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DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES
Licenciatura em Letras com a Língua Inglesa
Teoria da Literatura II
Professor: Roberto Henrique Seidel
JOÃO BOSCO DA SILVA
([email protected])
CONCRETISMO: A LIBERDADE CONCRETA
FEIRA DE SANTANA – BAHIA
2007
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1. Conceito:
Tecnicamente, poesia concreta é a denominação de uma prática poética, cristalizada
na década de 50, que tem como características básicas: a) a abolição do verso; b) a
apresentação "verbivocovisual", ou seja, a organização do texto segundo critérios que
enfatizem os valores gráficos e fônicos relacionais das palavras; c) a eliminação ou rarefação
dos laços da sintaxe lógico-discursiva em prol de uma conexão direta entre as palavras,
orientada principalmente por associações paronomásticas. Inspirando amores e ódios, na
mesma medida, abrasantes, a Poesia Concreta foi o único movimento literário brasileiro a
conseguir repercussão internacional, e surgiu como uma forma de expressão de liberdade.
1.1 - Grupo Noigandres:
Em 1952, Décio, Haroldo e seu irmão Augusto de Campos rompem com o Clube, por
divergirem quanto ao conservadorismo predominante entre os poetas, conhecidos como
"Geração de 45". Fundam, então, o grupo Noigandres, passando a publicar poemas na
revista do grupo, de mesmo título. Nos anos seguintes defendeu as teses que levariam os
três a inaugurar em 1956 o movimento concretista, ao qual manteve-se fiel até o ano de
1963, quando inaugura um trajeto particular, centrando-se suas atenções no projeto do livropoema "Galáxias".
1.1.2 - A Poesia concreta:
A fase heróica da poesia concreta já passou, mas a criatividade dos "três rapazes do
bairro de Perdizes" sobretudo a de Augusto de Campos não pára de manifestar-se no
campo da música popular brasileira. Décio Pignatari, ao falar em "nova poesia: concreta"
(1956), declarava como "uma arte geral da linguagem, propaganda, imprensa, rádio,
televisão, cinema uma arte popular".
2. Cronologia:
• 1952 - Criação do Grupo Noigandres, por Décio Pignatari e Haroldo e Augusto de
Campos. Surge o primeiro número da revista "Noigandres".
• 1953 - Viagem de Pignatari à Europa, onde ele se encontra com o poeta suíçoboliviano Eugen Gomringer, que realiza na Alemanha experimentações poéticas
próximas da dos brasileiros.
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• 1955 - Augusto utiliza pela primeira vez a expressão "poesia concreta".
• 1956 - A Exposição Nacional de Poesia Concreta é realizada em São Paulo.
• 1957 - A exposição é mostrada no Rio de Janeiro.
• 1958 - É publicado em "Noigandres 4" o "Plano-Piloto para Poesia Concreta".
• 1959 - Dissidentes do concretismo lançam o "Manifesto Neoconcreto".
• 1960 - Aparece a Equipe Invenção, que traz a adesão de novos poetas ao grupo
concretista.
• 1967 - Começa o tropicalismo, movimento que dialoga com a poesia concreta.
3. Grupo fundador:
Tendo à frente o semioticista (articulação dos signos verbais) Décio Pignatari e os
irmãos Augusto e Haroldo de Campos, o grupo paulista - fundador e principal expressão da
poética concretista nacional - é o objeto de estudo do livro “Poesia Concreta brasileira”, do
argentino Gonzalo Aguilar. O obra preenche uma lacuna na bibliografia em língua portuguesa
sobre o movimento que se propôs a reinventar a poesia praticada no Brasil.
3.1 - Décio Pignatari (Jundiaí, 20 de agosto de 1927):
Poeta, ensaísta e tradutor brasileiro. Desde os anos 1950, realizava experiências com a
linguagem poética, incorporando recursos visuais e a fragmentação das palavras. Tais
aventuras verbais culminaram no Concretismo, movimento estético que fundou junto com
Augusto e Haroldo de Campos, com quem editou as revistas Noigandres e Invenção e
publicou a Teoria da Poesia Concreta (1965). Como teórico da comunicação, traduziu obras
de Marshall McLuhan e publicou o ensaio Informação, Linguagem e Comunicação (1968).
Sua obra poética está reunida em Poesia Pois é Poesia (1977). Décio Pignatari publicou
traduções de Dante Alighieri, Goethe e Shakespeare, entre outros, reunidas em Retrato do
Amor quando Jovem (1990) e 231 poemas. Publicou também o volume de contos O Rosto
da Memória (1988) e o romance Panteros (1992), além de uma obra para o teatro, Céu de
Lona.
3.2 - Haroldo Eurico Browne de Campos (São Paulo, 19/081929 — 16/08/2003):
Poeta e tradutor brasileiro. Haroldo de Campos fez seus estudos secundários no
Colégio São Bento, onde aprendeu os primeiros idiomas estrangeiros, como latim, inglês,
espanhol e francês. Ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no
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final da década de 1940, lançando seu primeiro livro em 1949, O Auto do Possesso quando,
ao lado de Décio Pignatari, participava do Clube de Poesia.
