INTERDIÇÃO CIVIL: UM NOVO PARADIGMA NA SAÚDE MENTAL
Rosangela Aparecida Pereira1
Inês Terezinha Pastório2
Izaque Pereira de Souza3
Eixo 04: O Serviço Social no judiciário
Resumo: Este trabalho tem por finalidade discorrer sobra a interdição de
pessoas com transtorno mental severo e persistentes trazendo alguns aspectos
sobre as razões que levam ao familiares a pedir a interdição da pessoa com
transtorno mental e esta como fator de exclusão sóciofamiliar da pessoa com
transtorno. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e a observação
empírica no local de trabalho. Como resultado pôde-se constatar que a
interdição pode vir a causar a exclusão da pessoa com transtorno mental da
sociedade e também da família pela não compreensão do real significado
desta.
Palavras Chave: Saúde Mental. Exclusão Social. Políticas Sociais.
INTRODUÇÃO
A doença mental, segundo Frayze-Pereira (1994, p.40), “[...] assumiu a
feição de entidade natural, manifestada por sintomas como as alterações do
pensamento, da linguagem, da motricidade e emotividade que são agrupadas
pela medicina mental [...]”, e a análise deste conjunto de fatores/sintomas pode
revelar a essência da doença, diferentemente da deficiência mental que pode
ser identificada através de exames.
Ainda para este autor, a expressão doença mental pode “[...] designar
uma desorganização da chamada personalidade individual, sendo que, a
personalidade do indivíduo se torna o habitat natural da doença e, a doença
1
Graduada em Serviço Social pela Faculdade ITECNE de Cascavel (2012). E-mail: [email protected].
2
Graduada em Serviço Social pela UNIOESTE (1997). Pesquisadora do Grupo de Estudo e
Pesquisa em Políticas Ambientais e Sustentabilidade (GEPPAS – UNIOESTE). Mestranda do
Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Rural Sustentável (PPGDRS), Nível
mestrado, da UNIOESTE, Campus de Marechal Cândido Rondon. Professora de Graduação e
Pós Graduação nas Faculdades Itecne de Cascavel. E-mail: [email protected] Telefone: (45) 9912 7479.
3
Graduado em Direito pela Univel/Cascavel (2003). Especialista em Educação pela Unioeste
(2009). Mestre em Educação e Políticas Sociais pela Unioeste (2012). Professor de Graduação
e Pós Graduação nas Faculdades Itecnes de Cascavel. Membro do Grupo de Pesquisa em
Politicas Sociais (GEPPES) e Grupo de Pesquisa em Direitos Humanos para Criança e
Adolescente (GEPDDICA). Membro da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço
Social (ABEPSS). Lider do Nucleo de Pesquisas em Diversidade Etnicorracial e de Orientação
Sexual NUPEDI/ITECNE). E-mail: [email protected].
mental, passa a ser definida, conforme o grau das perturbações do
funcionamento da personalidade [...]” (1994,p.45).
Desta forma, de acordo com a cultura ao qual o individuo está vinculado,
a loucura, pode ser vista, como vocação ou como doença mental, podendo ser
prezada ou temida, sendo estes fatores determinantes da exclusão (ou não) do
louco na sociedade. Foucault4 reitera o exposto acima e nos coloca que, "[...] é
próprio da nossa cultura (ocidental) dar à loucura o sentido do desvio e ao
doente status que o excluiu [...]", visto que, para os indígenas, os loucos ou a
loucura são considerados as manifestações dos deuses, se constituindo em
meios de aquisição de poder e importância social, a expressão de um poder
sobrenatural.
Segundo Fabris e Guareschi (s.a.) a exclusão faz parte da história da
loucura sendo que em alguns períodos da história, ficavam excluídos da
sociedade por serem postos em barcos que nunca aportavam em um destino
preestabelecido, ou em um período já mais recente na história que eram
internados em hospitais psiquiátricos, que incluiu o isolamento/exclusão dos
doentes mentais, de onde nunca eram libertados.
Com a reforma psiquiátrica, as pessoas internadas em hospitais
psiquiátricos tiveram de retornar para suas famílias, ou então, o Estado teve de
criar espaços alternativos para que as pessoas com transtornos e que não
tinham mais família ou nenhuma possibilidade de retorno ao lar pudessem ficar
e serem tratados com dignidade.
Com o retorno dessas pessoas para as famílias iniciou-se um a nova
demanda; a de lidar com as especificidades da doença e a não inclusão destas
na sociedade - ou ainda a redução (ou perda total) da capacidade para o
discernimento destes sujeitos, o que os impossibilita para estabelecer e realizar
atividades trabalhistas e econômicas como as de compra e venda passando,
em nível judiciário, a demandar a busca pela interdição, como forma de
proteção ao sujeito que é alvo da interdição.
