1072 O LUGAR DA EDUCAÇÃO NA GÊNESE DOS SERVIÇOS ESTATÍSTICOS EM MINAS GERAIS (SÉCULOS XIX e XX) Sandra Maria Caldeira Luciano Mendes Faria Filho Universidade Federal de Minas Gerais RESUMO O presente texto é parte integrante das pesquisas realizadas pelo GEPHE- Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação da Faculdade de Educação/UFMG- e insere-se no Projeto Integrado de Pesquisa intitulado “Escolaraização, Culturas e Prática Escolares: investigação sobre a instituição do campo pedagógico em Minas Gerais (1750-1950)”. Esta comunicação pretende discutir o processo de constituição do campo pedagógico em Minas Gerais, a partir da estruturação dos serviços estatísticos nos séculos XIX e XX. Nosso objetivo é entender o lugar que a Educação ocupa nestes serviços e nos levantamentos populacionais por eles realizados. Esta reflexão objetiva, então, tratar o processo incipiente da criação da estatística que inicia-se com o arrolamento populacional de 1820. Este processo culmina com a realização do recenseamento oficial da população, em 1872. A complexificação dos órgãos estatísticos ocorrem sobretudo na década de 30 e 40 do século XX. Nesta perspectiva, buscamos compreender as representações da Educação nos documentos populacionais, no período de 1820 a 1940. A produção, pelo Estado, de dados estatísticos escolares é uma maneira de se adequar às prerrogativas propostas pela Modernidade. Os números são tidos, no discurso da época, como verdades únicas, sendo largamente utilizados, denotando assim, uma racionalidade e dando a ver a realidade do processo de escolarização empreendido pelo Estado. Os dados estatísticos são representativos na medida em que dão conta de visualizar e produzir categorias que permitam a governamentalidade (tem a ver com uma possibilidade de governar que se institui no Império e associa-se à formação do Estado); por isto, a utilização deste instrumento impar na divulgação e apresentação dos dados. Assim, percebemos uma íntima relação entre a produção dos números e o Estado. Este, ao se estruturar, produz estatísticas que reforçam o caráter supostamente neutro e científico dos dados escolares, legitimando o Estado e a instituição educacional. Tendo em vista a tríade Estado, govermentalidade e estatística, nosso objetivo, nesta comunicação, é refletir sobre uma relação que se estabelece entre estatística, os órgãos de governo que a produzem e a formação do Estado Moderno no Brasil, considerando os eventuais conflitos, rupturas e continuidades envolvidos nesse processo. As estatísticas educacionais tem nos permitido pensar os modos como o Estado relaciona a população, pois elas funcionam como uma das possibilidades da governamentalidade moderna. Nesse sentido, a proposta de investigação seria compreender e elucidar as relações que se estabelecem entre a construção do Estado Moderno brasileiro e os serviços de estatística –sua estruturação burocrática, formas de coleta e divulgação das informações, recrutamento dos técnicos, competências e a institucionalização destes serviços na legislação do período – bem como analisar o conjunto dos serviços organizados pelo Estado, particularmente, os serviços da Educação. Os levantamentos populacionais, ou seja, os censos tem colocado a educação como uma das dimensões da cultura, como algo que é mencionado nos gastos e não nas receitas do Estado. Este estudo tem nos permitido pensar na especificidade estatística como conhecimento e representações sociais, assim podemos dizer que a estatística pode ser compreendida de diversas maneiras; quais sejam: a estatística como maneira de conhecer, ou seja, as relações entre as estatísticas, as ciências modernas e os sistemas de governo; as estatísticas como maneira de representar a realidade; é também possível pensar as estatísticas como produção de categorias sociais/educacionais, ou seja, as estatísticas como maneiras de classificar, “expressar” a realidade. Estas afirmações foram possíveis a partir das reflexão que vem sendo realizadas no processo da pesquisa, que trata da constituição da estatística no âmbito