ribeirão Pires e Santo André, SP; Blumenau, Chapecó e Rio do Sul, SC; Alvorada, Cachoeirinha, Caxias do Sul e Porto Alegre, RS; Belém e Cametá, PA; entre outros. A partir de 2001, passaram a se realizar anualmente encontros que, articulando nacionalmente essa rede, lançaram a proposta do Mova Brasil, incorporada ao Programa de Governo do PT para a Presidência da República (DI PIERRO, 2003, p. 14). 171 O MOVA, segundo Gadotti (2008), representava o resgate da Educação Popular preconizada por Freire, e que inspirava, enquanto utopia latino-americana, os movimentos populares de modo ousado. Sobre a Educação Popular: Ela rompeu com esquemas formais rígidos do ensino regular, com um passado de desvalorização da educação de jovens e adultos e enfrentou o preconceito de que adultos “já não têm mais jeito” e de que basta o Estado investir em ensino fundamental para “fechar a torneira” do analfabetismo (GADOTTI, 2008, p. 64). Porém, numa lógica de descontinuidade que, infelizmente, é característica da política brasileira, ainda mais quando se tratam de partidos políticos opostos, em 1993, o Secretário de Educação da época rompe, sob protestos, com o MOVA (GADOTTI, 2008). Não obstante, a semente da participação da sociedade civil frente às ações de alfabetização encontrou terra fértil e, a partir de meados de 1990: Cresceram as ações de jovens e adultos desenvolvidas em parceria entre governos e diferentes grupos de atores sociais. Por um lado, houve continuidade e, até mesmo, intensificação da presença de centros de educação popular e organizações nãogovernamentais (ONGs). Tendo desenvolvido especialização técnica, as ONGs passaram a prestar serviços de pesquisa, planejamento, assessoria e avaliação dos programas educativos, da formação de educadores e da produção de materiais didático-pedagógicos tarefas antes desempenhadas pelo Estado (DI PIERRO, 2003, p. 14-15). As parcerias voltadas à alfabetização e/ou aumento dos níveis de escolarização de adultos por programas governamentais, se fortaleceram. Eram parceiros: “empresas e fundações empresariais, sindicatos, federações, centrais e cooperativas”. No entanto, como adverte a autora: Mas as parcerias estabelecidas entre Estado e organizações da sociedade civil, ao mesmo tempo que transferem a responsabilidade pela garantia de direitos universais para a sociedade civil - que, obviamente, não possui condições estruturais para responder a essa demanda com a abrangência necessária - ampliam os canais de participação e controle social sobre as ações do Estado (DI PIERRO, 2003, p. 15). Posteriormente à posse do Presidente Fernando Collor de Mello, escolhido após longo processo de ditadura, a Fundação EDUCAR é extinta: O MEC desencadeou o Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania (PNAC), com o objetivo proclamado de mobilizar a sociedade em prol da alfabetização de crianças, jovens e adultos por meio de comissões envolvendo órgãos governamentais e nãogovernamentais. Entretanto, as comissões não puderam exercer nenhum controle sobre a destinação de recursos e o programa foi encerrado depois de um ano (DI PIERRO et al., 2001, p. 62). 172 Em março de 1990, houve em Jonthien, na Tailândia (HADDAD; DI PIERRO, 2000), como comemoração do Ano Internacional da Alfabetização, sob a orientação da Organização das Nações Unidas, a Conferência Mundial de Educação para Todos, com representantes dos países através da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Banco Mundial. Esta conferência sinalizava para ações amplas voltadas à Educação de Jovens e Adultos e foi assinada nesta ocasião a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, que indicava ações de enfrentamento, em vários níveis, ao problema educacional no mundo, conceito de educação básica: Muitas das orientações dessa conferência dinamizaram reformas educativas que haviam se iniciado na década anterior em países em desenvolvimento, evidenciando que a educação ganhava destaque entre as demais políticas sociais. A Declaração de Jonthien deu destaque à educação de jovens e adultos, incluindo metas relativas à redução de taxas de analfabetismo, além da expansão dos serviços de educação básica e capacitação aos jovens e adultos, com avaliação sobre seus impactos sociais (DI PIERRO, et al., 2001, p. 68). Porém, nessa mesma década, já, no Governo de Fernando Henrique Cardoso, novas implementações desfavoreceram a Educação de Jovens e Adultos, indo na contramão do proposto pela Conferência citada. Uma ação foi uma emenda à Constituição, em 1996, suprimindo a oferta de ensino fundamental a jovens e adultos, mantendo apenas a gratuidade destas. Outra ação foi a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF), que destinava verbas sob o cômputo dos alunos matriculados no Ensino Fundamental do município, o que desfavorecia a oferta de vagas na modalidade supletiva. Segundo Di Pierro et al. (2001, p. 67-68): A nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB), promulgada em 1996, por sua vez, diluiu as funções do ensino supletivo nos objetivos e formas de atendimento do ensino regular para crianças, adolescentes e jovens. Enquanto isso, manteve a ênfase nos exames e, ao rebaixar a idade mínima para o acesso a essa forma de certificação de 18 para 15 anos no ensino fundamental e de 21 para 18 no ensino médio, sinalizou para as instâncias normativas estaduais a identificação cada vez maior entre o ensino supletivo e os mecanismos de aceleração do ensino regular, medida cada vez mais aplicada nos estados e municípios, visando à correção do fluxo no sistema. O movimento de desvalorização da Educação de Jovens e Adultos presenciadas no Brasil, segundo Di Pierro et al. (2001) também estava acontecendo, externamente, em outros países, 173 interferências decorrentes das visões diferenciadas de agências financiadoras com papel preponderante nessa ação. Assim, malogrado o investimento, taxas de analfabetismo foram acrescidas às estatísticas, elevando a urgência de ações pontuais. No ano de 1996 foi realizado em Natal, RN, o Seminário Nacional de Educação de Jovens e Adultos, pelo MEC, por recomendação da Comissão Nacional de Educação de Jovens e Adultos - CNEJA (BARREYRO, 2006). A participação incluiu esferas estaduais e regionais, além de universidades, organizações não governamentais, representes do setor público, do sistema “S”16, entre outros. Este encontro visava organizar a participação, no ano seguinte, da V Conferência Internacional sobre Educação de Jovens e Adultos (CONFINTEA), em Hamburgo, na Alemanha. Neste seminário, foi apresentada uma proposta conjunta conclamando a sociedade para o Programa Alfabetização Solidária, cuja proposta antagonizava com a prática de construção social da EJA. O documento síntese deste seminário não foi considerado pelo Governo Federal, culminando inclusive, na exoneração da Coordenadora de Educação de Jovens e Adultos da Secretaria do Ensino Fundamental do MEC, “evidenciando discordâncias entre o governo e a sociedade civil, a respeito das políticas de educação de jovens e adultos” (BARREYRO, 2006, p. 176). Em 1997, aconteceu a 5ª CONFINTEA, em Hamburgo, na Alemanha que: Estabeleceu um vínculo entre a educação de jovens e adultos e o desenvolvimento sustentado e equitativo da humanidade. Seus principais