Contribuições da Sociologia da Dádiva aos Estudos sobre Organizações Substantivas Autoria: Fabio Vizeu Resumo Propomos no presente ensaio uma nova articulação teórica para o campo de estudos sobre organizações substantivas. Esta se refere a um recente desenvolvimento da teoria sociológica de Marcel Mauss sobre o sistema da dádiva. A dádiva pode ser definida como a forma de circulação de bens onde o primeiro objetivo seja criar, recriar ou fortalecer os vínculos entre as pessoas ou grupos. Em um primeiro momento, a correlação entre a dádiva e o fenômeno das organizações substantivas é evidente. Estas últimas são um local privilegiado de manifestação da prática da dádiva-troca nas sociedades modernas. A dádiva se estabelece no registro das socialidades primárias, especialmente em contextos específicos onde se favorece o valor de vínculo, onde o cálculo passa a ser algo ‘nefasto’ para servir de referência, pois deturpa o verdadeiro sentido das ações interpessoais. Todavia, também é fato que a lógica predominante nas sociedades modernas é a de mercado, o que dificulta o estabelecimento das relações centradas na dádiva. É por isso que a tensão entre lógica da dádiva e a lógica de mercado se explicita nitidamente na tensão entre a impessoalidade do contrato mercantil e a pessoalidade que emerge vitoriosa no âmago das organizações substantivas. Outra importante contribuição da sociologia da dádiva aos estudos sobre organizações substantivas diz respeito ao tipo de humanismo que se configura na primeira. Introdução As organizações substantivas têm sido um campo de estudo profícuo para os pesquisadores organizacionais brasileiros. Sua fecundidade reside, por um lado, na positividade deste fenômeno organizacional diante do atual contexto histórico, marcadamente determinado por uma complexa crise social e política articulada pela ideologia neoliberal, e, por outro, na gradativa sofisticação teórico-conceitual que a academia brasileira tem efetuado sobre este fenômeno, empreendida especialmente a partir do célebre estudo de Ramos (1981). Em relação a este último aspecto, podemos destacar o avanço obtido no campo com o advento da Teoria da Ação Comunicativa, de Habermas. A adoção desta densa e profunda teoria sociológica permitiu a articulação de importantes questões epistemológicas que, desde o precursor do campo Guerreiro Ramos, rondavam o imaginário dos pesquisadores das organizações substantivas1. Por conseguinte, a teoria habermasiana permitiu que os estudos empíricos da área promovessem um refinamento na busca pela inteligibilidade do caráter substantivo destes tipos organizacionais, especialmente no que tange ao processo de articulação entre as dimensões política, econômica e simbólica na organização2. Assim, seguindo esta mesma trajetória, propomos no presente ensaio uma nova articulação teórica, ainda não devidamente explorada no campo, mas que entendemos ser proveitosa para o avanço dos estudos sobre organizações substantivas. Esta se refere a um recente desenvolvimento da teoria sociológica de Marcel Mauss sobre o sistema da dádiva. Quando se trata de abordagens em ciências sociais inspiradas no fenômeno da dádiva, existe uma significativa heterogeneidade (Godbout, 1999; Caillé, 1998). Sua grande maioria se tratando de estudos antropológicos, os diversos olhares sobre o fenômeno da dádiva que vêm sendo desenvolvidos nas últimas décadas dedicam atenção especial ao pioneiro e mais célebre estudo sobre o tema – o ‘Ensaio sobre a Dádiva’, de Marcel Mauss – mas se diversificam em diferentes interpretações, onde a dádiva é considerada sob diferentes formas: troca simbólica, troca econômica, ritual, atividade política, fenômeno arcaico, fenômeno moderno. A despeito dos 1 avanços desta fertilidade de pensamentos, a multiplicidade de olhares sobre a dádiva contribuiu para uma certa obscuridade do fenômeno enquanto um importante elemento de inteligibilidade do social, principalmente quando se considera a delimitação histórica da modernidade (Godbout, 1999). Paradoxalmente, dentro de várias interpretações existentes sobre a dádiva, pode-se vislumbrar alguns esforços de coesão epistemológica, como aquele que pretende o movimento antiutilitarista da França3. Apesar de ainda desconhecida pela maioria dos autores do campo das organizações, a sociologia da dádiva já foi antes apresentada no país, em um estudo publicado em um importante periódico da área. Neste ensaio, França e Dizimira (1999) discutem o fenômeno da Economia Solidária a luz da sociologia da dádiva. Em termos gerais, estes autores aproveitam o entendimento que a sociologia da dádiva oferece aos fenômenos de natureza multifacetada e plural, como no caso da Economia Solidária, que se revela pela imbricação das esferas econômica social e política. Na verdade, esta aproximação entre dádiva e a Economia Solidária já foi matéria de interesse de outros autores na França que têm buscado promover a