nacional nos séculos XIX e XX, além de estudos que discutem a veracidade e as representações dos dados escolares nas fontes oficiais em Minas Gerais, do final do século XIX a meados do século XX. As fontes utilizadas neste texto são publicações oficiais estatísticas de Minas Gerais; tais como: artigos da Revista Brasileira de Estatística, Anuário Vida Escolar (1916-1925), Sinopse Estatística do Estado de Minas Gerais (1936-1938), Boletins do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos –INEP, os recenseamentos populacionais oficiais do período Imperial e da República, no período de 1820 a 1940, ainda será importante o diálogo com a legislação constitucional da época. Estes documentos encontram-se no Arquivo Público Mineiro e no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE. TRABALHO COMPLETO Neste texto propomos refletir a representação da instrução elementar no período da criação dos serviços de estatística em Minas Gerais, nos séculos XIX e XX. Procuramos, ao longo do texto, identificar como a educação escolar passa de um campo ainda indefinido, no 1073 início do século XIX, para uma das instituições mais importante na estrutura social já no final do mesmo século. Alcançando lugar de destaque nos discursos dos presidentes da Província, depois Estado, mineiro e nas discussões que se travam nos documentos censitários. A pesquisa, ainda em fase inicial, realizou-se com pesquisa sistemática no Arquivo Público Mineiro e análise das fontes primárias1 e secundárias2 ali encontradas. Essa pesquisa é resultado de reflexões que vem sendo realizadas no Grupo de Estudos e Pesquisas em Histórias da Educação (GEPHE) sob a orientação do professor Dr. Luciano Mendes de Faria Filho. Nossa investigação, inicialmente, buscou compreender como ocorreu a legitimação do campo escolar em Minas Gerais e, nesse contexto, como se dava a utilização das estatísticas escolares, abrangendo o período de 1889 a 1940. Notamos, naquele momento, que a estatística era um mecanismo importante de visibilidade das ações do governo no campo educacional, além de justificar decisões políticas. As preocupações com a criação de uma nação moderna, progressista e democrática estava atrelada ao desenvolvimento da instituição escolar. A educação é tida pelos intelectuais, naquele momento, como mola propulsora do crescimento da nação. Nesse contexto, a estatística é amplamente utilizada, sendo considerada pelo Estado como ferramenta legítima de poder, justificando suas ações políticas. Nessa pesquisa, uma dúvida nos chamou a atenção, inquietava- nos as condições de produção dos dados, quem eram os responsáveis pelo recolhimento, processamento e posterior apresentação desses dados, e particularmente os números sobre a educação mineira. Foi a partir daí que surgiu essa pesquisa, com a pretensão de entender qual o lugar que a educação ocupa na gênese dos serviços de estatística no Estado. Um problema com o qual defrontamos, na investigação, diz respeito à ausência de fontes que nos auxiliem na compreensão do processo de constituição dos serviços principalmente pela inexistência de estudos históricos anteriores sobre o assunto. A situação agrava-se quando o pesquisador pretende investigar a partir do início do século XIX, como é o nosso caso. 2. Dimensionando o campo estatístico educacional Investigar o campo educacional a partir das estatísticas que parece dar o direcionamento das políticas públicas tem sido um esforço de poucos historiadores da educação brasileira. Nesse sentido, por que estudar as estatísticas escolares? Qual a sua relevância para a História da Educação? Responder estes questionamentos nos remete a uma questão que é fundante no discurso da Modernidade que diz respeito à criação dos Estados Nacionais, principalmente na França a partir do século XV, conforme nos informa REVEL (1989)3. A modernidade em Minas Gerais, para João Antônio de Paula (2000) “...significou a emergência de instituições, de valores, de concepções, de atitudes, de modos específicos de vivência do tempo, de apropriações do espaço, de produção e reprodução material, de 1 Algumas fontes já analisadas são os relatórios dos presidentes da Província Mineira, Correspondências recebidas e enviadas pelo fundo da Seção Provincial no período de 1820 a 1889. 