Processo: 00023-2010-003-10-00-9 RO (Acordão 1ª Turma) Origem: 3ª Vara do Trabalho de BRASÍLIA/DF Juíz(a) da Sentença: Rosarita Machado de Barros Caron Relatora: Desembargadora Flávia Simões Falcão Revisor: Desembargador André R. P. V. Damasceno Julgado em: 26/10/2010 Publicado em: 05/11/2010 no DEJT Recorrente: Ipanema Empresa de Serviços Gerais e Transportes Ltda. Advogado: Carlos Costa Silva Freire Recorrido: Deborah Barbosa de Andrade Figueiredo Advogado: Ricardo Trarbach Acordão do(a) Exmo(a) Desembargadora Flávia Simões Falcão EMENTA JORNALISTA. RADIALISTA. SEMELHANÇAS. SITUAÇÃO FUNCIONAL. Embora existam normas conceituando as profissões de jornalista (Decreto nº 83.284/79) e radialista (Lei 6.615/78), estas são distinguidas por uma linha tênue e, em diversos aspectos, se confundem. De um lado, devido aos avanços tecnológicos convergentes na área de comunicação social, mormente com o advento da internet, que exigem atuação multimídia desses profissionais. De outro, porque várias das múltiplas atividades da área podem ser exercidas por ambos. Portanto, só pelo registro profissional e pela situação funcional em cada caso concreto é que se pode decidir quanto ao enquadramento. JORNALISTA. CUMULAÇÃO DE FUNÇÕES. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI 6.615/78. DIREITO AO ADICIONAL. O Tribunal Superior do Trabalho tem reconhecido a possibilidade de aplicação analógica da Lei 6.615/70 aos jornalistas no que se refere ao acúmulo de funções. Porém, de acordo com os arts. 13 e 14 da citada lei, tal acúmulo só gera direito ao adicional quando se referir a funções dentro do mesmo setor de atividades. A cumulação de funções referentes a setores diversos, por ser proibida pela lei, poderia gerar outras consequências, mas não o direito ao adicional. RELATÓRIO Pela sentença de fls. 243/253, o Juízo originário julgou procedentes os pedidos iniciais. Recorre a Reclamada, pelas razões de fls. 256/271. Contrarrazões da Reclamante apresentadas às fls. 278/285. Autos não remetidos ao Ministério Público em face do que dispõe o art. 102 do Regimento Interno. VOTO ADMISSIBILIDADE Conheço do recurso porque tempestivo (fls. 254 e 256), a representação está regular (fl. 221) e o preparo mostra-se adequado (fls. 272/274). MÉRITO Para melhor compreensão da matéria, necessários, inicialmente, alguns esclarecimentos. Antes de ajuizar a presente ação, a Reclamante ingressou com outra reclamatória, protocolada na origem sob o número 1380.2009.003.10.00, visando, dentre outras coisas, ao reconhecimento do direito ao pagamento de diferenças salariais decorrentes do acúmulo de atividades em percentual não inferior a 80% (oitenta por cento) do último salário recebido ? R$ 4.077,20 ?, bem como de diferenças de adicional de férias, 13º e recolhimentos de FGTS, tendo em conta o acúmulo de atividades, tudo em relação ao período relativo a fevereiro de 2007 em diante. Sucumbente em primeira instância, a Reclamada recorreu a esta Corte, vindo esta Egr. Turma, em 1º/6/2010, a conhecer e dar provimento parcial para, reformando a sentença, afastar a condenação em diferenças por acúmulo de funções, decidindo, assim, pela total improcedência dos pedidos formulados na reclamatória. Esta demanda encontra-se, atualmente, pedente de julgamento de embargos declaratórios opostos pela Reclamante. Na presente ação, a Reclamada busca o reconhecimento do mesmo direito postulado naquela primeira reclamatória, porém, referente a período distinto, ou seja, de junho de 2004 a janeiro de 2007. Por esta razão foi afastada na origem a alegação de coisa julgada ou litispendência. Feitas estas considerações iniciais, passo ao exame do pedido formulado pela Autora. ENQUADRAMENTO PROFISSIONAL A Reclamante alegou que fora contratada pela Reclamada para o cargo de produtora executiva ?A? nas áreas de rádio, televisão e jornal do tomador dos serviços. Requereu o reconhecimento de sua atividade como jornalista, ao fundamento de que tem registro profissional como tal e que exercia atividades próprias dessa profissão. Assim, pediu que lhe fossem aplicados as direitos salariais previstos nas normas coletivas da categoria dos jornalistas Em defesa, a Reclamada confirmou que a contratação fora para o cargo de produtora executiva ?A?. Sustentou, todavia, que a função era de radialista e que as atividades desempenhadas no tomador dos serviços estão de acordo com as previstas para