O presente trabalho se propõe a analisar a interdição civil , uma matéria
do ramo do Direito, sob o prisma da saúde mental porém, com um enfoque
transdisciplinar, trazê-lo também para o Serviço Social. Isso porque,
4
Citado por Freyze-Pereira, João A. O que é Loucura. Coleção primeiros passos. 10ª edição. Editora
Brasiliense : SP. 1994.
entendemos que não há como tratar temática tão controversa e que afeta
parâmetros como dignidade da pessoa humana e outras expressões da
questão social, sem compreendê-la em uma conjuntura transdisciplinar, com
foco no sujeito devidamente situado e conjunturalmente analisado.
Para atingirmos o objetivo proposto dividimos o presente artigo em duas
partes. No primeiro título procuramos abordar os aspectos da interdição civil
como medida de proteção para o doente mental sem contudo desconsiderar as
particularidades afetas aos Direitos Humanos e ao Serviço Social. Dando
sequencia a essa mesma perspectiva, no título dois tratamos da experiência
vivenciada no CAPS II, no período de estágio curricular, que nos instigou a
desenvolver a presente investigação bem como nos trouxe uma série de novos
elementos para ampliar nossa problematização.
Não pretendemos e nem entendemos possível esgotar tal temática
nessa discussão. Nosso propósito é traçar aproximações que permitam
àqueles que se interessarem por esse assunto a desdobrar o que trouxermos
aqui bem como ampliar a discussão com novos elementos e novos
paradigmas.
1
A INTERDIÇÃO CIVIL COMO MEDIDA DE PROTEÇÃO AO DOENTE
MENTAL
Ao analisarmos a interdição civil na esfera da saúde mental inicialmente
o que se verifica é a dificuldade de compreensão, principalmente por parte dos
familiares, quanto a real face deste processo ou seus desdobramentos na vida
da família e no quadro psíquico do doente mental, rechaçando a cidadania que
por vezes se expressa pelo afastamento do mercado de trabalhado, do senso
de “utilidade” frente à sociedade e as perspectivas que o doente passa a ter a
partir da efetivação deste processo – já que, na maioria das vezes, não mais
poderá laborar ou desenvolver atividades tidas como produtivas.
Neste sentido, Brasil (2005, p.5) salienta que “[...] essa incapacidade
para o trabalho pode ser temporária ou permanente, a depender do problema
apresentado [...]”, uma vez que nem todas as pessoas acometidas por
transtorno mental ficam definitivamente impossibilitadas para a vida civil, pois
há períodos de estabilidade que permitem a estas pessoas terem uma vida
normal,
estabelecendo
relações
de
trabalho
e
sócio
familiar
sem
comprometimentos.
Neste sentido, ressalta-se que para a pessoa com doença mental a
interdição civil pode advir de dois modos distintos:
a) Através do requerimento da família, para benefícios ou por
acreditarem que a pessoa não da conta de suas responsabilidades
legais voltadas ao trabalho, relações de compra, venda, ou esteja se
pondo em risco e necessitando de cuidados integrais/constantes para
a realização de atividades que antes fazia de forma autônoma; ou
b) Por pedido do Ministério Público, quando constatada a necessidade de
um curador/tutor para acompanhar as atividades, mesmo que de vida
diária, pelo fato de a pessoa com transtorno não ter condições de
realizá-las - ou para manter esta salva de danos materiais ou mesmo
físico.
Ademais a interdição civil continua sendo uma “incógnita” na esfera dos
direitos humanos valendo-se, muitas vezes, da observância das mazelas
encavadas da interdição e adoecimento mental na vida cotidiana e social do
ser humano em sofrimento psíquico. Dizemos isso porque tal intervenção deve
ocorrer de forma consciente e fundamentada uma vez que a interdição inibe o
sujeito de atuar mediante a sociedade, considerando seus atos nulos
oficializando uma forma de exclusão social.
Por definição, entende-se a interdição civil, de acordo com Medeiros
(2007, p.79) como “[...] um estatuto jurídico pelo qual um ato judicial declara a
incapacidade real de uma pessoa maior para a prática de certos atos da vida
civil, na regência de si mesma e de seus bens, permanecem presentes, de
forma subjacente, [...]”. No mesmo sentido, Brasil (2005, p.21) ressalta e
complementa que
A maioria das pessoas com transtornos mentais tem condição
de autonomia, decisão e responsabilidade se tratadas com
projeto terapêutico, como cidadão e cidadã e valorizadas como
sujeitos ao longo de sua história de vida e tratamento. Contudo,
é importante que se perceba quando se trata de situações em
que se exige proteção em face da incapacidade temporária da
pessoa reger os seus próprios atos.5
Desta forma e primando pela integralidade do indivíduo, como avaliar e
evitar a banalização destes procedimentos que declaram a incapacidade civil?