temas e intenções foram consolidados na Declaração de Hamburgo, na qual se detalha um conjunto de recomendações que devem ser seguidas por agentes governamentais e nãogovernamentais. Juntamente com a Declaração de Hamburgo foi estabelecida a Agenda para o Futuro, com estratégias de implementação e acompanhamento das ações e intenções acordadas durante a Conferência (DI PIERRO, 2003, p. 5). Nessa conferência, os países participantes, incluindo o Brasil, se comprometeram a atuarem em áreas prioritárias e, como prossegue a autora, houve uma ressignificação da aprendizagem dos adultos, envolvendo processos que ocorrem ao longo de sua vida: Segundo o Artigo 3º da Declaração de Hamburgo, entende-se por educação de adultos o conjunto de processos de aprendizagem, formais ou não-formais, graças aos quais as pessoas [...] desenvolvem suas capacidades, enriquecem seus conhecimentos e melhoram suas competências técnicas e profissionais ou as reorientam a fim de atender às suas próprias necessidades e às da sociedade. A educação de adultos compreende a educação formal e permanente, a educação não-formal e toda a gama de oportunidades de educação 16 Sistema S inclui: SESC, SENAC, SESI e SEBRAI. 174 informal e ocasional existentes em uma sociedade educativa e multicultural, na qual se reconhecem os enfoques teóricos e baseados na prática (DI PIERRO, 2003, p. 5). Segundo Di Pierro (2003) a partir da 5ª CONFINTEA, outras iniciativas do Governo Federal foram realizadas na busca da erradicação do analfabetismo, através dos principais programas: Plano Nacional de Formação e Qualificação Profissional (PLANFOR), o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), o Programa Alfabetização Solidária (PAS). O PLANFOR foi lançado em 1995 pelo Ministério do Trabalho e estava voltado para ampliação e diversificação da “oferta de educação profissional, com o objetivo de qualificar e requalificar anualmente 20% da população economicamente ativa (PEA), formada por aproximadamente 15 milhões de trabalhadores” (DI PIERRO, 2003, p. 20). O financiamento do PLANFOR era feito através de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Uma grande diversidade de parcerias fortalecia o programa que incluíam desde organismos governamentais, secretarias da educação e do trabalho, quanto “organizações da sociedade civil, instituições de ensino profissionalizantes, organizações não-governamentais, sindicatos patronais e de trabalhadores, escolas de empresas e fundações, universidades e institutos de pesquisa” (DI PIERRO, 2003, p. 20). No período de vigência do PLANFOR, até seu encerramento no ano de 2000, seu alcance foi de: [...] 85% dos municípios brasileiros, com a qualificação de 11,6 milhões de trabalhadores e investimentos do FAT de 1,8 bilhão de reais (o que corresponde a 983,5 milhões de dólares, segundo a cotação média da moeda norte-americana em 2000), além de contrapartidas dos governos estaduais e parceiros privados, em especial as centrais sindicais e as federações empresariais (DI PIERRO, 2003, p. 20). Em 1998, segundo a mesma autora, foi criado o PRONERA, elaborado inicialmente em parceria entre o Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Tinha por objetivo de oferecer educação aos jovens e adultos assentados em comunidades rurais por processos de reforma agrária: De acordo com o Censo da Reforma Agrária, a média nacional de analfabetismo nos assentamentos, em 1997, era de 39,41% e, na Região Nordeste, chegava a 66,63%. O PRONERA pretende promover a elevação escolar por meio de metodologias de ensino ajustadas à realidade sociocultural do campo, orientação pedagógica que atenda às reivindicações dos movimentos sociais e esteja de acordo com as Diretrizes Operacionais 175 para a Educação Básica nas Escolas do Campo instituídas em abril de 2002 pelo Conselho Nacional de Educação (DI PIERRO, 2003, p.20). Para os anos de 1998, 2000 e 2002, conforme dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), este programa teve pouca cobertura junto aos alunos quando comparado ao número de assentados que, no máximo, chegou a 5%, de atendimento nesse período. Quanto ao número de assentamentos atendidos pelo programa nos anos citados representou tímidos 5,47% em 1998, 41,69% em 2000 e, 29,23% no ano de 2002. Seu financiamento, embora com previsão orçamentária, não teve seu gasto utilizado: O Programa teve, entre 2000 e 2002, uma previsão orçamentária de aproximadamente 63 milhões de reais (26,6 milhões de dólares),porém, apenas 48,8 milhões de reais (20,6milhões de dólares) foram, de fato, utilizados:33,16% dos recursos foram contingenciados e 9%, destinados a outras atividades. Os constantes atrasos e cortes de recursos para projetos conveniados foram fatores de tensão entre os parceiros do PRONERA, com repercussão negativa no cumprimento das metas, que foi de apenas 46% do planejado (DI PIERRO, 2003, p.21). Já o Programa Alfabetização Solidária (PAS), apresentado Seminário Nacional de Educação de Jovens e Adultos, veio como uma das ações, igualmente, sinalizadas em Hamburgo, e visava diminuir os números de analfabetismo do país, priorizando os jovens de 12 a 18 anos (BARREYRO, 2006). Inicialmente, em 1997, o foco eram os municípios localizados nas regiões Norte e Nordeste, onde as taxas de analfabetismo estavam acima de 55%, passando nos anos seguintes para os grandes centros urbanos, chegando em 2002, às regiões Centro-Oeste e Sudeste do Brasil. O financiamento do PAS era através de parcerias com empresas privadas, que custeavam metade dos gastos por aluno, sendo a outra metade era custeada pelo setor público. Cabia às universidades, a seleção e capacitação dos coordenadores e alfabetizadores, e, aos municípios, as questões operacionais (divulgação, locais, alimentação): Os alfabetizadores eram pessoas do próprio município ou estudantes das universidades que recebiam um curso de capacitação. As aulas estavam organizadas em módulos de seis meses de duração cada um, e os alunos e alfabetizadores apenas podiam participar de um módulo. O Programa Alfabetização Solidária era um subprograma da Comunidade Solidária, estratégia do governo para a gestão das políticas públicas, que desenvolvia programas inovadores (BARREYRO, 2006, p. 177, grifos da autora). 