2 São alguns artigos publicados na Revista Brasileira de Estatística de 1943 e 1946, além de documentos censitários produzidos pela Diretoria Geral de Estatística em 1921, e pelo IBGE em 1951. Alguns destes documentos foram contribuições do Colega do GEPHE, Leonardo Santos Neves sistematizadas no texto A estatística educacional e a instrução pública no brasil: das deduções ao “convênio interadministrativo de 1931”, apresentado no II Congresso Brasileiro de História da Educação realizado em Natal-RN/2002. 3 Esse mecanismo foi se consolidando para controlar e demarcar os territórios franceses. Neste contexto, as estatísticas realizadas nas viagens do soberano pelo país, impõem e constróem sua legitimidade, ou seja é uma estratégia para reforçar seu poder, tornando um instrumento freqüente para formulação de estratégias governamentais. 1074 organização da vida política, de vivências subjetivas, que redefiniram de fato, o projeto civilizatório ocidental.” (p.15) Isso implica numa organização muito específica do poder, assim é importante discutir a produção das estatísticas nesse cenário, de construções políticosociais. Estudar os dados escolares é importante pelo fato da estatística ser um componente do Estado no seu processo de fortalecimento, e no decurso da legitimação da escola. Na estruturação do Estado um dos seus componentes é a construção de dados para a possibilidade de influir na população. A estatística também pode ser investigada para conhecermos melhor um serviço público, que ao mesmo que é estruturado pelo Estado também lhe estrutura, numa via de mão dupla. A estatística pode ser entendida como uma representação social que dar a ver ideários, conceitos e modos de vida na sociedade mineira e brasileira. Entender a estatística é compreender uma representação que lhe é dada na Educação. Os dados são importantes na medida em que nos informa qual magnitude se deu o processo de escolarização em Minas Gerias, entendendo que aspectos isso proporcionou na cultura, na sociedade, na produção de um público escolarizado. Esses dados são produzidos por quem? Então, nossa pesquisa tem caminhado na tentativa de entender os mecanismos de implementação dos serviços educacionais estatísticos em Minas Gerais. Ao investigar a questão da escolarização em Minas Gerais, nos séculos XIX e XX, deparamos com freqüência nos documentos dos presidentes da Província e, posteriormente Estado, com autilização de estatísticas educacionais para dar inteligibilidade ao movimento nas escolas públicas e privadas no Estado. Podemos dizer que o Estado para dar a ver a sua governamentalidade (FOUCAULT, 1986), lança mão de vários instrumentos, ou seja técnicas e táticas utilizadas para se fazer sentir através de seus mecanismos, no intuito de legitimar sua força enquanto um poder oficial. É no processo de afirmação do Estado que concomitantemente vão se consolidando as estatísticas. Mesmo que estes dois elementos tenham suas especificidades, em alguns momentos eles se confundem dada a sua íntima relação. A própria escrita do termo estatística no espanhol é estadística4, sendo originada da palavra Estado o que afirma uma cumplicidade entre estes dois campos. Quanto à Educação é também válido afirmar que sua relação com o Estado é sustentada por estreitos laços, a presença deste mecanismo no sistema educacional é muito marcante, ativa e por isso é necessário pensá-la em termos relacionais. Para entendermos a relação entre Educação e Estado é importante compreendermos o poder que pode ser entendido como algo que extravasa tais instâncias, como fios de óleo. Este perpassa qualquer instituição e se legitima enquanto “coisa tão enigmática, ao mesmo tempo visível e invisível, presente e oculta, investida em toda parte” (Foucault.1986:75). Os discursos produzidos acerca das Estatísticas têm essa acepção de verdade, pois esta não existe, segundo Foucault, fora