Brasil, (2005, p. 5) nos demonstra e enfatiza que
A interdição - e a conseqüente curatela - é uma medida
extrema sendo recomendada quando o beneficiário não tem a
menor condição de exercer qualquer dos seus direitos civis
quando está, em síntese, em uma situação extrema de
incapacidade.
Contudo, ressalva-se que a interdição é uma situação extremada de
exclusão social, dificultando a autonomia,tolhendo a cidadania e o viver em
sociedade,ou seja, aumentando as debilidades da doença mental.
2 UMA BREVE ANÁLISE A PARTIR DA REALIDADE DO CAPS II –
TOLEDO
A instigante busca por compreender a interdição civil em saúde mental
adveio quando passamos a perceber o aumento por parte de familiares que
buscavam a unidade CAPS II (Centro de Atenção Psicossocial) Toledo para
interditar seus entes com transtorno mental severo e persistente, ainda no
período em que decorria o estágio curricular de Serviço Social. Parafraseando
Simões (2009) e relembrando o que expusemos no título anterior, tais questões
nos intrigavam justamente porque a interdição só deve ocorrer quando há a
incapacidade para o exercício de seus direitos, independente da idade,
mediante laudo pericial, afirmando que a pessoa está inapta para exercer suas
funções de cidadão e exprimir sua própria vontade.
Tal questão demonstra que a interdição civil, além de reforçar a exclusão
(deixando o sujeito alheio a si e dependente de seu curador), reforça o estigma
5
Brasil (2005, p.21) analisa a interdição civil “conforme disposto na lei 10.216/2001, a interdição
judicial deve ocorrer apenas em situações em que seja a única possibilidade de gestão social
da pessoa. Deve, portanto, ser aplicada com cautela e, caso venha a ocorrer, ser fiscalizada
com rigor pelo Ministério Público e pelos Conselhos de Saúde. Trata se de uma proteção para
aquelas pessoas que, em razão de uma condição pessoal – enfermidade psíquica, debilidade
mental, transtornos que atingem o conhecimento, o sentimento e a vontade – não possuem o
necessário discernimento para decidir por si mesmas as questões de sua vida pessoal.”
da “loucura” e perpetua a visão de que os “loucos” devem ficar à margem da
sociedade, sem qualquer contato com a sua cidadania e relações sociais.
Quando nos reportamos à exclusão oficializada de séculos, percebemos que
muito foi feito frente à reforma psiquiátrica, porém pouco se institucionalizou
sob a visão da família e sociedade frente ao adoecimento mental, que ainda
age com repulsa em relação ao usuário, fazendo-o a permanecer a margem do
mundo que tomamos por normal.
Analisando os fatos que levaram a busca pela interdição civil da unidade
alternativa de Toledo-PR, percebemos que a maior procura advinha embasada
na busca pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC). Medeiros (2007,
p.103) chama atenção para este aspecto e traz sobre o “[...] crescimento do
número de interdições entre a população de baixíssima renda, tendo como
fator indutor o recebimento do Beneficio de Prestação Continuada -BPC.”
Ainda, a autora traz que devido a interpretação equivocada da LOAS ( Lei
Orgânica da Assistência Social) o INSS pedia a curatela dos usuários com
transtorno mental até 2005, ferindo os pressupostos de Direitos Humanos.
Atualmente, segundo a autora (p.103), “[...] uma pessoa pode ser considerada
incapaz para prover-se de forma independente, fazendo, portanto jus ao BPC
(atenção aos direitos a vida/ direito à sobrevivência), sem que necessite ser
interditada (medida drástica de restrição de direitos).” Ressalte-se que o artigo
20 da LOAS nos traz que:
O beneficio de prestação continuada é a garantia de 1 (um)
salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso com mais de 70 (setenta) anos ou mais e que
comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção
e nem de tê-la provida por sua família. (BRASIL,2013,p.15)
É fato que não se pode recair no senso comum de que a interdição é
solicitada apenas devido ao benefício mas sim pelo fato de, em conseqüência
do adoecer psíquico e o familiar desse usuário, que vem a aumentar as
vulnerabilidades do adoecido e da família, agravando assim as expressões da
“questão social6” embutidas no adoecimento mental.