sociologia da dádiva4. Todavia, França e Dizimira (1999) merecem o crédito de serem os pioneiros na apresentação da dádiva ao campo dos estudos organizacionais brasileiros. Na verdade, podemos mesmo considerar que alguns dos principais pontos de correlação entre a dádiva e as organizações substantivas já foram indiretamente apresentados por França e Dizimira (1999); todavia, acreditamos que faltou ao referido estudo uma argumentação mais específica para demonstrar o real potencial desta abordagem para os estudos sobre organizações substantivas. É este último ponto que motivou o presente trabalho. O presente ensaio se divide em quatro partes fundamentais. A primeira trata do próprio conceito de dádiva e da sua subseqüente abordagem sociológica, ou seja, aquela que tem nesta prática social seu principal fundamento explicativo. Na segunda parte, tratamos dos pressupostos epistemológicos da sociologia da dádiva, de maneira a situar esta abordagem no conjunto de perspectivas sociológicas de cunho anti-positivista, principalmente no que diz respeito ao seu conteúdo crítico. A seguir, abordamos os principais pontos de correlação entre a sociologia da dádiva e os estudos sobre organizações substantivas. Finalmente, apresentamos nossas considerações finais, onde esboçamos brevemente alguns pontos que podem ser interessantes para uma agenda de pesquisa em organizações substantivas calcada nos princípios e nas implicações da sociologia da dádiva. Além disso, assinalamos nossa expectativa de contribuições à presente proposição. Delineando a sociologia da dádiva A sociologia da dádiva é uma abordagem em ciências sociais que vem se desenvolvendo especialmente na França, a partir do ensaio sobre a dádiva de Marcel Mauss. Como o próprio nome indica, esta abordagem tem por principal fundamento de explicação sociológica a dádiva (também denominada em português por dom), um fenômeno identificado por Mauss como uma prática fundamental nas sociedades arcaicas. Para Mauss, a dádiva correspondia a uma prática com amplas implicações para o conjunto de uma sociedade. Neste sentido, a dádiva era um fato social total, pois abarcava todo um conjunto de esferas estruturantes da sociedade (econômica, política, jurídica, afetiva, estética, etc.), mas, também, por ser uma prática universalmente desenvolvida, ou seja, reconhecida em todas as sociedades, mesmo que em diferentes matizes e graus. Nas palavras de Goubout, “a dádiva implica todas as sociedades e diz respeito à totalidade de cada uma delas” (Godbout, 1999, p. 20). É a partir deste caráter universal da dádiva que este último autor pretende verificar a presença desta prática no seio da sociedade moderna, onde predomina a lógica mercantil e o sistema político do Estado-burocrático. 2 Dada esta universalidade, Mauss reconheceu na dádiva o fundamento primeiro da explicação do social, a referência mais pura para se identificar a essência das motivações individuais que levam a solidariedade humana (no sentido durkheimiano) e, conseqüentemente, a compreensão da dinâmica social. É neste sentido que Mauss observara na dádiva arcaica a explicação do próprio social, pois via neste fenômeno o substrato primeiro das estruturas societárias, o fundamento explicativo de toda a complexidade da vida em sociedade. O autor conclui da seguinte forma o seu ensaio sobre a dádiva: As sociedades progrediram na medida em que elas próprias, os seus subgrupos e, enfim, os seus indivíduos, souberam estabilizar as suas relações, dar receber e, finalmente, retribuir. Para comerciar, era primeiro necessário saber depor as lanças. Foi então que teve êxito a troca de bens e das pessoas, não apenas de clãs para clãs, mas de tribos para tribos e de nações para nações, sobretudo de indivíduos para indivíduos. Foi só depois que as pessoas souberam criar para si, satisfazer interesses mútuos e, enfim, defende-los sem terem que recorrer às armas. Assim, o clã, a tribo, os povos souberam – e é assim que amanhã, no nosso mundo dito civilizado, as classes, as nações e também os indivíduos devem saber – opor-se sem se massacrarem e dar-se sem se sacrificarem uns aos outros. Aí está um dos segredos permanentes de sua sabedoria e solidariedade (Mauss, 2001, p. 196) A dádiva pode ser definida como a forma de circulação de bens (materiais, simbólicos, tangíveis ou não) onde o primeiro objetivo seja criar, recriar ou fortalecer os vínculos entre as pessoas ou grupos. Para tanto, a dádiva deve ser empreendida sem a garantia de retorno (Caillé, 1999). Na concepção original de Marcel Mauss, o vínculo se estabelece através da dádiva devido a tríplice obrigação de dar, receber e retribuir. Todavia, esta obrigação é paradoxal, tendo em vista que, para ser eficaz no estabelecimento do vínculo entre doador e receptor, a dádiva deve ser uma atitude espontânea por parte do primeiro (como também deve ser espontânea a retribuição). É neste sentido que se entende a dádiva