essa profissão na Lei nº 6.615/78 e não autorizariam o enquadramento como jornalista. O Juízo, adotando como razões de decidir os fundamentos consignados na sentença proferida nos autos do processo nº 1380.2009.003.10.00, por considerá-lo idêntico ao presente, atendeu à pretensão inicial quanto ao reconhecimento da profissão de jornalista, embora tenha indeferido todos os pedidos de diferenças salariais daí decorrentes. A análise recursal da matéria resume-se, portanto, ao reconhecimento da profissão. A contratação da Autora se deu para prestar serviços ao Senado Federal. Na CTPS foi registrada como Produtora Executiva (fl. 15). A empresa Reclamada firmou contrato com o Senado para ? prestação de serviços de execução indireta nas áreas de televisão, rádio e jornal da Secretaria Especial de Comunicação Social e outros Órgãos do SENADO...? (fl. 147). O contrato contém Quadro de Qualificação Profissional dos obreiros. No quadro é previsto o cargo de Produtor Executivo A, sem explicitar se faz referência a radialista ou jornalista. Pela descrição das atividades do cargo, percebe-se que destinava-se a exercício tanto em mídia impressa quanto em rádio e televisão (fl. 156). O documento de fl. 25, emitido pelo tomador dos serviços, informa que a Autora desenvolvia as seguintes atividades: redação, produção, reportagem, edição, apresentação, locução e direção técnica de vídeos educativos para veiculação nos sites do Instituto Legislativo Brasileiro/ILB e da Universidade do Legislativo Brasileiro/Unilegis; redação de textos jornalísticos para os sites ILB/Unilegis; planejamento e elaboração de projetos de comunicação institucional. As profissões de jornalista e radialista são distinguidas por uma linha tênue e, em diversos aspectos, se confundem. De um lado, devido aos avanços tecnológicos convergentes na área de comunicação social, mormente com o advento da internet, que exigem atuação cada vez mais multimídia desses profissionais. De outro, porque várias das múltiplas atividades dessa área podem ser exercidas por ambos. Essa confusão está, inclusive, em discussão na Câmara dos Deputados. O PL 1337/2003, que tramita naquela Casa e que visa a ampliar as atribuições da profissão de radialista, que ficaria autorizado a exercer atividades como a redação de notícias de rádio e televisão, tem suscitado conflitos com o órgão representativo dos jornalistas Estes consideram que o PL transfere aos radialistas atividades e funções que hoje seriam atribuídas a jornalistas 1 O TST já reconheceu essa semelhança entre as duas profissões. Transcrevo excerto da ementa, na parte que interessa: Cotejando?se as descrições sumárias inscritas na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) de ambas as categorias profissionais jornalista e radialista, conclui?se que as atividades se assemelham, na medida em que tanto o jornalista quanto o radialista prestam os seus serviços em empresas que produzem o mesmo efeito prático, que é a transmissão de notícias. Tal conceito, inclusive, fica mais evidenciado para os empregados que trabalham para a Rádio CBN (Central Brasileira de Notícias) empresa de radiodifusão que possui âncoras, repórteres e jornalistas (TST?RR?3.121/2003?018? 12?00.7. Relator: IVES GANDRA MARTINS FILHO. Publicado em 03/03/2006). O conceito legal de radialista está na lei 6.615/78: considera?se radialista o empregado de empresa de radiodifusão que exerça uma das funções em que se desdobram as atividades de administração, produção ou técnica nessa empresa (arts. 2º e 4º). Já a profissão de jornalista é definida pelo exercício habitual de alguma das atividades relacionadas no art. 2º do Decreto nº 83.284/79. Portanto, só pelo registro profissional e pela situação funcional em cada caso concreto é que se pode decidir quanto ao enquadramento. No caso dos autos, a função profissional da Autora não é definida no registro na CTPS, nem no contrato de prestação de serviços. Pela descrição das atividades exercidas pela Reclamante, como acima arroladas, percebe-se que atuava tanto em uma área como em outra. Porém, considerando que trabalhava na redação de textos jornalísticos e que seu registro profissional é de jornalista, não de radialista, a sentença deve ser mantida nesse aspecto. Nego provimento, no tópico. ACÚMULO DE FUNÇÕES O Juízo originário, ainda valendo-se dos fundamentos expendidos nos autos da anterior reclamatória, deferiu o pedido