176 Algumas características, inovadoras para a época, davam organicidade ao programa, o que incluía além da parceria com empresas, a “duração dos módulos, mudança de alfabetizador após seis meses de desempenho, utilização de alfabetizadores leigos, entre outras”. Para melhor entendimento de tais ações no campo que até, então, era educacional, há que se considerar o contexto histórico que o Brasil e o mundo estavam passando, ou seja, de mudanças de paradigmas da economia (BARREYRO, 2006, p. 177). Na avaliação da década, que estava voltada à cooperação internacional, proposta pela Conferência Mundial de Educação para Todos, é preciso analisar os dados gerados com as ações propostas. Apesar dos avanços realizados em relação à alfabetização, as metas estabelecidas, referentes à satisfação das necessidades básicas de aprendizagem de crianças, jovens e adultos, estes não foram alcançadas em seu conjunto, nem mesmo nos nove países sobre os quais a cooperação internacional concentrou esforços prioritários (HADDAD; DI PIERRO, 2000). Em 2001, outro programa voltado ao combate à pobreza e à elevação dos níveis de alfabetização entre a população carente, foi elaborado pelo Governo Federal. Tratava-se do Programa de Apoio a Estados e Municípios para a Educação Fundamental de Jovens e Adultos Programa Recomeço (DI PIERRO, 2003). Este programa estava voltado a 14 Estados das Regiões Norte e Nordeste e 389 municípios de microrregiões com baixo Índice de Desenvolvimento Humano - IDH (inferior a 0,5). O Programa Recomeço, com duração prevista até 2003, foi financiado com recursos do Fundo de Amparo à Pobreza e visava o aumento da oferta de vagas presenciais de Educação de Jovens e Adultos. Para cada aluno integrante do programa 85 dólares anuais seriam investidos: Só em 2001, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) transferiu aproximadamente 189,7 milhões de reais (o que corresponde a mais de 80 milhões de dólares). Em 2002, o Orçamento da União reservou ao Recomeço 340 milhões de reais e, para 2003, foram orçados 325 milhões de reais (cerca de 110 milhões de dólares para cada um dos anos considerados), visando à elevação da escolaridade de cerca de 1,3 milhões de jovens e adultos (DI PIERRO, 2003, p. 22). Após 2003, na vigência de novo Governo Federal, foi mudado o nome do projeto, mas mantido os valores de repasses e destinação aos municípios com baixo IDH. Agora denominado Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para Atendimento à Educação de Jovens e Adultos Fazendo Escola, estava destinado à população que não teve assegurado ao direito ao Ensino Fundamental em idade em que lhe era próprio, ou seja, dos sete aos 14 anos. Este programa, 177 desenvolvido pelo Ministério da Educação, transferia do FNDE, recursos suplementares aos governos estaduais e municipais (DOURADO, 2005). Também, em 2003, é lançado pelo Governo Federal o Programa Brasil Alfabetizado, com o objetivo erradicar o analfabetismo entre os adultos. Este programa, coordenado pelo MEC, atua através de convênios com instituições voltadas à alfabetização de jovens e adultos. Estas instituições conveniadas são responsáveis pela capacitação dos alfabetizadores, captação de alunos com 15 anos ou mais ainda analfabetos, além da organização do processo de alfabetização. Ao MEC cabem os repasses de recursos, acompanhamento e avaliação dos trabalhos realizados. Para Dourado (2005 p. 25): A mudança no repasse verbas implementada em 2004 vem possibilitando a efetivação de políticas por parte dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios que, ao apresentarem propostas para execução de ações de formação de alfabetizadores e de alfabetização de jovens e adultos, se constituem nos principais interlocutores do Ministério da Educação . Nessa breve revisitação às principais ações voltadas à promoção da escolarização daqueles que não tiveram acesso e oportunidades quando criança, se percebe que não se pode deixar de relacionar a necessidade da criação de programas complementares, voltados às muitas carências da população pobre do Brasil, além de programas voltados à escolarização. Mas, mantendo o foco na ação educativa, os esforços realizados no passado e no presente, ainda que não suficientes, estão voltados captação do aluno, a oferecimento de classes próximas no ambiente de trabalho ou postos de escolarização, preparação do docente, à transferência de recursos financeiros às famílias, ao envolvimento da sociedade como um todo na busca da superação do analfabetismo. Se pensarmos que no momento, quase 97 % das crianças brasileiras estão nas escolas IBGE/2013, sabemos que não atingimos todas as crianças. Nesse mesmo momento, crianças estão sendo aviltadas de seu direito aos estudos, seja decorrente do trabalho infantil, que ainda é realidade, ou devido à falta de escolas próximas às residências das crianças, ou devido à negligência daqueles que deviam protegê-las. Infelizmente, estas crianças estão formando o contingente das futuras ações da EJA, malogrando as conquistas legais presentes na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069/90, e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9494/96. 178 3.6 - Quem é o meu aluno de EJA? O aluno de EJA, com quem desenvolvi minha experiência docente, é caracterizado a partir da análise de entrevistas ocorridas no ano de 201317. Suas histórias serão alinhavadas às considerações que busquei, para entender melhor, o contexto em que viveram, o que trazem consigo na bagagem de memórias, e, suas persistências em contestar as dificuldades, superandoas. Eis minhas alunas entrevistadas: D. tem 74 anos e viveu até os 54 anos em área rural no Paraná, por motivos alheios a esta pesquisa, ela pediu para não ser identificada. A outra entrevistada é a Sra. Vanilda, de 35 anos, veio com 14 anos da Bahia. Ambas foram minhas alunas na sala descentralizada da EJA I, localizada na Escola Estadual Antonio Móbili, Jardim Campina Grande, Campinas, SP, também são moradoras deste bairro. Foi nessa sala de EJA I que permaneci maior tempo em substituição aos docentes titulares. Isso aconteceu em novembro de 2007 e, depois das férias escolares, retomei a sala até maio de 2008. Contando sobre a vida que levam, minhas ex-alunas me disseram: Eu nasci no Paraná, me criei no Paraná. Nascida e criada só na roça. Nós era em onze filhos, tudo criado na roça. Minha mãe sofreu...minha mãe morreu com 90 anos. Eu não tinha nem 16 anos [quando me casei] (Dona D, 28/08/2013). Eu nasci na Bahia, Vivi até os 14 anos, depois vim pra cá. Na Bahia a infância [foi] boa, acho que melhor que aqui. [Irmãos] três homens e três mulheres. Eu tenho três aqui... de coração, e lá eu tenho mais três ... mas faleceu uma, [somos] em cinco irmãos. Lá tem três ainda. [Lá a vida] era sofrida...A vida era dura na roça (Vanilda, 28/08/2013). 17 A indicação das entrevistas com ex-alunos foi feita pela Banca de qualificação desta pesquisa. Foi possível reencontrar apenas duas ex-alunas da EJA I, as quais concordaram em serem entrevistadas. 179 Figura 58 – Reencontro com aluna e momento da entrevista com a Aluna Vanilda, 16/07/2013. Fonte: Marisa Seyr Figura 59 - Escola Estadual Pe. Antonio Móbili, Bairro Campina Grande, 16/07/2013. Fonte: Marisa Seyr Histórias permeadas pela exclusão, mas carregadas de humanidade, foram engendrando um caminho a seguir. Não único a percorrer, mas uma possibilidade de dar vazão às suas histórias e intencionalidades às suas ações. Outros sujeitos, outros pedagogias, tal como Arroyo (2012) adverte e sinaliza para outras possibilidades, de se fazer de modo diferente, o fazer docente. 