UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO ESTÉTICA DA COMUNICAÇÃO ALUNA: TAJLA MEDEIROS – 09/49051 A ESTÉTICA DO CORPO 1. O que é Estética? Estética é o estudo da aesthesis, do universo do sentir. Na modernidade, a ciência e a filosofia desconstruíram um preceito fundamental do Renascimento: o da beleza objetiva. Para os iluministas, a beleza era um conceito construído na intersubjetividade, e não baseada em características objetivas, como a simetria e harmonia das formas. Além disso, com o desprestígio da religião, a estética teve na época da industrialização a importância de oferecer rupturas ao mecanicismo, representando uma expressão natural da mente. Como Shusterman esclarece: “A experiência estética se tornou a ilha de liberdade, beleza e idealismos em um mundo que, se não fosse pela estética, seria apenas um mundo frio e determinado pelo Direito” (SHUSTERMAN, 1997, PAG 30). O conceito de estética passou por muitas transformações desde o século XVIII, quando o termo ganhou força com a ascensão do Iluminismo. Atualmente, no entanto, tem se a impressão de que vivemos um momento de depreciação da experiência estética, graças às transformações em nossa sensibilidade básica operadas pela cultura informacional em que vivemos. Para avaliar a existência ou não de uma crise da experiência estética, avaliaremos as dimensões da tradição estética segundo Shusterman (1999), que após análise de distintas teorias do conceito, identificou quatro pilares frequentemente interligados: a dimensão avaliativa, a fenomenológica, a semântica e a demarcacional. A dimensão avaliativa da estética diz respeito à valoração da experiência como agradável ou aprazível, como algo que desperta os sentidos. “Para que algo seja designado arte, faz-se necessário imersão em prazer, ou desprazer” (MEDEIROS, 2005, PAG 48). Esta dimensão tem como falha desconsiderar que a arte é produto histórico e deve ser compreendida em um processo dialético que leva em conta também o contexto sociocultural. As primeiras emoções da apreciação de uma obra não encerram a experiência estética, pois a mente vai buscar reflexões e entendimentos que vão além do primeiro contato com a obra artística. Alfredo Bosi (2009) define arte como um processo complexo em que a energia que anima o processo (o interior) e o signo que veicula ou encerra essa força (o exterior) são inseparáveis, sendo o relacionamento entre eles imprescindível para a interpretação de um produto artístico. A obra seria, então, o centro da alma, a expressão artística justa que resolve a relação entre interior (força) e exterior (forma), e a interpretação da obra um processo dialético que considera os dois aspectos. Shusterman também fala da dimensão fenomenológica, que compreende a estética como uma experiência que se destaca da rotina ordinária, sendo independente da experiência mundana. Seria esta dimensão a responsável pelo caráter quase divino da estética, pelo aspecto libertador, puro e autônomo. Aqui também se faz uma desconsideração do contexto sociocultural em que a obra está inserida, e o erro está em desconsiderar que as mudanças que se operam na sociedade alteram a sensibilidade do homem. Portanto, o que ocorre na experiência mundana opera modificações na experiência estética. Um homem do período pré-industrial não tem a mesma sensibilidade que um homem da era da tecnologia da informação, da velocidade, do hibridismo dos produtos artísticos. As outras duas dimensões da estética seriam a semântica, segundo a qual a estética seria uma experiência com significado, e não simplesmente uma sensação; e a dimensão demarcacional, identificada como a distinção da arte. Shusterman faz uma crítica a esta última dimensão por entender que a experiência estética excede os limites da arte, como na apreciação da natureza, por exemplo. “Ainda que o conceito de arte (enquanto um conceito historicamente determinado) possa ser redefinido, não será convincentemente redefinido de maneira a englobar toda a experiência estética. Não importa quão poderosa e universal seja a experiência estética do pôr-do-sol, ele dificilmente será considerado arte” (SCHUSTERMAN, 1999, PAG 34). 2. A Estética e o Corpo Como visto acima, as principais correntes teóricas da tradição estética desconsideram a importância do corpo, muito embora os sentidos pertençam ao corpo e sejam influenciados por ele. Nenhuma das quatro dimensões tradicionais da estética considera a sua importância, mas, ao contrário, enfatiza a separação entre espiritual e mundano. Shusterman acredita que tanto a influência religiosa quanto a teoria racionalista da idade moderna contribuíram para que o corpo fosse entendido como um mero instrumento, desconectado das experiências da mente, do mundo imaterial. Não se pode, no entanto, falar em estética sem se falar na presença do corpo no mundo. Sobre a importância do corpo para a aesthesis, Kati Caetano (2011): O corpo é o lugar de convergência e irradiação das emoções e dos afetos constitutivos, como princípio originário, das relações comunicacionais. Deles derivam as cadências dos sentidos e a orientação dos processos interacionais em que se assenta toda a apreensão conjunta (compreensão) de aspectos do real e da vida. A partir dele, e com ele, se aliam as dimensões sensível e cognitiva. Shusterman defende que a estética se desvirtuou muito dos objetivos de Alexander Baumgarten, de sua obra e proposta para a instituição de tal disciplina filosófica. A estética enquanto disciplina, para Baumgarten, visaria o estudo dos sentidos, da cognição sensível, e seu aperfeiçoamento por meio