como uma ‘obrigação livre’ e também como uma prática que ‘obriga a obrigar-se’. Sobre a tríplice obrigação da dádiva, Caillé considera o seguinte: No quadro do paradigma do dom a palavra dom só pode valer a título de abreviação daquilo que Marcel Mauss designa sob a rubrica da tríplice obrigação de dar, receber e retribuir. Caso se isole o único momento do dom – no sentido do gesto necessariamente estreito, muito estreito, do termo – não se consegue captar a sua dimensão de sistematicidade e coerência e deixa-se a porta aberta para questionamentos psicológicos e metafísicos ainda mais abissais e insolúveis se for eliminada a dimensão sociológica através da qual elas encontram geralmente a sua solução concreta. (Caillé, 1999, p. 304) Outro importante aspecto da dádiva-troca é sua oposição à troca do tipo mercantil. Neste sentido, o princípio da dádiva é a negação da equivalência contábil. Já a troca mercantil é definida a partir da equivalência e pela suposição da possibilidade de liquidação imediata da dívida. Na lógica da dádiva, o tempo de retribuição deve ser necessariamente indeterminado, justamente, para surgir o sentimento de obrigação de retribuição, e, assim, garantir a circularidade da dádiva e a perenidade do vínculo entre aqueles que trocam. Sobre a noção de tempo na dádiva, Mauss comenta o seguinte: Mas é, em toda a sociedade possível, da natureza de dádiva obrigar a termo. Pela própria definição, uma refeição em comum, uma distribuição de Kava, um talismã que se leva, não podem ser redistribuídos imediatamente. O ‘tempo’ é necessário para se executar qualquer contraprestação. A noção de termo está, pois, implicada logicamente quando se trate de fazer visitas, de contrair casamentos, alianças, de se estabelecer uma paz, de vir a jogos e a combates regulamentados, de celebrar festas alternativas, de prestar os serviços rituais e de honra, de se manifestar ‘respeitos’ recíprocos, tudo coisas que se trocam, ao mesmo 3 tempo que as coisas são cada vez mais numerosas e mais preciosas à medida que essas sociedades vão sendo mais ricas. (Mauss, 2001, p. 108) Assim, é importante destacar que, na perspectiva maussaniana, a dádiva é um processo de circulação de bens simbólicos. Ou seja, significa que o aspecto fundamental não é o bem em si ou o seu valor utilitário, mas o que ele representa, o valor da relação. Mauss sinaliza muito bem o caráter simbólico da dádiva, quando apresenta o potlatch, o sistema de troca-dádiva agonístico das tribos indígenas do noroeste norte-americano. Como assevera Mauss, no potlatch, ao se receber o bem dado, “faz-se mais do que se beneficiar de uma coisa e de uma festa, aceitou-se um desafio; e pode-se aceitá-lo porque se tem a certeza de retribuir, de provar que não se é desigual” (Mauss, 2001, p. 122). Nitidamente destaca-se na descrição de Mauss o sentido de reciprocidade e de reconhecimento como o fundamento primeiro do ato de dar. É este reconhecimento que permite a consolidação do vínculo, pois está fundamentado em uma obrigação de retribuição para não se deixar transparecer como sendo um ‘menor’. É Por isso que o potlatch é utilizado por Mauss como um tipo de dádiva significativamente representativo desta prática social universal: neste ritual, o objetivo das trocas era antes o de tornar o oponente um obrigado e de medir o prestígio e a honra, de “reconhecer-se o chefe ou o seu filho e ficar-se-lhe reconhecido” (Mauss, 2001, p. 120). Situando epistemologicamente a abordagem sociológica da dádiva Apesar de explicitamente ousado, o insight de Mauss sobre a dádiva ficou obscurecido ao longo da história das ciências sociais. De acordo com certos autores (Caillé, 1998; 2002; Godbout, 1999), isto se deve, entre outras coisas, pela timidez com que Mauss apresentara seus argumentos, especialmente quanto às deduções de seu pensamento sobre a dádiva. Além disso, as estreitas relações de Mauss com importantes autores para o funcionalismo e o estruturalismo (Durkheim e Lévi-Strauss, respectivamente) contribuíram para uma errônea interpretação por parte da academia sobre as afiliações epistemológicas do pensamento maussaniano (Caillé, 1998). Assim, apesar de Marcel Mauss ser o idealizador e principal autor da sociologia da dádiva, esta somente se desenvolveu consistentemente enquanto abordagem sociológica crítica a partir dos recentes trabalhos de um grupo de autores vinculados ao denominado Movimento Antiutilitarista nas Ciências Sociais (MAUSS, em francês5), liderado pelo sociólogo Alain Caillé. Estes autores reforçaram os principais insights de Marcel Mauss e buscaram articular – em maior ou menor grau – sua reflexão sobre a dádiva com os pressupostos de outras correntes críticas ao utilitarismo filosófico e científico. A dádiva é uma referência sociológica que surge enquanto contraponto a uma perspectiva utilitarista. Ela questiona a falsa presunção axiológica do interesse enquanto explicação primeira da