180 Quando cheguei em Campinas tinha 54 anos. Eu nem conhecia cidade, nem nada. Tinha medo de ir pra cidade. Quando ouvia era assim: Ah, na cidade a pessoa tem que comer sopa, nós “vai” passar fome! (Dona D, 28/08/2013). Figura 60 - Vista parcial do bairro Campina Grande, 16/07/2013. Fonte: Marisa Seyr Essas histórias mostram a procura por lugares com maiores chances de subsistência, faz com que o homem do campo migre para centros urbanos, onde possa vender sua mão de obra e prover sustento de si e sua família. Desenraizados, porém, guardam vínculos com as pessoas, lugares, lutas de onde vieram. Estes o acompanham em sua nova identidade: a de migrante. O homem do campo, ao se retirar do trabalho com a terra, engrossa as estatísticas do êxodo rural. Meu esposo não gosta de cidade. Os filhos não “quer” nem saber de roça mais. Meu esposo até hoje tem vontade de voltar pro sítio. Quando meu esposo vendeu o sítio, eu queria que ele viesse pra ver se gostava da cidade. Ele não quis “vim”, aí eu tive que vim com meu rapaz. Daí o meu rapaz que comprou esta casa (Dona D., 28/08/2013). Sua tradição no cultivo agrícola, na lida com os animais, provendo o alimento numa luta incansável que não poupam mãos de todos da família, frente às dificuldades advindas do pauperismo, de serem na melhor das hipóteses meeiros, e, sem políticas claras para se fixar este homem ao campo, com condições de inclusão social, este parte para outros lugares. Ele tem algo 181 especial que leva consigo: o inconformismo. Este traço faz parte do perfil de um signatário de homem disposto a enfrentamentos. Meus filhos foram casando e foram embora, todos para a cidade. Quando o solteiro veio para cá... e voltou, porque nós “tinha” sítio... Ele tinha 17 anos. Daí ele veio...meu genro trouxe ele para conhecer Campinas, ele veio e gostou. Tinha 17 anos. Só foi lá pra colher a lavoura dele e falou: Eu vou embora pra Campinas... Aquela vez era boa de serviço aqui: ele saia de um tinha outro (Dona D. , 28/08/2013). Tornam-se o Outro, que revolucionam com sua presença/consciência as cidades, gerando movimentos nas agendas políticas, sociais, culturais, e nas territorialidades que assumem. Chegando nas escolas, mexem com as agendas pedagógicas. Este Outro com sua presença, ao chegar num novo local, traz na mente novos projetos: [Risos...] É... a ideia foi dos filhos. Nossa, eles vinham visitar a gente e falava assim: O que vocês estão fazendo aqui? Só vendo boi? Vamos embora pra cidade. Daí nós fiquemos três anos, eu só com meu esposo. Nossa, aí que vendemos o sítio e fomos embora. Nós viemos e o rapaz já tinha comprado a casa. Se nós fosse para pagar aluguel não dava. Mesmo que nós more num barraquinho, mas que fosse nosso (Dona D, 28/08/2013). Pelo perfil dos alunos que estavam matriculados na EJA I do 2º semestre da Região Noroeste de Campinas, percebe-se que são homens e mulheres que, na altura de suas vidas, já viveram diferentes papéis a eles imputados: trabalhadores, provedores de suas famílias, conheceram faces da exclusão, das dificuldades financeiras, da falta de serviços importantes ao bairro onde vivem. O preceito que apresentam como forte é a relação que estabeleceram com o trabalho. Diante dessas características, o processo educacional que se proponha a respeitar a rica experiência humana desses sujeitos, tomando-a como ponto de partida, precisa ser talhado no diálogo: Educação é, antes de tudo, relação. E uma relação precisa de abertura, de novidades e de desafios que a atualizem diante do novo para poder ser transmutada. Caso não haja aberturas que possibilitem o diálogo entre o novo e o velho, a relação cristaliza-se e caduca (LIMA, 2008, p. 109). Portanto, não se trata de escolhas de técnicas, mas de ter claro qual é a sociedade para a qual se pretende chegar. 182 Os coletivos populares ao se afirmarem sujeitos políticos, sociais, culturais, éticos, de pensamento, saberes, memórias, identidades construídas nesses contextos, padrões de poder, dominação/subaltenização explicitam, põem na agenda pedagógica as pedagogias com que se formaram e aprenderam Outros Sujeitos. Que pedagogias outras eles explicitam e põem na agenda pedagógica? (ARROYO, 2012, p.11-12). Diante deste aluno, que fez suas interpretações sobre o mundo existente a partir das impressões que colheu, mas, do mesmo modo, do que lhe imprimiu suas vivências, há que se considerarem suas experiências, nesse novo lugar que ocupa: sala de aula. Ao ouvi-los sobre o que buscam nas salas de aula, fica claro que a escola é também vista como parte do sonho de se materializar uma vida mais digna. No entanto, como Arroyo interroga: “Será que a própria escola e os seus profissionais e gestores valorizam a centralidade que a escola tem na cultura popular, na esperança das famílias populares?” (ARROYO, 2012, p. 251). Nossa, quando eu morava na roça eu não sabia nem meu nome. Estou aprendendo na escola a fazer umas coisas, desenhos (Dona D, de 74 anos). Ao se trabalhar com a alfabetização de jovens e adultos, vem inquietações sobre: Qual é o currículo a adotar? Quais metodologias buscar? Há algum material didático específico capaz de dar conta desta tarefa? Buscar metodologias que correspondam ao potencial que homens e mulheres, com responsabilidades postas pela própria vida, círculos de convivência, relação com o trabalho, enfim, marcas da humanidade que representam, da cidadania que assumiram, é um grande desafio. Não há como não ser sensível a este perfil do aluno que revela que, se eles têm diferenças entre idades, guardam em comum a riqueza dos lugares por onde passaram suas trajetórias humanas que ali se cruzam. Eu gostava das aulas (risos). A gente ria... foi legal. Ajudou foi muito (Dona D., 28/08/2013). Puxava para a ‘humorização’ (humor) dos alunos, puxava pela inteligência, é que lá aprendia brincando, igual criança, e tudo aquilo não se apaga (Vanilda, 16/07/2013). Esse tipo de aula ajudava os alunos a não faltarem (Dona D., 16/07/2013). [Sobre as aulas que dei] Ah, sim professora, deu incentivo para eu continuar, só não tem como. Mas quando der para eu voltar, eu volto (Vanilda, 28/08/2013). 183 Quando cheguei na cidade eu não conhecia nome de rua, eu não conhecia nome de casa, nem nada. Eu conhecia três letras: A,B,C (Dona D., 28/08/2013). Figura 61 - Vista parcial do bairro Campina Grande, 16/07/2013. Fonte: Marisa Seyr Se escolhemos fazer o percurso pedagógico junto com o aluno, respeitando seus saberes provenientes de sua experiência de vida, devemos estar abertos para uma relação de reciprocidade. Para o educador Álvaro Vieira Pinto (1987), há que existir o diálogo entre educador e educando, para uma relação de reciprocidade: A relação educacional é essencialmente recíproca, é troca de experiências, um diálogo. O educador ingênuo não reconhece no aluno sua qualidade de sujeito e por isso julga ser o único sujeito do ato pedagógico. Com isso corrompe e deixa incompreendido tudo que é essencial a este ato: o encontro de consciências (PINTO, 1987, p. 116, grifos do autor). Sobre o aluno, outros questionamentos são feitos: Qual o sentido desta volta à escola? Por que esteve fora desse lugar que é seu por direito de cidadania? O que fez durante o tempo em que não ocupou seu assento na escola? Todas estas questões reunidas apontam para a principal pergunta: Quem é o meu aluno de EJA? Alguém que na peleja diária, insiste em contrariar o 184 conformismo. Alguém disposto a enfrentar o novo? Alguém que se descobre forte pelas escolhas que fez? Nunca estudei porque nos era pequeno, criança e não tinha escola. Nós morava tudo longe. Não tinha talvez professora, só se pagasse um professor para se estudar em casa. Meu pai já tinha pagado, já tinha dado uma entrada, aí resolveu de mudar e ficamos sem estudos. Fomos criados pelo meu pai só na roça, só trabalhando na roça (Dona D., 28/08/2013). Pela história do Brasil é possível compreender as desigualdades sociais e econômicas, e o tanto que as políticas