de exercícios e treinos sistemáticos. Seria, então, uma disciplina teórica e prática, que ajudaria a cumprir o objetivo primeiro da filosofia: a arte de bem viver. Estes exercícios dependeriam de uma articulação das faculdades do indivíduo de entendimento e razão com suas características natas, como a boa memória, o desejo por sensação e a disposição para a poesia. A prática repetitiva de jogos, por exemplo, estaria entre um dos exercícios. A proposta inicial de Baumgarten não foi absorvida pelas correntes posteriores de estética, que não privilegiaram os estudos do corpo. Shusterman lamenta que a obra de Baumgarten não tenha sequer tradução para o inglês, e que os filósofos não tenham dado continuidade a sua teoria. Como consequência, não se tem hoje uma ciência sistematizada que estude o assunto, e os estudos sobre o corpo e suas influências para o indivíduo e para as relações sociais que estabelece estejam desconexos e dispersos. A Ioga e a meditação são exemplos de formas de cultivo do corpo que objetivam o equilíbrio entre matéria e alma, e não sua separação. De uma maneira geral, a filosofia oriental tem o entendimento de que o conhecimento verdadeiro é obtido não apenas pela teoria, mas por meio da realização corporal. Shusterman propõe, então, que seja criado um ramo na filosofia, como subdivisão da disciplina estética, que estude o assunto. A disciplina seria a somaesthetics: “Se deixarmos de lado o preconceito da filosofia tradicional contra o corpo e lembrarmos dos principais objetivos da filosofia de conhecimento, autoconhecimento e sua busca pelo viver bem, então a disciplina somaesthetics terá importância de diversas formas” (SHUSTERMAN, 2009, PAG 302). 3. O Corpo no Mundo A sociedade moderna possui características que contribuem, por um lado, para reduzir a presença do corpo no mundo e, por outro, para alterar a forma como o mundo sensibiliza os sentidos do corpo. A aceleração dos tempos atuais, em grande parte decorrente da crescente indústria midiática, que vincula informação à velocidade, diminui a interação do corpo com o meio. “A consequência espacial mais visível dessa aceleração consiste em sua compressão, e a redução do tempo implica, paradoxalmente, menor participação do corpo, o esvaecimento da corporeidade” (CAETANO, 2011, PAG 14) Além disso, o excesso de informações justapostas e o sensacionalismo midiático conduzem a uma experiência estética superficial, que não privilegia a construção de significação, mas, ao contrário, uma experiência fragmentada, com sensações desintegradas. Fredric Jameson aponta como uma das principais características da sociedade pós-moderna o caráter esquizofrênico, entendido como uma perda do senso de historicidade. O resultado é uma exacerbação do presente, e total desconexão com o passado ou futuro. O presente é, então, vivido com muita intensidade, o que leva a uma falta de senso de realidade. E, principalmente, dos excessos e extremos decorrentes da valorização do presente decorrem experiências sem muita profundidade e significação. A mídia, para Jameson, teria um papel fundamental para essa espécie de amnésia social, uma vez que a ansiedade por geração de notícias novas a cada minuto colaboraria para fragmentar o tempo, que deveria ser contínuo, em vários “presentes”: Pense na exaustão de notícias da mídia: em como Nixon e, principalmente, Kennedy, são figuras agora de um passado distante. Somos tentados a dizer que a função das notícias midiáticas é relegar a história recente o mais rápido possível ao passado. A função informacional da mídia seria a de nos ajudar a esquecer, a de servir como os próprios agentes e mecanismos para nossa amnésia histórica.1 1 JAMESON, Fredric. Postmodernism and Consumer Society. The Cultural Turn. Página 11. 4. Conclusão O conceito de estética sofreu grandes transformações desde seu estabelecimento como disciplina da filosofia até os dias de hoje. Não se fala mais em restringir estética apenas ao estudo do belo e das artes eruditas, mas as novas formas de sensibilidade que surgem e se multiplicam na sociedade moderna tendem a alargar o campo de estudos da estética, ao invés de evidenciar a existência de uma crise. Direcionar as pesquisas para o corpo e suas relações com o mundo é um bom caminho para reanimar os estudos de uma disciplina que teve importância quase religiosa no Iluminismo, e que tem que achar seu lugar em uma sociedade onde a distinção entre cultura popular e erudita já não faz mais sentido. A sociedade da velocidade e da informação, com sua exigência de um profissional com competências multimidiáticas, é ambiente propício para o estresse, dor de cabeça crônica e depressão. Doenças sintomáticas de problemas do corpo e da alma que podem ser resolvidos quando abordados em conjunto. 5. Bibliografia BOSI, Alfredo. Reflexões sobre a arte. São Paulo: Ática, 1985. ECO, Humberto. História da Feiúra. Rio de Janeiro: Record, 2007 JAMESON, Fredric. Postmodernism and Consumer Society. The Cultural Turn. Disponível em: http://www.peripatetic.us/jameson.pdf. Acesso em 08/09/2012. Publicado em: Selected Writings on the Postmodern, 1983-1998. Verso, London, 1998; S.1-20 MEDEIROS, Maria Beatriz. Aisthesis: estética, educação e comunidades. Chapecó: Argos, 2005. SHUSTERMAN, R. The end of aesthetic experience. Disponível em: http://www.shusterman.net/end-aesth-exp.html. Acesso em 08/09/2012. Publicado em: Journal of Aesthetics and Art Criticism, 1999, nº 55, 29-41. SHUSTERMAN, R. Somaesthetics: A Disciplinary Proposal. The Journal of Aesthetics and Art Criticism, Vol. 57, No. 3. (Summer, 1999), pp. 299-313.