motivação humana na esfera social. O fenômeno da dádiva revela um múltiplo sentido para a ação, polarizado, complexo e irredutível a um de seus aspectos: a dádiva é interessada e desinteressada, obrigada e livre. Esse sentido múltiplo da dádiva permite reconhecer que, ao fundamentar-se exclusivamente no interesse, a perspectiva utilitarista acaba por empreender um reducionismo perigoso, pois não dá conta de um conjunto de atitudes humanas que, se observadas sob outra ótica, indicariam novas formas de entendimento da dinâmica social. Como já fora exposto, o ponto central da sociologia da dádiva é que esta propõe que o principal valor considerado na dádiva-troca não é a utilidade ou o valor do bem trocado em si, mas sim o valor do vínculo firmado a partir da troca. É neste sentido que França e Dizimira (1999) lembram acertadamente que a teoria da dádiva é uma teoria do vínculo social. Pode-se dizer, assim, que a sociologia da dádiva se afasta do economicismo na explicação sociológica 4 dominante para dar o devido lugar ao simbólico e, conseqüentemente, à subjetividade. È importante destacar que isto ocorrera já no pensamento de Mauss, ou seja, contemporaneamente à Durkheim6. É uma visão descomprometida com a tão comum universalização das construções modernas, prática reducionista que vem sendo denunciada por recentes correntes nas Ciências Sociais, como por exemplo, a antropologia econômica de Karl Polanyi. Da mesma forma, a centralidade da dimensão simbólica remarca categoricamente o lado subjetivista da sociologia da dádiva. De acordo com Godbout, a dádiva é uma prática que recorre ao implícito para se afastar do racionalismo formal da lógica de mercado: “...o universo da dádiva requer o implícito e o não-dito. A magia da dádiva não funciona a não ser que as regras permaneçam não formuladas. Assim que são enunciadas, a carruagem volta a transformar-se em abóbora, o rei fica nu e a dádiva vira equivalência.” (1999, p.13). A dimensão simbólica privilegiada na prática da dádiva transparece de forma ainda mais evidente a partir do conceito de ‘dádiva de instituição’, tratado por Caillé (2002). Esta categoria de dádiva é definida como as trocas-dádiva que instituem, refazem ou reforçam as alianças. De acordo com Caillé: ...os dons de instituição (instituintes) são símbolos. Com o significado de operadores de ligação ou, mais precisamente, na medida em que são vetores de aliança eles privilegiam o vínculo de preferência aos bens, e a sua dimensão simbólica ganha mais importância que a sua dimensão funcional e utilitária. Os bens que se dão, se recebem e se retribuem, que são os bens preciosos, os símbolos por antonomásia (...) só valem em princípio graças ao valor das pessoas que o possuíam e doaram, como o observa enfaticamente Mauss na trilha de Malinovski. (Caillé, 2002, p. 231) A abordagem sociológica fundada na dádiva pretende a superação do debate entre a visão realista e o puro idealismo no campo das ciências sociais (assim como outras abordagens recentes7). Apesar de ser comumente prejulgada como excessivamente idealista8, a sociologia da dádiva propõe um passo além da insuperável escolha entre a aceitação ou a negação do imperativo econômico e utilitarista sobre o valor ético-moral como princípio fundamental na condução da dinâmica social. Para os autores do MAUSS, a dádiva se impõe como um fato revelador de uma lógica multidimensional de construção da realidade social, onde simultaneamente (e nunca causalisticamente, como pretendem os realistas e o puro pensamento idealista) estão presentes o interesse e o desinteresse, a espontaneidade e a obrigatoriedade. Este princípio epistemológico anti-positivista no pensamento de Mauss tem sido afirmado pelos autores do movimento antiutilitarista quando estes aproximam a sociologia esboçada por Mauss ao pensamento de George Simmel, ao interacionismo simbólico de Ervin Goffman, e mesmo a etnometodologia de Garfinkel (Caillé, 1998)9. Em realidade, a elaboração da sociologia da dádiva empreendida pelo MAUSS se pretende de alguma forma interacionista, por justamente centrar o fundamento da análise social (e, por conseguinte, o caminho para a superação do debate realistaidealista) na interação social, como demonstra o seguinte trecho: Aquém ou além dos momentos abstratos do egoísmo e do altruísmo, da antítese fixada entre um momento considerado real do interesse material calculado e um momento considerado ideal porém inacessível do desinteresse radical, é preciso pensar na dádiva não como uma série de atos unilaterais e descontínuos, mas como uma relação. Mais ainda que o capital segundo Marx, a dádiva não é uma coisa mas uma relação social (Godbout, 2002, p. 16) Assim, a sociologia da dádiva delineada pelo MAUSS pretende revelar uma dimensão política mais abrangente do que a dominante na modernidade, ou seja, a perspectiva neoliberal. Godbout (1998) argumenta que, uma das explicações para a hegemonia