do poder, a verdade é construída graças a várias coerções e efeitos do poder. “O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz um discurso.” (Foucault.1986:8) O poder simbólico atribuído às estatísticas legitima sua linguagem considerada moderna e verdadeira, assim produz-se um discurso de que tais números representam fielmente a realidade. Usar desta representação é em última instância dar legitimidade ao discurso proferido, é ser moderno. Entender as estatísticas é compreender um discurso que lhe sustenta, e lhe dá significações. Foi esse processo que conduziu nossas reflexões sobre a produção das estatísticas por representantes do Estado. Podemos dizer que as idéias do Estado para a Educação se produz no processo de construção das estatísticas, dos serviços educacionais. É uma questão interna à legitimação do Estado, a estatística não é criada para atender uma demanda do Estado, mas este ao se legitimar produz estatísticas, por isso, que se faz importante o estudo da abordagem 4 Nos documentos do início do século XIX, a grafia do termo era similar, como veremos neste texto. 1075 quantitativa na história da Educação, pois os números estão inseridos em um sistema de significações e são, portanto inteligíveis, dando sentido ao movimento da escolarização. Popkewitz (2001), discute a estatística como um sistema de significação do mundo a partir de categorias que classificam a realidade, por isso mesmo, determinam padrões de normalidade, definindo modos de inclusão e exclusão. Nesta perspectiva, os números funcionam como um sistema de razão que matematiza coisas aparentemente abstratas e incomensuráveis, determinando sujeitos que vão ler a realidade a partir destas categorias previamente estabelecidas. Produz-se desta maneira identidades que ingressam ora na falta, ora no padrão dito normal. A criação dos serviços estatísticos tem como principal fundamento entender e afirmar o Estado mineiro a partir de algumas definições, dentre elas a instrução pública. 3.Estruturação dos serviços estatísticos em Minas Gerais: alguns indícios O primeiro trabalho que tivemos acesso sobre os serviços estatísticos em Minas Gerais foi uma publicação da Revista Brasileira de Estatística de autoria de M. A. Teixeira de Freitas5(1943). Nas reflexões o autor dá algumas notícias sobre a criação desses órgãos no Estado. Freitas (1943) afirma que a estatística mineira vem sendo cultivada desde a Colônia com a vigilância e controle da Metrópole. Essa fiscalização severa era possível, dizia ele, através de minuciosos registros e levantamentos estatísticos para garantir a dependência política e social da terra explorada. Segundo Nelson de Senna (1918) o primeiro arrolamento demográfico de Minas Gerais ocorreu, ainda na Colônia, em 1752 acusando uma população de 226.666 habitantes. Freitas compartilha da idéia e, assim, utiliza Senna como referência. No anuário de Minas Gerais, o autor faz alusão ao “censo” de 1752, por outro lado o documento do recenseamento de 1920 publicado pela Diretoria Geral de Estatística faz uma crítica pertinente a nomenclatura utilizada por Nelson de Senna afirmando que A palavra censo é indevidamente adoptada6 (...) para indicar a série de algarismos representativos da população em diversos annos7, quando muitos dos totaes apresentados não passam de meras estimativas, algumas das quaes até sem caráter official, como a que diz respeito ao anno de 1900, e que é simplesmente um calculo do demographista Dr. Antonio de toledo Piza, outr`ora director da repartição denominada Archivo e Estatística de São Paulo. (p.453) Para Freitas (1943), em Minas Gerais, desde cedo houve um desejo do Conselho do Governo em realizar um levantamento simultâneo da estatística e da corografia regional. Nesse sentido, foi elaborado um inquérito, por ordem do referido Conselho na circular de 23 de junho de 1825, enviado às Comarcas para que o Conselho do Governo conhecesse a Província no que se refere à extensão territorial, as plantações, animais, rios navegáveis ou não, enfermidades, casamentos, expostos, instrução pública, etc. Esse