por adicional referente a acúmulo de funções. Teve por demonstrada a cumulação e, embora reconhecendo que a Autora era jornalista e não radialista, considerou que o Tribunal Superior do Trabalho entende possível a aplicação analógica ao caso dos jornalistas da Lei 6.615/78, referente aos radialistas, que prevê adicionais por acúmulo. Assim, decidiu: Pelo art. 4º da citada lei, a reclamante, no setor de produção, realizava funções atinentes aos setores de autoria, produção e locução. Com efeito, constatada a acumulação de outras duas atividades nos setores da produção, deve ser reconhecido o direito ao adicional de 80%, isto é, 40% para cada função acumulada, consoante o art. 13 acima ? fl. 250 Quanto à possibilidade de aplicação analógica da Lei 6.615/70 aos jornalistas já decidiu o TST: RECURSO DE REVISTA. JORNALISTA. ACÚMULO DE FUNÇÕES. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ADICIONAL PREVISTO NA LEI Nº 6.615/78. Há possibilidade de aplicação analógica ao jornalista da Lei 6.615/78, que regulamenta a profissão de radialista, na hipótese de acúmulo de funções. No caso, devido o adicional previsto no art. 13, I, do referido diploma legal. Precedentes. (TST?RR?3542/2004?034?12?00.8. Julgamento: 29/04/2009. Relatora Ministra Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, 3ª Turma. Divulgação: DEJT 22/05/2009.) JORNALISTA ACÚMULO DE FUNÇÕES ? POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEGISLAÇÃO DO RADIALISTA NO CAPÍTULO QUE PREVÊ O PAGAMENTO DE ACRÉSCIMO SALARIAL PELA ACUMULAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES. 1. Discute?se a possibilidade de invocação, por analogia, da legislação do radialista especificamente o art. 16, I, do Decreto nº 84.134/79, para efeito de conferir ao jornalista profissional que acumula funções a gratificação de acréscimo salarial, dada a ausência de legislação específica para os jornalistas 2. Embora o dispositivo em questão volte?se para a profissão de radialista porque é decreto regulamentador da Lei nº 6.615/78, não há como afastar a possibilidade de aplicação, por analogia (CLT, art. 8º), de tal preceito à categoria de jornalista dada a semelhança das profissões. 3. Cotejando?se as descrições sumárias inscritas na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) de ambas as categorias profissionais jornalista e radialista , conclui?se que as atividades se assemelham, na medida em que tanto o jornalista quanto o radialista prestam os seus serviços em empresas que produzem o mesmo efeito prático, que é a transmissão de notícias. Tal conceito, inclusive, fica mais evidenciado para os empregados que trabalham para a Rádio CBN (Central Brasileira de Notícias) empresa de radiodifusão que possui âncoras, repórteres e jornalistas 4. No caso, era incontroverso que a Reclamante, jornalista profissional do Jornal Zero Hora, acumulava as funções de editor e repórter, ficando patente a alteração contratual sem a respectiva contraprestação por esse acréscimo de atribuições, devendo ser aplicada, por analogia, o art. 16, I, do Decreto nº 84.134/79. Recurso de revista desprovido. Tribunal Superior do Trabalho (TST?RR?3.121/2003?018? 12?00.7, Relator: IVES GANDRA MARTINS FILHO, publicado em 03/03/2006). Assim, resta aplicável aos jornalistas como a Reclamante, a Lei nº 6.615/78. Os arts. 13 e 14 da lei 6.615/78 dispõem: Art 13 ? Na hipótese de exercício de funções acumuladas dentro de um mesmo setor em que se desdobram as atividades mencionadas no art. 4º, será assegurado ao Radialista um adicional mínimo de:(...) Art 14 ? Não será permitido, por força de um só contrato de trabalho, o exercício para diferentes setores, dentre os mencionados no art. 4º. Portanto, ao tempo em que prevê o adicional pelo acúmulo de funções dentro de um mesmo setor, a lei proíbe essa acumulação quanto a funções relacionadas a setores diversos. De acordo com o art. 4º da lei: Art 4º - A profissão de Radialista compreende as seguintes atividades: I ? Administração; II ? Produção; III ? Técnica. (?) § 2º As atividades de produção se subdividem nos seguintes setores: a) autoria; b) direção; c) produção; d) interpretação; e) dublagem; f) locução; g) caracterização; h) cenografia. No caso, aplicando-se as designações da lei, tem-se que a Autora fora contratada para laborar na atividade de produção, dentro do Setor também chamado de Produção. Como se vê do parágrafo 2º acima