educacionais não chegam de fato a todos. São “Brasis” dentro deste país de tamanho continental. Meus filhos foram criados na roça, os primeiros só tirou o 2º ano do grupo. Só dois tirou o 4º ano no Paraná... eu fiquei... pensei que nunca ia precisar estudar. Mas quando eu cheguei aqui, sofri demais. Quando cheguei na cidade eu não conhecia nome de rua, eu não conhecia nome de casa, nem nada. Eu conhecia três letras: A,B,C . (Dona D., 28/08/2013). [Sobre a vida] Pra mim continua a mesma coisa. Eu tava trabalhando, parei de trabalhar, tenho que ficar em casa com as crianças, tenho quatro. Eu trabalho, cuido da casa, das crianças. Eu penso em voltar a trabalhar e continuar a vida. Voltei a estudar, parei de novo... Eu pretendo casar ainda, não casei, né. E manter a casa assim, com a família, não quero assim muito, né... Um marido... Eu tenho meu marido, mas ele não quer [casar]. Eu sou religiosa e me incomodo... A partir do momento que você tem Jesus na sua vida...Você tem que mudar... (Vanilda, 28/08/2013). Ainda não estão todas as crianças em idade escolar usufruindo o direito à escola. Destas exclusões, somadas à falta de políticas educativas que de fato fossem para todos, vem nosso aluno da EJA. Mas vem com a “roupagem” que também são geradas no convívio com as constantes faltas de básicas condições de sobrevivência: Os alunos da EJA, ao vivenciarem, pelo viés da exclusão social, o agravamento das formas de segregação - cultural, espacial, étnica, bem como das desigualdades econômicas-, experimentam, a cada dia, o abalo de seu sentimento de pertencimento social, o bloqueio de perspectivas de futuro social (GIOVANETTI, 2006, p. 245). Nossa, quando eu morava na roça eu não sabia nem meu nome ! (Dona D., 28/08/2013). 185 Embora a dívida social com os brasileiros sem escolarização seja antiga, foi na história recente que passos foram dados visando à superação desta mazela: Pela primeira vez na história brasileira, o Art. 208 da Constituição de outubro de 1988 conferiu à população jovem e adulta o direito à educação fundamental, responsabilizando os poderes públicos pela oferta universal e gratuita desse nível de ensino àqueles que a ele não tiveram acesso e progressão na infância e adolescência. No texto original, o Art. 50 das Disposições Transitórias da Constituição de 1988 conferia um prazo de dez anos para a universalização do ensino fundamental e a erradicação do analfabetismo, período em que as três esferas de governo ficavam obrigadas a dedicar a esses objetivos 50% dos recursos públicos vinculados à educação (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p.33). Na sequência histórica em 1990 foi elaborado o Estatuto da Criança e do Adolescente, que em seu Art. 4º colocava família e estado como corresponsáveis pela educação: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (ECA). Apesar de todos esses anos de vigência do ECA, muitas crianças ainda estão sendo aviltadas em seus direitos, até quando teremos que remediar os danos já instalados? A LDB atual foi formulada em longos oito anos. Nesse período mobilizou setores da sociedade, sendo aprovada em 1996. Esta lei, em seu Art. 4º, reitera os direitos da população jovem e adulta ao ensino fundamental, postulados na Carta Magna. Porém com a Emenda Constitucional 14, aprovada quase na mesma data, houve alteração na redação do Art. 208 da Constituição, de modo que sua redação nova deu margem a desobrigar jovens e adultos da frequência à escola, destituindo-os do direito subjetivo à escolarização regular no ensino fundamental (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p.33). Sobre as expectativas para a vida: Tudo de bom é saúde, saúde... Que tenha as coisas com abundância, fartura. Ah... a gente achava que na cidade era mais difícil, mas é mais fácil de viver. Na roça nem dinheiro a gente não tinha pra comprar o que a gente precisava (Dona D., 28/08/2013). [No futuro] Vou estar trabalhando, vou estar aqui ajudando alguém. Trabalho com faxina. Talvez [faça] corte e costura. [Vida] é estar com a família, com as crianças, em casa, na igreja, estar bem com minha parte espiritual (Vanilda, 28/08/2013). 186 Como Bissoto e Guimarães (2001, p. 171) advertem, a educação de Jovens e Adultos teve políticas recentes para promovê-la, de modo a atender às parcelas da população que foi sistematicamente desfavorecida, ou seja, pessoas das camadas mais esquecidas da população. É na periferia das cidades que se encontram os segregados socialmente. São os sem-escola, sem trabalho, sem-teto, que constituem um mundo à parte, onde o termo cidadania é vazio, sem sentido, indivíduos destituídos de uma valoração da sociedade e, muitas vezes, de si próprio. Meu irmão veio pra cá tinha uns 15,16 anos. Meu irmão mais velho... Mais velho... Ai comprou o terreno aqui, construiu a casa e trouxe meu pai, minha mãe pra cá. Ah, eu sofri muito... porque você sabe como é... É criado num lugar, ai você é tirada de lá, tem que sair de um lugar e ir para outra cidade, é complicado, né. Ainda não [acostumei]. Eu tenho irmão lá, tenho mãe lá ainda... é que ...estes [pais] são adotivos, a minha mãe me deu quando eu era bebê pra minha tia me criar...né... [Lá] eu tenho sobrinho que não conheço... Ela tem netos que não conhece... da minha irmã e meus filhos (Vanilda, 28/08/2013). Embora pareça atual esta preocupação com o educando, desde o movimento da Escola Nova, (OLIVEIRA, I.M., 2003), difundiram-se no cenário educacional brasileiro discussões a respeito do autoconceito no contexto escolar. Contribuições mais recentes datam da década de 1980, cujos pesquisadores18 chamam atenção para formação da identidade do aluno e seu sucesso escolar: Destacando as relações significativas apontadas por diversas pesquisas, entre um alto nível de autoconceito e de autoestima e um bom desempenho acadêmico, por um lado, e, por outro, um baixo nível de autoconceito e de autoestima e fracasso escolar, esses autores sugerem que sucessivas experiências de fracasso escolar podem levar o aluno a se perceber como menos capazes e menos aceitos, não raramente levando a um sentimento de “desvalorização” para consigo mesmo – o que, por sua vez, aumenta a possibilidade de novos fracassos (OLIVEIRA, I.M., 2003, p. 17). Na constituição do autoconceito estão presentes as interações que as pessoas estabelecem com demais e, como estas impressões lhes são apropriadas, o que, antes de ser pessoal, é social e histórica: [...] nossa fala, isto é, nossos enunciados, [...] estão repletos de palavras dos outros, caracterizadas em graus variáveis, pela alteridade ou pela assimilação, caracterizadas, também em graus variáveis, por um emprego consciente e decalcado. As palavras dos 18 Os autores citados por Oliveira (2003, p. 17) em seu estudo são: Barroso, C.L.M. & Barreto, E.S.S. (1976); Oliveira, M.I. (1984); Silva I.V. & Alencar, E.M.L.S. (1984), Moysés, M.L.M. (1986), Serrano, M.R. (1991). 187 outros introduzem sua própria expressividade, seu tom valorativo, que assimilamos, reestruturamos, modificamos (BAKHTIN, 1992, p. 314). Desta maneira, impregnados de conceitos que depreciam socialmente sua condição de homens e mulheres, estariam estes sujeitos da EJA I diante de uma nova perspectiva, possibilitada pela alfabetização, viver plenamente o papel de alunos? Tomo [iniciativa] se eu estiver com vontade assim, se eu “querer”, eu vou... eu vou atrás. Às vezes [resolvo problemas], não todos, [mas alguns], que depende de mim. Penso... assim... Tomar uma atitude de separação. Não está dando certo [Faz] 12 anos [que estamos casados].