inquérito, redigido por Luiz Maria da Silva Pinto -Secretário do Governo- enumera 15 itens a serem respondidos. O último item, transcrito a seguir, refere-se à instrução Pública: “O Estado da instrução pública com declaração dos mestres, do numero dos dicipulos, (...) e seu aproveitamento. E principalmente se os mestres são assiduos no cumprimento de seus deveres” (Revista do Arquivo Público Mineiro, 1896,p. 785). Nota-se que, nesse primeiro inquérito, a preocupação com a educação restringe-se ao número de alunos, seu aproveitamento e a assiduidade dos mestres. Isso parece refletir a ausência de um órgão que pudesse inspecionar a instrução 5 Diretor Geral de Informações, Estatística e Divulgação do Ministério da Educação. Ao longo do texto, optamos por manter a grafia original das palavras tal como essas se encontram nas fontes. 7 Referindo-se aos cômputos de 1752, 1776, 1786, 1807,1813, 1817, 1821, 1833, 1852, 1854, 1856, 1865, 1872, 1882, 1888, 1890,1892,1897 e 1900. 6 1076 pública, ainda que essa fosse incipiente e demonstra, ainda, a fragilidade do Estado no controle de seus diversos campos de atuação. Em uma correspondência de 1833, o mesmo Silva Pinto, considerado o pai da estatística geral mineira por Teixeira de Freitas, elabora um documento que ele denomina Plano geral sobre toda a Província, a pedido do Conselho do Governo (portaria de 22 de outubro de 1833), assim ele relata: Em observancia pois desta resolução examinei o allegado nas mencionadas Representações, os documentos que as acompanharão, alguns apontamentos estadisticos e corographicos, e ainda os mappas da população proximamente colligidos, e tenho a honra de expor a V.Exa. que contando taes apontamentos dos annos, e não havendo outros mais recentes, e detalhados, e mappas topograficos, que permitão ficar ao alcance das actuaes circunstancias dos Districtos, e das localidades das Fazendas, Ribeiras e Montes referidos, para a precisa confrontação, achei-me quasi reduzido aos Relatórios dos interessados, e sem os dados necessarios para com segurança, e justesa interpor minha oppinião sobre as diferentes pertenções. (SP,PP, caixa 01, 1833) Grifos nossos. No trecho acima, percebe-se uma preocupação do Secretário na elaboração de estudos que refletissem a realidade das Vilas, mas seu trabalho era dificultado pela falta de dados dos mesmos locais. Dessa forma, suas fontes constam somente dos relatórios enviados pelas Câmaras, ou, pelos juizes de paz das localidades. Em algumas correspondências enviadas ao Conselho do Governo constatamos claras referências à instrução pública demandada pelo aumento do número da população nas Vilas, sendo por isso, indispensável uma escola de primeiras letras naquele lugar: Sendo a instrução o movel principal para a civilização dos povos, e para o amor do sistema jurado, clâro está quanto merece toda a promoção. É isto mesmo o que se leva ao conhecimento de vossas Exc. na Representação inclusa, que por intermedio desta Camara, dirige a vs. Exª o juiz de Pas de Santo Antonio da Serra Antonio Ribeiro de Sousa Leão, em que faz ver o augmento de população na quelle lugar, concluindo a nesessidade de huma Eshola de primeiras Letras, para cujo fim esta Camara supplica a V.ª Exª queiras [arguir] com eficácia, visto que semelhante Representação se funda em verdade. Deos Guarde a vª Exª. Villa de Nossa Senhora do Bem Sucesso em Sessão Ordinária8 de 9 de junho de 1831. (SP, PP, caixa 01, 1831) Grifos nossos. Em outra fonte percebemos o mesmo desejo apontado acima. Na correspondência enviada pelo juiz de paz à Câmara municipal de Serra de Santo Antônio, em 13 de abril de 1831, observa-se um pedido de uma escola de primeiras letras, instituição que se justifica pelo aumento da população daquela localidade. Confiado nos desvellos com qe. S. M. I. promove o bem geral da nação, e do qto. o mesmo augusto senhor dezeja ver florescer as luzes no seo Imperio, cujo reprezentar a v. v. pª qe. como órgãos da voz dos habit.es deste termo levem ao conhecimento do Ex.º governo da provincia nesessit.