6
“Questão social apreendida como conjunto das expressões das desigualdades da sociedade
capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o
Quando nos reportamos ao sofrimento mental vê-se que as maiores
incidências do adoecimento estão nas classes pauperizadas pelo capitalismo
contemporâneo e a difícil acessibilidade aos seus direitos e até mesmo a saúde
que, apesar de ser propalada como universal, cada vez mais tem se tornado
uma política seletiva e excludente, na qual o usuário já aporta com a doença
instalada, não conseguindo um tratamento de controle primário o que o leva ao
afastamento total do mercado de trabalho e do contexto social no qual se
inseria gerando por consequência, um ciclo de sofrimento7- adoecimento8 dependência de benéficos9.
Se nos reportarmos ao contexto sócio cultural que Martins (1994, p.90)
analisa entenderemos que “[...] nem todos os elementos culturais e sociais
contribuem para o equilíbrio social10, pois alguns deles podem ter
conseqüências incômodas para uma certa sociedade, dificultando o ‘bom
funcionamento’ de sua ordem.” Portanto ressaltando o real papel da interdição
frente ao adoecimento mental onde as unidades alternativas vem ao encontro
de “[...] fazer face à complexidade das demandas de inclusão daqueles que
estão excluídos da sociedade por transtornos mentais.” (BRASIL, 2005, p.11).
A interdição deixa suas marcas, e não é difícilencontrá-las; o usuário se
torna estranho a si, deixando toda e qualquer decisão a seu curador de
maneira a tornar-se um “marionete”. Por esse motivo, é importante
compreender que essa situação – a de interdição – oficializa uma forma de
exclusão social que dificulta ainda mais aquilo que o Serviço Social e o Direito
buscam a partir de seus pressupostos: promover meios de gerir a inclusão
social. Nestes termos, Sassaki (1997, p.41) nos ensina que
A inclusão social, portanto, é um processo que contribui para a
construção de um novo tipo de sociedade através das
trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se
privada, monopolizada por uma parte da sociedade.” (IAMAMOTO, 2009, p.27)
7
Sofrimento aqui tratado se remete ao afastamento do mercado de trabalho que o capital
sublima como dignidade.
8
O adoecimento mental advindo do meio cultural, econômico e de espoliação da força do
trabalho.
9
A dependência aqui se refuta as famílias de baixa renda, os quais “perderam” um salário no
seio familiar.
10
Equilíbrio social aqui também tratado como as relações sociais expressas entre o sujeito,
sociedade e família.
transformações pequenas e grandes, nos ambientes físicos [...]
e na mentalidade de todas as pessoas [...].
Percebe-se que a ideia de interdição ainda remonta à visão de
incapacidade. Medeiros (2007, p.81) nos chama a atenção para o conceito de
incapacidade ao lembrar que “[...] incapaz11 é a pessoa que, naturalmente
dotada da capacidade de direito, é portadora de deficiência que a impede de
agir, por si mesma na atividade civil.” Portanto nos deparamos com seguinte
dilema: na maior parte dos casos a interdição é realmente necessária, ou
apenas a busca pelo ganho secundário da doença leva a família a interditar
seus entes?
Ao analisarmos a dinâmica familiar frente à curatela foi possível
perceber, junto às famílias com as quais tratamos no espaço do CAPS, que
grande parte entrou com o pedido para concessão de benefício e em função do
cuidar do doente mental, ficando nítido na fala dos mesmos que a interdição foi
a alternativa mais viável para que o benefício pudesse ser acessado. Este é um
exemplo a partir do qual passamos a nos questionar se esse usuário não
poderia se manter socialmente nas relações de trabalho e social bem como
sobre a forma pela qual ele foi extirpado do convívio social de forma autônoma.
Portanto jamais se pode pensar a interdição apenas como uma simples
forma engessada de perda de direitos, mas sim a partir de uma visão de
exclusão social oficializada e que pelos séculos depositou, a margem e em
hospitais psiquiátricos, sua marca de exclusão e preconceito que permanecem
permeiam estes sujeitos em sua particularidade social, cultural e econômica,
diante de um capitalismo que afasta e corrompe a cidadania dos portadores de
transtorno mental.