[Ele] não casou, quis casar, não quer nada. Faz tempo... faz uns três anos que eu entrei para Jesus...para o Senhor, falo de Deus com ele, ele diz que não quer, que é isso, que é aquilo, é...fazer o que, estou pondo na mão de Deus...fica na vontade Dele (Vanilda,28/08/2013). Para este importante passo rumo às salas de EJA, vencer fantasmas que assombram ou povoam certos dizeres, carregados de determinismos, precisam estar afrouxados, e encontrar, no novo lugar de aprendizagem, apoio para sustentar sua permanência e participação: A vivência do processo de exclusão social, frutos do agravamento da desigualdade social que se expressa na falta de moradia, não atendimento à saúde, falta de oportunidade de trabalho e, inclusive, não-acesso é educação, é uma experiência que deixa profundas marcas nos seres humanos. São jovens e adultos que vão construindo, ao longo de suas vidas, uma autoimagem marcada pela falta e pela negatividade (GIOVANETTI, 2006, p. 245). A concepção de uma realidade estática, que tem a desigualdade social como fundamento inquestionável, age como meio para naturalização da inferioridade, que é percebido e assumido pelas pessoas que a vivenciam. Para Sarti (1999, p. 107 apud GIOVANETTI, 2006, p. 245): “a introjeção da inferioridade naturalizada está entre os danos mais graves da desigualdade social. Acreditar-se menos.”. No Brasil, condicionantes regionais aliam-se negativamente para também rebaixar as oportunidades, reforçando à população pobre, lógicas de desfavorecimentos: Residir no Nordeste ou Sudeste não afeta as oportunidades de ser alfabetizado se o rendimento da pessoa for superior a dois salários mínimos; ter 39 anos ou mais também pouco afeta – entre sulinos e nordestinos – as oportunidades de aprender ler e escrever, se os rendimentos forem superiores. Porém, ser pobre nessas regiões afeta em muito as oportunidades de letramento. Assim, para todas as faixas etárias, os índices de analfabetismo são piores nas regiões que concentram um maior número de pobres (ROSEMBERG E PIZA, 1997:125, apud HADDAD e DI PIERRO, 2000, p.32). 188 Nessa mesma linha de pensamento, ao que Paulo Freire chamou de “humanidade roubada” (1974, p 30), passa a ser percebido sumariamente como legítimo, sem uma maior percepção que a desigualdade foi historicamente construída pelos homens: Assim, é legítimo concluir que as oportunidades educacionais da população jovem e adulta brasileira continuam a ser negativamente afetadas por fatores socioeconômicos, espaciais, geracionais, étnicos e de gênero, que combinam entre si para produzir acentuados desníveis educativos (HADDAD e DI PIERRO, 2000, p.33). Para Giovanetti (2006) o aluno da EJA traz consigo sentimentos referentes à exclusão experienciada em suas vidas, as quais devem a EJA ter claro seu compromisso com a mudança social, para que não seja mero instrumento de alcançar “um tempo perdido”. Assim: As propostas inspiradas na concepção libertadora geralmente se assumem no âmbito da expressão “educação popular” e advogam a organização, no seio dos movimentos populares, de uma educação do povo e pelo povo, para o povo e com o povo em contraposição àquela dominante caracterizada como da elite e pela elite, pra o povo, mas contra o povo (SAVIANI, 2008, p.179). Eu vou lá no Paraná...nossa...adoro ficar no sítio com meu irmão, fico uma semana, mas... (Risadas) já falei pra ele [marido] ir para lá morar sozinho, porque pra roça eu não vou! (Dona D. 28/08/2013). Sendo a EJA um campo da educação que se dedica a seres humanos marcados pela exclusão social, (ARROYO, apud GIOVANETTI, 2006, p. 247), ao conhecer melhor seus educandos: A EJA cria condições para ampliar também o seu olhar a respeito das camadas populares. O foco passa a ser invertido, pois a negatividade do olhar centrado na carência passa a ser superada pela sensibilidade para captar as “redes de socialização de resistência e humanização” (ARROYO apud GIOVANETTI, 2006, p. 247). Serão os sonhos dos Outros tão diferentes daqueles sonhos que todos sonhamos a noite e batalhamos de dia para alcançá-los? [Qual o seu sonho?] É, ponho na mão Dele. O Senhor sabe o que faz... eu nem aposentei ainda, quero me aposentar (Dona D. 28/08/2013). Ele é o pai das crianças, mas se for se separar vai ficar ruim... [Ele] Cuida, essa parte ele tem de bom. Ele é um pai, pai ótimo, ótimo... como marido eu não sei...mas como pai , ele é um ótimo pai. Ele apoia [que eu estude]. Aí não dava porque eu trabalhava e estudava, não deu, eu tive que parar. Ele é professor de matemática. Ele quer que eu vá 189 pra frente. Como eu estava estudando, e ele trabalhando à noite, de manhã, de tarde e, uma hora ele está à noite, não deu, não dava para deixar as crianças (Vanilda, 28/08/2013). Quando eu era mais nova eu costumava a fazer mais [costurava roupas], agora compro roupa feita, sai mais em conta (Dona D., 28/08/2013). Casar, ter filhos, estudar, aposentar, cuidar da família, ter onde morar, viajar, rever pessoas e lugares, tomar decisões, assumir novos papéis... Sonhos tão comuns aos Outros e a nós. Se olharmos com os olhos dos Outros veremos a nós mesmos em seus olhos. 190 CONSIDERAÇÕES FINAIS Pelo longo trabalho desencadeado por esta pesquisa, pelas leituras, orientações recebidas pude reinterpretar a prática desenvolvida junto a EJA I e compreender a dimensão humana que estava sendo suscitada nas aulas. Compreendo o estado de alegria, iluminação, contemplação, que vinham comigo, após as aulas, e que me deixavam com um sentimento de realização por ter reunido o trabalho com a alfabetização de jovens e adultos, as narrativas e a ação dramática, sempre permeada pelo diálogo. O que havia sido gerado nas aulas deixava um rastro que me identifica junto aos alunos e, cada vez mais, fortalecia em mim a certeza de que o caminho escolhido só podia ser aquele em que o aluno era o protagonista. A experiência de utilizar o Psicodrama Pedagógico nas salas da EJA e a pesquisa realizada me fizeram perceber, pelas respostas ao questionário, que existe grande abertura por parte das docentes da Região Noroeste de Campinas em utilizarem metodologias que visem um maior protagonismo discente. Tendo o Psicodrama Pedagógico princípios em comunhão com este olhar, há uma especial manifestação de que este possa constituir uma possibilidade a mais a ser explorada junto aos alunos. No entanto, por este mesmo questionário foi percebido que o Psicodrama Pedagógico não é conhecido em sua concepção, tanto quanto não são conhecidas suas técnicas ou, quiçá, dominadas pelas docentes, de modo que sintam segurança em realizá-lo. Foi percebido que há rudimentos de dinâmicas de grupo que, aos recortes, podem estar sendo entendidos como sinônimos do Psicodrama Pedagógico, o que indica a relevância de aprofundamentos teóricos e práticos nesse sentido. A adoção do Psicodrama Pedagógico revela ser um instrumento de ativação e recuperação de memórias, vivências, atuações no mundo do trabalho que os alunos acumulam. São preciosidades de humanidade