º qe soffrem os habit.es desta terra, cuja população tanto se tem aumentado, como se vê das attestaçoens, qe. acompanharão ao requerimento pel. qe o mmo. Exmº governo determinou a creação de hu juis de paz pa. aqui. E isso que se acha nas cirscunstancias de ser provida com hua escolla de primeiras lettras para instrução da mocid.e 8 Assinam o documento: João Alves de Araujo, José Felizardo da Costa, Antonio Jose Carvalho, Bernardo Gonçalves Senna, João Pereira de Araujo Pinto. 1077 Brazileira qe. se acha desamparada, pº. q.e tendo existido aqui duas Escollas particulares, cujos mestres ensinarão a rogar dos pais de familias, estes se auzenta não a tratar desses negocios. E por isso qe. attendendo a tão justos motivos roga a v.v. s.s. que vão tomar esta em sua consideração. Serra de Santo Antonio, 13 de abril de 1831. Antonio Ribeiro de Souza Leão- juiz de paz. (SP, PP, caixa 01, 1831)Grifos nossos. Essas fontes levam nos a pensar na existência de alguns movimentos de contagem da população pelos juizes de paz. Há evidências de que havia uma ligação entre o número da população das cidades e a implementação de escolas de primeiras letras. Pois, nessas correspondências há indícios de mapas da população que eram enviados inclusos nos relatórios. Atendendo a uma resolução do Conselho do Governo de 14 de abril de 18289 que exige dos professores uma relação dos alunos, sua idade, se sabe ler, escrever, contar a tabuada, para receberem seus salários. Em uma correspondência recebida pelo Conselho do Governo da província existe um pedido para a anulação desta lei, pois os professores dispendiam muito esforço na elaboração dos mapas. A Camara Municipal desta cidade observando pela pratica quanto seja onerosa aos professores publicos a obrigação de appresentarem attestados que verifiquem o bom desempenho das suas obrigações para poderem cobrar seus ordenados, (...) à vista de todas estas ponderaçoens resolveo levar á presença de v.v. Exª esta representação para que dignando-se tomá-la em consideraçào hajão por bem de revogar nesta parte as instrucções já citadas de 14 de abril de 1828; visto que até há exemplo de hum professor que recebe os seos ordenados independente de appresentar attestações desta Camara. (SP, PP, caixa01, 1831) Estes documentos permitem-nos dizer que desde a década de 20 do século XIX, havia um esforço em organizar as estatísticas escolares e, a partir de 1872, é que ganham força com a criação da Diretoria Geral de Estatística. Freitas (1943) assegura que houve apenas uma tentativa de organização populacional e corográfica em Minas Gerais realizada por Silva Pinto, em 1826, intitulada “Plano para uma nova organização civil de Minas Gerais” e somente 66 anos depois que J.P. Xavier da Veiga10 iniciou uma busca de dados para a Corografia Mineira. Apesar de Freitas, aparentemente, ignorar o que ocorre no período de 1830 a 1880, constatamos nas documentações arroladas, que na realidade várias foram as tentativas de organização de um serviço estatístico e leis que organizassem, de fato, os arrolamentos populacionais no Estado. Uma destas tentativas oficiais foi a lei nº46, de 18 de março de 183611 que determinava o modo de organizar a estatística demográfica em anual e decenal. A estatística anual foi confiada aos párocos responsáveis por organizar os registros de nascimentos, casamentos e óbitos, enquanto a estatística decenal trataria do recenseamento geral de todos os habitantes da Província, sob os auspícios dos juizes de direito das comarcas que teriam a liberdade de nomear os recenseadores. Alguns presidentes de Província12 dentre eles Bernardo Jacinto da Veiga13, em 1839 e 1840, reclamava da impossibilidade de aplicar a lei n.º 46, devido a inércia dos funcionários 9 Em muitas correspondências do fundo da Seção Provincial, há referência a esta resolução, mas até o momento essa não foi localizada no APM. 10 Então presidente da Província. 11 Citada no Documento Censitário da Diretoria Geral de Estatística em 1921. 12 Antônio da Costa Pinto, 1837 e José Cesário de Miranda Ribeiro, 1838. 