Recai ainda, sobre o interditado, a dor de ser alienado dos outros, de
permanecer sob a vontade e desejos do curador, sem voz ativa e cidadania
apagada diante desse paradigma do adoecimento mental, que rechaça os
direitos humanos que pregam a liberdade do homem. Na interdição a
acessibilidade recai como algo antagônico, onde a liberdade e o acesso são
tolhidos e, segundo Schritzmeyer (2005, p.148), os “[...] encontros e
desencontros entre múltiplos e distintos olhares, todos voltados para a pessoa
11
Grifos do autor
do interditando e preocupados em classificar seus comportamentos por meio
das noções de ‘doença’ e ‘incapacidade civil”. Ou seja, a não observância dos
fatores que repercutem em interditar, além de não ajudar acabam por tolher
direitos e agravar o quadro mental.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A dor silenciosa de ser um portador de transtorno mental traz a tônica da
incapacidade temporária ou definitiva para o trabalho, ou seja, aquilo que
determina “o ser social” - numa sociedade que valoriza o trabalho e o retorno
proporcionado pelo mesmo – bem como as questões ainda mitificadas acerca
das doenças mentais e a forma com que lidamos com elas. Pudemos constatar
que se no que diz respeito ao convívio familiar raras as vezes o doente mental
não é enxergado como um fardo, no que diz respeito ao fator trabalho, caso ele
não tenha condições de desenvolvê-lo (ou de ao menos retomá-lo quando o
quadro clínico é estabilizado) as bases ficam ainda mais estremecidas e
passam a se verificar casos em que a intencionalidade pela interdição passa a
ser por conta do recebimento de benefícios – tornando o doente mental em um
coadjuvante cuja “incapacidade” para o trabalho possa estar ligada à
possibilidade de acessibilidade econômica familiar e não apenas do quadro
clínico.
Assim sendo, o paradigma da interdição no Brasil e em especial em
saúde mental ainda é uma incógnita que recai, nas esferas do Direito, Direitos
Humanos e não apenas o direito em si, mas o direito de exercer a sua
cidadania, de não ser tutelado, ser autônomo, livre para decisões, discussão
essa que remete a anos de exclusão da loucura as margens da sociedade, que
ainda pouco se fala, examina, a repercussão na vida do ser social em ser
tolhido de seus desejos, trabalho de sua dignidade enquanto sujeito passando
a se “objeto”, ou relação objetal como seu curador. A alienação embutida no
paradigma da interdição em saúde mental, repercute a vida social, na tomada
de decisões, assim sendo, a interdição reforça a exclusão oficializada de
séculos da loucura a deriva, a margem, as escondidas da sociedade, sendo
assim o benefício de acordo com Brasil, (2007, p.28) papel da federação em
que
[...] o Estado brasileiro reconhece, em uma política de Estado, que
cidadãos, independentemente de sua contribuição à seguridade
social, têm o direito de ter a proteção social do Estado no momento
em que estão incapacitados para o trabalho. É um benefício não
contributivo, reconhecido de modo inédito, e não depende de
qualquer contribuição ao sistema do seguro social; essas pessoas,
como em outros países do mundo, têm direito à proteção do Estado.
Proteção essa, que não exija a interdição civil como fator aporte para o
seu recebimento, uma vez que é direito e dever do estado garantir o mínimo de
dignidade aos seus cidadãos, em qualquer momento de sua vida.
REFERÊNCIAS
BRASIL. O benefício de prestação continuada e o portador de transtorno
mental. Conselho Federal de Psicologia, 2005. Disponível em
http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2007/06/cartilha_banalizacao.pdf.
Acesso em setembro 2014.
______. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Comissão de Direitos
Humanos e Minorias. A banalização da interdição judicial no Brasil :
relatórios. – Brasília : Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações,
2007.
______. Lei orgânica da Assistência Social.
Disponível em
http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/secretaria-nacional-de-assistencia
social-snas/cadernos/lei-organica-de-assistencia-social-loas-anotada-2009/leiorganica-de-assistencia-social-2013-loas-anotada.
Freyze-Pereira, João A. O que é Loucura. Coleção primeiros passos. 10ª
edição. Editora Brasiliense : SP. 1994.
FABRIS, Diuslene Rodrigues; YKEGAYA, Tupiara Guareschi. Da loucura ao
transtorno mental: a constituição de políticas sociais e seus pressupostos.
(sem data e ano de publicação).
MEDEIROS, Maria Bernadette de Moraes. Interdição civil: proteção ou
exclusão social?. São Paulo: Cortez, 2007.
SASSAKI, Romeu Kazumi-1938. Inclusão: construindo uma sociedade para
todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997.
SCHRITZMEYER, Ana Lúcia Pastore.Processos de interdição: família, direito
e medicina fabricando capacidades incapacidades. In REVISTA BRASILEIRA
DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 21 Nº. 62. 2005, Disponível em
http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v21n62/a13v2162.pdf. Acesso em setembro
2014.
SIMÕES, Carlos. Curso de direito do Serviço Social. 3.ed.rev.e atual. São
Paulo: Cortez,2009.
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