transcrito, autoria e locução são setores diversos da produção, ou seja, não são funções exercidas dentro do Setor de Produção. A teor da disciplina legal considerada, o acúmulo reconhecido na sentença como exercido pela Autora não se enquadra na previsão de pagamento de adicional previsto no art. 13 da lei. A conclusão a que se chega, portanto, é que havia o acúmulo, mas relacionado a setores diversos. Essa situação é proibida pela lei, conforme acima referido, e poderia gerar outras consequências, talvez um segundo vínculo empregatício, mas não o direito ao adicional pela acumulação. Contudo, essa hipótese de outro liame empregatício não é objeto da reclamatória. Nesse quadro, dou provimento ao recurso, no item. ART. 475-J DO CPC O Juízo sentenciante entendeu aplicável a multa prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil à espécie. Pede o Recorrente a exclusão da condenação da aludida penalidade por entender inaplicável no âmbito da Justiça do Trabalho. A matéria suscita ampla controvérsia nesta Especializada. Alguns defendem sua aplicação tendo em vista a celeridade e a efetividade processuais. Outros entendem que não há espaço para sua aplicação, visto que o processo trabalhista tem regras próprias, o que afasta a subsidiariedade da Lei Processual Civil ao caso. Alinho-me entre os que adotam o segundo posicionamento. Embora desejável o primeiro, deve-se aguardar até que a jurisprudência das Cortes Superiores e a doutrina se definam por sua aplicação, se for o caso. Ademais, o Col. Tribunal Superior do Trabalho tem precedentes no sentido aqui adotado: RECURSO DE REVISTA. MULTA DO ART. 475-J DO CPC. INCOMPATIBILIDADE COM O PROCESSO DO TRABALHO. REGRA PRÓPRIA COM PRAZO REDUZIDO. MEDIDA COERCITIVA NO PROCESSO TRABALHO DIFERENCIADA DO PROCESSO CIVIL. O art. 475-J do CPC determina que o devedor que, no prazo de quinze dias, não tiver efetuado o pagamento da dívida, tenha acrescido multa de 10% sobre o valor da execução e, a requerimento do credor, mandado de penhora e avaliação. A decisão que determina a incidéncia de multa do art. 475-J do CPC, em processo trabalhista, viola o art. 889 da CLT, na medida em que a aplicação do processo civil, subsidiariamente, penas é possível quando houver omissão da CLT, seguindo, primeiramente, a linha traçada pela Lei de Execução fiscal, para apenas após fazer incidir o CPC. Ainda assim, deve ser compatível a regra contida no processo civil com a norma trabalhista, nos termos do art. 769 da CLT, o que não ocorre no caso de cominação de multa no prazo de quinze dias, quando o art. 880 da CLT determina a execução em 48 horas, sob pena de penhora, não de multa. Recurso de revista conhecido e provido para afastar a multa do art. 475-J do CPC.(RR 668/2006-005-13-40. 6ª Turma. Rel. Min. ALOYSIO CORRÊA DA VEIGA, DJ: 28/03/2008). Em que pesem tais fatos, no caso dos autos, entretanto, não se cogita de aplicação, ou não, da referida multa, visto que inexistente direito obreiro à percepção de qualquer parcela decorrente do contrato de trabalho, não há falar em previsão de cominação de multa em caso de inadimplemento. Assim, dou provimento para, reformando a sentença, afastar da condenação a aplicação da multa prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil. Com efeito, tendo a sentença sido reformada nos dois únicos pedidos deferidos na sentença, restam totalmente improcedentes os pleitos formulados na reclamatória. CONCLUSÃO Conheço do recurso e, no mérito, dou-lhe parcial provimento para afastar a condenação em diferenças por acúmulo de funções, restando totalmente improcedentes os pedidos formulados na reclamatória. Invertido o ônus da sucumbência, ficam as custas a cargo da Reclamante, dispensada do pagamento na forma da lei. CONCLUSÃO ACORDAM os Desembargadores da Egr. 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, em sessão turmária e conforme o contido na respectiva certidão de julgamento, aprovar o relatório, conhecer do recurso e, no mérito, dar-lhe parcial provimento para afastar a condenação em diferenças por acúmulo de funções, restando totalmente improcedentes os pedidos formulados na reclamatória. Invertido o ônus da sucumbência, ficam as custas a cargo da Reclamante, dispensada do pagamento na forma da lei. Tudo nos termos do voto da Relatora. Ementa aprovada. Brasília-DF, sala de sessões (data do julgamento). Desembargadora FLÁVIA SIMÕES FALCÃO Relatora FSF/H