13 Concordam com ele os presidentes: Bernadino José de Queroga (1848), José Ricardo de Sá Rego (1851) e Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos (1855). 1078 que organizavam os registros, pois não havia gratificação para os recenseadores. Nota-se que essas contagens eram feita sem ônus de pessoal para a Província o que poderia provocar um retardamento na organização dos serviços estatísticos. Bernardo Jacinto da Veiga defendia que os recenseamentos fossem confiados a pessoas competentes e bem remunerados. O vice presidente da província Quintiliano José da Silva ordenou um inquérito pelo chefe de polícia, mas o resultado não atingiu suas expectativas, desse modo sugeriu mudanças na lei n.º 46, em 1846, para que a mesma tornasse mais eficiente com a intervenção dos párocos. Finalmente a lei n.º 1426, de 24 de dezembro de 1867, autorizou o presidente da Província a suspender as cadeiras de instrução primárias caso não prestasse informações sobre seus habitantes livres e escravos. Segundo documento do Conselho Nacional de Estatística (1951) em 14 de janeiro de 1871, através do Decreto n.º 1426, a corte do Império cria a Diretoria Geral de Estatística, que manda realizar o primeiro recenseamento da população do Império em 1872, em que a população de Minas Gerais consta de 2039735 habitantes14. Em 1890, ocorre o 2º recenseamento populacional, nesse a educação aparece no 3º boletim15 na questão "sabe ler e escrever", após o nome, a nacionalidade e a relação com o chefe da casa, assim como no recenseamento de 1900. No âmbito regional, em 1890 foi criada a Diretoria da Estatística do Estado de Minas Gerais (pelo decreto n.º 10 de 21 de janeiro) que foi dividida em 3 repartições, sendo a 3ª seção responsável pela população, instrução pública, justiça, finanças e política. Por medida de economia, segundo Freitas, esse decreto é invalidado em 29 de março de 1890, pelo decreto 33 que passa o serviço para três comissões. Esse decreto no artigo 3º determina que os trabalhos referentes à população, seu estado político, intelectual e moral, abrangesse, dentre outras coisas: "o número de escolas públicas e particulares, número de alunos e sua freqüência; o número de escolas de instrução primária destinadas a adultos; o número das escolas normais para o professorado e dos alunos; o número dos colégios, liceus, ginásios e quaisquer outros estabelecimentos de instrução secundária, públicos ou particulares, dos alunos que freqüentam, divididos por sexo e idades; o número e sede dos estabelecimentos de instrução superior; natureza do ensino e número de alunos; o número das pessoas de cada sexo encarregadas do ensino primário, secundário e superior com as necessárias distinções de catedráticos, substitutos, adjuntos, repetidores e preparadores."(Freitas,1943:110) Apesar do plano ser interessante não desenvolveu o trabalho esperado, fato que pode ter sido desencadeado pela falta de um órgão central e por ter sido fundida em apenas uma seção de estatística da Secretaria do Interior em 1892.Três anos depois esta seção é fundida com o Arquivo Público Mineiro no mesmo departamento, constituindo agora a Diretoria do Arquivo e Estatística do estado. "A estatística, relegada para um plano secundário, poucas vezes aparecendo os seus resultados [estatísticos] em publicações especializadas, (...). [Somente] para ilustrar e documentar apenas os relatórios dos secretários ou as mensagens presidenciais.", como atesta Freitas (1943, p.111). Diante disso, a Secretaria do Interior publicou alguns inquéritos no período entre 1901 e 1920, quais sejam: Dicionário Corográfico e Estatística Corográfica de Distância do Estado de Minas Gerais, a Vida Escolar, de Emílio Mineiro, a Situação Econômica de Minas Gerais de Cornélio Rosenburg, além de outras publicações da Secretaria da Agricultura merece menção o Inquérito de 1916 elaborado pela Seção de Estatística Econômica da Secretaria de Agricultura que para Freitas (1943) é 14 No entanto, 12 paróquias não enviaram os mapas de população. No total são 3 boletins: o 1º era o boletim de informações individuais, o 2º boletim de informações quanto ao indivíduo na família, o3º boletim de informações individuais quanto ao indivíduo na sociedade. 