do paradigma neoliberal 5 na modernidade é o seu caráter sedutor, tendo em vista seu conteúdo libertário: a lógica do mercado permite a liberação imediata de inúmeras relações sociais indesejáveis, justamente por que o compromisso do contrato permitir a liquidação imediata da obrigação. Por outro lado, essa possibilidade somente é factível graças à lei de equivalência das relações de troca mercantis, que garante o não comprometimento futuro. Godbout afirma o seguinte, ao tratar da liberdade pretendida na lógica de mercado: Como essa liberdade é possível? Em que se funda? Essa liberdade está fundada na liquidação imediata e permanente da dívida. O modelo mercante visa a ausência da dívida. Nesse modelo, cada troca é completa. Graças à lei de equivalência, cada relação é pontual, e não compromete o futuro. Não tem futuro, e portanto não nos insere num sistema de obrigações. (...) É a melhor definição sociológica do mercado: um laço social que visa escapar das obrigações normais inerentes aos laços sociais. (Godbout, 1998, p. 41) É assim que, nas trocas mercantis, criam-se figuras impessoais e descomprometidas: contratante e contratado, consumidor e ‘empresa’, ‘Estado’ e contribuinte. É claro que existe legitimidade nesta perspectiva de liberdade, já que ela se constitui historicamente em oposição à “hierarquia imposta” (Godbout, 1998, p. 41) das estruturas societárias pré-modernas, e, além disso, serve para melhor organizar toda a complexidade dos conjuntos de relações que o indivíduo moderno é convidado a tecer10. Todavia, também é certo que a impessoalidade imposta pela lógica de mercado se contrapõe ao tipo de socialidade que é genésico das estruturas sociais, a socialidade primária, aquela que tem por base justamente a construção de vínculos e relações pessoais. E por isso que Mauss remarca a dádiva nas sociedades arcaicas, pois, com o advento histórico da lógica de mercado e do Estado burocrático, a tensão entre o valor do vínculo (socialidade primária) e o valor das coisas (expresso no utilitarismo das socialidades secundárias) se intensifica. Caillé chama a atenção para esta tensão ao falar dos sistemas reguladores da lógica de mercado, como por exemplo o sistema monetário: “Quanto mais o sistema monetário se especializa, se autonomiza e se complexifica, tanto mais ao contrário o vínculo entre as coisas, as pessoas e os símbolos se distende” (Caillé, 2002, p. 231). Segue-se agora a sinalização de possíveis pontos de complementaridade entre a sociologia da dádiva e o arcabouço teórico e empírico dos estudos sobre organizações substantivas que vêm sendo desenvolvidos no Brasil. Buscamos empreender esta tarefa seguindo uma lógica similar a de Serva (1997b) em relação às aproximações entre a proposta de Guerreiro Ramos e Habermas. Possíveis correlações entre a sociologia da dádiva e os estudos sobre organizações substantivas Em um primeiro momento, a correlação entre a dádiva e o fenômeno das organizações substantivas é evidente. Estas últimas são um local privilegiado de manifestação da prática da dádiva-troca nas sociedades modernas. Godbout (1999) afirma que, o fato de Marcel Mauss ter se preocupado em demonstrar a universalidade da dádiva nas sociedades arcaicas, não significou que esta prática não esteja presente na modernidade. A dádiva se estabelece no registro das socialidades primárias (aquelas centradas nas relações interpessoais), especialmente em contextos específicos onde se favorece o valor de vínculo, onde o cálculo passa a ser algo ‘nefasto’ para servir de referência, pois deturpa o verdadeiro sentido das ações interpessoais. A partir deste pensamento, Godbout (1999) constitui a idéia de uma ‘dádiva moderna’, na qual as relações de circulação de bens objetivando o vínculo extrapolam o circuito do contato face a face (permitindo que se dê a um outro anônimo) e, muitas vezes, contam com o apoio de organizações que agem como facilitadores. Assim, práticas como doação de sangue, doação de órgãos, grupos de ajuda mútua (por exemplo, os Alcoólicos Anônimos) são exemplos de dádivas modernas. Caillé chama 6 a atenção para o fato da dádiva ser o registro fundamental de inteligibilidade do fenômeno associativista e do Terceiro Setor da era moderna: Em todos os quadrantes da terra se assiste a um desenvolvimento simplesmente espetacular do setor terciário, do voluntariado (...) e do engajamento associativo. No mundo da pobreza, porque o Estado e o mercado, insuficientemente desenvolvidos e estruturados, estão longe de poder garantir a sobrevivência material da totalidade da população e porque os cidadãos sentem então necessidade de ‘se virar’ recorrendo a todos os instrumentos do ‘informal’. No mundo da riqueza, é muitas vezes o próprio superdesenvolvimento do mercado e do Estado que acaba criando novos problemas e necessidades novas aos quais não são capazes ou não são mais capazes de responder. Além das solidariedades tradicionais