Nós usineiros... Maurílio Biagi Filho * Por conta do forte aumento do preço do etanol nas bombas, a imagem dos usineiros está novamente no chão, em janeiro de 2010. A alta foi tão brusca, na passagem do ano, que não houve tempo para esclarecer antecipadamente a opinião pública. Agora que o caldo entornou, não há gerenciamento de crise capaz de contornar mais esse desastre. Ainda bem que, por ser renovável, o etanol conta com o favor do tempo. Nós usineiros vivemos há décadas numa recorrente crise de imagem provocada por uma grande deficiência de comunicação com a sociedade. De todos os ramos do agronegócio, o sucroenergético talvez seja o mais desastrado, incompreendido e penalizado. Por nossa culpa, convenhamos. Precisaríamos ter informado o consumidor, quando o valor do etanol estava abaixo de um real, que esse valor era irreal, sequer cobria os custos de produção e não poderia permanecer naquele patamar por muito tempo. Era preciso também informar, ainda, que em breve o consumidor pagaria mais caro pelo combustível . E agora, com os preços altos, deveríamos lembrá-lo de que foi alertado e que seria necessário levar em consideração o preço médio estipulado no início da safra. Mais uma vez, portanto, faltou a tão sonhada comunicação permanente com a sociedade. Se tivéssemos a mesma mentalidade dos fabricantes de produtos como, por exemplo, os refrigerantes, com certeza o nosso etanol não teria esse problema. Essas empresas gastam verdadeiras fábulas com campanhas publicitárias. Por outro lado, a nossa energia, absolutamente renovável e essencial para a construção de uma matriz energética cada vez mais limpa, perde espaço quando os preços se elevam, justamente porque nós, usineiros, não prestamos os esclarecimentos necessários. Ninguém imagina que pode comprar uma mercadoria cujo produtor está perdendo dinheiro. Como alguém poderia imaginar que vendemos etanol durante diversos períodos com prejuízo? É preciso explicar isso! Será que algum usineiro gostou de vender o litro de etanol a 50 centavos meses atrás, em vez de esperar um pouco mais para poder vender a um real? Todos nós gostaríamos de ter estocado o produto. É triste ter que dizer isso, mas se o consumo não cair, momentaneamente, faltará etanol e, infelizmente, a única forma de fazê-lo cair é através do preço. O fato é que o recente aumento do preço do etanol é plenamente explicável. Além de retardar os projetos de ampliação da capacidade de produção de etanol, a crise internacional de 2008 obrigou os produtores, no início da safra de 2009, entre abril e julho de 2009, a vender o produto a preços abaixo do custo – para fazer caixa. Somado a isso, o excesso de chuva no período de safra reduziu a matéria–prima disponível, fazendo com que muita cana permanecesse no campo em 2009. Ou, para quantificar, o equivalente a cinco bilhões de litros, o que representa quase 20% da produção anual, caso toda sobra fosse utilizada para produzir etanol. Obviamente, a redução da oferta na virada do ano elevou o valor do produto, pois o etanol é um combustível sujeito ao jogo da oferta e da procura, diferentemente da gasolina, cuja tarifa é praticamente a mesma há cinco anos, ainda que nesse período a cotação do barril de petróleo tenha oscilado de 40 a 150 dólares – hoje está ao redor de 80 dólares. A solução do problema passa, necessariamente, pela redução dos custos de estocagem e pela intensificação das ações de comunicação. Caso não se corrijam essas deficiências, corremos o risco de bater novamente com a cara no chão, numa próxima entressafra – nós produtores e todos os milhões de consumidores que optaram pelos carros flex e, até poucas semanas atrás, não tinham dúvida em mandar encher o tanque com etanol. O Brasil é o único país do mundo cujos consumidores podem escolher entre um combustível de origem fóssil e outro renovável, que emite 90% menos CO2 do que a gasolina, quando comparados os ciclos de vida de cada um. É preciso que o consumidor saiba que o benefício não é apenas econômico, mas, sobretudo, ambiental. O nosso etanol contribuiu para a redução de mais 600 milhões de toneladas de CO2, desde o final da década de 70, quando o país começou a usar o álcool como combustível. Isso significa mais que o dobro da meta apresentada pelo nosso Governo, durante a COP 15, para a redução das emissões até 2020. Apesar do grande esforço existente, por parte da União das Indústrias de Canade-Açúcar (Unica), no sentido de construir uma imagem mais positiva para o etanol, precisamos caminhar muito para conquistar novos mercados e provar o quão sustentável é o processo produtivo do etanol. Felizmente parece surgir uma era mais promissora para o etanol, a partir da entrada de grandes grupos nacionais e estrangeiros, que terão maiores recursos para a formação de estoques e, provavelmente, gastarão tempo e dinheiro, planejando e executando ações de comunicação, tanto no Brasil, quanto no exterior. Esses mesmos grandes grupos serão capazes de cobrar a existência de uma regulamentação mais consistente para o nosso biocombustível, especialmente no que se refere a estoques estratégicos. O setor deve, finalmente, alcançar a maturidade empresarial, buscando melhores índices de rentabilidade e menos os recordes de produção, ao mesmo tempo em que organiza melhor a oferta, vendendo em 12 meses aquilo que é produzido em oito. * Empresário e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República e da União da Indústria da Cana de Açúcar – ÚNICA.