15 1079 um levantamento notável, porém não foi publicado. Refere-se a um expressivo recenseamento do estado, que serviu de base para a realização do recenseamento econômico da União em 1920. Se por um lado nesse período o poder estatal não se empenhou fortemente nos levantamentos da estatística geral em Minas Gerais, nota-se esforços de ordem particular, opiniões e projetos que objetivavam "dotar o Estado de um repertório geral de dados estatísticos." Dessas iniciativas podemos citar Nelson de Senna que elaborou os seis números do Anuário de Minas Gerais16 e Rodolfo Jacó, com o trabalho Minas Gerais no XX século, publicado e organizado sob os cuidados do presidente João Pinheiro. A década de 30 do século XX significou uma estruturação da estatística nacional com o Convênio Interadiministrativo17 de 1931, a criação do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE)18 em 1936e o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP)19 em 1937. Palavras Finais A leitura de alguns documentos e textos contemporâneos que mencionam sobre os serviços estatísticos em Minas Gerais, possibilitou-nos a continuar a reflexão sobre educação nos serviços educacionais. Foi possível perceber que há, desde o início do século XIX, uma preocupação com a organização dos serviços educacionais representada pelo inquérito realizado em 1833 pelo Conselho do Governo. Nessas reflexões notamos que há uma complexificação do olhar sobre a educação nos serviços estatísticos oficiais, o que sugere a produção de um lugar específico para a educação como fenômeno social, que é colocada como uma das dimensões da cultura, como algo que é mencionado nos gastos e não nas receitas do Estado, determinando, assim decisões nas políticas públicas para a instrução. A complexificação dos órgãos estatísticos ocorrem sobretudo na década de 30 e 40 do século XX com a criação do IBGE e do INEP, mas os movimentos que os antecedem são essenciais para compreendermos os eventuais conflitos, rupturas e continuidades envolvidos nesse processo. Observamos uma relação que se estabelece entre a estatística, os órgãos do governo que a produzem, e a governamentalidade (tem a ver com uma possibilidade de governar que se institui no Império e associa-se à formação do Estado). Este estudo tem nos permitido pensar na especificidade dos serviços estatísticos como conhecimento e representações sociais, assim podemos dizer que a estatística pode ser compreendida de diversas maneiras; quais sejam: a estatística como maneira de conhecer, ou seja, as relações entre as estatísticas, as ciências modernas e os sistemas de governo; as estatísticas como maneira de representar a realidade; por último é possível pensar as estatísticas como produção de categorias sociais/educacionais, ou seja, as estatísticas como maneiras de classificar, “expressar” a realidade, dentre elas podemos citar os serviços estatísticos educacionais. 16 Esse anuário foi publicado em 1906, 1907, 1909, 1911, 1913 e 1918. Significou uma padronização dos serviços de estatística nacional, que antes eram isolados por unidade da federação, facilitando a coleta e o tratamento dos dados estatísticos de toda ordem. 18 Integrado ao sistema de Serviço de Educação e Saúde do Ministério da Educação, responsável pelas estatísticas intelectuais. 19 Criado pela lei n.º 378, de 13 de janeiro de 1937. 17 1080 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BESSON, Jean-Louis (org). A Ilusão das Estatísticas. São Paulo: UNESP, 1997. CANDEIAS, Antônio. A Situação Educativa Portuguesa: raízes do passado, dúvidas do Presente, Análise Psicológica, 4(XI), 591-607, 1993. CALDEIRA, Sandra Maria e FARIA FILHO, Luciano Mendes. História da educação mimeira na perspectiva das estatísticas oficiais (1889-1940). In: Anais do II Congresso Brasileiro de História da Educação. UFRN. Natal. 2002. CARVALHO, Marta. A escola e a República. Rio de Janeiro, Brasiliense, 1989. FARIA FILHO, Luciano Mendes. 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