de famílias, deve-se portanto criar solidariedades novas que se exprimem através das cooperativas sociais, das associações e do conjunto das atividades coletivas com fins não lucrativos (...).Em todos esses casos, quer se trate de um tipo tradicionalista ou moderno, é claro que o engajamento associativo e voluntário implica que a pessoa dê uma parcela de seu tempo e se empenhe pessoalmente em alguma tarefa. Claro, em outros termos, que ele deve funcionar em primeiro lugar no registro do dom. (Caillé, 1999, p. 141) Todavia, também é fato que, sendo a lógica predominante nas sociedades modernas a de mercado, existe uma dificuldade contextual para o estabelecimento das relações centradas na dádiva. É por isso que a tensão entre lógica da dádiva e a lógica de mercado (que é aliada à lógica do Estado) se explicita nitidamente na tensão entre a impessoalidade do contrato mercantil (que, na perspectiva organizacional, se estabelece a partir da impessoalidade burocrática) e a pessoalidade que emerge vitoriosa no âmago das organizações substantivas. Esta última dicotomia em especial tem sido amplamente abordada pelos estudos em organizações substantivas. Autores têm deslocado seu olhar sobre a pura constatação do fenômeno de organizações substantivas – onde se busca um contraponto a lógica de mercado – para avançar no entendimento sobre a tensão entre o mercado / Estado (lógicas predominantes) e as práticas substantivas. Nos estudos em organizações substantivas, esta tensão é descrita através da contraposição entre racionalidades – em especial, a racionalidade instrumental, típica da lógica de mercado e do Estado burocrático, e a racionalidade substantiva ou comunicativa, típica do modelo organizacional substantivo. Por exemplo, Vizeu (2004), em seu estudo sobre um hospital psiquiátrico que passou por um reforma institucional para assumir práticas institucionais centradas na valorização do sujeito-paciente, apresenta como ocorreu neste caso a transição institucional de uma orientação racional-instrumental para uma orientação racional-comunicativa. Para tanto, este autor afirma que o seu estudo buscou a “construção de um mapeamento das diversas formas de manifestação das racionalidades.” (Vizeu, 2004, p. 15). Neste prisma, o autor verifica que no seio de um espaço onde predomina a orientação racional-comunicativa persiste a racionalidade instrumental, em um jogo de tensão e polarização, em um cenário plural, ambíguo e em constante mutação (ou recontrução), onde comportamentos ora são regidos por uma lógica, ora por outra. Esta perspectiva mais recente sobre as organizações substantivas parece transparecer aquilo que corresponde à essência da dádiva: um fenômeno plural, ambíguo e complexo, irredutível a suas diferentes dimensões ou facetas. Como já afirmara Mauss, a dádiva é obrigada e livre, interessada e desinteressada ao mesmo tempo; e para se compreender a totalidade deste fenômeno é preciso abraçar esta multiplicidade. Outro importante indicativo do estabelecimento desta perspectiva plural da dádiva nas organizações substantivas se refere à polaridade de certos elementos motivacionais do comportamento. Serva indica haver nas organizações substantivas um verdadeiro “culto à liberdade” no mesmo sentido que há “uma assunção espontânea de compromissos” (Serva, 1993, p. 38). Esta polaridade reflete o modelo de comportamento complexo que se propõe no fenômeno da dádiva – interessado e desinteressado, livre (por ser 7 espontâneo) e obrigado. Não é por acaso que Serva, na sua trajetória acadêmica de contribuição aos estudos sobre organizações substantivas, recorre a abordagem da complexidade de Edgar Morin para dar conta desta multiplicidade evidente no fenômeno de organizações substantivas (Serva, 1992; 1997a). Como já fora observado pela literatura da área, nas organizações do tipo substantivo existe a ruptura com a lógica impessoal e com o calculismo nas relações sociais, através de “um alto grau de solidariedade e afetividade entre os membros” e onde “a intensidade das relações interpessoais é bastante elevada” (Serva, 1993, p. 39). A discussão teórica sobre a tensão entre a socialidade primária e a socialidade secundária dentro da sociologia da dádiva se insere bem e dá um novo fôlego naquilo que vem sendo investigado nos estudos sobre organizações substantivas como sendo a tensão entre a racionalidade instrumental e a racionalidade substantiva, entre a tendência à lógica burocratizante e a adoção de formas alternativas de organização do trabalho, centradas em princípios coletivistas e democráticos (Serva, 1993; 1997a). A referência de análise proposta pela sociologia da dádiva pode ser proveitosa para os estudos organizacionais, por permitir um novo olhar sobre o contexto organizacional. Serva (1997a), nas conclusões de seu estudo empírico sobre organizações substantivas, indica a necessidade de se compor novas referências para a análise do