Haroldo doutorou-se pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP,
sob orientação de Antonio Candido, tendo sido professor da PUC-SP, bem como na
Universidade do Texas, em Austin.
Haroldo dirigiu até o final de sua vida a coleção Signos da Editora Perspectiva.
"Transcriou" em português poemas de autores como Homero, Dante, Mallarmé,
Goethe, Mayakovski, além de textos bíblicos, como o Gênesis e o Eclesiastes. Publicou,
ainda, numerosos ensaios de teoria literária, entre eles A Arte no Horizonte do Provável
(1969).
Faleceu em São Paulo, e pouco antes transcreveu em português a “Ilíada”, de Homero.
Outras obras:
Xadrez de Estrelas (1976)
Signância: Quase Céu (1979)
A Educação dos Cinco Sentidos (1985)
Galáxias (1984)
Crisantempo (1998)
A Máquina do Mundo Repensada (2001)
3.3 - Augusto Luís Browne de Campos (São Paulo, 14 de fevereiro de 1931):
Poeta, tradutor e ensaísta brasileiro, Augusto de Campos estreou em 1951 com o livro
O Rei Menos o Reino, quando ainda era estudante da Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo. É um dos criadores da Poesia Concreta, junto com seu irmão, Haroldo de
Campos, e Décio Pignatari, que ao romperem com o Clube de Poesia, lançaram a revista
Noigandres. Usando recursos visuais como a disposição geométrica das palavras na
página, a aplicação de cores e de diferentes tipos de letras, Augusto criou Poetamenos
(1953), Pop-cretos (1964), Poemóbiles (1974) e Caixa Preta (1975). Boa parte dessa
produção está reunida nas coletâneas Viva Vaia (1979), Despoesia (1994) e Não (2004).
Além de traduzir Stéphane Mallarmé, James Joyce, Ezra Pound, Vladimir Maiakóvski,
Arnaut Daniel e E. E. Cummings, entre outros, publicou as antologias Re-Visão de
Sousândrade (1964) e Re-Visão de Kilkerry (1971). Seus textos críticos podem ser lidos em
Teoria da poesia concreta, Balanço da Bossa, À margem da margem e o Anti-crítico, entre
outros. Sua obra dialoga com a música, tem parceria em canções gravadas por Caetano
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Veloso e Arrigo Barnabé e gravou o CD Poesia é Risco, junto com o filho Cid Campos
(1994).
4. Concretismo: paixão e fúria:
Poucos temas na cultura brasileira da segunda metade do século provocam tanta
paixão e fúria quanto o concretismo. Projeto fundamental bem-sucedido, projeto fundamental
malsucedido, uma farsa, momento que precisa ser avaliado com mais vagar; muitas são as
opiniões e posturas. O inegável é que a menção do nome do movimento já implica uma
tomada de posição, nem que seja a do silêncio. Vejamos opiniões e críticas:
4.1 - Alexei Bueno:
Para o poeta, o concretismo, como muitos outros movimentos literários, sempre se
organizou de forma sectária."Há incompreensões e equívocos terríveis em várias áreas que
caracterizam esse aspecto sectário. Ou seja, ele desenvolve um choque natural em relação
ao que não segue seu comportamento. E isso tem dois lados: deles contra os outros e dos
outros contra eles."
4.2 - Arthur Nestrovski:
Professor de literatura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
escola onde Haroldo de Campos deu aulas, o concretismo foi fundamental para
internacionalizar o cenário da crítica e da poesia brasileira. Mas ele acrescenta: "É preciso
diferenciar, porém, o que é a contribuição dos poetas tidos como concretos da poesia
concreta em si”.
4.3 - Boris Schnaiderman:
O professor aposentado da USP destaca a abertura que o concretismo provocou na
poesia brasileira. "A poesia concreta foi um fato internacional, e o Brasil teve sua participação
em uma posição bem avançada na literatura. Eles foram muito combatidos e continuam
sendo, mas são algo muito importante em nossa cultura. Esse clima envolve o movimento
porque o concretismo mexeu com muita coisa, subverteu muita coisa."
4.4 - Edgard Braga:
Nasceu em 1898. Esteve ligado aos simbolistas, aos modernistas, à "geração de 45" e,
finalmente, aos poetas concretos. É autor de "Algo", entre outros.
4.5 - Francisco Achcar:
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Professor de língua e literatura latina da Universidade de Campinas, concorda que o
clima controverso está intrinsecamente ligado à própria constituição de uma vanguarda. "Há
um clima irracional de São Paulo x Corinthians em relação ao concretismo. Como todo
movimento de vanguarda, ele nasceu muito cercado de propaganda, o que criou uma
animosidade desde a época de seu surgimento." "Muita gente levou isso a sério. Acontece
que, a partir dos anos 60, todos escrevem em verso, até Augusto de Campos. O curioso é
que eles não voltaram a falar disso."