que são generosamente trazidas como elemento constitutivo das aulas. Este movimento de lapidar, resgatar, revolver as reminiscências se faz com o anteparo do coletivo, que solidariamente recebe e acolhe as lembranças dos colegas, respeitosamente as analisam, elegem, partilham, compartilham, e buscam contribuir para este momento de aprendizagem e participação. O que está implícito se revela, aula de adultos tem características próprias, não há lugar único para quem ensina ou aprende: a partilha dos saberes gera aportes desfrutados por todos, 191 somos autores/atores em nossas vidas, a vida deve efervescer na sala de aula, é dela que retiramos os elementos que dão sentido ao estudo. A participação feita a muitas mãos, vozes, corpos, contribui ativamente para a tessitura da aula. Há espaço para contribuir na composição do texto, na ação dramática, nas interpretações e sentidos novos ao vivido, na escolha da palavra geradora de outras palavras. Alfabetização vivida com os sentidos do corpo, com os sentidos das interpretações, com as subjetividades e com a objetividade da realidade vivida no trabalho, na família, na comunidade. Integração de saberes num movimento de religação rumo à inteireza do conhecimento, por tanto fragmentado e despido de sentidos com a própria vida. Outra conclusão que chega com estas revelações: não há lugar único para aprender, a sala de aula é um dos lugares, mas não único, a vida, é realmente, escola. Para uma educação significativa não se perde de vista quem é meu aluno, jovem, adulto, idoso que retorna às salas de aula e o Psicodrama Pedagógico, tal qual foi vivido nas experiências docentes narradas nesse estudo, foi de fundamental importância a clareza de quem é este aluno. O Psicodrama Pedagógico reúne a valorização do homem, a sua percepção do mundo e suas lógicas e os elementos para qualificar o aprendizado do código linguístico presente na alfabetização. O Psicodrama Pedagógico é aliado à politização mais ampla, dos homens e mulheres, podendo construir novas atuações e protagonismos em sua vida pessoal e profissional. O Psicodrama Pedagógico, prima pela escuta do que é revelado, mas, também, a ausculta do que é interpretado pelo professor que, sensível, não deixa despercebido os temas latentes e, reconduz ao diálogo o que foi silenciado, inquirindo e interpelando com epifania, recolhendo e devolvendo ao grupo suas adjacências. O Psicodrama Pedagógico vem ao encontro de uma educação mais humanizada e humanizadora, libertando amarras de condicionamentos sociais e estereótipos introjetados, que comprometem a autoestima e valoração das classes trabalhadoras. A pesquisa que foi realizada mostrou que a metodologia de alfabetização proposta pelo educador Paulo Freire é a mais conhecida e utilizada pelos professores, mas como Romaña colocou, muitas vezes, a concepção de homem está mais presente na teorização deste trabalho, do que no método de trabalho propriamente dito, por isso, uma formação tal como a utilizada nos Círculos de Cultura (FREIRE, 1976), poderia ser retomada, realinhando teoria à prática. Paulo Freire (1976, p. 49) tem uma percepção bastante enfática a respeito do ato de ler e escrever que propõe em sua metodologia: “dizer a palavra”, contém em si “o direito de expressar- 192 se e de expressar o mundo, de criar e recriar, de decidir e optar”. Tal semelhança com as proposições do Psicodrama de Moreno e, da especialização voltada à educação, o Psicodrama Pedagógico, faz com que haja uma consistência teórica e prática que se somam. Estas, ao serem aplicadas como uma estratégia pedagógica a favor da alfabetização de jovens e adultos, abremlhes novos caminhos, conquistas em seus atuações, além do “resgate do sentido ético e global do ser humano” (FERREIRA, 1993 apud LIMA, 2003, p. 16-17). Segundo as respostas colhidas junto aos questionários das docentes, falta-lhes uma formação em Psicodrama Pedagógico. As informações que têm são “recortes”, ou ainda teorizações incipientes. Nas respostas há contundentes solicitações, de que precisam de formações especificas. Esta formação deveria acontecer tal qual um laboratório, de modo a garantir uma duradoura formação com bases do Psicodrama Pedagógico, a qual ofereceria condições para a execução segura do método. O fato de o Psicodrama Pedagógico ter sido criado por uma pedagoga reverte-se em maior identificação com o método e possibilidade de uso. Muitas vezes, erroneamente, quando se fala em Psicodrama há uma referência exclusiva à formação na área da Psicologia e não da Pedagogia, ou como exclusivo à psicoterapia, o que remete a esclarecimentos necessários para situar um e outro modo de utilizá-lo. Porém, como a própria Romaña recomendou, não se trata de utilizar unicamente um método, mas de que seja o Psicodrama Pedagógico mais um recurso no amplo repertório de metodologias de um professor, de modo que haja a viabilidade da aplicação dos jogos dramáticos na educação, enquanto um recurso facilitador em sala de aula e visando a uma aprendizagem significativa (ARANTES, 1993 apud LIMA, 2003). Moreno prefaciando Bour (1974), mencionou que o elemento individual acaba por dar um toque pessoal às atividades e empregos do Psicodrama. Não se trata de se minimizar o Psicodrama, mas de que a segurança e o conhecimento das técnicas, aliadas ao fator humano de quem está à frente da coordenação da ação dramática, além das escolhas de quando, onde, quais abordagens, serão utilizadas. Em outras palavras, apesar das técnicas se apresentarem como referências únicas ou uniformes, ao serem executadas recebem diferenciais e nuances próprios de quem as coordena. Tanto Paulo Freire, quanto Moreno e Maria Alicia Romaña, geram contundentes estudos para que não sejam realizados recortes e estereótipos do que é cada proposição destes autores. 193 Outra mudança a ser aguardada é que o educando traga novas atuações que possam fazer com que o professor reformule seu papel e sua condição na sala, esperando mais participação com vozes, opiniões, ações dirigidas não apenas à sala de aula, mas à vida pessoal, profissional e cidadã. É também esperado numa proposta educacional que inclua o Psicodrama Pedagógico que novas relações sejam estabelecidas, respaldadas em relações humanitárias e solidárias entre alunos e professores, aliadas à ferramenta conquistada com a alfabetização. Para que ocorra tal transformação é necessária a inserção das formações propostas, pois: [...] os professores são os agentes fundamentais nesse caminho de (des)construção de uma educação elitista e excludente para uma sociedade inclusiva e aberta incondicionalmente às diferenças. As identidades, portanto, estão em jogo, na medida em que queiramos ou não, somos coatores, coautores e, também, coprodutores! (LIMA, 2003, p. 20). Deste modo, o Psicodrama Pedagógico alia-se ao trabalho da Alfabetização de jovens e adultos sendo, portanto, uma metodologia para EJA comprometida com a Educação Sociocomunitária congregando princípios emancipatórios e libertadores de cristalizações sociais. Respondendo a questão inicial deste estudo, se o Psicodrama Pedagógico poderia favorecer a visão de mundo dos alunos, pelos relatos e entrevistas junto às duas ex-alunas, verifica-se uma forte tensão que desfavorece perspectivas deterministas, ou