crescente fenômeno deste tipo organizacional, que não seja limitada às referências do utilitarismo. É neste sentido que a perspectiva da dádiva surge como uma possibilidade frutífera para o campo. De resto, a sociologia da dádiva permite um aprofundamento de pontos importantes nos estudos sobre organizações substantivas, como por exemplo o processo de construção e reconstrução das relações interpessoais e a tensão entre a lógica de mercado e a lógica da intersubjetividade nestes tipos organizacionais, ou espaço de fala, entendido como um processo de dádiva-troca. Neste sentido, Godbout salienta a ser palavra um dos mais importantes bens a serem trocados no sistema da dádiva, especialmente no contexto da modernidade. Como afirma o autor, “falar é considerado um dom, talvez o principal” (1999, p. 14). Outra importante contribuição da sociologia da dádiva aos estudos sobre organizações substantivas diz respeito ao tipo de humanismo que se configura na primeira. No Brasil, tem sido comum a crítica de que os estudos das organizações substantivas se revestem de um humanismo utópico, o que enfraquece sobremaneira a credibilidade destes estudos. Na sociologia da dádiva, persiste um humanismo cosmocêntrico, e não antropocêntrico (comum ao humanismo de caráter ideológico, como bem asseverou Martins [2000]); questiona-se o utilitarismo ideológico, mas sem incorrer na demagoga negação do interesse individualista como um fator presente na motivação humana (a dádiva apenas indica ser o interesse parte de um complexo motivacional, este último, irredutível as suas partes). Este humanismo é fundado na premissa da subordinação dos interesses utilitários à dimensão simbólica das relações sociais, e que reside neste plano o substrato da solidariedade humana que sustenta a possibilidade das estruturas sociais. É neste sentido que os autores do MAUSS recuperam o conceito de socialidade primária e socialidade secundária para explicar a posição privilegiada da dádiva na geração da estruturas societárias. Esta contraposição reflete precisamente a tensão entre diferentes racionalidades no âmbito das organizações substantivas (Serva, 1997a; Alves, 2002), ou mesmo de tipos organizacionais tradicionalmente regidos pela lógica de mercado e que desenvolvem práticas orientadas pela racionalidade substantiva (Vizeu, 2004; Fraga, 2000). Considerações finais Além de apresentar uma nova referência explicativa dos fenômenos sociais – a prática e o sistema da dádiva – a perspectiva sociológica do MAUSS oferece aos estudos brasileiros sobre 8 organizações substantivas algumas pistas interessantes para que se constitua uma nova agenda de pesquisa no campo. Para além da mera constatação do crescimento em nossas sociedades do fenômeno das organizações substantivas e de uma (muitas vezes) simplificada descrição dos atributos e peculiaridades deste tipo organizacional, existem questionamentos mais intrigantes: o que faz com que surjam cada vez mais organizações substantivas em um contexto histórico tão desfavorável – a era do mercado, do Estado burocrático e da ciência utilitarista – onde tudo conspira para que se assuma o registro do cálculo instrumental e da equivalência impessoal nas práticas sociais? Como podem (ainda) sobreviver as organizações substantivas a este cenário tão adverso? A estas questões a sociologia da dádiva oferece uma resposta contundente: a dádiva, uma prática mais comum na modernidade do que parece (Godbout, 1999), corresponde a um processo de socialidade primária, onde a intenção primeira na ação social é a manutenção (ou criação) do vínculo entre os sujeitos; é a verdadeira relação sujeito-sujeito pretendida pela ação comunicativa (Vizeu, 2004), só que, diferentemente da via especulativa do pensamento habermasiano (Aragão, 1997) foi constatada empiricamente por Marcel Mauss (Caillé, 1999). Nesta prática social total, encontra-se todo um complexo de motivações polarizadas – o interesse que é desinteressado, a obrigação que é livre (pois é espontânea) – complexo este que é irredutível às suas partes, o que lhe dá maior força como fundamento explicativo dos fenômenos sociais. Assim, sociologia da dádiva denuncia o reducionismo da visão utilitarista que vê como fundamento privilegiado para a ação o interesse individual (e, conseqüentemente, o cálculo), e oferece uma explicação alternativa capaz de dar o devido suporte ao fenômeno das organizações substantivas, especialmente no que tange o entendimento das razões de sua expansão em todo o mundo11. A partir da ‘luz’ que a sociologia da dádiva lança sobre as organizações substantivas, interessantes temas de pesquisa parecem emergir: como se dão as trocas-dádivas nas organizações substantivas? Como se estabelece (e se mantém ou é reforçada) a socialidade primária entre os membros deste tipo organizacional, ou ainda, entre seus membros e outros grupos da sociedade (público-alvo, governo, organizações lucrativas, etc.)