4.6 - José Lino Grunewald:
Nasceu em 1931. É formado em direito. Publicou poemas concretos em "Noigandres" e
exerce o jornalismo, a crítica literária e a tradutor. Publicou "Um e Dois" (1958), entre outros.
4.7 - José Paulo Paes:
Poeta paulista, nasceu em 1926. É também crítico literário e tradutor. Foi ligado à
"geração de 45" e participou, por algum tempo, da poesia concreta. Acaba de publicar o livro
de poemas "A Meu Esmo";
4.8 - Luís Sacilotto (Santo André, 1924 — São Bernardo do Campo, 9/02/2003):
Pintor, desenhista e escultor brasileiro. Uma maiores expressões do Abstracionismo no
Brasil, Luís Sacilotto foi revelado durante a década de 1940. Em 1943, formou-se letrista no
Instituto Profissional Masculino do Brás. Em 1944 ingressou na Centro Universitário Belas
Artes de São Paulo para estudar desenho, saindo de lá em 1947.
Sacilotto começou então a trabalhar como publicitário e desenhista de arquitetura.
Ainda em 1947, participou da Mostra de 19 pintores na capital paulista. Em 1952 ganhou o
Prêmio Governador do Estado, na Sociedade Pró-Arte Moderna (SPAM). No mesmo ano
assinou o Manifesto do Grupo Ruptura, aparecendo em suas obras o Concretismo. Entre
1956 e 1957, participou da Primeira Exposição Nacional de Arte Concreta, em São Paulo e
no Rio de Janeiro. Sacilotto participou também, em 1959, da Mostra de Arte Moderna, que foi
exibida na Europa, mostrando sua obra Koncrete Kunst em Zurique, em 1960. Em 1977
participou da Mostra Projeto Brasileiro Construtivo na Arte, organizada pela Pinacoteca do
Estado de São Paulo e pelo Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. No ano de 1988 fez
uma mostra individual em uma galeria. Paricipou da Bienal Brasil Século XX e das principais
exposições de algumas Bienais Internacionais de São Paulo, tendo participado de cinco no
Brasil.
4.9 - Pedro Xisto:
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Nasceu em 1901. Advogado e crítico de arte, ligou-se à poesia concreta em 1958. É
autor, entre outros, "Haikais & Concretos".
4.10 - Silviano Santiago:
Para o crítico e escritor é a própria importância do concretismo que precisa ser
relativizada, pois “é inquestionável o valor histórico do movimento. Ele trouxe para uma
literatura que esclerosava nas formas canônicas dos anos 30 uma lufada de
experimentalismo que fez com que a literatura brasileira nunca mais fosse a mesma. Mas
esse projeto extraordinário não funcionou, que se transformou num projeto “provinciano."
Referência a Mário de Andrade: De acordo com ele, esse insucesso deve-se à
"inabilidade política" dos irmãos Campos e de Décio Pignatari, pois “se eles tivessem lido,
minimamente, o que Mário de Andrade escreveu nos anos 20, eles poderiam ter feito um
trabalho brilhante. O que foi extraordinário se perdeu por falta de senso político: apego em
demasia a uma política pessoal, uma incapacidade de ouvir o outro, um exagerado senso do
poder literário etc. e dele poderiam ter apreendido a extraordinária sensibilidade política”.
5. As três direções do concretismo na poesia:
Para João Alexandre Barbosa, professor de teoria literária da USP, "o concretismo é o
mais importante movimento surgido no Brasil após o modernismo". De acordo com ele, esta
importância se dá em três direções: na poesia, na crítica e na tradução.
a) Como poetas: eles dão à linguagem poética uma primazia que estava sendo perdida
pelo que havia de rarefeito na "geração de 45";
b) Como tradutores, eles criam um amplo repertório para os jovens interessados em
poesia. "Eles estabelecem um cânone e escolhem muito radicalmente alguns autores. É uma
escolha importante, porque eles resgatam esses poetas para a língua portuguesa e para a
cultura brasileira";
c) Como críticos: eles são importantes por reavaliar a literatura brasileira. João
Alexandre cita, por exemplo, o recente texto de Augusto de Campos sobre Euclides da
Cunha (Mais!, 3/11/96).
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REFERÊNCIAS:
[01] BOUDON, R. & BOURRICAUD, F. “Movimentos Sociais” (verbete) Dicionário crítico
de Sociologia. 2ª ed. São Paulo: Editora Ática, 2001.
[02] GULLAR, Ferreira. Etapas da arte contemporânea: do cubismo à arte neoconcreta.
Rio de Janeiro: Editora Revan, 1999.
[03] LOURENÇO, Maria Cecília França. Museus acolhem o moderno. São Paulo: EDUSP,
1999.
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