seja, elas desejam alçar voos e, sabem que podem buscá-los, as alunas têm leituras dos condicionantes em pauta que precisam ser vencidos para a consecução de seus intentos. Mesmo mencionando referencias à religiosidade, sabem que não é algo definido a priori que as manterão num mesmo patamar de desejos e alcances. O Psicodrama Pedagógico se inclui nas mesmas perspectivas da Educação Sociocomunitária, ou seja, fortalece as iniciativas do sujeito rumo à transformações em si e em seu grupo. Para a utilização do Psicodrama Pedagógico como metodologia, tal como já afirmado é imprescindível uma formação voltada aos pedagogos que estão à frente das salas de EJA I o que auxiliaria no conhecimento do que é o Psicodrama Pedagógico, sua prática, de modo que se sintam mais seguros para a realização das ações dramáticas. Outra contribuição do Psicodrama Pedagógico é no sentido de resgatar com a Pesquisa do Si mesmo, histórias pessoais, memórias e repertórios dos alunos que são inseridos na alfabetização e deste modo contribui na educação de Jovens e Adultos, junto com a aquisição de 194 sentido de mundo e em sua inserção na escola, sendo o professor o agente facilitador/instigador/organizador do processo de alfabetização. Este exercício autorreferencial também deve ser um recurso a ser explorado em formações voltadas aos docentes da EJA, uma vez que desperta para os sentidos que marcam as escolhas e práticas profissionais. A Pesquisa do Si Mesmo trouxe-me maior clareza das opções metodológicas que fiz, ainda mais quando, com a lente na história familiar, percebi a grandeza que o Circo significou em minha vida. Mesmo com seus silêncios, veladamente influentes, não foi possível conter a expressão, a alegria, a astúcia daqueles que tiveram a lona como teto. A influência do circo, com suas glórias e inglórias, estiveram presentes no meu desejo de proporcionar ao aluno uma experiência carregada de sentidos, tal como o vivido por artistas que assumem grande número de papéis, mas, que ao se despirem e retirarem suas maquilagens, assumem outros papéis e retornam às suas identidades. A ludicidade encontrada nas atrações circenses significa, outrossim, a possibilidade de visitar outros papéis, experimentar dramaticamente outro papel e, ao retornar ao seu lugar, trazer consigo o olhar sensibilizado pelo que viveu. O circo reserva em si um apelo ao popular, sua manifestação seduz as diversas faixas etárias e sociais. Significa à população um acesso a atrações e espetáculos a preços acessíveis. A ilusão, a beleza, as destrezas e, performances inundam os olhos dos que assistem ao espetáculo que se transportam, momentaneamente, a este mundo mágico. Fantasia e realidade, faces que se interpenetram e se completam. Aula com sabor de circo, que nas palavras da aluna entrevistada eram aulas alegres, onde se aprendia brincando. Com essa “brincadeira” estava sendo lapidada a existência, não com as letras soltas, mas com as palavras que cada um escolhe e reúne com outras palavras, minhas e suas, e se atribui um novo sentido, trazendo passagens de suas vidas, ou gerando histórias. Histórias são as molduras que se dão às palavras. Cada um escolhe o sentido que dá a textos e contextos. Cada um resolve o que revelar, há espaço para ser ouvido. Nesse lugar há como ensaiar e viver uma história que era sua, mas que, também, é minha ou nossa. 195 REFERÊNCIAS AGUIAR, Moysés. Teatro da Anarquia: Um resgate do Psicodrama. Campinas, SP: Papirus, 1988. ALBUQ. Márcia. Lei 10.639 e o Ensino de História da África nos Livros didáticos. (postado em 11/05/2011). Disponível em: http://achadosx.blogspot.com.br/2011/05/lei-10639-e-o-ensinode-historia-da.html. Acesso em: 03 jan. 2013. ALONSO, Kátia Morosov. Educação à distância no Brasil: a busca de identidade. In: PRETI, O. (Org.). Educação à distância: inícios e indícios de um percurso. Cuiabá: NEAD/UFMT, 1996. p. 57-74.Disponível em: http://www.nead.ufmt.br/index.asp?pg=7. Acesso em: 19 set.2013. AMARANTE OLIVEIRA, Wellington. As imagens que ensinam: o Telecurso 2º Grau da Fundação Roberto Marinho. III Encontro Nacional de Estudos da Imagem, Londrina, PR, 03 a 06 de maio de 2011. Disponível em: www.uel.br/.../eneimagem/.../Wellington%20Amarante%20Oliveira.pdf. Acesso em: 16 set.2013. 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Pessoas de 15 anos ou mais de idade que não sabem ler e escrever - totais - grupos de idade 15 a 24 anos 1.495 pessoas 0,8% 25 a 39 anos 3.819 1,3% 40 a 59 anos 9.017 3,3% 60 anos ou mais 14.111 10,6% Fonte: IBGE, 2010 Tabela 2: Características quanto à cor declarada das pessoas com 15 anos ou mais que não sabem ler e escrever na cidade de Campinas. Características quanto à cor declarada das pessoas com 15 anos ou mais que não sabem ler e escrever COR BRANCA Cor declarada branca - total 644 0,6% - grupos de idade - de 15 a 24 anos 1.387 0,8% Cor declarada branca - total - grupos de idade - de 25 a 39 anos Cor declarada branca - total 3.416 1,8% - grupos de idade - de 40 a 59 anos Cor declarada branca - total 7.462 7,3%. - grupos de idade - de 60 anos ou mais Total Geral de grupos de 12.909 2,2% idade igual e superior a 15 anos - Cor declarada branca COR PRETA Cor declarada preta - total - 142 1,1% grupos de idade - de 15 a 24 anos Cor declarada preta - total - 483 2,2% grupos de idade - de 25 a 39 anos Cor declarada preta - total - 1.182 6,0% 208 grupos de idade - de 40 a 59 anos Cor declarada preta - total grupos de idade - de 60 anos ou mais Total Geral de grupos de idade igual e superior a 15 anos - Cor declarada preta 1.641 19,9% 3.448 5,5% COR PARDA Cor declarada parda - total grupos de idade - de 15 a 24 anos Cor declarada parda - total grupos de idade - de 25 a 39 anos Cor declarada parda - total grupos de idade - de 40 a 59 anos Cor declarada parda - total grupos de idade - de 60 anos ou mais Total Geral de grupos de idade igual e superior a 15 anos - Cor declarada parda 688 1,3% 1.902 2,6% 4.330 7,1% 4.861 23,9 % 11.781 5,7% AMARELA Cor declarada amarela total - grupos de idade - de 15 a 24 anos Cor declarada amarela total - grupos de idade - de 24 a 39 anos Cor declarada amarela total - grupos de idade - de 40 a 59 anos Cor declarada amarela total - grupos de idade - de 60 anos ou mais Total Geral de grupos de idade igual e superior a 15 anos - Cor declarada amarela 20 1,1 % 40 1,2 % 69 1,9 % 114 4,2 % 243 2,1 % INDÍGENA Indígena - total - grupos de idade - de 15 a 24 anos 1 0,6 % 209 Indígena - total - grupos de idade - de 25 a 39 anos Indígena - total - grupos de idade - de 40 a 59 anos Indígena - total - grupos de idade - de 60 anos ou mais Total Geral de grupos de idade igual e superior a 15 anos - indígena 5 1,7 % 19 6,0 % 32 21,5 % 57 6,1 % Fonte: IBGE, 2010. Tabela 3: Taxas de Analfabetismo na cidade de Campinas - Comparativo 2000 e 2010 Taxas de Analfabetismo na cidade de Campinas - Comparativo 2000 e 2010: População analisada: Ano: 2000 Ano: 2010 Grupos de idade 15 a 24 anos Grupos de idade 24 a 59 anos Grupos de idade 60 anos ou mais Totais Gerais do grupo composto por pessoas de 15 anos ou mais que não estão alfabetizadas em Campinas (IBGE 2000 e 2010) 1,4 % 0,8 % 4,0 % 2,3 % 17,2 % 10,6 % 5,0 % 3,3 % Fonte: IBGE, 2010. 210 ANEXO B - Estatísticas das salas da FUMEC da Região Noroeste – 2ºsem.2012