? Estas e outras possíveis questões apontam para um caminho ainda não devidamente explorado no campo, caminho este que buscará ir além da dimensão racional dos fenômenos sociais – trilhada no campo através da disputa entre racionalidades opostas. Uma nova agenda de pesquisa para os estudos sobre organizações substantivas fundada na perspectiva da dádiva permite que se observe um sujeito social integral, sujeito este que além de adotar múltiplas racionalidades, também é emotivo; além de ser egoísta, também é solidário (onde a fonte de solidariedade não é o simples altruísmo, mas uma necessidade existencial12, como revela a sociologia da dádiva). Por fim, assinalamos a nossa expectativa de contribuições ao presente estudo. Em se tratando de um ensaio, talvez a mais importante contribuição que se espera a discussão aqui apresentada seja o posicionamento crítico por parte dos autores/pesquisadores que vêm se dedicando às organizações substantivas sobre a fecundidade para o campo da inserção da abordagem sociológica da dádiva, especialmente quanto ao enriquecimento do arcabouço teóricometodológico que vem sendo utilizado por eles. Apesar de termos sinalizado as significativas correlações entre a dádiva e as organizações substantivas, resta-nos ainda prestar nosso ensaio ao crivo do olhar sistemático daqueles que vêm efetivamente constituindo este campo, tanto no ponto de vista metodológico, quanto a partir de análises empíricas. 9 Referências bibliográficas ALVES, M. A. Organizações do terceiro setor e sua(s) racionalidade(s). In: ENCONTRO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 26., 2002, Salvador. Anais...Salvador: ANPAD, 2002 CD ROM. ARAGÃO, L. M. de C. 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Neste sentido, um importante autor é J. L. Laville. Ele faz parte do movimento antiutilitarista em Ciências Sociais, tratado na nota seguinte. 5. O Movimento Anti-utilitarista em Ciências Sociais – MAUSS (Mouvement AntiUtilitariste dans les Sciences Sociales, em Francês) corresponde a um conjunto de publicações editadas na universidade de Paris X que tem por objetivo recuperar o sentido anti-utilitarista do pensamento de Marcel Mauss. A denominação do referido movimento é uma explícita alusão ao verdadeiro autor da sociologia da dádiva. Assim, como fizeram França e Dizimira (1998), utilizamos a sigla em maiúscula do original em francês para salientar a importância que este grupo dá ao pensamento de Mauss na constituição de seu movimento. 6. Segundo Caillé (1998), Mauss supera seu tio (Durkheim) através da concepção da ação social como sendo eminentemente simbólica. 7. Por exemplo, a teoria da estruturação de Giddens. 8. A abordagem da dádiva é, muitas vezes, considerada como uma visão romântica da natureza humana. Isto se explica devido a uma falsa interpretação do pensamento de Mauss ou por puro reducionismo da lógica da dádiva à noção de altruísmo. Um equivoco, basta considerar o tipo de dádiva-troca explicitado no ensaio de Mauss, a dádiva agonística (Mauss, 2001). De acordo com a interpretação de Caillé sobre o pensamento de Marcel Mauss: “o dom maussaniano pode ser tanto um dom de malefício como de benefício. O que se dá não são apenas bens mas também males, palavras, palavrões, injúrias, feridas, a morte, feitiços, bruxarias ou vinganças” (Caillé, 1999, p. 305). 9. Existem ainda aqueles que buscam associar a dádiva à abordagem da complexidade de Edgar Morin, como por exemplo Martins (2000). Aí está outro ponto que corrobora a aproximação entre a sociologia da dádiva e os estudos sobre organizações substantivas, se considerarmos a importância da teoria da complexidade de Morin no pensamento de Serva, um importante autor para as organizações substantivas. 10. “O membro da sociedade moderna se vê às voltas com um número impressionante de instâncias, de pessoas, de instituições, de autoridades, que tentam lhe dizer quais deviam ser seus valores, suas preferências, que tentam lhe dizer o que é bom para ele. Costumam ser instâncias externas a sua comunidade, que ele tende a considerar ilegítimas” (Godbout, 1998, p. 40). Também França e Dizimira (1999) alertam para o fato da sociologia da dádiva não assumir uma postura maniqueísta em relação à lógica de mercado, e chega mesmo a reconhecer o valor histórico desta última. 11. Realmente, para os autores vinculados a uma tradição funcionalista nas ciências sociais é muito difícil aceitar que o fenômeno das organizações substantivas é algo com grande possibilidade de expansão (por exemplo, Dellagnelo e Machado-da-Silva, 2000). Isto somente porque estes autores consideram os pressupostos do interesse e/ou do cálculo instrumental como referências exclusivas para a modernidade. 12. Para nomear esta nova referência epistemológica, a sociologia da dádiva propõe a nomenclatura homo reciprocus em substituição à referência do pensamento utilitarista, o homo economicus (Godbout, 1999). 11